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A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança

A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança

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O Código Penal diz que a medida de segurança dura por tempo indeterminado, mas a Constituição veda expressamente a pena perpétua e o Código Penal limita o cumprimento da pena de prisão a 30 anos.

"O homem de bom senso jamais comete uma loucura de pouca importância".

Goethe


RESUMO

A presente obra monográfica tem por objetivo analisar a conflitiva e interessante questão versada em torno do prazo de duração da medida de segurança. É que, conforme esculpido no parágrafo 1º, do artigo 97 do Código Penal, a medida de segurança dura por tempo indeterminado, isto é, persiste até que se comprove através de laudo médico a cessação da periculosidade. Assim, infere-se que enquanto não cessada a periculosidade o recolhimento do indivíduo deve ser mantido. Em contrapartida, a nossa C.F./88 em seu art. 5º, inc. XLVII, "b", veda expressamente a pena perpétua. Por seu turno, o artigo 75 do CP limita o cumprimento da pena de prisão em 30 (trinta) anos. Como se nota, resta patente o problema quanto a constitucionalidade ou não da perpetuidade da medida de segurança imposta ao indivíduo. Destarte, vislumbrando, com ressalvas, as mais diversas correntes doutrinárias e decisões pertinentes ao assunto bem como a importante decisão do Supremo Tribunal Federal a respeito, possível foi formar o entendimento no sentido de que a medida de segurança de internamento dos inimputáveis há de ter, sim, uma baliza executória máxima, seja em razão do limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado, seja em virtude do tempo máximo de 30 (trinta) anos. Em não sendo assim, restaria patente a configuração de inconstitucionalidade, sobretudo, por violação a direitos e garantias fundamentais, dentre tantos outros fundamentos igualmente pertinentes.

Palavras-chave: O artigo 97 do Código Penal; Medida de Segurança; Prazo Máximo de Duração – Indeterminação; Caráter Perpétuo; Constitucionalidade ou não; O artigo 5º, inc. XLVII, "b" da C.F/88; Princípios, Direitos e Garantias Fundamentais;


LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Art. Artigo

CAPS Centro de Atenção Psicossocial

CERSAM Centro de Referência em Saúde Mental

CCCódigo Civil

CF/88Constituição Federal da República

CPCCódigo de Processo Civil

CPPCódigo de Processo Penal

ECEmenda Constitucional

HCHabeas Corpus

Inc. Inciso

LEP Lei de Execução Penal

MP Ministério Público

ONUOrganização das Nações Unidas

PAI PJ Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário

STFSupremo Tribunal Federal

STJSuperior Tribunal de Justiça

TJTribunal de Justiça

SUMÁRIO:1 INTRODUÇÃO . 2 MEDIDA DE SEGURANÇA .2.1 CONCEITO . 2.2 DISTINÇÃO ENTRE MEDIDA DE SEGURANÇA E PENA. 2.3 COMPETÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA . 2.4 ESPÉCIES EXISTENTES. 2.4.1 Da aplicação da medida de segurança . 2.5 REQUISITOS DA MEDIDA DE SEGUARNÇA. 2.6 PRINCÍPIOS QUE REGEM A MEDIDA DE SEGURANÇA .2.7 DIREITOS DO INTERNADO. 3 DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO . 4 PRAZO DE DURAÇÃO - QUESTÃO CONFLITIVA . 4.1 DA CONSTITUCIONALIDADE.4.1.1 Importantes julgados pela constitucionalidade. 4.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE. 4.2.1 Importantes julgados pela inconstitucionalidade . 5 DO POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA MATÉRIA.5.1 ACÓRDÃOS CITADOS NA DECISÃO PRINCIPAL . 5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO STF. 6 EFICIENTES INCIATIVAS . 6.1 PAI PJ.6.2 CAPS E CERSAM. 7 CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS


1 INTRODUÇÃO

Assunto pouco discutido no ambiente jurídico, a medida de segurança e seu prazo máximo de duração exige uma análise mais apurada. Assim, com o intuito de melhor compreender o tema objeto desta monografia, faz-se por oportuno, inicialmente, uma breve pincelada histórica acerca das medidas de segurança.

Parece indiscutível o fato de que pessoas com capacidade de discernimento tão diferente devam ser tratadas de forma distinta, a bem do princípio da isonomia.

Sucede da essência das coisas que a diferenciação entre o indivíduo normal e o portador de sofrimento mental implica a que não se pode conferir, a ambos, o mesmo acolhimento quando da prática, por estes, de infrações lesivas à sociedade.

A mais antiga lembrança demonstra que já na Roma antiga as medidas conferidas aos insanos possuíam cunho peculiar, na medida em que, visando a paz social, os mesmos eram postos à disposição de suas famílias para serem custodiados ou aprisionados quando da impossibilidade de controle familiar.

Outrossim, mister se faz notar que a preocupação com a medida de segurança, enquanto autêntica sistematização, surge com o advento do Anteprojeto do Código Penal Suíço de Stoos. Na oportunidade, a medida de segurança aparece na condição de conjunto sistemático de procedências de caráter preventivo individual. Contudo, é cediço que a determinação de determinadas medidas em face dos inimputáveis, objetivando a proteção social, é bem mais remota. Vide, por exemplo, o Código Penal Francês, que já nos idos do início do século 19 trazia colocações relativas aos menores de dezoito anos os quais, afastados da pena, quando atuassem sem discernimento, submetiam-se às medidas tutelares.

Por conseguinte, seguidos da primeira sistematização surgiram alguns diplomas legais como os Códigos Penais de Portugal de 1896 e da Noruega de 1902, dentre outros. Mais adiante, surge na Itália o importante diploma confeccionado por Arturo Rocco, momento segundo o qual se teve uma sistematização mais integral sobre as medidas de segurança, que, inclusive, influenciou o legislador brasileiro do Código Penal de 1940, como doravante será comprovado.

No que diz respeito à legislação brasileira, o Código do Império nos artigos 12 e 13 dispunha sobre as providências a serem adotadas em relação aos inimputáveis, na medida em que os doentes mentais eram encaminhados aos lares especialmente direcionados aos mesmos, ou postos à disposição de suas famílias. Por seu turno, as casas de correções configuravam-se endereços daqueles que, menores de quatorze anos tivessem atuado sem discernimento.

Também o Código Penal de 1890 teve sua importância, ao passo que impunha, em seu artigo 29, recolhimento dos portadores de doenças mentais em hospícios caso necessário para a garantia da paz social, ou em não havendo necessidade de custodia, encaminhados ao seio familiar. Por sua vez, tem-se que ébrios habituais e toxicômanos perigosos haveriam de ser direcionados, consoante disposição do art. 396, a estabelecimento correcional.

Uma vez trazido à tona este breve relato histórico sobre as medidas de segurança, cumpre por ora, observar interessante transformação trazida ao Código Penal de 40 pela Reforma Penal de 84. É que, ao longo da vigência do Código de 40 sobressaía o sistema do duplo binário, conforme o qual a medida de segurança era imposta ao sujeito considerado perigoso, realizador de um fato previsto como crime. Sua execução começava depois do condenado executar a pena privativa de liberdade. Ou seja, o magistrado podia empregar pena mais medida de segurança nos casos em que o infrator, tido por perigoso, cometia delito grave e violento. Ocorreu que, tal cenário sofreu interessante modificação com a reforma penal de 84, uma vez que, através desta, passou-se a adotar um sistema diverso do duplo binário.

Destarte, tem-se defendido que, sabedora da injustiça e da falta de funcionalidade do denominado sistema "duplo binário", a Reforma Penal de 1984 assumiu em seu bojo o sistema vicariante, extirpando o emprego duplo de pena e medida de segurança, aos imputáveis e semi-imputáveis. Sustenta-se, pois, que o emprego simultâneo de medida de segurança e pena fere o princípio do ne bis in idem, afinal, trata-se de imposição ao mesmo paciente de duas medidas em razão da realização do mesmo fato.

Assim, após a reforma acima comentada, posto de lado o sistema do duplo binário, pelo, para alguns, vicariante, lança-se mão da medida de segurança, via de regra, ao inimputável que tenha realizado um comportamento ilícito e típico, não sendo, culpável, todavia. Vale dizer, deverá o mesmo ser absolvido, e aplicada a medida de segurança.

Em linhas de princípio, entende-se contemporaneamente que, o imputável que cometer comportamento passível de punição ficará sujeito tão só à pena correlacionada. No que concerne ao inimputável, aplicar-se-á medida de segurança. Por seu turno, ao semi-imputável será determinada pena ou medida de segurança, alternada e não concomitantemente.

Contudo, ainda no que diz respeito ao novo sistema adotado após a Reforma de 1984, faz-se por necessário tecer algumas esclarecedoras observações. É que, há quem difunda ser uma impropriedade afirmar que o sistema adotado atualmente pelo diploma brasileiro seja o vicariante. Ao contrário, tem-se sustentado que o sistema adotado é o alternativo, a despeito dos Doutrinadores equivocadamente o intitularem de vicariante. Assim, partindo-se deste último entendimento, qual seja sistema alternativo, tem-se que os dois resultados jurídicos (pena/medida de segurança) não podem ser impostos ao mesmo tempo.

Ao que se nota, a diferença existente parece encontrar-se no fato de que o sistema vicariante é marcado pela flexibilidade, ou seja, permite-se ao longo do cumprimento da execução a alternação entre pena e a medida de segurança, com base nas condições subjetivas do indivíduo que sofrera condenação. Em outras palavras, há alternância da resposta apropriada, segundo o momento, o que, não é admitido no ordenamento jurídico brasileiro.

Exposta esta breve análise histórica acerca da medida de segurança, e feitas as preliminares colocações, torna-se mais fácil compreender o objeto principal desta obra monográfica, qual seja a constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança.

É que, consoante disposto no parágrafo 1º, do artigo 97 do Código Penal, a medida de segurança perdura por tempo indeterminado, isto é, persiste até que se comprove por meio de laudo médico a cessação da periculosidade. Com isso, enquanto não cessada a periculosidade o recolhimento do sujeito deve ser mantido. Entrementes, a nossa C.F./88 em seu art. 5º, inc. XLVII, "b", veda expressamente a pena perpétua. Por seu turno, o artigo 75 do CP limita o cumprimento da pena de prisão em 30 (trinta) anos.

Como se nota nesta singela introdução ao tema, trata-se de questão polêmica e que reclama uma atenção especial diante da pertinência teórica e prática do tema, haja vista, inclusive, existirem inúmeros casos de indivíduos abrangidos por esta problemática. Vale dizer, poucos não são os casos de pessoas que se encontram submetidas à indeterminabilidade do prazo máximo de duração da medida de segurança. Basta, por exemplo, buscar na memória o gritante acontecimento ocorrido no Brasil com o índio Índio Febrônio que, aos 27 anos de idade ingressou em hospital de custódia situado no Rio de Janeiro, tendo lá permanecido por 57 anos, quando veio a falecer aos 84 anos.

Sem dúvida, o tema exige um estudo cauteloso, uma vez que envolve ponderação de interesses entre inimputáveis e toda uma coletividade em razão da segurança pública, além da observância constitucional de direitos e garantias fundamentais como a dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, igualdade, humanização dentre tantos outros.

Assim, com efeito, o presente trabalho monográfico direciona os holofotes para a caminhada em busca da solução dos inúmeros casos em que o indivíduo permanece no estado de periculosidade por tempo indeterminado, desfecho este que deverá respeitar, por óbvio, a nossa carta magna, sob pena de configuração da inconstitucionalidade.

Frise-se, portanto, que será intenção da presente monografia exibir a maior gama possível de abordagens relativas à questão em apreço, tudo com vistas a auxiliar a percepção e o alcance de possíveis soluções jurídicas sobre o instituto em análise, sobretudo, por ser tema de fundamental pertinência para as Ciências que se prestam ao estudo do Crime.

São estas, em apertada sinopse, as explanações dos motivos que norteiam a realização da presente monografia, cujo objeto desperta entendimentos e interpretações diversos, ao passo que pugna por uma conclusão, senão harmônica, ao menos plausível.


2 MEDIDA DE SEGURANÇA

2.1 CONCEITO

Antes de se tratar propriamente da constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança, importante se faz analisar alguns tópicos igualmente importantes, a começar pelo conceito, bem como algumas breves noções sobre a aplicabilidade da medida de segurança.

Não resta dúvida que as medidas de seguranças são sanções penais de natureza preventiva fundamentadas na periculosidade do sujeito. Entende-se por periculosidade a probabilidade do indivíduo vir ou voltar a praticar delitos. Nesta mesma esteira de raciocínio, e para melhor compreensão do assunto, importante se faz a análise da conceituação de periculosidade realizada por Soler, qual seja: "É a potência, a capacidade, a aptidão ou a idoneidade que um homem tem para converter-se em causa de ações danosas". (SOLER,1929, p.21).

Ora, resta claro que a medida de segurança é forma de sanção penal que possui natureza essencialmente preventiva, baseada na periculosidade do indivíduo, com fulcro a coibir que um sujeito que cometeu um crime e aparenta ser periculoso venha a praticar novas infrações no âmbito penal. Visa-se com isso, a preservação da paz social, protegendo-se a sociedade de ações danosas de sujeitos socialmente desajustados.

Com muita propriedade, o autor Paulo Queiroz conceitua as medidas de segurança como sendo "sanções penais destinadas aos autores de um injusto penal punível, embora não culpável em razão da inimputabilidade do seu agente".

De igual forma, interessante e esclarecedor é o conceito trazido pelo doutrinador Guilherme de Souza Nucci, para o qual a medida de segurança

Trata-se de uma forma de sanção penal, com caráter preventivo e curativo, visando a evitar que o autor de um fato havido como infração penal, inimputável ou semi-imputável, mostrando periculosidade, torne a cometer outro injusto e receba tratamento adequado. (2007, p. 479).

Uma vez compreendido os conceitos acima explicitados, fica fácil notar que a medida de segurança aplica-se àquelas pessoas que cometem delito e que possuem doenças mentais, não podendo destarte ser responsabilizados por suas ações. Sendo assim, ao se falar em medida de segurança melhor é agasalhá-la com a palavra tratamento a punição. Vale dizer, deve-se ter em mente que aos doentes mentais por ora analisados caberão tratamentos específicos (curados) e não uma punição.

Como se percebe, a medida de segurança não é aplicada aos sujeitos absolutamente imputáveis, vez que a estes caberá aplicação de pena, enquanto aos agentes inimputáveis ou semi-responsáveis aplica-se, sim, a medida de segurança. Neste sentido, completa-se a compreensão da aplicabilidade da medida com o seguinte posicionamento de Damásio de Jesus: "A nova Parte Geral do Código Penal somente permite a imposição de medidas de segurança aos inimputáveis e aos semi-responsáveis. Extinguiu, como ficou consignado, as medidas de segurança para os sujeitos imputáveis.". (2001, p. 547).

Ainda nesta esteira cognitiva é possível observar outros julgados que ratificam a consideração acima.

No que diz respeito aos requisitos para aplicação da medida de segurança, é pacífico o entendimento doutrinário acerca da exigência da coexistência de dois pressupostos, a saber: a prática de fato descrito como crime e a periculosidade do sujeito.

Entende-se por prática de fato descrito como crime a realização de um fato punível, ou seja, fala-se aqui em ocorrência de ilícito punível.

Para melhor compreensão do acima exposto, recorre-se ao artigo 26 do CP, o qual esclarece que quando o agente em questão for semi-responsável, além da prática do fato típico é também imprescindível a antijuridicidade acompanhada da culpabilidade, sob pena de não se ter aplicada a medida de segurança.

No que concerne à periculosidade, vide que esta, como já dito outrora, nada mais é senão a potencialidade, capacidade que uma pessoa possui a fim de se converter em causa de ações danosas. Vale dizer, é o fundamento da medida consubstanciado na probabilidade do agente vir ou voltar a cometer delitos.

Por fim, a guisa de complementação, vale a observação feita pela doutrina no sentido de que a periculosidade pode ser real ou presumida. Nesta ótica, vide o que dispõe Damaso de Jesus:

Fala-se em periculosidade real quando ela deve ser verificada pelo juiz. Cuida-se de periculosidade presumida nos casos em que a lei a presume, independentemente da periculosidade real do sujeito.

A reforma penal de 1984 presume a periculosidade dos inimputáveis (CP, art. 97). No caso dos semi-responsáveis (CP, art. 26, parágrafo único), cuida-se de periculosidade real.

Feitas estas análises preliminares, possível se torna tecer algumas considerações referentes à diferenciação entre medida de segurança e pena.

2.2 DISTINÇÃO ENTRE MEDIDA DE SEGURANÇA E PENA

Sobre a matéria, é indispensável, em primeiro lugar, render atenção às precisas ponderações do autor Miguel Reale Júnior, quando disserta que "Decorre da natureza das coisas que a distinção, entre pessoas normais e loucas, conduz a que não podem ambas receber o mesmo tratamento na hipótese de praticarem fatos lesivos aos outros e à sociedade". Complementando o raciocínio, o mencionado autor traz pertinente dado histórico ao retratar que: "Bem por isso, remonta à antiga Roma a diferenciação das medidas impostas aos loucos que com o fim de prevenir a prática de fatos nocivos eram entregues às suas famílias para serem controlados ou, se tal impossível, seriam encarcerados." (2004, p. 161).

Lembra ainda que, também o Código Penal de 1890 teve sua importância no que diz respeito à evolução conceitual do tema, ao passo que:

O código Penal de 1890, em seu art. 29, determinava o recolhimento dos doentes mentais em hospícios se assim fosse necessário para a proteção da sociedade, ou se desnecessária a custódia, entregues às suas famílias. Ébrios habituais e toxicômanos perigosos deveriam ser encaminhados, de acordo com o art. 396, a estabelecimento correcional. (2004, p. 161).

Assim, inúmeras são as distinções entre pena e medida de segurança. Todavia, com muita propriedade, Damásio de Jesus traz, sem maiores delongas, as mais tradicionais e importantes diferenças, quais sejam:

As medias de segurança diferem das penas nos seguintes pontos:

a) as penas têm natureza retributiva – preventiva; as medidas de segurança são preventivas;

b) as penas são proporcionais à gravidade da infração; a proporcionalidade das medidas de segurança fundamentam-se na periculosidade do sujeito;

c) as penas ligam-se ao sujeito pelo juízo da culpabilidade (reprovação social); as medidas de segurança, pelo juízo de periculosidade;

d) as penas são fixas; as medidas de segurança são indeterminadas, cessando com o desaparecimento da periculosidade;

e) as penas são aplicáveis aos imputáveis, e aos semi-responsáveis; as medidas de segurança não podem ser aplicadas aos absolutamente imputáveis" (2001, p. 545).

Entretanto, as diferenças ora tratadas merecem algumas ponderações, sobretudo no que concerne às distinções quanto aos fundamentos, senão veja-se.

