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A tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro

A tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro

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Resumo: Este artigo aborda as dificuldades de cumprimento da legislação ambiental brasileira diante da existência de conflito de interesses entre o atual modelo de desenvolvimento econômico e a necessidade de sustentabilidade ambiental, devido à real possibilidade de esgotamento e destruição, de forma irreversível, do ambiente natural. Assim, mesmo com a criação de mecanismos jurídicos com escopo de regulamentar a conduta individual e a coletiva, o que resultou no nascimento de um novo ramo da Ciência Jurídica – o Direito Ambiental – o Estado não tem desenvolvido medidas suficientes para resolver os problemas ambientais, não assegurando, na realidade empírica, uma efetiva conservação do meio ambiente. Em virtude da inércia estatal quanto ao dever constitucional de concretização das normas positivadas, a sociedade precisa, diante da forte prevalência dos interesses mercadológicos, pressionar o Poder Público para que venha a cumprir o dever consignado no artigo 225 da Constituição Federal de 1988.

Palavras-chave: Meio Ambiente. Tutela. Ineficácia. Sistema Capitalista.

Abstract: This article discusses the difficulties of compliance of Brazilian environmental legislation against the conflict of interests between the current model of economic development and the need for environmental sustainability. This is due to the real possibility of collapse and destruction and irreversibilty of the natural environment. Thus, even with the creation of legal mechanisms to regulate the scope of individual and collective behavior, which resulted in the birth of a new branch of Legal Science - Environmental Law - the State has not developed adequate measures to solve environmental problems. Not ensuring, in empirical reality, effective environmental conservation. This is because the State's constitutional duty to implement the written rules society needs is not only under pressure from the people but also from capitalist market interests, both pressing the Government in different directions to fulfill the duty enshrined in Article 225 of the Constitution of 1988.

Indexes terms: Environment. Guardianship. Inefficiency. Capitalist System.


1 Introdução

A problemática ambiental revela a existência de uma crise pluridimensional, marcada pelo conflito de interesses, em face da real possibilidade de esgotamento e destrutividade do ambiente natural. A realidade em que vivemos tem sido responsável pelo comprometimento da qualidade do meio ambiente, ameaçando, dessa forma, a continuidade da vida no planeta, sobretudo a humana.

O atual modelo civilizatório está sistematizado por meio de um desenvolvimento econômico que tem se mostrado incompatível com a necessidade de sustentabilidade ambiental, haja vista a sua tendência ao esgotamento dos recursos naturais e energéticos não renováveis, causando a perda da biodiversidade, da qualidade do ar, da água, do solo e a contaminação crescente dos ecossistemas terrestres.

Essa realidade, cujas consequências ambientais inserem-se também nas sociais, vem despertando preocupações em diversos segmentos da sociedade ao longo das últimas décadas, ao se compreender que o meio ambiente é dimensão indissociável da vida humana e base para a manutenção e perpetuação de todas as formas de vida existentes.

A percepção dessa realidade desencadeou, em diversos países, a necessidade de se desenvolver um processo de conscientização ambiental por parte da sociedade, culminando na realização de conferências e encontros, em âmbito internacional, com vistas à adoção de práticas sociais e políticas voltadas para o desenvolvimento sustentável. Dentre essas ações, insere-se a criação de mecanismos jurídicos com escopo de regulamentar a conduta individual e a coletiva, de modo a assegurar a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Como resultado dessa tutela, nasce um novo ramo da Ciência Jurídica, qual seja, o Direito Ambiental.

No Brasil, somente com a Carta Republicana de 1988 verifica-se uma preocupação, em nível constitucional, com a preservação da integridade do meio ambiente, cuja qualidade foi elevada à condição de direito fundamental.

Este artigo se propõe a realizar uma abordagem das dificuldades de cumprimento da legislação ambiental brasileira.


2 A inserção da tutela ambiental no mundo jurídico

A todo instante, estamos nos deparando com inúmeros e variados problemas ambientais, seja por meio da nossa realidade empírica, seja através das fontes de informação que noticiam diuturnamente as agressões ao meio ambiente.

