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Ativismo e garantismo no processo civil.

Apresentação do debate

Ativismo e garantismo no processo civil. Apresentação do debate

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Aborda-se o debate internacional sobre aspectos ideológicos do processo civil, o chamado ativismo judicial e o garantismo processual, tema pouco versado pela doutrina brasileira.

RESUMO: O texto aborda a relevante e atual debate internacional em torno de aspectos ideológicos do processo civil, o chamado ativismo judicial e o garantismo processual, tema pouco versado pela doutrina brasileira. Após descrever a cadeia histórica do debate, o texto procura trazer alguns elementos dessa polêmica e algumas repercussões possível no universo do processo civil brasileiro.

PALAVRAS-CHAVE: Processo civil – ideologia – papel do processo e do juiz no sistema processual.

RESUMEN: El artículo describe importante y actual debate internacional sobre rasgos ideologicos del proceso civil, el llamado ativismo judicial y el garantismo procesal, tema poco versado por la doctrina brasileña. Tras el desarollo de la cadena historica del debate, el texto aporta algunos elementos de esa polémica y algunas repercusiones posible en el universo del proceso civil brasileño.

PALABRAS CLAVE: Proceso civil – ideología – rol del proceso y del juez en el sistema procesal.

"Aggiungo queste poche parole solo per sottolineare uno degli spunti di reflessione, che il Tuo importante saggio ha ridestato in me." (GIUSEPPE TARZIA – trecho final de carta enviada a Juan Montero Aroca, o principal porta-voz europeu da atual mirada que se pode dar ao processo civil da atualidade. E porque refletir é preciso!) [01]

SUMÁRIO: 1. Colocação do problema e advertência; 2. Antecedentes históricos do debate; 2.1 1995: O artigo de FRANCO CIPRIANI; 2.2 2000/2001: A conferência de MONTERO AROCA nas XVII Jornadas do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal (IIDP) e seu posterior livro "Princípios políticos da nova LEC espanhola"; 2.3 Ainda em 2000: é realizado o "II Congreso Internacional de Derecho Procesal Garantista" na cidade de Azul, Província de Buenos Aires; 2.4 2002: A tradução de FRANCO CIPRIANI – "I principi politici del nuovo processo civile spagnolo" – do livro de MONTERO AROCA, o primeiro de um processualista espanhol traduzido ao italiano; 2.5 2006: A coletânea organizada por MOTERO AROCA, Proceso e ideologia – Un prefacio, uma sentencia, dos cartas y quince ensayos; 3. Jurisdição e processo (=devido processo legal) na perspectiva ativista e garantista; 4. Fechamento.


1. Colocação do problema e advertência

Pouco – ou quase nada [02] – versado pela doutrina do processo civil brasileiro, o debate ativismo judicial versus garantismo processual é bastante intenso e conhecido por toda América espanhola, inclusive com relevante repercussão na Europa (Espanha, Itália e Portugal). [03]- [04]

Em linhas gerais é um debate em torno: i) dos aspectos ideológicos do processo

civil, ii) dos seus sistemas de enjuizamento [05] – inquisitivo ou dispositivo [06] (inquisitorial system e adversarial system) [07] –, iii) do papel do juiz e da atitude das partes na relação processual, iv) da dimensão constitucional da jurisdição, v) do conteúdo e do significado do devido processo legal, vi) da garantia constitucional da ampla defesa e contraditório, dentre outros.

Na atualidade, o debate ativismo versus garantismo divide a doutrina do processo civil da América hispano-parlante e gera disputas e/ou polêmicas doutrinárias – às vezes até com "chumbo trocado" – que acaba por apartar os processualistas em verdadeiras "trincheiras ideológicas".