Como acima dito, as medidas possuem por fundamento a periculosidade do indivíduo, enquanto que a pena, por sua vez, detém por fundamento mor a culpabilidade. Todavia, urge salientar os ensinamentos de Luiz Flávio Gomes, in verbis:

O agente é sancionado não somente pelo que ele "é" (perigoso), senão também pelo que ele "fez" (cometimento de infração penal). Não existe medida pré-delitual no nosso Direito Penal, ou seja, pressuposto jurídico primeiro para a imposição de uma medida de segurança é a prática de uma infração penal. Antes de o sujeito delinqüir não é possível impor-lhe qualquer medida de segurança, nos termos do Código penal. (2007, p.899).

Como se nota, a simples alegação doutrinária de que a medidas pressupõe periculosidade, ao passo que as penas culpabilidade, mostra-se carecedora de complementação. Assim, melhor é afirmar que o fundamento do emprego da medida de segurança no âmbito penal é a manifestação de periculosidade do sujeito desvelada por meio do cometimento de um fato ilícito típico.

Ademais, é de igual forma importante realçar as colocações acima aduzidas no que diz respeito às distinções acerca da finalidade entre medida e pena. É que, enquanto as medidas de segurança possuem finalidade preventiva especial (inibir a realização de novos delitos), a pena tem finalidade retributiva-preventiva. Vale dizer, em observância do artigo 59 do Código Penal, a pena, antes de mais nada, possui um caráter retributivo. Todavia, há de se chamar atenção para o fato de que a mesma também se vale da finalidade preventiva, especialmente ampla, geral, sendo o efeito, nestes casos, intimidatório.

Nota-se, outrossim, que não obstante o próprio código penal em seu artigo 97, par. 1º assevere que a internação ou tratamento ambulatorial será por prazo indeterminado, entende-se neste trabalho monográfico que tal posicionamento está eivado de inconstitucionalidade como doravante se defenderá.

Por ora, é de bom alvitre ressaltar que a presente monografia parte da premissa de que, como ocorrem com as penas, as medidas de segurança são, de igual forma, resultados jurídicos do delito, ou seja, sanções penais. Configura-se, destarte, em meio pelo qual o Estado, através de seu ius puniendi limita direitos dos indivíduos, dentre eles os fundamentais.

Por fim, ainda no que tange à distinção entre medida de segurança e pena, faz-se por oportuno ressaltar que a reforma de 84 tratou de eliminar a possibilidade de aplicação das medidas de segurança aos indivíduos imputáveis.

2.3 COMPETÊNCIA E NATUREZA JURÍDICA DA SENTENÇA

É cediço que ao magistrado que prolata a sentença cabe aplicar a medida de segurança, enquanto que, ao juízo referente às execuções, por óbvio, compete a execução da aludida medida. Quanto a este particular parece não haver maiores controvérsias.

No que diz respeito à natureza jurídica da sentença que aplica a medida de segurança cumpre tecer algumas breves ponderações.

Tem-se que será absolutória imprópria a natureza jurídica da sentença que aplica medida de segurança quando diante de indivíduos inimputáveis. Por outro lado, em se tratando de semi-imputável tem-se que a natureza jurídica será condenatória, pois, como observa Luiz Flávio Gomes e Antonio de Molina "[...] ou seja: o juiz primeiro condena o imputado, quando o caso, e somente depois, constata a necessidade de tratamento curativo é que substitui a prisão por medida de segurança.". (2007, p.902).

Sobre o tema também tratou Guilherme de Souza Nucci ao frisar que: "[...] denomina-se absolutória imprópria, tendo em vista que, a despeito de considerar que o réu não cometeu delito, logo, não é criminoso, merece uma sanção penal (medida de segurança), como já expusemos [...].". Continua seu raciocínio ilustrando-o com a Súmula 422 do STF, segundo a qual: "A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade". (2007, p.481).

2.4 ESPÉCIES EXISTENTES

Atualmente, a legislação penal admite tão somente duas espécies de medida de segurança, quais sejam, detentiva e restritiva. Sobre o tema em apreço vale a verificação do art. 96 do Código Penal:

Art. 96. As medidas de segurança são:

I – internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;

II – sujeição a tratamento ambulatorial;

Explica-se a espécie detentiva como sendo aquela consubstanciada na internação em hospital de custódia e tratamento ou em sua abstenção, noutro estabelecimento apropriado. Como acima visto, acompanha-se esta linha de raciocínio através da leitura do artigo 96, I, presente na novel Parte Geral do Código Penal. Ademais, lembra-se que a espécie em apreço dirige-se aos inimputáveis bem como aos semi-imputáveis, possuindo a nítida intenção terapêutica.

Por seu turno, pode-se notar através da leitura do inciso II do supracitado artigo que o legislador também determina expressamente a sujeição a tratamento ambulatorial como espécie de medida de segurança. Assim, consiste esta espécie em tratamento com amparos médicos ao indivíduo. Insta observar que não se fala aqui em internação, ressalvados os casos de necessidade com base no § 4º do art. 97 do Código Penal, quando em qualquer fase do tratamento ambulatorial, é facultado ao juiz determinar a internação do agente, caso seja necessária tal providência para fins curativos. Precisa, pois, a redação do dispositivo legal em comentário: "Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.".

O autor Luiz Flávio Gomes, sobre a questão ora posta, posiciona-se de forma segura, consoante os argumentos que se desenvolvem:

Espécies de medida de segurança (CP, art. 96): (a) internação; (b) tratamento ambulatorial. A primeira tem natureza detentiva (implica na privação da liberdade); a segunda tem natureza restritiva da liberdade. A internação só é cabível quando o crime cometido é punido com reclusão; o tratamento ambulatorial incide quando o fato é punido com detenção (CP, art. 97). (2007, p.899-900).

Na mesma esteira de raciocínio caminha e complementa Paulo Queiroz ao ministrar que:

Duas são as medidas de segurança previstas no Código: internação e tratamento ambulatorial (art. 96). A primeira, cumprida nos atuais Hospitais de Custódia e Tratamento psiquiátrico (HCT) ou, à falta, em estabelecimento adequado, e que importa em privação da liberdade do paciente, destina-se aos crimes mais graves, punidos com reclusão; a segunda, cujo tratamento ocorrerá nos mesmos locais, dirige-se aos delitos menos graves, punidos com detenção. (2005, p.379-380).

Nunca é demais ressaltar que algumas espécies de medida de segurança foram abolidas na reforma penal de 1984, vide exemplo das "medidas de segurança patrimoniais" assim como as medidas de segurança pessoais de caráter não detentivo, consubstanciadas em liberdade vigiada, proibição de freqüentar determinados lugares e ainda o exílio local.

2.4.1 Da aplicação da medida de segurança

Como restou explicitado no item acima, a aplicação de medida de segurança pode se dar em razão de crime apenado com reclusão ou em virtude de infrações apenadas com detenção.

Insta notar, todavia, que o tema ora tratado está longe de ser pacífico entre os julgadores, como se denotará da leitura de alguns julgados abaixo transcritos.

Assim, no que concerne à aplicação da medida de segurança de tratamento ambulatorial e condições pessoais, vide:

TARS:Se o crime cometido prevê a pena de detenção, a medida de segurança só será aplicada a nível ambulatorial se houver compatibilidade entre esta medida e as condições pessoais do doente. Interpretação dos artigos 97 do CP e 184 da Lei das Execuções Penais. (JTAERGS 57/89).

Em se tratando de aplicação de medida de segurança em crime apenada com reclusão, vale a transcrição de julgado do Supremo Tribunal Federal, senão veja-se:

STF: Tanto a internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico como o acompanhamento médico-ambulatorial pressupõem, ao lado do fato típico, a periculosidade, ou seja, que o agente possa vir a praticar outro crime. Tratando-se de inimputável, a definição da medida cabível ocorre, em primeiro plano, considerado o aspecto objetivo – a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o tipo penal. Se o é de reclusão, impõe-se a internação. Somente na hipótese de detenção é que fica a critério do juiz a estipulação, ou não, da medida menos gravosa – de tratamento ambulatorial. A razão de ser da distinção está na gravidade da figura penal na qual o inimputável esteve envolvido, a nortear o grau de periculosidade - Arts. 26, 96 e 97 do CP. (RT 693/427).

TJPR: Constatado por exame especializado, que o acusado era, ao tempo da ação, parcialmente capaz de entender seu caráter ilícito, porém, totalmente incapaz de determinar-se de acordo com esse entendimento, correta a decisão do juiz em reconhecer a condição de inimputabilidade do réu e absolvê-lo, aplicando-lhe a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia para tratamento. A medida cabível, tratando-se de inimputável, deve considerar, além da periculosidade do acusado, a natureza da pena privativa de liberdade prevista para o crime cometido, que in casu, é de reclusão, o que impõe a internação. (RT 840/641).

TJSP: Ante o que estabelece o art. 96, I, c/c art. 97, do CP, sendo o agente inimputável autor de fato punível com pena de reclusão, o juiz determinará sua internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, ou, à sua falta, em outro estabelecimento adequado, por prazo indeterminado, até que cesse sua periculosidade. (RT 612/317).

TJRS: O tratamento ambulatorial é benefício facultativo aplicável a réus inimputáveis sujeitos, abstratamente, apenas à detenção. Impossível a aplicação à pena de reclusão. (RT 607/348).

TACRSP: [...] Inimputável que emprega arma de fogo em crime apenado com reclusão deve ser submetido à medida de segurança de internação, conforme expresso no art. 97, primeira parte, do CP, não sendo possível o tratamento ambulatorial. (RT 797/616).

Em posição diametralmente contrária, caminham os seguintes julgados:

TJSP: Estando o réu inimputável encarcerado em cadeia pública há mais de um ano, aguardando vaga para sua internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, pode o Magistrado, após a solicitação de exame de cessação de periculosidade, converter a medida em tratamento ambulatorial, ainda que se trate de crime sancionado com reclusão, mormente se o delito foi um ato isolado na vida do sentenciado e resultou exatamente de sua perturbação mental, circunstâncias que possibilitam o abrandamento da regra do art. 97 do CP. (RT 770/557).

TJSP: Embora a lei só permita a substituição da internação imposta como medida de segurança ao inimputável por tratamento ambulatorial quando o delito que lhe é imputado é sancionado com pena de detenção, é de ser ela admitida embora não preenchido o requisito se o agente não revelou temebilidade praticando crime sem maiores conseqüências, não tendo agido com violência ou grave ameaça, constituindo o fato ato isolado em sua vida. Tanto mais se, como é público e notório, em virtude de falta de vagas no estabelecimento adequado, a internação poderá até ser convertida em liberdade vigiada. (RT 634/272).

TACRSP: É de se admitir, excepcionalmente, a imposição de tratamento ambulatorial a agentes inimputáveis que tenham praticado crimes apenados com reclusão desprovidos de maior gravidade, ante a existência de parecer médico oficial favorável à medida de segurança meramente restritiva, em detrimento da internação. (RT 814/609).

TACRSP: Medida de segurança. Embora o crime imputado seja sancionado com reclusão, o réu pode beneficiar-se com medida de segurança não detentiva se o laudo pericial contra-indica o internamento e o mesmo vem recebendo, permanente e eficaz atendimento do serviço médico e assistencial do Município. (RJTACRIM 44/158).

TACRSP: Medida de segurança – Crime apenado com reclusão – Falta de vaga em hospital específico – Agente que não revelou temebilidade, praticando crime sem maiores conseqüências, sem violência e grave ameaça – Substituição da internação por tratamento ambulatorial – Admissibilidade: Em sede de aplicação de medida de segurança, ainda que se trate de crime apenado com reclusão, é admissível a substituição de medida de internação por tratamento ambulatorial, quando inexiste vaga em hospital específico se o agente não revelou temebilidade, praticando delito sem maiores conseqüências, sem violência ou grave ameaça, constituindo o fato ato isolado em sua vida. (RJTACRIM 39/401).

Como se percebe, resta patente a controvérsia sobre a questão firmada na jurisprudência.

Como se procura defender na tese aqui esposada, o tratamento ofertado aos inimputáveis há de respeitar, sempre, os direitos humanos, especialmente quando as condições lhe sejam favoráveis. Ora, não tendo agido com violência ou grave ameaça, constituindo o fato ato isolado em sua vida, ou se o laudo pericial contra-indica o internamento e o paciente vem recebendo, constante e efetiva atenção do serviço médico e assistencial do Município, não apresentando temebilidade, como bem observa os julgados acima, não há porque, no entender desta tese monográfica, aplicar-se medida de internação. Vale dizer, é mais humano, justo e razoável, não obstante contrária expressão da lei, valer-se, nestes casos, da utilização de tratamento ambulatorial a agentes inimputáveis que tenham cometido infrações cuja pena seja uma reclusão, perante a existência de manifestação médica oficial, mediante parecer favorável à medida de segurança restritiva, em detrimento da internação, como bem alertam os julgados.

Como se sabe, a lei nada mais é senão um corpo de letras que ganha alma e significado através da sábia interpretação e ajustes trazidos pelos operadores do direito. Assim, nunca é demais lembrar os ensinamentos de Aramis Nacif ao afirmar que:

o Direito, como ciência autônoma, tem a propensão na aplicação pela maioria de seus operadores, de verdadeira preguiça intelectual que o despoja de qualidades extrínsecas e epistemológicas importantes para sua completude, empurrando-os à cômoda leitura dos manuais práticos que tem enriquecido seus autores e entorpecido a mente de seus leitores; ou à interpretação lítero-estática da norma jurídica em intransigente positivismo, pouco importando as conseqüências de eventual injustiça daí decorrente. (2001, p.120).

Definitivamente, injustiças decorrentes do engessamento interpretativo pareceM não ter mais espaço no meio jurídico, em especial, quando se sabe que o mesmo encontra-se em constante atualização no compasso evolutivo da sociedade.

2.5 REQUISITOS DA MEDIDA DE SEGURANÇA

Também chamado por alguns autores de pressupostos da medida de segurança. Insta observar que, segundo a maioria da doutrina, dois são os requisitos ou pressupostos de aplicação da medida de segurança. São eles essencialmente: a prática de fato típico punível e a periculosidade do sujeito como alhures visto.

No que diz respeito a prática de fato típico punível, entende-se como a prática de um fato previsto como crime. Como visto outrora quando da conceituação da medida de segurança, o autor Paulo Queiroz faz referência à expressão injusto penal punível. Vale observar que, haverá uma carência deste primeiro requisito quando o fato não for típico, existir estado de necessidade bem como legítima defesa, se não existir prova do delito, quando tenha o agente agido sob coação moral irresistível, dentre outros. Nesta esteira de raciocínio caminham alguns autores, consoante transcrições abaixo alumiadas, senão veja-se:

Para os autores Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio Machado Delmanto "[...] faltará este primeiro requisito se o fato não for típico, houver excludentes da ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa ou outros), não existir prova do crime etc." (2007, p.272).

Por sua vez, Cezar Roberto Bitencourt leciona que:

Assim, deixará de existir este primeiro requisito se houver, por exemplo, excludente de criminalidade, excludentes de culpabilidade (como erro de proibição invencível, coação irresistível e obediência hierárquica, embriaguez completa fortuita ou por força maior) – com exceção da inimputabilidade -, ou ainda se não houver prova do crime ou da autoria etc. Resumindo, a presença de excludentes de criminalidade ou de culpabilidade e a ausência de prova impedem a aplicação de medida de segurança. (2007, p.690).

Por fim, nunca é demais fazer alusão às palavras do autor Paulo Queiroz, segundo o qual:

Em homenagem aos princípios e garantias constitucionais, em especial o princípio da igualdade, em nenhuma hipótese será cabível a medida se, na mesma situação, não couber, por qualquer motivo, a aplicação da pena. Assim, por exemplo, se o fato for atípico (e.g.,ausência de nexo causal ou de culpa) ou lícito (v.g., praticado em legitima defesa ou em estado de necessidade) ou não culpável (p.ex., cometido sob coação moral irresistível, erro de proibição, embriaguez involuntária completa) ou, ainda, se tiver sido atingido por causa de extinção da punibilidade (prescrição, decadência etc.). (2005, p.376).

Em suma, vide, pois, que os requisitos jurídico-penais necessários para a aplicação de uma pena são, de igual forma, exigidos para as medidas de segurança, sendo exceção somente a imputabilidade.

Além do requisito acima explicitado, configura-se também pressuposto de aplicação da medida de segurança a periculosidade. Impende ressaltar que se fala aqui em periculosidade oriunda da infração cometida, uma vez que não há de se falar em periculosidade pré-delinquencial como já visto. Vale dizer, antes do cometimento da infração por parte do sujeito, não se fala em aplicação da medida. Neste diapasão, corteja-se o ensinamento de Cezar Bitencourt, que além de apontar a necessidade do requisito da periculosidade, também a define. Vide:

É indispensável que o sujeito que praticou o ilícito penal típico seja dotado de periculosidade. Periculosidade pode ser definida como um estado subjetivo mais ou menos duradouro de anti-sociabilidade. É um juízo de probabilidade – tendo por base a conduta anti-social e a anomalia psíquica do agente – de que este voltará a delinqüir. (2007, p.690).

No mais, como se extrai da observação do Professor Paulo Queiroz acerca do tema, dois são os tipos de periculosidade previstos pelo Código Penal. Vale a pena o vislumbre das palavras do mencionado autor, quando afirma que:

Além dos pressupostos ordinários de punibilidade, a aplicação da medida de segurança exige a comprovação, mediante perícia, da perigosidade do agente, que poderá ser presumida, quando se tratar de inimputável (art. 26) e real, quando se tratar de semi-imputável (artigo 26, parágrafo único). (2005, p.377).

Eis a transcrição do artigo 26:

Art. 26. É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou a omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Parágrafo único. A pena pode ser reduzida de um terço a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.

Assim, será presumida com relação ao inimputável louco ou toxicômano, e real quando se tratar de semi-imputável carecedor de especial tratamento médico-psiquiátrico.

Por fim, há ainda autores como Cezar Roberto Bitencourt que, didaticamente, erigem à categoria de pressuposto de aplicação da medida, a ausência de imputabilidade plena. Ora, ao que parece, é pacífico entre os doutrinadores, como se pode notar no bojo desta obra monográfica através dos comentários feitos sobre a matéria pelos mesmos, que, ainda que não elenquem expressamente a ausência de imputabilidade plena como requisito individualmente considerado, assim a tratam claramente, seja quando abordem sobre a aplicabilidade da medida, seja quando dissertem sobre a própria prática do fato típico punível e da periculosidade.