De forma progressiva, o patrimônio natural da humanidade vem sendo dilapidado e os seus recursos explorados de forma indiscriminada. Além disso, problemas como o desmatamento, a queima de combustíveis fósseis, o uso intensivo de agrotóxicos e fertilizantes no solo, dentre outros fatores, têm representado alterações diversas das características do meio ambiente, degradando-o.

A degradação da qualidade ambiental gera consequências que afetam não apenas a biota, mas também a saúde, a segurança e o bem-estar da população, por vezes de forma irreversível, geralmente para atender aos interesses de uma minoria privilegiada que se apropria dos recursos naturais, apenas socializando com o restante da população as externalidades ambientais.

Segundo Milaré (2004), o homem, para a satisfação de suas novas e múltiplas necessidades, as quais são ilimitadas, disputa os bens da natureza, naturalmente limitados. Afirma esse autor que

o processo de desenvolvimento dos países se realiza, basicamente, à custa dos recursos naturais vitais, provocando a deterioração das condições ambientais em ritmo e escala até ontem ainda desconhecidos. A paisagem natural da terra está cada vez mais ameaçada pelas usinas nucleares, pelo lixo atômico, pelos dejetos orgânicos, pela chuva ácida, pelas indústrias e pelo lixo químico. Por conta disso, em todo o mundo – e o Brasil não é nenhuma exceção -, o lençol freático se contamina, a água escasseia, a área florestal diminui, o clima sofre profundas alterações, o ar se torna irrespirável, o patrimônio genético se degrada, abreviando os anos que o homem tem para viver sobre o planeta. (MILARÉ, 2004, p. 48, grifo do autor).

Da transcrição retro, observa-se que o desequilíbrio ecológico é uma realidade concreta, que a degradação ambiental se acentua progressivamente, e que a inserção de modelos econômicos insustentáveis estão destruindo as condições essenciais à existência humana na Terra. Esse cenário, configurado pela exigência de restabelecimento do equilíbrio ambiental, torna patente a necessidade de se criar meios para frear as condutas que degradam o meio ambiente. A sociedade se vê, então, obrigada a pressionar o Estado para que sejam desenvolvidos mecanismos de preservação do equilíbrio do meio ambiente.

Um desses mecanismos diz respeito à elaboração de normas protetivas ambientais de direito interno e internacional, fazendo ex surgir uma realidade inversa à anterior, pois, como lembra Reale (1987, p.297), se antes recorríamos à natureza para dar uma base estável ao Direito – e no fundo esta é a razão do direito natural – assistimos hoje a uma trágica inversão, sendo o homem obrigado a recorrer ao Direito para salvar a natureza que morre.

Essa trágica inversão da realidade é o resultado de um fenômeno social que os cientistas vêm caracterizando como uma crise ambiental. A percepção de tal crise desencadeou, já na década de 1960, um processo de conscientização de alguns segmentos sociais que acabou tomando dimensões internacionais, conduzindo as nações a uma discussão, nos grandes foros internacionais, da problemática ambiental. Como consequência, tem-se a elaboração de importantes conferências, convenções e tratados sobre a necessidade de proteção ambiental.

Na década de 1970, realiza-se em Estocolmo, capital da Suécia, a primeira conferência em nível internacional,visando à sistematização de mecanismos de proteção ambiental. Esse evento, promovido pela Organização das Nações Unidas – ONU, contou com a participação de 113 países e foi denominado de Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano. Desse evento resultou um Plano de Ação para o Meio Ambiente, com 109 recomendações centradas em três grandes tipos de políticas, relativas à avaliação, gestão do meio ambiente mundial e medidas de apoio, como informação, educação e formação de especialistas. Também foi instituído o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.

Na opinião de Soares (2001), a Conferência de Estocolmo foi resultado da percepção das nações ricas e industrializadas sobre a degradação ambiental causada pelo seu modelo de crescimento econômico, o qual desencadeia a progressiva escassez de recursos naturais.

Em verdade, tal conferência decorreu da necessidade de se discutir temas ambientais que poderiam causar conflitos internacionais, pois as nações economicamente mais desenvolvidas – consideradas como ricas pelo autor citado – acreditavam que o crescimento econômico de base industrial e o crescimento demográfico dos países em desenvolvimento eram os grandes responsáveis pela poluição e degradação dos recursos naturais não renováveis. Portanto, tais países tinham como meta barrar a pretensão de industrialização dos países em via de desenvolvimento e não desenvolvidos, acreditando que poderiam permutar tecnologias com commodities primárias para os países de capitalismo periféricos. Essa intenção não se mostrou compatível com os interesses dos países em via de desenvolvimento, os quais reivindicavam o evolver da industrialização, ainda que isso implicasse em poluição.