2.6 PRINCÍPIOS QUE REGEM A MEDIDA DE SEGURANÇA

Como não poderia ser diferente, ao inimputável e ao semi-imputável são igualmente assegurados, integralmente, os direitos e garantias esculpidos na Carta Magna. Nesta esfera cognitiva, não se poderia deixar de lado o posicionamento de Eduardo Reale Ferrari o qual transmite a compreensão do tema nos moldes abaixo:

Contextualizada em um Estado Democrático de Direito, inferimos que a medida de segurança criminal exigirá a incidência de todos os princípios constitucionais, não se submetendo o cidadão a medidas terapêutico-penais que contrariem preceitos de legalidade, irretroatividade, presunção de inocência e dignidade da pessoa humana". (2001, p.217).

De forma autêntica e clara Luiz Flávio Gomes elenca alguns princípios que regem as medidas de segurança:

a)da legalidade (não há medida de segurança sem lei que a defina);

b)da anterioridade (não há medida de segurança sem prévia cominação legal);

c)judicialidade ou jurisdicionalidade (somente o juiz pode aplicar medida de segurança);

d)devido processo penal (só dentro do devido processo penal pode-se aplicar a medida de segurança;durante o inquérito policial jamais);

e)proporcionalidade (o tempo mínimo de duração da medida de segurança deve ser proporcional ao delito cometido e à periculosidade apresentada pelo agente);

f)oficialidade (a medida de segurança é cumprida em estabelecimento oficial ou que tenha convênio oficial). (2007, p.900).

Como se percebe, inúmeros são os direitos e garantias daqueles que se encontram submetidos às medidas de segurança. Ademais, é importante frisar que o rol aqui tecido é tão somente exemplificativo uma vez que inúmeros outros princípios, direitos e garantias há e que necessitam ser respeitados, dentre eles o da igualdade e da dignidade da pessoa humana, que será objeto desta monografia quando do enfrentamento do tema principal da mesma.

2.7 DIREITOS DO INTERNADO

Antes de adentrar propriamente no cerne da questão principal objeto do presente trabalho monográfico, urge ainda tecer algumas considerações acerca dos direitos do internado.

É que o artigo 3º da Lei de Execução Penal traz algumas importantes garantias ao internado, como por exemplo: "Art. 3º da LEP. Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença e pela lei.".

Por seu turno, deletreando-se o código penal, insta observar o que preceitua o artigo 99 do mencionado diploma legal, a saber: "O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.".

Da análise dos artigos supramencionados bem como das ponderações do tópico anterior, resta cediço que os inimputáveis submetidos à medida de segurança farão jus, por possuírem características peculiares, a um tratamento específico, garantindo-se com isso o princípio da isonomia. Caminha nesta mesma esteira de raciocínio Rogério Greco ao lecionar que:

Isso significa que aquele a quem o Estado aplicou medida de segurança, por reconhecê-lo inimputável, não poderá, por exemplo, recolhê-lo a uma cela de delegacia policial, ou mesmo a uma penitenciária em razão de não haver vaga em estabelecimento hospitalar próprio, impossibilitando-lhe, portanto, o início de seu tratamento. (2007, p.687).

O referido autor embasa e ratifica o posicionamento ora exposto, trazendo decisão do TJSP, in verbis:

Medida de segurança - Internação em hospital psiquiátrico - Cumprimento na própria cadeia pública local, por falta de vaga em estabelecimento adequado – Inadmissibilidade – Constrangimento ilegal configurado – Concessão de Habeas Corpus- Liberdade condicionada a um tratamento em ambulatório- O Estado só poderá exigir o cumprimento de medida de segurança de internação (detentiva, portanto), se estiver aparelhado para tanto. A falta de vaga, pela desorganização, omissão ou imprevidência do Estado-Administração, não justifica o desrespeito ao direito individual, pois, além de ilegal não legitima a finalidade de tal instituto. (HC- rel. Renato Talli). (RT 608/325).

Ainda no que tange a incompatibilidade da medida de segurança com o presídio comum, e a bem do debate, urge registrar o entendimento contrário. É que, há quem defenda que nas hipóteses do agente ser considerado notoriamente perigoso deverá este esperar a vaga retido em presídio comum. É o que restou registrado em julgado do STJ:

Paciente que em razão de sua periculosidade terá de permanecer em cadeia pública até que surja vaga no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico do Estado. (RHC 9.075-MG, 5ª T., rel. José Arnaldo da Fonseca, 18.11.1999, v.u., DJ 17.12.1999, p. 386).

Com a devida vênia, o posicionamento acima exposto configura flagrante violação, a uma por se tratar de patente constrangimento ilegal, a duas por se estar transportando a responsabilidade do Estado, responsável único pela manutenção de estabelecimentos adequados, ao paciente, isento de responsabilidade neste sentido. Assim, não deve este ser apenado por algo que, em absoluto, não é de sua competência. Neste diapasão observa-se o seguinte julgado também do STJ, o qual se alinha com a decisão do TJSP aqui, oportunamente, já transcrita:

Sendo aplicada ao paciente a medida de segurança de internação, constitui constrangimento ilegal que o motivo seja a alegada inexistência de vagas para o cumprimento da medida aplicada. A manutenção de estabelecimentos adequados ao cumprimento da medida de segurança de internação é de responsabilidade do Estado, não podendo o paciente ser penalizada pela insuficiência de vagas. Habeas Corpus concedido. (HC 31.902 – SP, 5ª T., rel. Felix Fischer, 11.05.2004, v.u., Bol. AASP 2.418).

Outros julgados em sentidos semelhantes:

Ementa: Habeas Corpus. Aplicada medida de segurança, Prisão em estabelecimento prisional impróprio e incompatível com o título executório. Aguarda vaga. Ilegalidade. Ordem concedida para imediata remoção, comunicando-se à autoridade apontada como coatora e ao Secretário Estadual da Administração Penitenciária. (HC 11197853700 – SP, 1º Grupo de Direito Criminal, rel., Péricles Piza, Data do julgamento:23/10/2007,Data de registro:08/11/2007).

Ementa: HABEAS CORPUS - Constrangimento ilegal alegado decorrente de decisão proferida em execução criminal - Falta de vaga para cumprimento de medida de segurança imposta Constrangimento ilegal verificado Possibilidade de se aguardar solto, com tratamento ambulatorial, enquanto aguarda vaga para internação em Hospital de Custódia e Tratamento - Ordem concedida. (HC 11317583200 – SP, 7ª Câmara de Direito Criminal, rel., Christiano Kuntz, Data do julgamento: 29/11/2007, Data de registro: 12/12/2007).

TJSP - MEDIDA DE SEGURANÇA - Desinternação condicional - Simples evolução no quadro clínico do agente - Fato que não autoriza a concessão do benefício, pois necessária a constatação inequívoca de que a periculosidade encontra-se cessada. MEDIDA DE SEGURANÇA - Inaplicabilidade do prazo máximo de 30 anos para o cumprimento de pena previsto constitucionalmente - Internação que pode prolongar-se indefinidamente se não constatada a cessação da periculosidade do agente.

EXECUÇÃO PENAL. HABEAS CORPUS. 1. PACIENTE SUBMETIDO A MEDIDA DE SEGURANÇA DE INTERNAÇÃO. PERMANÊNCIA EM PRESÍDIO COMUM. ALEGADA FALTA DE VAGAS EM HOSPITAL PSIQUIÁTRICO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. 2. ORDEM CONCEDIDA, EM PARTE.

1. É ilegal a prisão de inimputável sujeito a medidas de segurança de internação, mesmo quando a razão da manutenção da custódia seja a ausência de vagas em estabelecimentos hospitalares adequados à realização do tratamento.

2. Ordem concedida, em parte, para determinar a imediata transferência do paciente para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou outro estabelecimento adequado, sendo que, na falta de vagas, deve ser o mesmo submetido a regime de tratamento ambulatorial até que surja referida vaga. (HC 81959 - MG, T6 - SEXTA TURMA, rel(a)., MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJ 25.02.2008 p. 364).

HABEAS CORPUS. PACIENTE PRESO HÁ MAIS DE 4 ANOS. SENTENÇA DE PRONUNCIA. EXCESSO DE PRAZO PARA O JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DO JÚRI. PRINCÍPIO DA RAZOABIUDADE SUPERADO. ORDEM CONCEDIDA.

Paciente denunciado pela prática de crime tipificado no art. 121 § 2°, incisos II c/c art. 73 § 3° e art. 20, todos do código penal brasileiro.

Deficiências do aparelhamento judiciário não podem ser suportadas pelo paciente. Em que pese o entendimento pacífico de que os prazos processuais não devem ser considerados isoladamente e de forma inflexível, no caso concreto está ultrapassado o limite da razoabilidade, tendo em vista que já se passaram mais de 2 ( dois) anos da data em que foi prolatada a sentença de pronúncia e o paciente ainda aguarda, sem previsão, data e lugar adequado para a realização do julgamento pelo tribunal do júri. Na presente circunstância, o constrangimento ilegal é visível, pois o excesso atinge, prima facie, o princípio da dignidade da pessoa humana, além de norma expressa estabelecida pela EC n° 45, que inseriu o inc. LXXVIII no art. 5° da CF, para assegurar a todos uma razoável duração do processo. Ordem concedida. (Nº Acórdão 12303, HC 12430-6/2005 - BA, 1ª Câmara Criminal, rel. Eserval Rocha).

PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA, CONSISTENTE EM INTERNAÇÃO HOSPITALAR PARA CUSTODIA E TRATAMENTO PSIQUIATRICO DE ALIENADO MENTAL ABSOLVIDO POR SER TOTALMENTE INIMPUTAVEL. EXECUÇÃO.

Embora a lei de execução penal, em seu art. 171, exija o transito em julgado da sentença que impôs a medida de segurança, para que seja expedida a carta de guia para a respectiva aplicação, não pode, por tal motivo, ficar o paciente recolhido a prisão comum, sem um mínimo de assistência médica e em ambiente inadequado, a espera do julgamento do recurso de oficio. Recurso provido em parte, determinando-se a expedição imediata de guia de internamento do paciente em hospital de custodia e tratamento psiquiátrico. (RHC 554 em HC – SP, RO em HC 1990/0001831-5, T6 - SEXTA TURMA, rel. Min. Carlos Thibau, DJ 04.06.1990, P.5067, RSTJ vol. 10 p. 130, RT vol. 664 p. 330).

TJSP - MEDIDA DE SEGURANÇA - Internação por prazo indeterminado em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico - Inimputável colocado em presídio comum em razão da falta de vagas em estabelecimento adequado - Inadmissibilidade - Réu que deve ser solto e submetido a tratamento ambulatorial, enquanto aguarda o surgimento de vaga.

Por derradeiro, nunca é demais relembrar os ensinamentos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, celebrada pela Resolução nº 217, durante a 3ª Assembléia Geral da ONU, em Paris, França, em 10-12-1948. Assim sendo, insta acompanhar o que salientam os artigos 3º e 5º, da aludida Declaração: "Art. 3º. Toda pessoa tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal"; "Art. 5º. Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante.".

Ora, que é um a medida de segurança com duração máxima indeterminada senão uma tortura e castigo dotados de crueldade? Parece não haver dúvida, ao menos segundo a tese defendida, que a indeterminação prazal da duração da medida viola não só a constituição como também a declaração universal dos direitos humanos.

Alinham-se a este pensamento as palavras de Lara Gomides de Souza, a saber:

O tema toca não só o aspecto social da questão, mas também viola princípios básicos e basilares de nosso sistema jurídico, contrariando o próprio Estado Democrático de Direito, a dignidade e até mesmo a condição de ser humano. Ao se tentar impor permanência perpétua de uma pessoa junto a um manicômio judiciário, esquece-se que, mesmo sendo doente mental, não se deixa de ser pessoa humana, tendo, portanto, os mesmos direitos que qualquer um de nós nos orgulhamos em ter, mesmo que não saibamos defende-los na maioria das vezes. (2008, p.3).

Afinal de contas, nunca é demais lembrar o que frisa a supracitada autora ao concluir seu pensamento alertando que:

Ao contrário do que muitos imaginam, a enfermidade mental pode ser controlada com remédios e tratamento terapêutico adequado, sendo esta circunstância inteiramente capaz de propiciar ao doente a plena convivência em sociedade, ao lado de sua família. A incompetência estatal, que na maioria das vezes, se não sempre, não é capaz de curar o paciente, não pode, de modo algum, contribuir com o cerceamento da liberdade dos particulares, devendo o Estado, ao contrário, privilegiar o retorno dessas pessoas ao convívio social. (2008, p.3).

Assim sendo, ressai iniludível que diversos são os direitos e garantias fundamentais violados quando se sustenta a constitucionalidade da indeterminação temporal da medida de segurança. Dentre eles merecem destaque e análise os elencados, a seguir.

No que concerne ao Direito à dignidade da pessoa humana, é consabido que o Estado tem o dever de ofertar ao indivíduo, senão o melhor, ao menos o mínimo desejável no tocante ao espaço físico bem como em relação ao material humana qualificado, capazes de reafirmar o valor humano. Feito isto, tornar-se-á possível agasalhar o indivíduo e não simplesmente recolhê-lo, possibilitando um tratamento decente e conseqüente revitalização.

No que tange ao direito à igualdade: tem-se que a constituição visa tratar os iguais de forma igual, e os desiguais de forma desigual, primando com isso uma igualdade material. Assim, eis que a própria constituição em certos momentos, acertadamente, traz situações em que se privilegia, por exemplo, os deficientes, as mulheres, idosos dentre outros, justamente por visar conferir aos desiguais tratamento diferenciado, compensado assim, com justiça, discriminações e preconceitos históricos e atuais. Assim, merecem os inimputáveis tratamentos especiais em razão de sua peculiar condição. Ademais, também ao inimputável é devido o direito de saber, de antemão, a natureza e duração das sanções que lhes são impostas.

Ademais, nota-se que o que se veda é uma discriminação negativa, porquanto inconstitucional, mas discriminações positivas como as acima tratadas, são perfeitamente admitidas. São exemplos as ações afirmativas que correspondem às políticas públicas adotadas por pessoas jurídicas de direito publico ou privado com vistas a consolidar tais discriminações positivas.

Tecidas estas breves considerações sobre os direitos e garantias do internado, vale, por oportuno e a bem de se melhor compreender o presente trabalho, expor algumas ponderações sobre a doença mental superveniente à condenação, tema este de igual importância quando do estudo das medias de segurança.


3 DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE À CONDENAÇÃO

O tópico em apreço encontra-se devidamente esculpido no artigo 183 da LEP, Lei de Execuções Penais, cuja leitura revela que:

Quando no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança.

Sobre o tema, faz-se por interessante remeter a atenção ao que foi dito linhas atrás sobre o sistema atualmente adotado no Brasil, no sentido de que, no que diz respeito ao novo sistema adotado após a Reforma de 1984, rende-se atenção ao alerta feito por Luiz Flávio Gomes, "[...] não é correto dizer que hoje adotamos o sistema vicariante. Nosso sistema é o alternativo". (2007, p.900). Explica seu posicionamento alegando que "Hoje vigora o sistema alternativo (que a doutrina brasileira chama equivocadamente de vicariante), ou seja, ou se aplica pena ou medida de segurança (as duas conseqüências jurídicas não podem ter incidência concomitante em razão de um fato criminoso).". (2007, p.900).

Em outras palavras, oportunas são as lições de Cezar Roberto Bitencourt, in verbis:

Atualmente, o imputável que praticar uma conduta punível sujeitar-se-á somente à pena correspondente; o inimputável, à medida de segurança, e o semi-imputável, o chamado fronteiriço, sofrerá pena ou medida de segurança, isto é, ou uma ou outra, nunca as duas, como ocorre no sistema duplo binário. (2007, p. 689).

Voltando-se à análise do artigo 183 acima transcrito, nota-se que o referido dispositivo legal possibilita ao magistrado, seja de ofício, ou a requerimento do MP ou de autoridade administrativa, converter a pena privativa de liberdade no desenrolar de sua execução nos casos em que sobrevenha doença mental ou perturbação da saúde mental do sentenciado, conforme expressa disposição legal.

Sobre a matéria e com vistas a melhor complementar o entendimento acima, vale observar as lições de Julio Fabbrini e Renato N. Fabbrini segundo os quais:

Na conversão devem ser aplicadas as normas gerais sobre a imposição da medida de segurança e de sua execução, sendo imprescindível perícia médica. Em princípio a medida de segurança a ser imposta por meio dessa substituição é a internação em hospital psiquiátrico mas, se o condenado praticou crime apenado abstratamente com detenção, permite-se a conversão para tratamento ambulatorial. Deve o juiz fixar o prazo mínimo de internação, entre um e três anos, nos termos do art. 97, §1º, já que a Lei de Execução Penal não prevê, no caso, prazo especial. Evidentemente, a conversão somente pode ocorrer durante o prazo da pena. Terminada esta, é inadmissível a conversão e a internação passa a constituir constrangimento ilegal. A conversão é irreversível, ao contrário do que ocorre com a simples transferência (art. 41 do CP e art. 108 da LEP). (2006, p.745).

Como se nota, há doutrinadores, como os supramencionados, que defendem a ocorrência da conversão tão somente durante o prazo da pena, sendo que findo esta não mais se admite a conversão passando a internação, com isso, à condição de constrangimento ilegal, como acima sustentado. Ocorre que, a questão aqui tratada encontra veemente controvérsia como se restará doravante demonstrado nas linhas que se sucedem.

Ainda no que tange à citação acima, faz-se por bem trasladar o julgado abaixo porquanto o mesmo ilustre o raciocínio dos aludidos autores, como se observa:

Conversão da pena de reclusão em medida de segurança de internação – TACRSP: Em se tratando de condenado à pena de reclusão a quem sobrevém doença mental no curso da execução (art. 41 do CP), a substituição da pena nos termos do art. 183 da LEP deve ser por medida de segurança detentiva, ou seja, deve consistir em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, nos termos dos arts. 96 e 97, caput, do CP. (RJDTACRIM 11/21).

Isto exposto, e em se tratando do aludido artigo 183 da LEP, cabe ainda tecer algumas ponderações pertinentes à matéria na medida em que como bem assevera Guilherme de Souza Nucci:

É preciso distinguir duas hipóteses: a) se o condenado sofrer de doença mental, não se tratando de enfermidade duradoura, deve ser aplicado o disposto no art. 41 do Código Penal, ou seja, transfere-se o sentenciado para hospital de custódia e tratamento psiquiátrico pelo tempo suficiente à sua cura. Não se trata de conversão da pena em medida de segurança, mas tão-somente de providencia provisória para cuidar da doença do condenado. Estando melhor voltará a cumprir sua pena no presídio de onde saiu; b) caso a doença mental tenha caráter duradouro, a transferência do condenado não deve ser feita como providência transitória, mas sim definitiva. Por isso, cabe ao juiz converter a pena em medida de segurança, aplicando-se o disposto no art. 97 do Código Penal. (2007, p.483).

Ocorre que, como abordado em linhas anteriores, o tema ora vislumbrado é objeto de algumas discordâncias, sendo que mais uma vez a problemática gira em torno da duração da medida de segurança. Assim, quarto são as correntes, quais sejam: A) Duração indefinida, com fulcro no próprio artigo 97, § 1º do CP; B) Igual duração da pena privativa imposta, vale dizer, entende-se aqui que o condenado deva sujeitar-se, internado, ao que falta da pena determinada. C) Duração delineada pelo máximo de 30 anos, sendo esta a linha demarcatória assentada para as penas privativas de liberdade. D) Duração do máximo em abstrato prenunciado como pena para o ato infracional proveniente da medida de segurança.

A referida discordância em razão da omissão legislativa também pode ser vista nos julgados que se seguem, sendo que a favor da limitação:

TJSP: Substituição de pena corporal por medida de segurança em razão de superveniência de doença mental. Medida de segurança que não pode ultrapassar o período da pena corporal imposta se já vencida. Inteligência dos arts. 682, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal (anterior à mudança da Parte Geral) e art. 183, da Lei de Execuções Penais. Ordem Concedida. (JTJ 289/650).

TACRSP: A ‘medida de segurança substitutiva’ aplica-se a quem foi julgado imputável e substitui a pena imposta, na hipótese de superveniência de doença mental durante sua execução, não podendo sua duração, em respeito à coisa julgada, ser maior que o tempo da pena. (RJDTACRIM 26/232).

TACRSP: Na superveniência de doença mental durante a execução da pena, a Medida de Segurança substitutiva, prevista no art. 41 do CP, não pode ir além da reprienda estabelecida como retribuição pelo crime cometido, sendo certo que, se encerrando o prazo da pena, persistir a necessidade de tratamento, deverá o condenado ser encaminhado ao Juízo Cível competente, nos termos do art. 682 do CPP. (RJDTACRIM 25/429).

Assim, ao que tudo indica, filia-se a este raciocínio Lara Gomides de Souza ao ministrar que:

No entanto, se se tratar de semi-imputável que na sentença recebei uma pena substituída por medida de segurança, o máximo que poderá perdurar a medida é a pena substituída, porque nesta pena já está reconhecida a intervenção máxima do Estado. Destarte, se o semi-imputável recebeu uma pena de 05 (cinco) anos e 04 (quatro) meses pela prática de um crime de roubo qualificado, o tratamento não poderá ser superior à pena tributada.

Assim também, se no curso da execução da pena houver a substituição por medida de segurança, a duração desta está limitada a pena imposta da sentença condenatória transitada em julgado, em respeito à coisa julgada, descontando-se o período de resgate da pena. Nesse sentido, se lhe foi imposta uma pena de 06 (seis) anos, estando o sentenciado em cumprimento de pena, tendo já resgatado dois anos da referida sanção, somente poderá ser submetido a uma medida de segurança pelo prazo de 04 (quatro) anos. (2008, p.4).

Em sentido contrário, ou seja, contra a limitação, observa-se o seguinte julgado:

TACRSP: Sobrevindo doença mental ao sentenciado, durante a execução da pena, a medida de segurança substitutiva desta, que tem a mesma natureza daquela que é imposta no processo de conhecimento, deve durar até que cesse sua periculosidade. Nesse caso, o término da pena não pode ser utilizado como marco final da medida, devendo prevalecer o prazo referido no § 1º, do art. 97 do CP. (RT 762/654 E RJTACRIM 42/33).

Ora, como se percebe, mais uma vez o legislador pecou ao deixar obscura a linha fronteiriça para o cumprimento das medidas, quando do advento da conversão. Assim, ao disciplinar de tal maneira o artigo 183 da LEP, deixou o legislador margem para interpretação, ocasionando, com isso, diferentes entendimentos doutrinários sobre a matéria. No entender do presente trabalho, por tal omissão pecou o legislador, como o pecou ao dispor, no art. 97 do CP que a duração da medida de segurança será por tempo indeterminado, como se tem aqui dito. Seja por ter se omitido no art. 183 da LEP, seja pela indeterminabilidade da duração da medida presente no artigo 97, o fato é que melhor teria sido se o legislador tivesse disciplinado a matéria, de forma mais transparente e sob o manto dos princípios da igualdade, proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana, sob pena de, respectivamente, obscuridade e inconstitucionalidade como defendido nesta monografia.

Sobre o tema, vide o que profere Guilherme de Souza Nucci:

Afinal, não mais sendo adotado o sistema do duplo binário (pena mais medida de segurança), cabe a verificação de imputabilidade no momento do crime, e não depois. Caso fosse considerado inimputável à época do crime, receberia por tal fato medida de segurança, podendo cumpri-la indefinidamente. A situação ora aventada, portanto, é diferente: num primeiro caso, já que cometeu um crime no estado de imputabilidade, recebeu pena. Este é o pagamento à sociedade pelo mal praticado. Ficando doente, merece tratamento, mas não por tempo indefinido. Num segundo caso, uma vez que praticou o delito no estado de inimputabilidade, recebeu medida de segurança. Pode ficar detido até que se cure. O injusto cometido tem ligação direta com a medida de segurança aplicada, justificando-se, pois, a indeterminação do término da sanção penal. (2007, p.483-484).

Para o aludido autor, como acima consignado, no que tange à conversão da pena em medida de segurança no curso da execução, faz-se por imprescindível a verificação de imputabilidade no exato momento do crime. Assim, partindo-se desta premissa, continua seu raciocínio da seguinte maneira:

Melhor seria exigir-se a clareza da lei. Não existindo tal nitidez, parece-nos mais lógico não interpretar a lei penal em desfavor do réu. Assim, tendo em vista que na época da infração penal o réu foi considerado imputável, recebeu do Estado, por conseqüência disso, uma pena, fixada em montante certo. Caso tenha havido conversão, é justo que a medida de segurança aplicada respeite o limite estabelecido pela condenação, ou seja, cumprirá a medida de segurança pelo prazo máximo da pena. Terminado esse prazo, continuado doente, torna-se um caso de saúde pública, merecendo ser interditado, como aconteceria com qualquer pessoa que sofresse de enfermidade mental, mesmo sem praticar crime. (2007, p.484).

Com vistas a embasar seu posicionamento traz alguns julgados neste sentido, dentre eles:

TJSP: A medida de segurança imposta em substituição à pena privativa de liberdade, em face da superveniência de doença mental no curso da execução não guarda relação com o crime praticado razão pela qual não pode perdurar além do limite temporal previsto na sentença penal condenatória transitada em julgado, sob pena de ofensa à coisa julgada. (Ag. Em Execução 453.792.3/3, 5ª C., rel. Tristão Ribeiro, 18.05.2006, v.u.).

Como restará demonstrado mais adiante, o autor acima em comento, sustenta ser constitucional o prazo indeterminado para a medida de segurança, ou seja, no que diz respeito ao objeto principal desta monografia, entende o autor ter sido inteligente o § 1º do artigo 97 ao trazer internação do paciente por prazo indeterminado. Porém, no que tange a matéria ora em análise, qual seja, a conversão da pena em medida de segurança no curso da execução, é de se notar, das palavras acima transcritas, que o autor entende ser justo que a medida de segurança imposta ao paciente observe o limite determinado quando da prolação da sentença condenatória, vale dizer, deverá cumprir a medida pelo prazo máximo da pena. Assim, ancorado na verificação de imputabilidade no momento do crime, defende-se o referido doutrinador acrescentado que:

[...] não há contradição com o que defendemos no início deste capítulo, ou seja, não ser inconstitucional a medida de segurança ter duração indefinida. O que se busca é analisar a situação do criminoso no momento em que pratica o delito, para evitar o malfadado duplo binário. Se era inimputável, pode receber medida de segurança por tempo indefinido, já que essa é a sanção merecida pelo que praticou. Sendo imputável, cabe-lhe a aplicação de uma pena, que não deve ser alterada no meio da execução por uma medida indeterminada. Afinal, de uma pena com limite pré-fixado, com trânsito em julgado, passaria o condenado a uma sanção sem limite, não nos parecendo isso correto. (2007, p.484).

Mais uma vez, alicerça seu posicionamento trazendo julgado, desta feita, do STJ, como se observa:

STJ: Mister se faz ressaltar a diferença entre a medida de segurança prevista no Código Penal aos inimputáveis e a medida de segurança substitutiva, trazida pelo art. 183 da Lei de Execução Penal. Para os inimputáveis a lei prevê que a medida de segurança terá tempo indeterminado, durando enquanto perdurara periculosidade do réu.   

Ao passo que, a medida de segurança substitutiva, é aplicada a quem foi julgado como imputável e no decorrer da execução da pena foi acometido por doença mental, estando portanto, adstrita ao restante do tempo do cumprimento da pena. (HC 12.957 – SP, 5ª T., rel. Feliz Fischer, 08.08.2000, v.u., DJ 04.09.2000).

A este respeito, já tecemos algumas críticas contrárias, o que será ratificado e melhor embasado mais adiante, em momento oportuno. Mas, desde já, registra-se que, ao que melhor se coaduna com os direitos fundamentais, em hipótese alguma deveria ser admissível imposição de pena ou medida de segurança com duração indeterminada, seja em se tratando de conversão da pena em medida no curso da execução consoante artigo 183 da LEP, seja em relação à duração do artigo 97 do Código Penal. Do contrário, restará patente a violação aos preceitos constitucionais, sobretudo a dignidade da pessoa humana, e princípios como o da proporcionalidade, igualdade e da não-perpetuação da pena.


4 PRAZO DE DURAÇÃO - QUESTÃO CONFLITIVA

Entre os inúmeros artigos que versam sobre medida de segurança, um exige maior atenção e estudo, qual seja, o artigo 97 do Código Penal, em especial seu parágrafo primeiro, in verbis: "A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 a 3 anos."

Como se nota, o legislador quantifica expressamente tão somente o prazo mínimo da aplicação da medida de segurança, sendo este de 1 a 3 anos como acima tratado. Já no que diz respeito ao prazo máximo, tem-se que a medida de segurança perdura por tempo indeterminado, ou seja, persiste até que se demonstre através de laudo médico a cessação da periculosidade. Assim, deduz-se que enquanto não finalizada a periculosidade o recolhimento do indivíduo deve permanecer. Todavia, a Constituição Federal em seu art. 5º, inc. XLVII, "b", proíbe expressamente a pena perpétua. Por sua vez, o artigo 75 do Código Penal se notabiliza por limitar o cumprimento da pena de prisão em trinta anos. Assim, está lançado o problema quanto à constitucionalidade ou não da perpetuidade da medida de segurança imposta ao doente mental.

A Interessante e polêmica questão prende a atenção dos doutrinadores e operadores do direito, fazendo com que os mesmos, cada qual por suas convicções, tragam suas defesas acerca do tema, seja pela constitucionalidade ou pela inconstitucionalidade da indeterminação do prazo máximo de duração da medida de segurança. Vale dizer, a constitucionalidade ou não da imposição de medidas de segurança por prazo indeterminado será tratada pelos estudiosos consoante o posicionamento adotado, ou seja, se legalistas, entendem pela constitucionalidade, já numa visão constitucionalista alega-se ser evidente a configuração de inconstitucionalidade porquanto traduza uma privação perpétua da liberdade do indivíduo.

Por ora, mister se faz ressaltar que a monografia aqui produzida possui como linha de entendimento a de que, tendo a medida de segurança detentiva caráter aflitivo, ou seja, privação de liberdade, nota-se que, na essência, não se pode diferenciar a pena de prisão da internação uma vez que ambas privam a pessoa de sua liberdade em razão do cometimento de um delito, sendo portanto aflitivas como acima dito. Assim, constitucionalmente falando, é plausível se admitir que os limites constitucionais e legais previstos à pena também incidam nas medidas de segurança, sob pena de configuração de inconstitucionalidade já que a nossa Carta Magna, como deveras asseverado, veda a pena perpétua.

Com efeito, precisas são as palavras de Luiz Flávio Gomes e Antonio García-Pablos de Molina, as quais merecem o devido vislumbre:

A letra do Código penal brasileiro (ao fixar prazo indeterminado para as medidas de segurança) destoa de toda doutrina moderna que procura cercar tais medidas de todas as garantias inerentes às penas (e ao Estado constitucional e humanista de Direito). Nesse sentindo o entendimento da Primeira Turma do STF (HC 84.219 – SP, rel. Min. Marco Aurélio, j. 16.08.2005). (2007, p.901).

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, acima citado, será oportunamente tratado em tópico específico no decorrer da presente obra, recebendo o mesmo atenção especial por toda a sua importância e pertinência temática, como restará doravante demonstrado.

Por ora, antes de se analisar propriamente a constitucionalidade ou não da duração indeterminada das medidas de seguranças, cumpre fazer aqui o adendo que se segue.

É que, não obstante a maior parcela da doutrina trate o assunto sob a ótica da constitucionalidade ou inconstitucionalidade, parece mais razoável a utilização, respectivamente, das expressões recepção ou não recepção, uma vez que a inconstitucionalidade de uma lei se caracteriza por ser uma situação na qual certa norma, ulterior à constituição, viola a Carta Magna, seja pela forma de elaboração da lei, seja pelo conteúdo perfilhado. No caso em tela, resta patente que o diploma penal é anterior à Constituição Federal de 1988, sendo, portanto, mais técnico falar-se em receptividade ou não da norma apreciada. Assim, a recepção nada mais é senão um processo resumido de elaboração de normas, através do qual a nova Carta Magna confere validade às normas já existentes, se constatada a compatibilidade.

4.1 DA CONSTITUCIONALIDADE

Conforme alhures dito, há quem defenda ser perfeitamente constitucional o fato das medidas de segurança serem impostas por tempo indeterminado, como o fazem os adeptos da posição legalista. Com a devida vênia, diga-se, desde já, que não parece ser essa a melhor posição a ser seguida, como doravante se sustentará.

Nesta linha de entendimento, destaca-se o pensamento de Guilherme de Souza Nucci, segundo o qual, dentre outras coisas, defende uma interpretação restritiva dos dispositivos legais relativos ao tema, em especial o artigo 75 do CP. Assim, embora reconheça e respeite a existência de doutrinadores que defendam a inconstitucionalidade do prazo indeterminado, o mencionado autor combate os que sustentam uma interpretação sistemática e teleológica bem como aqueles que reconhecem para a medida de segurança o limite máximo da pena correspondente ao delito praticado, ou a que sofreu substituição em virtude da diminuição de culpabilidade. Neste diapasão, faz o autor a seguinte observação:

Não nos parece assim, pois, além de a medida de segurança não ser pena, deve-se fazer uma interpretação restritiva do art. 75 do Código Penal, muitas vezes fonte de injustiças. Como já exposto em capítulo anterior, muitos condenados a vários anos de cadeia estão sendo interditados civilmente, para que não deixem a prisão, por serem perigosos, padecendo de enfermidades mentais, justamente porque atingiram o teto fixado pela lei (30 anos). (2007, p. 482).

Continua seu entendimento:

Ademais, apesar de seu caráter de sanção penal, a medida de segurança não deixa de ter o propósito curativo e terapêutico. Ora, enquanto não for devidamente curado, deve o sujeito submetido à internação permanecer em tratamento, sob custódia do Estado. Seria demasiado apego à forma transferi-lo de um hospital de custódia e tratamento criminal para outro, onde estão abrigados insanos interditados civilmente somente porque foi atingido o teto máximo da pena correspondente ao fato criminoso praticado, como alguns sugerem, ou o teto máximo de 30 anos, previsto no art. 75 como sugerem outros.

Com a devida licença, pensar desta maneira é regredir no tempo, até porque longa e árdua foi e continua sendo a luta pela garantia dos direitos humanos, dentre eles o da dignidade da pessoa humana. Por esta razão, no entender desta obra monográfica, fazer uma interpretação restritiva do dispositivo legal em comento, configura-se omissão e inércia para com aqueles que necessitam de atenção especial, justamente por se encontrarem em situação particular.

De mais a mais, como se sabe, aqueles que defendem a constitucionalidade da indeterminação temporal da medida de segurança se pautam na periculosidade para justificar a permanência da medida de forma indeterminada, enquanto não cessada o estado de periculosidade do agente. Ora, com todo respeito, carece de razão os que assim pensam, afinal, o que dizer, então, dos imputáveis que cumprido o prazo máximo de 30 anos são postos em liberdade em contato direto com a sociedade? Vale a seguinte indagação: o que garante que tais indivíduos imputáveis, uma vez liberados, não são tão perigosos a ponto de voltarem a cometer novos delitos? Ora, a realidade mostra que não raras vezes tais imputáveis, por serem de igual forma perigosos, quando soltos, voltam a cometer infrações, tornando-se reincidentes, mas nem por isso deixam de ser beneficiados pelo disposto do artigo 75 do CP. Aliás, sobre isso, insta relatar que, segundo pesquisas, o índice de reincidência dos crimes contra pessoa fora dos manicômios entre os indivíduos portadores de doença mental é zero. Neste sentido, vide a importância e o sucesso de programas como o PAI PJ, os quais serão adiante vislumbrados. Por ora, nota-se que:

O Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário, o Pai PJ, é simplesmente exemplar. Em cinco anos de funcionamento, acompanhou mais de mil pacientes. Aqueles que, tomados por uma crise psicótica, tinham assassinado alguém, nunca mais repetiram o gesto.

Nessas situações, o Pai PJ está realizando o que antes dessa iniciativa era apenas uma utopia no tratamento de doentes mentais e/ou criminosos: a reincidência zero dos crimes contra pessoas. (PAI PJ, 2008, p.24).

Assim, por tudo o quanto aqui tecido, e consoante posicionamento do presente trabalho, insta observar que:

Tem razão, no particular, Ferrajoli, ao assinalar que a duração indeterminada das medidas de segurança traduz uma espécie de segregação da vida dos internados em hospitais psiquiátricos, cárceres-hospitais ou hospitais-cárceres, por cujo meio se consuma uma dupla violência institucional – cárcere e manicômio. (FERRAJOLI apud QUEIROZ), 2005, p.379).

Em semelhante entendimento Lara Gomides de Souza ao afirmar que:

Nunca é demais registrar que o problema criminal, carcerário, bem como aquele referente à reintrodução do infrator na sociedade é, antes de tudo, um problema social que, como tal, merece ser tratado. Isso também quer dizer que nós, como membros de uma sociedade, temos responsabilidade e devemos nos preocupar com isso.

Não é deixando o doente à margem da sociedade que conseguiremos ressocializá-lo. Ele sequer foi um dia socializado. Por esta razão, deve o Estado dispor dos meios que possibilitem ao agente enfermo se reintegrar à sociedade, sob pena de não se prestigiar os mais básicos princípios e conceitos que regem o nosso direito e a própria finalidade da medida de segurança. (2008, p.4).