Por conseguinte, os esforços dos países industrializados, responsáveis, eles sim, pela anunciada crise ambiental, eram contrapostos aos interesses dos países em via de desenvolvimento, interessados em modificar iniquidades. Essa divergência de interesses, ganhando dimensão política, conduziu a discussões acerca da necessidade de se promover desenvolvimento econômico harmonizado com exigência de sustentabilidade socioambiental. Os debates políticos remeteram a um consenso quanto à premência de se instaurar uma Nova Ordem Econômica Internacional, capaz de conjugar a ideia de progresso com a de conservação ambiental e equidade social.

Vinte anos após a Conferência de Estocolmo, foi realizada a Conferência das Nações de Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD), em 1992, na cidade do Rio de Janeiro. Esse evento, que ficou mais conhecido como ECO/92, foi a segunda manifestação solene da ONU em prol do meio ambiente, resultando na elaboração da Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento e no estabelecimento da Agenda 21.

A Declaração sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento é um documento em que ficou consignada a necessidade de proteção ambiental centrada no ser humano, e neste reafirmava-se a expressão desenvolvimento sustentável, enquanto a Agenda 21 consiste em guia de implantação de ações para proteção ambiental no século XXI. Essas ações devem ser implementadas pelos Governos, Agências de Desenvolvimento e Grupos Setoriais, independente da área onde a atividade humana afete o Meio Ambiente, devendo a Agenda 21 ser entendida como proposta de estratégia destinada a subsidiar um planejamento estratégico, adaptado no tempo e no espaço às peculiaridades de cada país e ao sentimento de sua população, com plena observância de todos os princípios contidos na Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento.

De acordo com Almeida e Apolinário (2009, p.30), foi na CNUMAD que pela primeira vez o atual modelo de desenvolvimento econômico foi criticado, sendo considerado injusto socialmente e perdulário do ponto de vista ambiental. Nesse evento também foi proposto o caminho para uma nova sociedade, justa e ecologicamente responsável, produtora do desenvolvimento sustentável.

Observa-se que a Conferência de Estocolmo e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (ECO/92) foram os marcos mais importantes para a tutela do direito ambiental internacional. Com relação à Conferência de Estocolmo, afirma Soares (2001, p.70) que

desde a realização da Conferencia das Nações Unidas em Estocolmo, 1972, emergiu e fortaleceu-se por toda comunidade internacional uma enraizada consciência de que as questões relativas à proteção da ecologia diziam respeito não só aos elementos componentes do meio, tomados isoladamente ou em conjunto, mas com particular ênfase na atuação e finalidade de proteção ao próprio homem.

Em relação à ECO/92, foi consagrada a ideia, nascida em Estocolmo, de desenvolvimento sustentável e integrado. Segundo as deliberações da ECO/92, somente essa forma de desenvolvimento amenizaria as desigualdades sociais, um dos fatores que contribuem para a degradação do meio ambiente. Assegurar possibilidades para uma melhor condição de vida para aos seres humanos é, portanto, uma das formas de fazê-los desfrutar um meio ambiente saudável, somente possível com o equilibro ecológico entre fatores bióticos e abióticos existentes nos planeta, haja vista ser ele um grande ecossistema.

Vale ressaltar ainda que outras contribuições surgiram, posteriormente, tentando articular a necessidade de desenvolvimento com a de conservação ambiental, sobretudo no campo jurídico.

2.1 A inserção da tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro

No Brasil, foi somente a partir de 1970 que se deram os primeiros passos efetivos na história da proteção jurídica ao meio ambiente, década em que surgiram os primeiros diplomas legais tutelando a qualidade ambiental. A necessidade de combate à poluição nas áreas industrializadas, principalmente em Cubatão, polo industrial em que a população foi vitimada pela degradação ambiental, sobretudo da qualidade do ar, em virtude da grande quantidade de fumaça liberada pelas chaminés das indústrias ali instaladas, além, das alterações adversas às características do meio ambiente, em face do nível crítico de degradação ambiental, conduziram a sociedade a lutar pelo seu bem-estar e segurança social.