Feitas estas colocações, e a guisa de complementação, vale por oportuno registrar, a seguir, alguns julgados relativos à constitucionalidade da indeterminação do prazo máximo de duração da medida de segurança.

4.1.1 Importantes julgados pela constitucionalidade

Exposto o posicionamento doutrinário, cabe colacionar ao trabalho monográfico alguns julgados que embasam esta linha de raciocínio. São exemplos:

TJSP. Medida de segurança – Internação – Tratamento psiquiátrico que perdura há mais de 30 anos – Medida que vem se renovando periodicamente, por recomendação médica – Admissibilidade – Inteligência do artigo 97, § 1º, do Código Penal – Constrangimento ilegal inocorrente – Ordem denegada. (HC 400.866-3/9 – SP, 3. ª C., rel. Abreu Oliveira 26.11.2002, v.u., JUBI 80/03).

TJSP. [...] Não configura constrangimento ilegal a ser amparado por habeas corpus, a medida de segurança consistente em internação para tratamento psiquiátrico, que já dura mais de trinta anos, de paciente que praticou homicídio. Ademais, foi atestado por meio de laudo médico a necessidade de renovação da medida de segurança, devido à persistência da periculosidade do agente e, conforme o previsto no art.97, § 1º, do CP a internação se dá por tempo indeterminado. (RT 815/571).

TJMS - Medida de Segurança - Internação - Prorrogação - Admissibilidade - Medida condicionada à cessação da periculosidade, sujeita, portanto, a prazos indeterminados - Laudo médico atestando a permanência da periculosidade do inimputável - Ausência de constrangimento ilegal - Inteligência do art. 97, § 1.o, do CP.

TJSP. O prazo máximo de 30 anos para o cumprimento de pena previsto constitucionalmente não se aplica à medida de segurança, pois a internação pode prolongar-se indefinidamente se não constatada a cessação de periculosidade do agente. (RT 763/553).

TACRSP. A medida de segurança não tem tempo determinado, e perdura, a teor do art. 97, § 1º, do CP, enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação da periculosidade. (RJDTACRIM 24/288-9).

TACRSP. Medidas de segurança impostas em virtude da periculosidade do sentenciado que se revela portador de insanidade mental. Nessas condições, não se poderá estabelecer de maneira artificial, não prevista na lei penal ou na lei de execuções penais, momento outro para sua cessação, que dependerá, sempre, da constatação pericial da cessação dessa mesma periculosidade. (RT 679/345).

HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO PENAL. MEDIDA DE SEGURANÇA. RÉU DECLARADO INIMPUTÁVEL. PRAZO INDETERMINADO DE INTERNAÇÃO. PERMANÊNCIA DA PERICULOSIDADE DO AGENTE. INEXISTÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO. PRECEDENTES DO STJ.

1. A medida de segurança de internação, a teor do disposto no art. 97, § 1.º, do Código Penal, não está sujeita a prazos predeterminados, porém, à cessação da periculosidade do réu declarado inimputável.

2. É validamente motivada a decisão judicial que prorroga, por mais um ano, a medida de segurança imposta ao sentenciado, com fundamento no exame médico-pericial realizado no paciente, o qual atesta a necessidade da manutenção da medida. Precedentes do STJ.

3. Ordem denegada. (HC 70497 - SP, T6 - SEXTA TURMA, rel. Min. Carlos Fernando Mathias, DJ 03.12.2007 p. 367).

CRIMINAL. HC. EXECUÇÃO. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO INDETERMINADO. PERSISTÊNCIA DA PERICULOSIDADE. IMPROPRIEDADE DO WRIT. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO DEMONSTRADO. ORDEM DENEGADA.

I. A medida de segurança prevista no Código Penal é aplicada ao inimputável no processo de conhecimento e por prazo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada a cessação da periculosidade. Precedente.

II. A via eleita não permite a dilação probatória, não sendo possível reconhecer a cessação da periculosidade do paciente, se todos os laudos periciais juntados aos autos dão conta de que o paciente ainda é pessoa inapta ao convívio social. Precedente.

III. Constrangimento ilegal não evidenciado.

V. Ordem denegada. (HC 36172-SP, T5 QUINTA TURMA, rel. Min. Gilson Dipp, Dj 21.02.2005 p. 197 RESTJ vol. 189 p. 520).

Data máxima vênia, não parece ser este o melhor posicionamento doutrinário e jurisprudencial a ser adotado, como se defenderá no conteúdo monográfico que se segue.

4.2 DA INCONSTITUCIONALIDADE

Preliminarmente, faz-se por imperioso mencionar que, no que diz respeito à inconstitucionalidade da internação por prazo indeterminado, é possível encontrar basicamente dois entendimentos sobre a matéria, quais sejam: O primeiro no sentido de que o prazo máximo há de ser o de 30 anos impostos às penas, como propõe o próprio Supremo Tribunal Federal, conforme se verá. O segundo entendimento se consubstancia na determinação de prazo máximo fixado pelo máximo da pena cominada para o delito. Ambos serão aqui tratados quando das explanações doutrinárias, sendo certo, desde já, que a presente monografia volta seus holofotes para a inconstitucionalidade da indeterminação da duração do prazo máximo das medias de segurança, por motivos que serão adiante tecidos.

Isto exposto, mister se faz trazer ao presente trabalho lições de alguns doutrinadores, cada qual com suas razões peculiares, porém convergindo ao fim comum da inconstitucionalidade. Ao mesmo tempo, procurar-se-á tecer algumas colocações aos aludidos posicionamentos, com vistas à melhor compreensão da tese aqui sustentada.

Inúmeros são os doutrinadores que se insurgem à indeterminação prazal pertinente à duração máxima da medida de segurança, seja pela clarividente violação aos princípios constitucionais como o da proporcionalidade, da não-perpetuidade da pena e da igualdade, seja pelo desrespeito à dignidade da pessoa humana e aos princípios que regem as medidas de segurança como alhures visto, dentre tantas outras garantias constitucionais.

Ao tratar do tema, o autor Miguel Reale Júnior lembra não ser compatível com o Estado Democrático a imposição de constrangimento indeterminado, completando seu posicionamento asseverando que:

Quanto à duração indeterminada, cabe razão aos críticos, uma vez que o princípio da legalidade impõe que se fixe o máximo de tempo de aplicação da medida de segurança, o que se procurou remediar no projeto em andamento no Congresso Nacional, que prevê no art. 98 que o tempo da medida de segurança não será superior à pena máxima cominada ao tipo legal de crime. (2004, p.177).

Continua seu raciocínio trazendo importante observação acerca do referido Projeto, qual seja:

Findo o prazo, se não cessada a doença, segundo o propósito do Projeto, deve ser declarada extinta a medida e o internado deve ser transferido para hospital da rede pública, se não for suficiente o tratamento ambulatorial. Passa o internado, sujeito à medida de segurança determinada por juízo criminal, a receber, vencido o prazo da pena máxima cominada ao crime correspondente ao fato praticado, tratamento comum, em hospital comum. (2004, p.177).

Por sua vez, Cezar Roberto Bitencourt também traz a percepção de que "começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo de pena abstratamente cominado ao delito [...]" (2007, p. 694).

Com efeito, ao analisar a possibilidade de hipótese em que a medida de segurança pode ser mantida até o falecimento do paciente, Rogério Greco afirma que:

Esse raciocínio levou parte da doutrina a afirmar que o prazo de duração das medidas de segurança não pode ser completamente indeterminado, sob pena de ofender o princípio constitucional que veda a prisão perpétua, principalmente tratando-se de medida de segurança detentiva, ou seja, aquela cumprida em regime de internação [...] (2007, p. 681).

A bem de se melhor compreender o tema ora analisado, vale ainda observar que:

[...] segundo as lições de Zaffaroni e Pierangeli ‘não é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpétua, como coerção penal. Se a lei não estabelece o limite máximo, é o intérprete quem tem a obrigação de fazê-lo’. (ZAFFARONI; PIERANGELI apud GRECO, 2007, p.681).

Nesta esteira de raciocínio caminha o seguinte julgado:

RHC - PENAL - PENA - EFEITOS - A SANÇÃO PENAL É DE EFEITO LIMITADO NO TEMPO. VEDADA A PRISÃO DE CARATER PERPÉTUO (CONST. ART. 5., XLVII, B).

O cumprimento da pena privativa de liberdade não pode ser superior a 30 anos (CP, art. 75). A extinção da punibilidade, quanto ao tempo, faz cessar os efeitos da condenação: prescrição, decadência, perempção (CP art. 107, IV). a reabilitação, em parte, também pode ser invocada (CP art. 93). a reincidência (CP art. 61, i) e de efeito limitado no tempo (CP art. 64, i). também os antecedentes penais não são perpétuos (STJ, 6. turma, resp 67.593-6 SP). Penas de caráter perpétuo tem conceito mais amplo do que - prisão perpetua. Caráter, ai, traduz idéia de - qualidade, espécie. Toda sanção penal, no Brasil, é de efeito limitado no tempo. (RHC 6727 - SP, T6 - SEXTA TURMA, rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, DJ 20.04.1998 p. 104).

André Copetti, citado por Rogério Greco (2007, p.681-682)

chega mesmo a afirmar ser ‘totalmente inadmissível que uma medida de segurança venha a ter uma duração maior que a medida da pena que seria aplicada a um imputável que tivesse sido condenado pelo mesmo delito. Se no tempo máximo da pena correspondente ao delito o internado não recuperou sua sanidade mental, injustificável é a sua manutenção em estabelecimento psiquiátrico forense, devendo, como medida racional e humanitária, ser tratado como qualquer outro doente mental que não tenha praticado qualquer delito.’ .

Na mesma esteira de raciocínio caminha e complementa Paulo Queiroz ao ministrar que:

Tal indeterminação é, no entanto, francamente inconstitucional, visto que ofende os princípios da proporcionalidade, da não-perpetuação da pena e da igualdade. Com efeito, não é razoável, por exemplo, que alguém que responda por lesão corporal leve (CP, art. 129, caput), cuja pena máxima é um ano de detenção, possa ficar sujeito a medida de segurança superior a esse prazo (3, 5, 10 anos), desproporcionalmente. Também se viola o princípio da não-perpetuação das penas, haja vista que, embora as medidas de segurança não sejam penas em sentido estrito ou formalmente, não se pode ignorar que constituem um gravíssimo constrangimento à liberdade de quem as suporta. Por último, ao fixar penas determinadas, não obstante persista, eventualmente, a periculosidade do réu imputável e mesmo a probabilidade de reincidência, o Código, ao disciplinar, diferentemente, as medidas de segurança, fere o princípio da igualdade, pois dá ao réu inimputável tratamento injustificadamente diferenciado: os imputáveis perigosos e não perigosos, ao final da pena, serão postos em liberdade; os inimputáveis, ao contrário, e a pretexto de não ter cessado a perigosidade permanecerão em tratamento indefinidamente, privados de liberdade, não raro. (2005, p. 378-379).

Ademais, o doutrinador Paulo Queiroz, conclui ainda no sentido de que "por todas essas razoes, e em nome dos princípios de igualdade e proporcionalidade, as medidas de segurança não podem, nem devem exceder ao tempo de pena que, na mesma hipótese, seria cabível." (2005, p. 379).

Como se tem notado, é razoável o entendimento de que o princípio da legalidade obriga que o indivíduo submetido à medida de segurança conheça o período de duração máximo de sua internação, sob pena de violação deste princípio além da dignidade da pessoa humana, proporcionalidade dentre outros. Do contrário, a se admitir o prolongamento do constrangimento de modo indeterminado, não se conformaria com o Estado Democrático nem tão pouco se coadunaria com os direitos fundamentais do ser humano, eternamente defendidos neste modelo de Estado.

4.2.1 Importantes julgados pela inconstitucionalidade

Analisados os pensamentos doutrinários bem como algumas considerações aqui tecidas sobre a questão em apreço, mister se faz trazer alguns julgados que se coadunam com linha de raciocínio aqui traçada.

Destarte, não há como deixar de contemplar interessante decisão do TJRS a qual ilustra o posicionamento daqueles que defendem prazo máximo da medida fixado pelo máximo da pena cominada para o delito, in verbis:

É inconstitucional a indeterminação de limite máximo, bem como, abusivo, prolongado e excessivo o prazo mínimo para a verificação da cessação da periculosidade do agente, previsto no art. 97, do CP, à imposição de medidas de segurança. A constituição federal veda expressamente a imposição de sanção penal que possa assumir caráter perpétuo ou que possa ser, de qualquer forma, abusiva (art. 5.º, XLVII e alíneas) – assim, ancorada nos princípios fundamentais (freios libertários ao poder punitivo estatal) impõe a maior aproximação isonômica possível entre a punição de imputáveis e inimputáveis que cometem delitos. A dignidade da pessoa humana, isonomia e mitigação da dupla violência punitiva – dos delitos e das penas arbitrárias (no dizer de Ferrajoli) – restam, então, aqui contempladas da seguinte forma: fixação do limite máximo pelo total da pena estabelecida em cada caso concreto (igualmente ao que se dá com imputáveis), bem como, a fixação do prazo mínimo para a verificação da cessação da periculosidade em 01 ano (como não há dogma sobre a cura de um distúrbio mental, melhor se a comece a investigar no menor tempo possível), devendo, cessada a enfermidade mental, ser o apenado posto em liberdade a qualquer tempo. (RT 836/628).

Por sua vez, na ótica daqueles que defendem a medida de segurança jungida ao lapso temporal máximo de trinta anos, tem-se o posicionamento do próprio STF, para o qual:

A interpretação sistemática e teleológica dos arts. 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execução Penal, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos. (RT 842/470).

Por ser este o objeto mor desta presente obra, passa-se, agora, a tratar pormenorizadamente, sobre o posicionamento do STF, tecendo-se, posteriormente, alguns comentários sobre a temática em apreço.


5 DO POSICIONAMENTO DO STF ACERCA DA MATÉRIA

Antes de mais nada, frisa-se desde já, que, em razão da extensão do inteiro teor do julgamento do HC 84.219, optou-se em trazer à lume citações tão somente dos pontos cruciais, sem que isso desmereça, de forma alguma, os demais tópicos do histórico julgado, sobre os quais, na medida do possível, tentar-se-á tecer breves comentários mais adiante, quando das considerações sobre a decisão do STF.

Por ora, portanto, valem as transcrições do informativo 369 do STF, do resumo do andamento processual bem como da ementa acompanhada da decisão.

Assim, a bem de embasar melhor a presente obra monográfica, insta observar o Informativo Jurisprudencial de número 369 do STF, in verbis:

1889 – MEDIDA DE SEGURANÇA – INTERNAÇÃO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA E TRATAMENTO – LIMITE TEMPORAL DE TRINTA ANOS – ARTIGOS 75, DO CÓDIGO PENAL E 183, DA LEI DE EXECUÇÃO PENAL – REMOÇÃO DO PACIENTE PARA HOSPITAL PSIQUIÁTRICO DA REDE PÚBLICA, CESSADA A CUSTÓDIA – JULGAMENTO NÃO CONCLUÍDO.

"A Turma iniciou julgamento de habeas corpus em que se pretende a extinção de medida de segurança aplicada à paciente, diagnosticada como doente mental pela prática do delito de homicídio, cujo cumprimento, em hospital de custódia e tratamento, já ultrapassara trinta anos. A impetração é contra decisão do STJ que indeferira a mesma medida, sob o fundamento de que a lei penal não prevê limite temporal máximo para o cumprimento da medida de segurança, somente condicionada à cessação da periculosidade do agente. Sustenta-se, na espécie, com base no disposto nos artigos 75 do CP e 183 da LEP, estar a medida de segurança limitada à duração da pena imposta ao réu, e que, mesmo persistindo a doença mental e havendo necessidade de tratamento, após a declaração da extinção da punibilidade, este deve ocorrer em hospital psiquiátrico, cessada a custódia. O Min. Marco Aurélio, relator, deferiu o writ para que se implemente a remoção da paciente para hospital psiquiátrico da rede pública, no que foi acompanhado pelos Ministros Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau. Considerou que a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpétua se aplica à custódia implementada sob o ângulo de medida de segurança, tendo em conta, ainda, o limite máximo do tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade a que alude o art. 75 do CP, e o que estabelece o art. 183 da LEP, que delimita o período da medida de segurança ao prever que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, dessa forma, ser mais gravosa do que a própria pena. Com base nisso, concluiu que, embora o §1º do art. 97 do CP disponha ser indeterminado o prazo da imposição de medida de segurança, a interpretação a ser dada a esse preceito deve ser teleológica, sistemática, de modo a não conflitar com as mencionadas previsões legal e constitucional que vedam a possibilidade de prisão perpétua. Após, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence. (CP: "Art. 75. O tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. ... Art. 97. ... §1º A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de um a três anos."; LEP: "Art. 183. Quando, no curso da execução da pena privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, o juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou da autoridade administrativa, poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança."). (STF – 1ª T. – HC n° 84.219-SP – Rel. Min. Marco Aurélio – j. 09.11.04 – Informativo do STF nº 369 – 08 a 12.11.04, pág. 3).

Feito isto, e visando a perfeita noção e entendimento do caso em questão, indispensável se torna trazer à lume o acompanhamento processual seguido das manifestações dos ministros da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal através de uma breve, porém determinante, análise histórica do julgamento do HC 84.219, in verbis:

Data: 09/11/2004 Andamento: vista ao ministro com a seguinte Observação: Sepúlveda Pertence. decisão: após os votos dos ministros Marco Aurélio, relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o ministro Sepúlveda Pertence, presidente. falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, procurador estadual. 1ª turma, 09.11.2004. mais adiante, Data: 16/02/2005 Andamento: adiado o julgamento Observação: Decisão: Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual. 1ª Turma, 09.11.2004.Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1a. Turma, 14.12.2004.Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1a. Turma, 15.02.2005. Por fim, Data: 16/08/2005 Andamento: julg. primeira turma - deferido em parte com a importante Observação: DECISÃO: prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos ministros Marco Aurélio, relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do código de processo penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do código civil, nos termos do voto do ministro Sepúlveda Pertence, presidente. unânime. 1ª. turma, 16.08.2005.

Isto posto, cumpre apreciar o acórdão referente ao julgamento do HC 84219 aqui em apreço, tendo por relator o Min. Marco Aurélio, como se observa:

HC 84219/SP- SÃO PAULO

HABEAS CORPUS

Relator(a) Min. MARCO AURÉLIO

Julgamento: 16/08/2005

Órgão Julgador: Primeira Turma

Publicação

DJ 23-09-2005 PP-00016 EMENT VOL-02206-02 PP-00285

Parte(s)

PACTE.(S) : MARIA DE LOURDE FIGUEIREDO OU MARIA DE LOUDES FIGUEIREDO OU MARIA DAS GRAÇAS DA SILVA

IMPTE.(S) : PGE-SP - WALDIR FRANCISCO HONORATO JUNIOR

(ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA)

COATOR(A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

Ementa

MEDIDA DE SEGURANÇA - PROJEÇÃO NO TEMPO - LIMITE. A interpretação sistemática e teleológica dos artigos 75, 97 e 183, os dois primeiros do Código Penal e o último da Lei de Execuções Penais, deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpétuas. A medida de segurança fica jungida ao período máximo de trinta anos.