Em 1980, com objetivo de proteção ambiental, foi editada, em âmbito federal, a Lei nº 6.803/80, dispondo sobre diretrizes básicas para o Zoneamento Industrial nas áreas críticas de poluição. No ano de 1988, objetivando a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida e visando a assegurar, no país, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, foi editada a Lei nº 6.938/81, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente (PNMA).

Esse último diploma legal mereceu especial atenção, pois se preocupou em trazer os conceitos de meio ambiente, poluição e degradação do meio ambiente, além de estabelecer diretrizes destinadas a orientar a ação dos Governos da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios quanto à preservação da qualidade ambiental e manutenção do equilíbrio ecológico. Por meio dessa Lei, foi instituído também o Sistema Nacional do Meio Ambiente/ SISNAMA e o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumentos de Defesa Ambiental.

O SISNAMA tem como finalidade estabelecer uma rede de agências governamentais nos diversos níveis da Federação que pudessem assegurar os mecanismos capazes de implantar eficientemente a PNMA.

Com a instituição da PNMA, a legislação brasileira deu um passo à frente em termos de proteção ambiental. Entretanto, na realidade empírica, não representou um avanço, na medida em que contraria os interesses desenvolvimentistas do capitalismo, motivo por que não se verificou a sua concreta implementação, o que só veio a acontecer posteriormente, com a Constituição Federal de 1988.

Apesar da PNMA, até 1988 observa-se que a defesa ambiental foi objeto de leis setoriais, conquanto não havia um tratamento unitário à tutela ambiental, não obstante a necessidade de se tratar tal problemática segundo uma visão que inter-relacionasse todos os setores associados ao meio ambiente. Nesse diapasão, afirma Soares (2001, p. 39):

Faltavam, até então, normas constitucionais que fundamentassem uma visão global da questão ambiental, que propende para a proteção do patrimônio ambiental globalmente considerado em todas as suas manifestações, em face da atuação conjunta dos fatores desagregantes de todos os objetos de tutela (água, ar, solo e sossego).

As Constituições brasileiras anteriores a 1988 nada trouxeram, especificamente, sobre a proteção do meio ambiente natural, nelas encontrando-se apenas uma orientação quanto à competência da União para legislar sobre água, florestas, caça e pesca, possibilitando, assim, a criação de leis e códigos de proteção a esses elementos, tais como o Código Florestal e os Códigos de Água e de Pesca.

A Constituição de 1988, em um ato de pioneirismo, deu um tratamento constitucional à problemática ambiental ao destinar um capítulo inteiro à questão, firmando o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e impondo ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar a natureza para presentes e futuras gerações, consagrando assim o chamado princípio intergeracional. Por força do texto constitucional, o direito ao meio ambiente hígido passou a ser considerado direito fundamental de terceira geração, ou seja, direito de titularidade coletiva e difusa. A esse tipo de direito, associa-se um poder que se atribui não ao indivíduo, identificado em sua singularidade, mas, em um sentido verdadeiramente mais abrangente, à coletividade, considerando que é elemento essencial à manutenção das condições de existência humana.

Silva (2007) explicita que no qualificativo fundamental(grifo do autor) encontra-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais o ser humano não é capaz de se realizar, de conviver e, por vezes, nem mesmo sobreviver. Ainda de acordo com o referido autor, direito fundamental é aquele que a todos, por igual, deve ser reconhecido, não apenas no plano formal, mas concreta e materialmente efetivado. Nessa condição se encontra o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, diante da sua essencialidade à manutenção da vida no planeta.

Nessa mesma linha de raciocínio apresenta-se Medeiros (2004), quando afirma que ao incluir o meio ambiente como bem jurídico passível de tutela, o constituinte delimitou a existência de uma nova dimensão do direito fundamental à vida e do próprio princípio da dignidade da pessoa humana, haja vista ser o meio ambiente o espaço em que se desenvolve a vida em todas as suas formas, sobretudo a humana. [01]

Analisando a evolução da tutela ambiental na história do constitucionalismo brasileiro, observa-se que o tratamento dispensado à matéria após 1988 representou um processo evolutivo, porquanto se antes tínhamos constituições que não disciplinavam a matéria ambiental, agora temos uma Carta Magna que, além de reconhecer as necessidades de proteção do meio ambiente, busca compatibilizar crescimento econômico com a exigência de desenvolvimento sustentável.