Decisão

Após os votos dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau deferindo o pedido de habeas corpus, pediu vista dos autos o Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Falou pelo paciente o Dr. Waldir Francisco Honorato Junior, Procurador Estadual.

1ª Turma, 09.11.2004. Decisão: Renovado o pedido de vista do Ministro Sepúlveda Pertence, de acordo com o art. 1º, § 1º, in fine, da Resolução n. 278/2003. 1a. Turma, 14.12.2004.

Decisão: Adiado o julgamento por indicação do Ministro Sepúlveda Pertence. 1a. Turma, 15.02.2005.

Decisão: Prosseguindo o julgamento, após a retificação de voto dos Ministros Marco Aurélio, Relator, Cezar Peluso, Carlos Britto e Eros Grau, a Turma deferiu, em parte, o pedido de habeas corpus para que, cessada a aplicação da medida de segurança, se proceda na forma do art. 682, § 2º. do Código de Processo Penal ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, na conformidade dos arts. 1.769 e seg. do Código Civil, nos termos do voto do Ministro Sepúlveda Pertence, Presidente. Unânime. 1ª. Turma, 16.08.2005.

Indexação

- PREVISÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, VEDAÇÃO, SANÇÃO PENAL, CARÁTER PERPÉTUO, EQUIVALÊNCIA, INDETERMINAÇÃO, LIMITE TEMPORAL, CUSTÓDIA, MEDIDA DE SEGURANÇA.

-(FUNDAMENTAÇÃO COMPLEMENTAR), (MIN. SEPÚLVEDA PERTENCE), NECESSIDADE, APLICAÇÃO, MEDIDA DE SEGURANÇA, IDENTIDADE, LIMITAÇÃO, TEMPO, CUMPRIMENTO, PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE, CONTEÚDO, SANÇÃO PENAL, PRESSUPOSIÇÃO, RECONHECIMENTO, INJUSTO PENAL, DECORRÊNCIA, FATO, TIPIFICAÇÃO, CRIME. CARACTERIZAÇÃO, ESPÉCIE, EXERCÍCIO, PODER PUNITIVO ESTATAL, LIMITAÇÃO, LIBERDADE. POSSIBILIDADE, RECONHECIMENTO, EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE, MEDIDA DE SEGURANÇA, DESNECESSIDADE, CONFIGURAÇÃO, PENA, NATUREZA CORPORAL, INDEPENDÊNCIA, REPROVABILIDADE, FATO.

Exposto isto, urge tecer algumas considerações sobre a histórica decisão do Supremo Tribunal Federal. Antes, porém, é de bom tom, ao menos, transcrever alguns acórdãos citados no referido julgado, dos quais certamente se valeram os ministros para formar suas conclusões sobre a matéria posta em comento.

5.1 ACÓRDÃOS CITADOS NA DECISÃO PRINCIPAL

Estudando-se o julgamento do HC 84219, é possível, notar a título de complementação, que a decisão em apreço, no intuito de explicar as diferenças e semelhanças entre pena e medida de segurança, dentre outras coisas, lançou mão de alguns acórdãos os quais merecem atenção em razão da pertinência temática. Embora pareçam, num primeiro plano, desnecessárias, não resta dúvida de que, por complementar o entendimento da matéria em questão, valem as transcrições:

EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. LEI 7.209, DE 1984. IMPOSIÇÃO CONCOMITANTE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE PELO CRIME COMETIDO COM A MEDIDA DE SEGURANÇA. DESCABIMENTO. Quando da condenação do paciente, já se encontrava em vigor a lei n. 7.209, de 1984. Não cabia, assim, a imposição cumulativa da pena de reclusão, pelo crime cometido, e a medida de segurança, pelo que, já tendo sido cumprida aquela, e esta última não podendo subsistir, concede-se a ordem em maior extensão, para que seja solto o paciente, que requerera o 'writ' para ficar seu regime prisional aberto ou semi-aberto. (HC 65732 - SP, SEGUNDA TURMA, rel. Min. Aldir Passarinho, j. 04.03.1988).

EMENTA: HABEAS CORPUS. PRESCRIÇÃO: INOCORRENCIA. MEDIDA DE SEGURANÇA: CANCELAMENTO, EM FACE DA LEI NOVA QUE A ABOLIU. 1. Não configurada a prescrição da pretensão punitiva, segundo a pena concretizada no acórdão impugnado, denega-se o "habeas corpus". 2. Concede-se, porem, a ordem, de oficio, nos termos do art. 193 do R.I.S.T.F., para se cancelar a condenação a medida de segurança, porque a nova parte geral do Código Penal, que entrou em vigor após a prolação do julgado condenatório, não a prevê para os plenamente imputáveis, como e o caso do paciente. (HC 68450 - SP, PRIMEIRA TURMA, rel. Min. Sydney Sanches, j. 12/03/1991).

EMENTA: HABEAS-CORPUS. ABSOLVIÇÃO POR INIMPUTABILIDADE. APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA. PRESCRIÇÃO: ALEGAÇÃO DE QUE DEVE PAUTAR-SE PELA PENA MINIMA COMINADA AO DELITO. Se a data da absolvição por inimputabilidade não tinha ocorrido a prescrição da ação, e legitima a aplicação da medida de segurança. Em tais casos, a prescrição da ação e regulada pelo art. 109 do Código Penal. "Habeas-corpus" conhecido, mas indeferido. (HC 69904 - SP, SEGUNDA TURMA, rel. Min. Paulo Brossard, j. 15/12/1992).

EMENTA: HABEAS CORPUS. MEDIDA DE SEGURANÇA. CANCELAMENTO. É DE CANCELAR-SE, DESDE LOGO, A MEDIDA DE SEGURANÇA IMPOSTA AO PACIENTE COM BASE NA LEGISLAÇÃO ANTERIOR, SEGUNDO CRITÉRIOS REVOGADOS PELA LEI 7.209/84. 'HABEAS CORPUS' CONCEDIDO, EM PARTE. (HC 62947 - SP, PRIMEIRA TURMA, rel. Min. Rafael Mayer, j. 16/08/1985).

Como se nota da transcrição dos acórdãos acima, o julgamento do HC 84219 fez importantes citações pertinentes às mudanças que se sucederam à época.

Por sua vez, analisar-se-á, a seguir, a decisão em comento tecendo, para tal, algumas considerações, as quais, se de todo não pacífica, ao menos possui a intenção de, pautada na razoabilidade e proporcionalidade, conferir aos inimputáveis tratamentos dignos à sua especial condição.

5.2 CONSIDERAÇÕES SOBRE A DECISÃO DO STF

Entende-se indubitavelmente louvável a tese de que os limites constitucionais e legais previstos à pena também devem incidir nas medidas de segurança, sob pena de configuração de inconstitucionalidade. Assim sendo, por analogia ao artigo 75 CP (limites das penas), as medidas de seguranças, também deverão estar limitadas a um período, seja ele o máximo de 30 anos (como entende o STF), seja ele o prazo máximo cominado abstratamente para o fato ilícito cometido, sendo esta última, no entender deste trabalho, merecedora de maior aceitação porquanto mais benéfica ao inimputável, como restará doravante explicado.

Todavia, atenta-se para a inexistência de regime jurídico que abranja tal situação. Em razão disso, após pedido de vistas, o Min. Sepúlveda Pertence baseado na inexistência de regime jurídico que trate a questão, decidiu também, por analogia, pela aplicação do artigo 682, § 2º do CPP. (situação em que o preso já iniciado o cumprimento da pena é submetido à medida de segurança e sua internação se estende até o final do tempo da pena que lhe restava).

Com isso, depois da retificação de voto dos supramencionados ministros, deferiu-se, em parte, o pedido de habeas corpus a fim de que, terminada a aplicação da medida de segurança, procedesse nos moldes do art. 682, § 2º do CPP ao processo de interdição civil do paciente no juízo competente, consoante os arts. 1.769 e seguintes do código civil, nos termos do voto do ministro Sepúlveda Pertence. Nota-se, pois, que vencido esse prazo cessará a medida de segurança assim como a jurisdição da justiça penal. Caso perdure a enfermidade, entende-se que deverá o paciente ser transferido para hospital da rede pública exterminando-se a intervenção da justiça penal.

O que não se pode, é bem verdade, é incorrer no erro de, simplesmente, estar se transportando o problema da esfera penal para a esfera cível, como adverte parte da doutrina. Caso isto aconteça, mantida estaria a violação aos direitos humanos, mudando-se tão somente o cenário. Vale dizer, teme-se que tal desfecho não passe de uma simples transferência de problemas de uma esfera do Estado para outra, sob pena de se verem fadadas ao insucesso as intenções aqui pretendidas.

Assim, é que, é válida a preocupação, mas se tomadas as devidas precauções e adotadas as providências aqui sustentadas, não há porque temer o insucesso de tal mecanismo. Para tal, surgem as figuras de importantes iniciativas consubstanciadas em programas como o PAIPJ, CERSAM e CAPS, voltados, cada qual com sua peculiaridade, a ressocialização/reinserção dos indivíduos submetidos à medida de segurança, o que restará constatado no tópico que se segue.

Por ora, registra-se que, no entender desta monografia, as aludidas iniciativas, para melhor surtirem os efeitos a que se pretende, deverão, inclusive, ganhar terreno desde a internação dos agentes. Aliás, sobre isto, já restou comprovado, através de dados estatísticos, que os programas de assistência aos infratores portadores de doença mental possuem o condão de diminuírem sensivelmente o tempo de internação destes indivíduos. Com isso, reduzido o tempo de internação em razão do recebimento de tratamento adequado, parece não haver dúvidas, inclusive, acerca da possibilidade de, antes mesmo de completado o máximo da pena abstratamente cominada para o delito, o paciente recuperar-se e reatar os laços de convivência com a família e a sociedade.

Outra questão a ser pensada é a aplicação do Princípio da Igualdade, pois surgirá uma hipótese interessante quando ao imputável que cometer o crime mais gravoso no CP, a pena que lhe será imposta possuirá um limite máximo de cumprimento equivalente a 30 anos, enquanto que ao inimputável que praticasse o crime menos grave da lei penal estaria passível de cumprir uma sansão perpétua já que não há limite máximo legal da execução da medida de segurança mas tão somente tratou o legislador de definir o limite mínimo. Assim, para se evitar a inconstitucionalidade da pena perpétua bem como a violação do princípio basilar da igualdade, é que se torna indubitavelmente plausível a posição defendida pelo STF, já acima citada.

Porque, então, andou bem o STF ao impor limitações no que concerne ao prazo máximo de duração das medidas de seguranças? Para se responder a tal indagação faz-se por oportuno raciocinar através de um caso prático, senão veja-se: Na hipótese de um indivíduo imputável cometer, na forma do artigo 129, § 1º, inciso III, lesão corporal de natureza grave, resultando disso debilidade permanente de membro, sentido ou função, cumprirá até o máximo de cinco anos de reclusão, enquanto um inimputável que praticasse a mesma infração teria contra si imposta uma medida de segurança de internamento dotada de duração indeterminada, ou seja, persistiria a medida aplicada até que findo o estado de periculosidade, em observância ao § 1º do artigo 97 do CP. Em outras palavras, a medida de segurança desprovida de limite máximo prazal poderia durar, na prática, cinco, quinze, vinte e cinco anos, quiçá até um internamento marcado pela perpetuidade.

Ora, diante desta situação hipotética, resta de clareza solar ter acertado o Supremo ao impor restrições à duração das medidas de segurança, no caso, determinando que as mesmas ficassem jungidas ao período máximo de 30 anos das penas. Contudo, no entender da tese defendida nesta monografia, não obstante tenha dado um grande passo, poderia o Supremo Tribunal Federal ter ido mais além, o que se defenderá nas linhas abaixo.

É que, avançando-se um pouco mais, questiona-se qual limite prazal seria mais benéfico ao paciente, o prazo máximo de 30 anos tratado pelo STF, ou prazo máximo da pena abstratamente para o fato ilícito cometido? Mais uma vez, mister se faz lançar mão de um caso prático para melhor fundamentar a resposta.

Assim, partindo-se do exemplo supracitado, para aqueles que defendem o limite máximo presente no artigo 75 do CP, como o faz STF, causando o inimputável lesão corporal de natureza grave nos moldes do exemplo acima, o prazo máximo em que o mesmo ficaria submetido à medida de internação seria de 30 (trinta) anos. Por outro lado, admitindo-se que o período máximo de execução da medida seja o equivalente ao máximo da pena abstratamente cominada ao delito que a fundamentou, o inimputável que causasse a aludida lesão corporal cumpriria no máximo 5 (cinco) anos de internação, por ser esta a pena máxima correspondente. Nesta esteira de raciocínio Luiz Flávio Gomes citado por Cezar Roberto Bitencourt (2007, p.694):

Começa-se a sustentar, atualmente, que a medida de segurança não pode ultrapassar o limite máximo de pena abstratamente cominada ao delito, pois esse seria "o limite da intervenção estatal, seja a título de pena, seja a título de medida", na liberdade do indivíduo, embora não prevista expressamente no Código Penal, adequando-se à proibição constitucional do uso da prisão perpétua.

Ora, parece não haver dúvida que a fixação do prazo máximo pelo máximo de pena abstratamente cominada para o delito é solução claramente mais benéfica ao paciente, além de ser a mais condizente com os anseios da Constituição, tudo a se alcançar os direitos fundamentais da pessoa humana. Assim, no exemplo em comento, ao invés do inimputável cumprir a medida por um prazo máximo de 30 anos, ficaria tão somente jungido ao limite temporal de cinco anos de reclusão, referente ao período máximo de pena abstratamente cominada ao delito de lesão corporal grave resultante de debilidade permanente de membro, sentido ou função.

Destarte, ao se dizer linhas atrás que acertada foi a decisão do STF, o que se pretendeu foi deixar claro a necessidade de se limitar a duração máxima da execução de medidas de segurança. Contudo, após as elucidações aqui feitas, tornou-se evidente que tal limitação melhor se ajusta aos reais objetivos da Constituição, quando adotada através da fixação do período máximo pelo máximo de pena abstratamente cominada para o delito, como acima explicitado.

Em outras palavras, o fato é que a medida de segurança de internamento dos inimputáveis há de estar sujeita a prazo determinado de duração pois, assim, não restaria violada a liberdade do indivíduo em seu direito fundamental. Anula-se, com isso, a possibilidade de prisão perpétua a qual contraria o Estado Democrático de Direito.

Visto isto, impende responder, por conseguinte, outro questionamento que naturalmente viceja, qual seja: o que ocorrerá quando do término da medida de internamento se não cessada a periculosidade do sujeito? A pergunta encontra resposta no entendimento que se segue.

De fato, os interesses da coletividade também deverão ser preservados, devendo a mesma ser protegida nos casos em que cessada a medida de internamento persista o estado perigoso do indivíduo. Assim, com vistas a atender tanto aos interesses da coletividade bem como os dos inimputáveis é que se faz necessário lançar mão de medidas judiciais de cunho administrativo não-penais com fulcro a garantir o eficaz tratamento médico-psiquiátrico. Para tal, com espeque em dispositivos da legislação civil alocados no capítulo referente à curatela, mais precisamente na seção relativa aos interditos, o que se busca é distanciar o sujeito da máquina penal, colocando-o longe de toda e qualquer conseqüência negativa bem como dos reveses impregnados na sistemática criminal. Destarte, tem-se que estes indivíduos serão, então, amparados não mais pelo sistema penal (que se mostrara ineficiente), mas sim pelo sistema de terapia administrativo e civil.

Neste prisma, vide o que dispõem, em especial, os artigos do CC abaixo transcritos:

Art. 1.767. Estão sujeitos a curatela:

I-aqueles que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para os atos da vida civil;

II- aqueles que, por outra causa duradoura, não puderem exprimir a sua vontade;

III- os deficientes mentais, os ébrios habituais e os viciados em tóxicos;

IV- os excepcionais sem completo desenvolvimento mental;

V_ os pródigos.

Art. 1.776. Havendo meio de recuperar o interdito, o curador promover-lhe-á o tratamento em estabelecimento apropriado.

Art. 1.777. Os interditos referidos nos incisos I, III e IV do art. 1.767 serão recolhidos em estabelecimentos adequados, quando não se adaptarem ao convívio doméstico.

Parece inconteste que melhor teria sido se o legislador ao versar sobre a matéria o fizesse com transparência, sem deixar margens a distorções. Porém como não o fez, é preciso esquecer a omissão legislativa e buscar mecanismos idôneos a tratar os inimputáveis, visando sua adaptação e conseqüente reinserção no seio familiar e social, o que, muito embora para muitos seja tarefa quase impossível, já se restou comprovado ser plenamente viável através de eficazes programas como o PAI PJ, CERSAM e CAPS, como se notará adiante.

Assim sendo, findo o prazo em comento, e persistindo a enfermidade, entenda-se periculosidade, passa a ser, ao que parece, uma típica situação de saúde pública, devendo o indivíduo ser interditado nos mesmos moldes como ocorreria com qualquer outro enfermo mental que não cometera delito algum. Mais uma vez se justifica a aplicação de programas de assistência e proteção como os que aqui foram destacados.

É que, ideal seria se o paciente se reintegrasse socialmente no curso da execução da medida de segurança. Contudo, não se pode ignorar o peculiar estado de saúde que geralmente se encontram tais indivíduos, até mesmo porque também estão em questão os direitos de toda uma coletividade ávida por segurança. Assim, com o objetivo de atender a ambos os interesses é que, encerrada a medida de internamento e notando-se que o paciente ainda não está apto a reatar os laços com a sociedade, faz-se por necessário a manutenção do agente, até que possibilitada seja a reinserção, sob o cuidado dos aludidos programas de tratamento, auxílio e atenção aos portadores de doença mental, seja através de tratamentos domiciliares ou em estabelecimentos dignos e apropriados como centros de atenção e referência psicossocial, a depender de cada caso individualmente considerado.

Ademais, neste diapasão, nota-se a adoção pelo STF, por analogia, do artigo 682, § 2º do CPP, o que se verá mais adiante nas linhas que se sucedem.