Não obstante os avanços constitucionais, a realidade empírica tem mostrado que há um descaso por parte do poder público com relação ao dever de tutela ambiental, situação justificada, principalmente, em face da prevalência dos interesses econômicos sobre os interesses difusos em uma sociedade capitalista.


3 O descompasso entre a realidade e legislação de proteção ao meio ambiente

O crescimento de projetos e práticas relacionadas à proteção do meio ambiente pressupõe um despertar, na sociedade, de uma consciência quanto à necessidade de conjugar desenvolvimento econômico com sustentabilidade ambiental. A percepção dos efeitos decorrentes das alterações adversas às características do meio natural associa-se a essa tomada de consciência social, responsável pela fragilização da concepção antropocêntrica e da ideia de que por meio da ciência e da tecnologia o ser humano sempre encontra uma solução para os problemas causados ao meio ambiente.

Na perspectiva antropocêntrica, o ser humano é o centro de toda a atividade realizada no orbe, não sendo o planeta compreendido em sua totalidade e, por isso, dissociado do entendimento de que esse todo constitui-se pelas partes, formando um imenso ecossistema,

Portanto, não se situando o ser humano como parte integrante dessa cadeia ecológica, não poderia estabelecer uma relação harmônica com o meio ambiente, percebendo a natureza apenas com um mero fator de produção material, ou seja, algo de interesse meramente econômico e mercadológico. Como consequência, os modelos de desenvolvimento econômico têm sido responsáveis por relações de produção de caráter predatório quando se trata do uso dos recursos naturais, indiscriminadamente explorando-os, despreocupados da necessidade de garantia do direito fundamental à qualidade ambiental.

Esse modelo civilizatório, de base antropocêntrica, tem, portanto, associado a si, um modelo material de produção que não respeita os limites dos recursos naturais, explorando-os até a exaustão, o que levará, como alerta Capra (2002), o sistema econômico mundial ao colapso por absoluta escassez de fontes energéticas e alimentares. As perspectivas de um colapso das condições de manutenção da vida no orbe têm conduzido a sociedade a pressionar o Estado para assegurar a conservação do meio ambiente, dando azo à criação de um mecanismo jurídico que limite as ações sobre o meio ambiente.

O Brasil atualmente dispõe de uma vasta legislação de proteção ao meio ambiente, influenciando, de forma positiva, o ordenamento jurídico nacional, haja vista ser o direito um sistema normativo e não um mero conjunto de normas.

Entretanto, não obstante a existência de uma forte legislação ambiental, a realidade empírica vem demonstrando um descompasso entre o escopo do ordenamento jurídico ambiental e as ações econômicas sobre o meio ambiente, conforme explicam Ruscheinsky e Freitas (2009, p.18):

A produção capitalista é por sua própria natureza anti-ambiental, inclusive com a progressiva degradação ou exaustão dos recursos naturais. Sem esquecer que em alguns setores não há ainda alternativa para proceder de forma ambientalmente correta, como é o caso dos derivados de energia fóssil (petróleo e carvão). A racionalidade do sistema a curto e a longo prazo implica no domínio e destruição dos recursos naturais, desvelando o viés da insustentabilidade, uma vez que toda a natureza passa a ser compreendida como bens naturais com fins de apropriação privada.

Não se pode negar que, além do interesse capitalista na desregulamentação das normas de proteção do meio ambiente, a estrutura burocrática estatal não se encontra devidamente preparada para garantir a efetivação das leis ambientais. Conforme Duarte (2003), constatam-se problemas de carência de informações e de planejamento, restrições de natureza política e orçamentária, falta de integração entre as políticas públicas, deficiências regulatórias e conflitos institucionais.

O entendimento de que a preservação do meio ambiente impede o desenvolvimento econômico responde pela falta de recursos financeiros para uma adequada implementação das políticas ambientais pelos órgãos burocráticos, gerando, com essa insuficiência orçamentária, problemas que vão desde a falta de verbas para contratação de pessoal, em regra despreparados e em números escassos, até a incapacidade de custeio de ações fiscalizatórias ostensivas e impedimento de definição de metas, principalmente a longo prazo.