Avançando um pouco mais na análise do julgado, é possível notar que a decisão em análise tende também a adotar o mecanismo acima referido. Assim, após pedido de vistas, o ministro Sepúlveda Pertence profere seu voto defendendo a aplicação análoga do artigo 682, § 2º do diploma processual penal, como se observa da transcrição:

Estou em que deve ser aplicado, por analogia, o art. 682, § 2º do C. Pr. Penal, na parte em que determina a comunicação ao "juiz dos incapazes", para que lá, dada vista ao Ministério Público, se proceda conforme o previsto para a interdição civil, nos termos do arts. 1.769 e seg. do Código Civil [...].

Os citados artigos, por sua vez, merecem a transcrição:

Art. 682 do CPP. O sentenciado a que sobrevier doença mental, verificada por perícia médica, será internado em manicômio judiciário, ou, à falta, em outro estabelecimento adequado, onde lhe seja assegurada a custódia.

[...]

§ 2º. Se a internação se prolongar até o término do prazo restante da pena e não houver sido imposta medida de segurança detentiva, o indivíduo terá o destino aconselhado pela sua enfermidade, feita a devida comunicação ao juiz de incapazes.

Art. 1.769 do CC. O Ministério Público só promoverá a interdição:

I_ em caso de doença mental grave;

II- se não existir ou não promover a interdição alguma das pessoas designadas nos incisos I e II do artigo antecedente;

III- se, existindo, forem incapazes as pessoas mencionadas no inciso antecedente.

No que concerne ao artigo 682, § 2º, remete-se o raciocínio ao que foi dito outrora, lembrando-se, também, da similitude substancial existente entre este artigo e o 183 da LEP, também já vislumbrado nesta obra quando da análise da superveniência de doença mental.

A decisão do STF, aqui objeto de estudo, traz, ainda, em seu bojo, interessante contribuição acerca do tema ao versar sobre legislações alienígenas, mais precisamente a de Portugal e República de Cabo Verde. Assim, através deste intercâmbio de conhecimentos jurígenos, vale a transcrição do que assevera, sobre o assunto, o ministro Sepúlveda Pertence em seu voto: "Certo, diversamente de outras constituições, tal como a de Portugal e da República de Cabo Verde, a Constituição Brasileira na foi expressa ao disciplinar a limitação temporal das medidas de segurança.".

Assim, em notas explicativas traz em seu voto os seguintes dispositivos alienígenas:

Artigo 30, 1 da Constituição Portuguesa: Não pode haver penas nem medidas de segurança privativas ou restritivas da liberdade com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

Artigo 32 da Constituição da República de Cabo Verde: Em caso algum haverá pena privativa da liberdade ou medida de segurança com carácter perpétuo ou de duração ilimitada ou indefinida.

Sem sombra de dúvidas, melhor teria sido se a legislação brasileira tratasse expressamente o assunto, dispondo, transparentemente, sobre a vedação de medidas de segurança com caráter perpétuo ou de duração ilimitada ou indeterminada, como o fizeram as Constituições acima destacadas.

Ademais, também teceram considerações os autores Celso Delmanto, Roberto Delmanto, Roberto Delmanto Junior e Fabio Machado Delmanto ao analisarem a decisão do STF, consoante transcrição a seguir contemplada:

Dignidade humana, o prazo máximo de 30 anos e o Supremo Tribunal Federal: Em julgamento, a nosso ver histórico e importantíssimo, o STF decidiu, em acórdão da lavra do Ministro Marco Aurélio (HC 84.219-4, j. 16.8.2005, empate), que a interpretação sistemática e teológica dos arts. 75 e 97 do CP e do art. 183 da LEP, " deve fazer-se considerada a garantia constitucional abolidora das prisões perpetuas", ficando a medida de segurança jungida ao período máximo de 30 anos. Neste sentido, afirmou: "Observe-se a garantia constitucional que afasta a possibilidade de ter-se prisão perpetua. A tanto equivale a indeterminação da custódia, ainda que implementada sob o ângulo da medida de segurança. O que cumpre assinalar, na espécie, é que a paciente está sob a custodia do Estado, pouco importando o objetivo, há mais de trinta anos, valendo notar que o pano de fundo é a execução de título judiciário penal condenatória. O art. 75 do CP há de merecer o empréstimo dá maior eficácia possível, ao preceituar que o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a trinta anos. Frise-se, por oportuno, que o art. 183 da LEP delimita o período da medida de segurança, fazendo-o no que prever que esta ocorre em substituição da pena, não podendo, considerada a ordem natural das coisas, mostrar-se, relativamente à liberdade de ir e vir, mais gravosa do que a própria apenação. É certo que, o §1º do art. 97 do CP, dispõe sobre prazo da imposição da medida de segurança para inimputável, revelando-o indeterminado. Todavia, há de se conferir ao preceito interpretação teleológica, sistemática, atentando-se para o limite máximo de trinta anos fixado pelo legislador ordinário tendo em conta a regra primaria vedadora da prisão perpetua. A não ser assim, há de concluir-se pela inconstitucionalidade do preceito.". Ao acompanhar o voto do relator, o Ministro Sepúlveda Pertence complementou: "Certo, diversamente de outras Constituições, tal como a de Portugal e da República de Cabo Verde, a Constituição brasileira não foi expressa ao disciplinar a limitação temporal das medidas de segurança. Nem por isso, se valeu do que a doutrina alemã denomina ‘silêncio eloqüente’: ao vedar as penas de caráter perpetuo, quis a Constituição de 1988 (art. 5º, XLVII, b) se referir às sanções penais e, dentre elas, situam-se as medidas de segurança. Donde a afirmação de ZAFFARONI, BIERANGELI – que se alinham aos votos dos eminentes Ministros que me antecederam -, segundo a qual não ‘é constitucionalmente aceitável que, a título de tratamento, se estabeleça a possibilidade de uma privação de liberdade perpetua, como coerção penal’ e, se ‘ a lei não estabelece o limite máximo, é o interprete que tem a obrigação de fazê-lo’ [Manual de Direito penal Brasileiro – Parte Geral, 5ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2004, p. 812]." (2007, p. 277).

Com isso, procurou-se analisar, da melhor maneira possível, o conteúdo do importante e histórico julgado do Supremo Tribunal Federal, tecendo-se, para tal, algumas considerações sobre a matéria.


6 EFICIENTES INCIATIVAS

Não resta dúvida, como acima visto, que o tema em questão está cercado de intrigantes questionamentos, o que o torna ainda mais atraente não só aos estudiosos da matéria, como também à toda uma sociedade, principal razão de ser do interesse público.

Não obstante seja um tema de evidente polêmica e aparentemente de difícil solução, mister se trazer algumas importantes iniciativas consubstanciadas em programas de assistência àqueles sujeitos por ora aqui tratados. Notar-se-á a nítida possibilidade de ressocialização/reinserção dos indivíduos submetidos à medida de segurança, como já vem ocorrendo de maneira exemplar e eficaz através dos programas a seguir abordados.

Assim, uma vez defendida a linha de raciocínio pela inconstitucionalidade da indeterminação do prazo máximo de duração, e tendo sido aqui defendido a importância e necessidade de se impor limite à duração das medidas seja através do prazo máximo de 30 anos imposto às pena, seja pelo prazo máximo fixado pelo máximo da pena cominada para o delito (como parece melhor), resta agora voltar as atenções para o estudo de programas que, efetivamente, têm trazido resultados satisfatórios, como se demonstrará.

As análises que a seguir serão tecidas possuem o condão não só de embasar a tese aqui sustentada, como também tornar translúcido que em simples atitudes manifestas através de programas de auxílio e assistência aos inimputáveis está a solução jurídico-social para a problemática ora discorrida.

6.1 PAI PJ

O PAI-PJ, nada mais é senão um inédito Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário. Vale dizer, oficializado pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais em 2001, o Programa de Atenção Integral ao portador de sofrimento mental infrator, cuja eficácia é conseqüência do empenho coletivo na atenção a estes indivíduos, presta-se, dentre outras coisas, a possibilitar a inserção social dos mesmos.

É consabido que a realidade encontrada nos manicômios, seja pela ausência de cuidados e tratamentos, seja pela inobservância básica dos direitos do cidadão, é árdua e alarmante, reclamando, assim, uma maior atenção por parte dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário bem como da sociedade. Nesta ótica, programas como o PAI-PJ surgem para, servindo de paradigma, motivar políticas de implementação relativas ao auxílio aos infratores portadores de doenças mentais.

A realização e sucesso do referido programa não seria possível sem um aglomerado de forças. Assim, mister se faz ressaltar que para a consecução do referido programa, necessária se faz a parceria entre o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Estado de Minas Gerais, a Secretaria de Segurança Pública deste Estado, bem como os movimentos sociais de defesa dos direitos do portador de sofrimento mental, Fórum Mineiro de Saúde Mental, a Associação dos Usuários de Saúde Mental, os conselhos Federal e Regional de psicologia, o Grupo de defesa dos Portadores de Transtorno Mental – DETRANSME do Ministério Público, além de instituições formadoras, sobretudo o Unicentro Newton Paiva, o Programa Pólos Produtores de Cidadania da UFMG e a Escola Brasileira de Psicanálise. Cada qual com suas funções e peculiaridades, mas todos em busca de um objetivo comum, consubstanciado na integral atenção ao infrator portador de distúrbio mental.

Com muita propriedade, a idealizadora do PAI-PJ, a psicóloga judicial, psicanalista e professora Fernanda Otoni de Barros, esclarece em texto intitulado Um Programa de Atenção ao Louco Infrator que:

O PAI-PJ acontece como efeito desse conjunto de forças. Nasce dentro do TJMG, caracterizando-se pela finalidade de oferecer à autoridade judicial subsídios para decisão nos incidentes de insanidade mental e promover o tratamento em saúde mental na rede pública de saúde, através do acompanhamento da aplicação das medidas de segurança ao agente infrator. De forma multidisciplinar, sugere a aplicação a cada caso de uma medida singular, tensionada pelos princípios normativos universais. (2008, p.3).

Complementa seu raciocínio informando que:

O Tribunal de Justiça de MG apresenta através deste Programa, junto com as parcerias que o torna viável, uma mudança na lógica de tratamento jurisdicional a estes casos a partir da ênfase em novos conceitos. Adotamos uma política de inserção e não mais da contenção; produzimos a atenção e o cuidado no lugar do abandono e do descaso, lutaremos por uma política de inclusão das diferenças e não toleraremos mais a prática da segregação. (2008, p.8-9).

O assunto aqui em apreço, também foi significativamente tratado em reportagem veiculada na revista Psicologia Ciência e Profissão, ano 2, nº 2 – março de 2005, cuja capa, inclusive, traz interessante chamada sobre o tema, qual seja: PAI PJ Reincidência zero fora do manicômio. Da referida reportagem intitulada PAI PJ - fazendo a diferença, urge destacar alguns trechos que embasam a presente obra monográfica.

Seus pacientes, historicamente, tinham como sentença o cumprimento de uma medida de segurança num manicômio judiciário. Isso significava, na realidade, uma pena perpétua, só se extinguindo com a morte.

O acompanhamento desses casos, diz a coordenadora-geral do Pai PJ, vem demonstrando que esses cidadãos têm a capacidade de virar a página quando elaboram a parcela de responsabilidade que lhes cabe com o laço social, promovendo a reconstrução nas ruas, no convívio com a sociedade.

Diferentemente do manicômio ou do presídio – incentivadores e multiplicadores da violência contra o próximo e contra si, ao propor com seus muros a ruptura dos laços de convivência – o Pai PJ aposta que cada um pode construir um projeto de vida com cabimento na rede social. Desde que esse paciente tenha acesso aos recursos para projetá-lo na cidade, produzindo uma redução da violência como resposta à emergência da falha em qualquer variação da estrutura psíquica. Parece ser esse o caminho para a reconstrução do lugar que o indivíduo ocupa na relação consigo e com os outros, para a retomada da cidadania, transformando seu sintoma numa forma de laço social. (PAI PJ, 2008, p.25).

Mais adiante, interessante constatação merece atenção:

Antes do Pai PJ, o paciente judiciário não tinha nenhuma chance de recuperação. A afirmação é do psiquiatra e psicanalista Antonio Beneti, supervisor dos Centros de Referência em Saúde Mental de Belo Horizonte (Cersams) e diretor-geral do Instituto de Psicanálise e Saúde Mental de Minas Gerais. Aos loucos infratores, diz ele, só cabia a internação em manicômios, verdadeiras fábricas de multiplicação de graves problemas psíquicos. Membro da Associação Mundial de Psicanálise – com sede em Paris – Beneti constata que, para a grande maioria dos portadores de distúrbios que cometem crimes no Brasil, só resta a segregação e, geralmente, a prisão perpétua." Não se vislumbrava, antes de programas como esse, a oportunidade de retificação de sua posição subjetiva diante da lei e na relação com o outro", atesta ele. (PAI PJ, 2008, p.25).

De igual forma, da leitura da supracitada reportagem, urge salientar que:

Além de encadear um processo humanizado e pós-contemporâneo de acompanhamento visando a inserção de indivíduos penalizados, o Programa Pai PJ também demonstra que há instrumentos na Lei para tratar dessa questão tendo os direitos humanos como base.

– Ali (no Pai PJ), o paciente que eventualmente comete ilícito e padece de doença mental é submetido a um tratamento de amor. Ali, ele é ouvido, sem algemas, sem escolta. Ali se vê, além do preso, o ser humano – declara o desembargador Roney Oliveira. Para ele, o Pai PJ dá ao juiz a melhor garantia de que o paciente judiciário será integrado à sociedade.

"E nada disso seria possível se nos ativéssemos à letra fria da Lei e dos códigos", constata. O programa funciona porque "é um trabalho compartilhado do Judiciário com outros segmentos profissionais". É a melhor parceria conhecida entre a saúde mental e a justiça criminal porque privilegia o mais importante – o ser humano. "Por trás dos papéis, existem pessoas e é delas que temos que cuidar", ressalta. (PAI PJ, 2008, p.27).

Por fim, insta observar, ainda, que:

O juiz de Execução Penal de Belo Horizonte, Herbert José Almeida Carneiro, tem sido outro parceiro especial. Ele vê assim os acusados sob suspeita de sofrimento mental e os pacientes judiciários submetidos à medida de segurança: "O doente mental só deve ser problema penal até o momento em que o juiz criminal o declara inimputável. A partir daí, passa a ser um problema de saúde pública, a ser tratado de acordo com a avaliação de uma equipe multidisciplinar que alcance o todo do doente". Para que psicólogos e operadores do Direito passassem a atuar em conjunto, constata o juiz Herbert, comportamentos tiveram que ser mudados, alguns paradigmas tiveram que ser quebrados. A re-inserção social e o resgate da cidadania se transformaram no melhor tratamento. (PAI PJ, 2008, p.28).

Diante de tudo o quanto aqui exposto e se analisando as transcrições por ora contempladas, faz-se por imperioso tecer algumas conclusões e comentários acerca da matéria.

Como visto, não resta dúvida que o Programa de Atenção Integral ao Paciente Judiciário provoca, comprovadamente, significativas e animadoras mudanças no quadro social daqueles submetidos à medida de segurança, dentre as quais, destaca-se a sensível redução do tempo de internação daqueles abarcados pelo Programa. Como também se nota, o sucesso do projeto tornou-se possível, dentre outras razões, pelo fato de que se passou a tratar o paciente judiciário caso a caso.

Sem dúvida, a criação de programas como o PAI PJ é meio eficaz e indispensável à inserção dos inimputáveis à sociedade, uma vez que através destes projetos o inimputável terá à sua disposição uma atenção até então não vista, por parte de uma equipe especializada composta de psicólogos, assistentes sociais, advogados, médicos, voluntários e sobretudo o Judiciário o qual deverá ser inteirado sobre a evolução de cada caso individualmente considerado.

A se pôr em prática tais programas, carece de fundamento a tese de que aos inimputáveis deve ser aplicada e mantida a medida de segurança enquanto não cessada a periculosidade. Com efeito, dentre tantas outras coisas, programas como o PAI PJ possibilitam uma significativa diminuição no tempo de internação dos indivíduos. Assim, não assiste razão aqueles que defendem uma interpretação restritiva dos dispositivos legais com vistas a justificar um prazo máximo de duração indeterminada. Com a devida vênia, resta patente a inconstitucionalidade deste raciocínio, conforme se tem defendido ao longo deste trabalho.

Ora, como se nota, admitir-se, como querem alguns, uma duração indeterminada da medida de segurança, é extirpar qualquer chance de revitalização do doente mental, uma vez que, como se tem visto, manter o infrator submetido aos "cuidados" de manicômios judiciários de nada adiantará, pois nestes ambientes de descaso dificilmente terá o indivíduo a atenção capaz de ensejar a sua reinserção social, porquanto desprovidos os manicômios de meios idôneos para tal. Destarte, enquanto não remodelada a estrutura dos estabelecimentos legais onde se aplica a medida de segurança, tem-se por ideal, a imediata criação de programas desta grandeza, os quais, aliás, poderão, inclusive, servir de modelo à melhor estruturação dos hospitais de custódia ou qualquer outro estabelecimento adequado, como o quer CP em seu art. 97.

Ademais, no que concerne aos estabelecimentos, faz-se por necessário fazer um pequeno adendo no sentido de que, como alhures já observado, compulsando-se a legislação penal, nota-se a preocupação do legislador quando da reforma de 1984 em permutar a expressão manicômio judiciário (aqui já usada em algumas oportunidades), por hospital de custódia e tratamento. Explica-se isto, pelo desejo do legislador em ratificar o real objetivo da aplicação da medida, a de trazer ao indivíduo cura ao invés de punição. Contudo, como há pouco constatado, o que se tem presenciado é que a nova terminologia tratada pela aludida reforma não modificou, em quase nada, a situação dos decadentes manicômios judiciários. Nota-se, por exemplo, que não se tem criado novos estabelecimentos como prevê a lei.

De mais a mais, curioso é notar que, na maioria das vezes, tão somente aos inimputáveis presume-se a periculosidade, passando-se uma falsa idéia de que os imputáveis não são indivíduos perigosos, já que aos mesmos não se exige todo o rigor das avaliações e tratamentos a que se submetem os inimputáveis. Vide, a guisa de exemplo, que os imputáveis perigosos ou não, quando do término da pena serão colocados em liberdade ainda que não cessada a possibilidade do indivíduo vir a cometer novos delitos, enquanto que, segundo a Lei, os inimputáveis deverão permanecer privados de liberdade até que comprovada a cessação da periculosidade. Data máxima vênia, não assiste qualquer razão a lei ao tratá-los diferentemente no que diz respeito à fixação da duração máxima do prazo.

Tem semelhante visão a já citada psicóloga judicial Fernanda Otoni, como demonstra a transcrição infracitada:

Historicamente, apenas ao louco presume-se a periculosidade. Cotidianamente esses cidadãos foram condenados à prisão perpétua, não pelo crime cometido, mas pela lógica da cultura que os interpreta. Despachados ao cárcere, sem qualquer tratamento, e ao manicômio, por lá ficam, até que cesse o perigo que anunciam. Esquecidos e em sofrimento a morte tem sido a saída de muitos.(2008, p.9).