Além disso, as políticas públicas, em sua maioria, estão sendo vistas pelos administradores como políticas de governo, o que gera a descontinuidade das ações governamentais, sendo bastante comum no sistema político brasileiro a paralisação de planos, programas e projetos elaborados pela gestão anterior, principalmente quando o sucessor possui diferente vinculação político-partidária. Essa prática gera graves prejuízos ao meio ambiente e, por conseguinte, à população.

Assim, se por um lado houve um aperfeiçoamento da ordem jurídica, observa-se que em face da inércia estatal diante do dever constitucional de conservação do meio ambiente há, ainda, uma forte prevalência dos interesses mercadológicos, incompatíveis com as leis da natureza.

Portanto, todo o aparato normativo existente não vem sendo, por si só, capaz de permitir a efetiva proteção ambiental, dependente de ações executivas e políticas dos organismos estatais. Dessa forma, a consagração, em nossa Lei Maior, do direito fundamental ao meio ambiente ecologicamente equilibrado não tem sido suficiente para que tal direito seja efetivamente assegurado, pois, como afirma Milaré (2001), não basta apenas legislar, mas torna-se essencial que o Estado se lance ao trabalho de concretizar as regras postas.

Diante desse descompasso entre a produção legislativa e realidade vivenciada, a sociedade hodierna passa, agora, a enfrentar o desafio de pressionar os governantes a assumirem uma postura ativa no tocante ao dever de proteção ambiental.


4 A posição da sociedade frente à negligência estatal

A nossa Constituição Federal dá uma atenção especial ao direito ambiental, que também passa a ser objeto do dever de proteção e defesa por parte do Estado e da coletividade, uma vez que, nos moldes do artigo 225, impõe-se ao Poder Público o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

A tutela da qualidade ambiental deve ser exercida pelo Poder Público, nas três esferas de poder, cabendo-lhe o desenvolvimento de ações capazes de assegurar, conforme termos da CF de 1988: 1) a preservação e restauração dos processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; 2) a diversidade e a integridade do patrimônio genético do país e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; 3) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos; 4) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental; 5) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; 6) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 7) e proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Assegura ainda a nossa Lei Maior que as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados e a obrigação de recuperar o meio ambiente degradado daquele que explorar recursos minerais, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei.

Em que pese essa proteção constitucional do meio ambiente, a exigência de uma elogiável legislação ambiental e o fato do Brasil ser signatário de inúmeras convenções internacionais sobre o meio ambiente, contraditoriamente o Estado não tem se mostrado capaz de resolver a problemática do meio ambiente.

Diante da essencialidade da proteção ambiental, configura-se imprescindível que a sociedade se organize com o objetivo de exigir que o Poder Público torne eficazes as normas ambientais, assegurando higidez ao meio ambiente.

Problemas como carência de informações e de planejamento, restrições de natureza política e orçamentária, falta de integração entre as políticas públicas, deficiências regulatórias e conflitos institucionais, citados por Carneiro [02] (2001), precisam ser resolvidos, não podendo a população ficar passiva diante da inércia estatal ao dever de assegurar o direito fundamental à qualidade ambiental.

Isso porque, como explica o referido autor, a carência de informações e planejamento não contribui para que se compreendam os efeitos que as diversas atividades produtivas, em especial as capitalistas, acarretam aos processos ecológicos fundamentais, bem como os custos sociais e econômicos decorrentes dessa produção. A ausência, limitação e desatualização ou imprecisão dos dados relativos às variáveis ambientais inviabiliza o planejamento das ações do poder público. Essa realidade estatal malfere a legislação ambiental, impossibilitando a superação dos efeitos negativos da atividade produtiva e uma conciliação dos interesses socioambientais com a necessidade de desenvolvimento, que precisa ser sustentável. Isso exige a formalização, implantação e avaliação de políticas públicas.

Entretanto, o movimento empírico, no Brasil, tem demonstrado que as políticas públicas são vistas pelos governantes como meras políticas de governo, gerando descontinuidade das ações formuladas e já implementadas pelos governos antecessores.

A paralisação de planos, programas e projetos elaborados pela gestão anterior, que ocorre, principalmente quando o sucessor possui diferente vinculação político- partidária, gera graves prejuízos para o meio ambiente e, por conseguinte, para a qualidade de vida da população.

Pelo exposto, constata-se que todo o aparato normativo existente não vem sendo capaz de permitir o efetivo zelo pelo ambiente, uma vez que tal direito depende da ação concreta dos organismos estatais. A mera edição de leis não é suficiente para a efetiva solução da problemática ambiental, sendo necessária a mudança da postura da população e dos órgãos competentes, de modo a dar concretude ao disposto no caput do artigo 225 da CF/88.

Para que isso ocorra, o ordenamento jurídico deve assegurar a adoção de medidas preventivas e um processo educacional que possibilite, além de hábitos em favor da proteção ao meio ambiente, uma consciência crítica sobre as reais causas da crise ambiental.

Imprescindível se faz a aplicação concreta e efetiva dos instrumentos de gestão ambiental, como a contabilidade, auditoria, licenciamento, além da aplicação de medidas coercitivas em caráter retórico e não punitivo, ou seja, de modo a convencer o possível infrator a não cometer determinada infração, pois seu cometimento acarretará mais prejuízo que possíveis lucros, levando as empresas poluidoras à compreensão de que é preciso toda cautela antes de agir sobre o meio ambiente.


5 Considerações finais

A necessidade de proteção ao meio ambiente vem despertando preocupações em diversos segmentos da sociedade ao longo das últimas décadas, haja vista a real possibilidade de esgotamento dos recursos naturais e energéticos não renováveis, e perda da biodiversidade, da qualidade do ar, da água, do solo e a contaminação crescente dos ecossistemas, não só com a destrutividade do ambiente natural, mas das condições de existência dos seres humanos no planeta.

Entretanto, ainda não parece estar claro para a maioria da população que é a forma de organização social predominante, hodiernamente, a responsável pelo comprometimento da qualidade ambiental, uma vez que os interesses mercadológicos se colocam acima do bem-estar social, comprometendo a continuidade da vida no planeta, em todas as formas.

Essa realidade requer, portanto, que a sociedade desenvolva um processo de conscientização crítica quanto às causas da crise ambiental, além de criar normas reguladoras de conduta, individual e coletiva, relativamente à proteção do meio ambiente. Essas normas precisam ser efetivamente aplicadas aos casos concretos, limitando a atuação sobre o meio ambiente, exigindo-se que sejam racionais e adequadas, se o objetivo real for a conservação da qualidade ambiental, condição para se assegurar digna vida. Para que possam ser efetivas, a sociedade precisa cobrar dos poderes públicos o dever de proteger o meio ambiente, o que exige a criação de mecanismos necessários a esse fim, principalmente no que diz respeito à contratação, respectivamente, de insumo humano e materiais apropriados à fiscalização e gestão ambiental, sem o que não se verificará geral mudança na realidade ambiental.

A modificação da realidade ambiental não tem sido tarefa simples, como não tem sido fácil manter inalteradas as normas de proteção ao meio ambiente, haja vista que os mecanismos jurídicos que limitam as ações sobre a natureza se contrapõem aos interesses políticos e econômicos dos grupos dominantes, incompatíveis com a exigência de sustentabilidade ambiental. Isso leva a inferir que não obstante os avanços no ordenamento jurídico legal, talvez somente a ultrapassagem do atual modo social de organização, embasado em modelo econômico predatório e socialmente excludente, seja a única forma de solucionar os problemas ambientais.


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Notas

  1. Para Medeiros (2004) a proteção do ecossistema no qual estamos inseridos e da qual fazemos parte, foi concebida para respeitar o processo de desenvolvimento econômico e social, ou seja, com o escopo de conservação/alterações socioindividualmente constituída para que o ser humano desfrute de uma vida digna.
  2. Carneiro (2001) apud Duarte, Marise Costa de Souza. Meio Ambiente Sadio: direito fundamental em crise./ Curitiba: Juruá, 2003. 242p.

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MACÊDO, Suzana Carolina Dutra. A tutela ambiental no ordenamento jurídico brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2675, 28 out. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/17711. Acesso em: 26 abr. 2024.