Talvez o problema não esteja propriamente na Lei, mas sim na ausência de programas e políticas públicas capazes de tratar o inimputável com a devida atenção que o mesmo merece, porquanto abarcado por condições totalmente desfavoráveis. Felizmente, ao que parece, o descaso para com estes cidadãos tende a, senão acabar, ao menos diminuir, amenizando, com isso, uma dívida sem precedentes que os setores da sociedade e o governo têm com aqueles despejados do ambiente social.

Entrementes, não há dúvida que, manifestado interesse por parte de alguns setores e entidades da sociedade, cabe ao Legislador, por ser sua típica função, disponibilizar meios capazes de, efetivamente, facilitar a implementação e aplicação de projetos tais, concorrendo, com isso, ao alcance da paz social bem como observância dos direitos fundamentais, sobretudo, o da dignidade da pessoa humana, sem falar dos princípios da proporcionalidade, não perpetuação da pena e igualdade.

6.2 CAPS E CERSAM

Nascido da inspiração de um ambiente caracterizado pela atitude interventiva bem como de formação e desenvolvimento acadêmico, o CAPS, Centro de Atenção Psicossocial, direciona-se, sobretudo, a assistir indivíduos dotados de problemas quanto à saúde mental, individual e coletiva.

É consabido que o referido sistema de trabalho tem à sua disposição profissionais competentes das mais variadas áreas, a saber: Serviço Social, Enfermagem, Psicologia, Psiquiatria, Educação dentre tantos outros colaboradores.

Como se nota, o que se tem por finalidade é oferecer totais condições que permitam aos portadores de problemas psíquicos o desenvolvimento da cidadania e independência, beneficiando aos estudantes e técnicos a experiência de vida entre os mais diversos ramos do conhecimento, sendo patente, com isso, a indispensável troca de saber.

Na condição de serviço substitutivo, e assumido este cunho de prestação extra-hospitalar, torna-se possível a concretização de uma das principais finalidades do programa em comento qual seja, a de diminuição de internações psiquiátricas, o que, como se nota, vem surtindo resultado.

Ademais, a bem da melhor compreensão do tema, há de se observar as formas de atenção disponibilizadas pelo Centro de Atenção Psicossocial, são elas: Grupo de meditação; Grupo de familiares; Assembléias; Atenção diária a portadores de sofrimento psíquico severo (oficina de culinária, trabalho de psicomotricidade, preparação para alfabetização, expressão artística como música, pintura, artesanato, higiene e cuidados pessoais); Grupos Operativos (mulheres, adolescentes, mães, crianças); Ajuda a portadores de necessidades especiais com transtorno psíquico; Grupo de dependentes químicos; Oficinas para geração de renda; Oficinas terapêuticas (pintura em tecido, vidro, tapeçaria, crochê, tricô e costura), dentre outros.

Por fim, urge tão somente mencionar que o ingresso do paciente no serviço aqui tratado, dá-se através de encaminhamento, em outras palavras, referência, acompanhado de devida triagem a fim de se averiguar e conseqüentemente fixar a necessidade da atenção específica ou reencaminhamento, vale dizer, contra-referência.

Dito isto, faz-se por oportuno tecer alguns considerações acerca de outra iniciativa também de fundamental importância para os propósitos apetecidos nesta monografia. Trata-se do CERSAM, Centro de Referência em Saúde Mental.

A perfeita compreensão do tema ora destacado pode ser encontrada em texto veiculado na Revista Eletrônica da Secretaria Municipal de Saúde - BH, Abril de 2002,edição nº 04. Do referido material intitulado Saúde Mental: A consolidação do módulo substitutivo em Belo Horizonte, insta destacar alguns trechos que alicerçam o presente trabalho.

Assim, ao longo da reportagem, a Coordenadora de Saúde Cláudia Carvalho Pequeno frisa:

O Projeto de Saúde Mental da Prefeitura Municipal de Belo Horizonte tem como premissa básica a substituição do modelo hospitalocêntrico por uma rede de serviços abertos, articulados e mutuamente dependentes (CERSAM, Centro de Convivência, Equipes de Saúde Mental nos Centros de Saúde, Serviços Residenciais Terapêuticos). Esta rede deve ser capaz de prestar assistência adequada ao portador de sofrimento mental e possibilitar o pagamento da DÍVIDA HISTÓRICA E SOCIAL que o poder público e a sociedade têm com aqueles que foram excluídos do meio social, por serem vítimas da perversa indústria da loucura e ficaram confinados em manicômios. (2008, p. 1).

Mais adiante, traz, a guisa de complementação, interessantes informações sobre a matéria, ao frisar que:

Considerando que a implantação do Projeto de Saúde Mental de BH, deu-se a partir de 1992, quando foi inaugurando o 1º CERSAM, e que em 1991, 70% das internações em hospitais psiquiátricos eram de residentes em BH e em 1998 caiu para 35%, quando já havia 04 CERSAM na cidade que o nº de leitos em 1993 era 2100 e hoje é 1200 (neste período já foram realocados R$ 504 mil/mês), conclui-se que este projeto, mesmo parcialmente implantado, já demonstrou grande impacto social, eficácia do ponto de vista clínico e viabilidade econômica. Este projeto ganhou legitimidade diante de toda sociedade belorizontina, para não dizer do seu reconhecimento nacional, dado pelos usuários e familiares, devido a eficácia e qualidade dos serviços substitutivos até então implantados. Cabe também ressaltar, a enorme participação e qualidade das discussões de trabalhadores, usuários, familiares e gestores nas recentes Conferências Distritais, Municipal e Metropolitana de Saúde Mental, além das várias legislações em vigor, e a recente publicação da Lei 10.216, de autoria do Deputado Federal Paulo Delgado.

Para podermos consolidar e ampliar este modelo, temos que considerar que hoje o FMS de BH gasta em torno de 1 milhão de reais por mês com internações psiquiátricas, que além da contraposição à finalidade do Projeto, demonstra um custo elevado, com baixa resolutividade no tratamento do portador de sofrimento mental.

Considerando que uma internação (AIH) custa em média R$575,70/mês e fazemos 1068 ao mês gastamos cerca de R$615 mil/mês com internação em hospitais psiquiátricos de agudos e, além disto gastamos mais de R$ 462 mil/mês com internações em hospitais de crônicos.

Com o Programa de Desospitalização Psiquiátrica, PDP, em início de implantação Portaria 054/2000 da SMSA/BH já publicada teremos um custeio em Serviços Residenciais Terapêuticos e bolsas para as famílias em torno de 260 mil reais/mês para cerca de 683 pacientes crônicos (Fonte de dados: estudo de todos os casos pela equipe do PDP).

Portanto; hoje sabemos que uma Unidade CERSAM (NAPS) tem um custo cerca de R$70 mil/mês (funcionando 12 horas, incluindo finais de semana e feriado) e mais R$30 mil/mês para extensão para 24 horas.

Apenas com este deslocamento de recurso já gasto de maneira inadequada (para pagamento de internações de quadros agudo) seria possível o custeio de pelo menos mais 05 CERSAM em BH, além dos já existentes, o que contemplaria a necessidade de Belo Horizonte em relação às urgências.

Com a realocação dos recursos já gastos com pagamento de AIH de crônicos seria possível a implantação de mais de 30 Serviços Residenciais Terapêuticos para os 300 pacientes que perderam todos seus laços sociais e familiares e pagamento de bolsas para os 383 pacientes que retornarão para suas famílias. (2008, p.1-2).

Por fim, traz importantes dados comprobatórios de avanços galgados no decurso do tempo, conforme se observa nas palavras abaixo transcritas:

Diante disto e após decisão política do gestor, importantes avanços estão sendo alcançados:

1) Em 09/03/02 foram nomeados 239 profissionais concursados para compor nossos serviços;

2) Ampliaremos de quatro para sete o número de Unidades CERSAM (Centro de Referência em Saúde Mental) em Belo Horizonte, no ano de 2002, o que dará cobertura para 09 regionais. (Contaremos com mais o CERSAM Oeste, Nordeste e Venda Nova, além dos já existentes, a saber; Pampulha, Barreiro, Leste, Noroeste). Esperamos para o ano de 2003 a implantação das Unidades CERSAM Centro-Sul e Norte, estar estendendo este serviço para as regionais Centro-Sul e Norte);

3) Estamos ampliando para 24 horas, em 2002 o funcionamento de três Unidades CERSAM (Oeste, Pampulha e Leste), que atenderão a 9 regionais;

4) O Programa de Desospitalização Psiquiátrica conta atualmente com duas residências em funcionamento (Casa da Concórdia e Casa do Floramar), e aguardamos para breve a abertura de mais dois Serviços Residenciais Terapêuticos. Estas residências abrigam cerca de 10 moradores cada, oriundos de hospitais psiquiátricos, onde permaneceram internados por longo período;

5) Equipes de Atenção à Criança e Adolescência estão sendo implantadas nas nove regionais para atendimento na área da Saúde Mental.

6) Estamos articulando uma interlocução entre vários setores para formulação de uma proposta intersetorial de atenção à questão do Alcoolismo e Drogadição, que detalharemos em breve. (2008, p. 2).

Como se nota, antes de programas como o PAI PJ, CAPS, CERSAM dentre outros, o paciente judiciário carecia de condições mínimas que possibilitasse uma melhora em seu quadro clínico, ainda que a médio prazo. Decorre isto, sobretudo, em razão dos precários e ineficazes estabelecimentos destinados a estes pacientes.

Por tudo o que aqui foi visto, é de se acreditar, sim, ser possível, após um ideal tratamento, a reinserção do inimputável no seio familiar e, conseqüentemente na sociedade, podendo inclusive regressar ao trabalho, freqüentar lugares antes não mais freqüentados, além de voltar a interagir socialmente. Em suma, aumentam-se significativamente as chances de revitalização do doente mental, porquanto passem a receber tratamento através de sucessivas avaliações de equipe multidisplinares, compostas dos mais diversos segmentos como serviço social, enfermagem, psiquiatria, educação dentre outros.


7 CONCLUSÃO

Notou-se no decorrer da presente obra monográfica que várias foram as celeumas surgidas com a Reforma Penal de 84. Não raras também foram as alterações conduzidas pela aludida reforma em relação à medida de segurança, em particular a eliminação do sistema duplo binário e suas conseqüências.

Avançando-se um pouco mais, restou indubitável que, em meio às inúmeras questões postas em evidência ao se estudar as medidas de segurança, uma das que mais reclama atenção, senão a mais, gira em torno do confronto existente entre o parágrafo 1º, do artigo 97 do Código Penal e o artigo 5º, inc. XLVII, "b", da Constituição Federal. Destarte, não casualmente foi esta a matéria abordada neste trabalho.

Ademais, buscou-se alertar no bojo da obra que as medidas de segurança merecem uma maior atenção por parte dos operadores de direito bem como de toda a coletividade, merecendo, inclusive, atenção da prometida reforma penal. Para tal, indispensável é, a todo o instante, examinar com atenção as implicações exibidas pela prática forense, como se procurou fazer no curso desta monografia.

Como resultado, depois de pormenorizado vislumbre dos posicionamentos doutrinários e jurisprudências sobre a matéria em questão, tornou-se possível enunciar algumas conclusões.

Não obstante existam correntes contrárias, sustenta-se o raciocínio de que a imposição de medidas de segurança por prazo indeterminado configura nítida inconstitucionalidade, porquanto violadora de direitos, princípios e garantias fundamentais, sobretudo, a igualdade, proporcionalidade e dignidade da pessoa humana. Assim, optar por uma interpretação restritiva dos artigos 75 e 97 do CP e do 183 da LEP, configura omissão e inércia para com aqueles que clamam por cuidado especial, justamente por se acharem em situação peculiar.

Em verdade, melhor teria sido se o legislador dispusesse sobre a matéria de forma clara e determinada. Infelizmente, assim não o fez, cabendo, portanto, aos operadores do direito tentar preencher as lacunas deixadas pela legislação. Assim, não existindo a tão desejada nitidez, nada mais justo e lógico senão interpretar a lei penal em favor do réu.Seguindo esta linha, viu-se que o STF, ao julgar o HC 84.219-4, valeu-se da interpretação sistemática e teleológica dos aludidos artigos, com fulcro a estender o limite temporal de 30 anos aplicados à pena também às medidas de segurança. Observou-se, com isso, a garantia constitucional esculpida no art. 5º, inc. XLVII, "b", segundo o qual se veda expressamente a pena perpétua.

Outrossim, com o devido apreço que fazem jus as demais linhas doutrinárias, pensar diferente acarretaria uma série de violações aos direitos presentes não só na Constituição como também na declaração universal dos direitos humanos.

É certo que qualquer posicionamento conclusivo que venha a ser adotado sobre a problemática em tela exige extremo cuidado, pois, por mais plausível e justa que pareça a solução tomada pelo STF, importante recebê-la com as devidas ressalvas.

Sem dúvida, a solução acolhida pelo colendo tribunal mostra-se bastante condizente com o texto constitucional o qual veda expressamente a privação perpétua da liberdade de um indivíduo. Procurou-se, ao máximo, observar o que se chama de estado democrático de direito. Porém, como alhures dito, no entender da tese defendida nesta monografia, não obstante tenha dado um grande passo, poderia o Supremo Tribunal Federal ter ido mais além, aproveitando o momento para limitar a duração da medida ao máximo de pena abstratamente cominada ao delito, porquanto mais favorável ao agente.

Todavia, resta cada vez mais nítido que o real problema parece não estar propriamente na medida de segurança (instituto jurídico em si), mas sim na maneira como a mesma é aplicada. Vale dizer, não se dispõe de condições suficientes para possibilitar a recuperação do indivíduo, faltando quase sempre meios adequados e eficazes. Daí o porquê de se receber a solução do STF com ressalvas, temendo-se que tal desfecho não passe de uma simples transferência de problemas de uma esfera de atuação do Estado a outra, ou seja, da penal para cível.

Assim, é que é preferível não acreditar na lógica de que em razão de o Estado não oferecer meios apropriados para que o internado volte à vida social, recorreu-se pela interdição do indivíduo e a reinternação em outro local.

É justamente por isto que programas como o PAIPJ, CAPS e CERSAM assumem fundamental importância, sobretudo por aumentarem nítida e comprovadamente as chances de revitalização do doente mental, porquanto passem a receber eficaz tratamento através de sucessivas avaliações realizadas por pessoas de diversos segmentos profissionais, não sendo poucos os casos em que se consegue, satisfatoriamente, diminuir o tempo de internação destes indivíduos.

Por conta da seriedade e eficácia destes responsivos programas, impende adotar tais modelos através da parceria entre os Tribunais de Justiça, Secretarias de Justiça e Direitos Humanos e a Secretaria de Segurança Pública de cada Estado, além da cooperação da sociedade como um todo, a exemplo de organizações, associações e entidades sociais.

É que, marginalizar, ad eternum, um indivíduo através da ruptura dos seus laços familiares e sociais afigura-se atitude eivada de papalvice. Admitir-se isto, seria uma nítida situação de disparatus. Afinal, como fartamente defendido ao longo desta tese monográfica, têm os inimputáveis direito a tratamento digno e ressocializador por parte do Estado.

Feito isto, estar-se-á ofertando aos indivíduos submetidos à medida de segurança totais condições de reintegração familiar e social, já que terá sempre à sua disposição, quando preciso, serviços públicos de saúde mental integrantes de redes de cunho assistencial tais como serviços de internação psiquiátrica, ambulatórios, centros de referência em saúde mental, dentre tantos outros.

Tornou-se possível, ainda, na linha de raciocínio delineada nesta tese de monografia, que ideal seria se o paciente reatasse os laços sociais durante o cumprimento da medida. Porém, ciente da complexidade que envolve o tratamento a estes pacientes, e para se evitar infringir os direitos da coletividade como o da segurança pública, tem-se que, quando encerrado o cumprimento da medida e não cessada a periculosidade, deverá o paciente continuar sendo acompanhado pelos programas especiais de atenção e proteção valendo-se de toda estrutura e aparato inerentes a estas iniciativas com parceria do Pode Público, até que possibilitada seja a reinserção do indivíduo na família e na sociedade, conforme o caso prático.

Assim, diante de tudo o quanto aqui foi exposto e com base nas considerações tecidas, pode-se concluir que as medidas de segurança, como as penas, consubstanciam-se em autênticas sanções penais porquanto sejam resultados jurídicos do delito, sendo, por esta razão, notória ferramenta que se vale o Estado para concretizar seu poder-dever de punir, ora restringindo ora privando os direitos fundamentais. Como tal, e em observância ao artigo 1º, caput da Constituição (idealizador do Estado Democrático de Direito), resta evidente a necessidade da existência de mecanismos limitadores das medidas restritivas em consonância com os preceitos constitucionais de direitos fundamentais, sendo que, atendendo a este fim, tratou o artigo 5º, inc. XLVII, "b", da Carta Magna de vedar categoricamente sanções penais dotadas de índole perpétua.

Destarte, para que se veja alcançada a vontade do constituinte, que nada mais é senão reflexo da vontade do povo, a medida de segurança de internamento dos inimputáveis há de ter, sim, uma baliza executória máxima, seja em razão do limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado (o que parece ser o mais aconselhável no entender desta obra), seja em virtude do tempo máximo de 30 anos das penas (como querem alguns). Em não sendo assim, restaria patente a configuração de inconstitucionalidade, sobretudo, por violação a princípios, direitos e garantias fundamentais, como os da igualdade, proporcionalidade, não perpetuação da sanção penal bem como da dignidade da pessoa humana, sem esquecer da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

Por fim, após a farta e minuciosa análise sobre a matéria, vislumbrou-se que a memorável decisão do Supremo lançou mão da interpretação sistemática e teleológica, consoante exaustivamente esposada alhures, no sentido de estender à medida de segurança, através de empréstimo, em especial, do artigo 75 do CP, o limite temporal imposta à pena. Levou-se em consideração, ainda, no curso da fundamentação do julgado, o artigo 183 da LEP que, combinado com aplicação analógica do artigo 682, § 2º, delimitam o período da medida de segurança ao tratarem da superveniência de doença mental, além de determinar, por fim, que cessada a medida de segurança se proceda à interdição civil com esteio no código civil.

São estas, portanto, em breve síntese, as deduções que se fizeram possíveis neste trabalho monográfico, lembrando-se sempre que as propostas aqui ventiladas afiguram-se, no entender da tese esposada, as mais condizentes com os ditames constitucionais.


REFERÊNCIAS

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ALVES, Márcio Fortuna. A constitucionalidade ou não da indeterminação temporal da medida de segurança. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2721, 13 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18014. Acesso em: 17 maio 2024.