Aqueles que com certa regularidade freqüentam Congressos internacionais de direito processual nos países que nos são vizinhos na Latinoamérica podem certificar in loco a intensidade do debate que, repito, não é tratado com o mesmo vigor – a mim me parece que tampouco é tratado – no universo do processo civil brasileiro. Não sei se apenas pelas naturais razões idiomáticas que separam os hispano-parlante de nós, os luso-parlantes, ou mesmo se por alguma razão político-científico-processual [08], ou, ainda, se pelo fato de que as posturas sustentadas e defendidas pelos chamados garantistas, efetivamente, não encontram eco na doutrina interna do processo civil. Quanto a este último aspecto – ausência de eco das posturas garantistas – afirmo, sem medo de errar, que a grande maioria dos processualistas do nosso país está filiada ao que se apregoa pela voz dos chamados ativistas, conforme tentarei demonstrar no decorrer do texto. Nós no Brasil – e obviamente aqui eu me incluo – fomos forjados a pensar e a refletir o processo civil na perspectiva da Escola processual de São Paulo [09], que muitas e boas contribuições nos legou, mas cujos fundamentos, até por força da Reforma do CPC e dos notáveis avanços doutrinários do processo civil brasileiro, atualmente vêm sendo revistos e, muitos deles, até mesmo postos em xeque. [10]

Essas "trincheiras ideológicas" a que me referi acima podem ser observadas quando se analisa, num ambiente macroscópico, aquilo que é postulado pelos dois principais Institutos de direito processual da Iberoamérica, o Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal (IIDP, www.iidp.org) e o Instituto Panamericano de Derecho Procesal (IPDP, www.institutoderechoprocesal.org). O primeiro, de maior impacto no plano nacional, atualmente é presidido pelo processualista chileno e professor da Universidad de Chile, Raúl Tavolari Oliveiros, conhecido defensor das posturas ativistas, cujo nome está ligado à reforma do processo penal em vários países da América Latina. O segundo, de menor impacto no Brasil, até porque são menos os brasileiros que o integram [11], é presidido pelo professor da Universidad Nacional de Rosario (UNR) [12], e um dos principais processualistas da Argentina – e por isso mesmo também da América espanhola –, ADOLFO ALVARADO VELLOSO. [13]

Para uma primeira – e genérica – compreensão do que é defendido por ambas as correntes, é possível adiantar que o ativismo judicial defende uma postura mais contundente da atividade judicial para resolver problemas que às vezes não contam com adequada solução legislativa. É dizer: outorga-se ao juiz um poder criativo que em última análise valoriza o compromisso constitucional da jurisdição, e isso ainda que não haja previsão legal que o autorize na respectiva atuação. Já o garantismo processual defende uma maior valorização da categoria fundamental processo, e conseqüentemente da cláusula constitucional do due process, de modo a valorizar a ampla defesa, o contraditório e a imparcialidade do juiz, como os pilares de legitimação da decisão jurisdicional a ser decretada. Para o ativismo, o juiz deve atuar de maneira a resolver problemas no curso do processo, e isso independente da diligência da parte em postular pelas respectivas soluções, haja ou não autorização legislativa para a atuação do juiz. Para o garantismo, o processo é um método no qual o resultado dependerá do efetivo debate entre as partes e de sua diligência em melhor manejar a respectiva atividade. Os garantistas buscam aplicar as bases dogmáticas do garantismo de Luigi Ferraijoli – originariamente voltado às ciências penais (direito material e processo) – ao direito processual civil. [14]- [15]

Mas, como dito logo no subtítulo, aqui também cabe uma advertência, e de cunho pessoal.

Deixo claro que sou produto da – assim a chamemos – Escola brasileira de direito processual e por isso não empresto adesão a todos os postulados que eventualmente são professados pelo garantismo. Porém, após algum tempo lendo e ouvindo seus defensores, confesso que alguns aspectos do que propugnam merecem uma reflexão na perspectiva daquilo que os processualistas brasileiros pensam e concretizam no plano doutrinário. O presente texto não é um panegírico quer do ativismo judicial, quer do garantismo processual, até porque ambas as posturas não são infensas às influências recíprocas. Não há um purismo dogmático a legitimar orientações maniqueístas neste tema. Penso que as reflexões em torno do direito processual civil, desde que circunscritas aos confins das diretrizes constitucionais, devem ser receptivas e potencializar ao máximo novas posturas propositivas para a melhora da nossa ciência.

Nesse panorama não me parece proveitoso que as posturas garantistas voltadas ao processo civil não sejam conhecidas, tratadas e trabalhadas – naquilo que convier – pela competentíssima doutrina do direito processual civil brasileiro. Até porque a ciência também evolui com o auxílio da dialética fomentada por idéias antagônicas. Do debate, portanto.

E a minha intenção com este escrito é dar maior visibilidade a este debate.


2. Antecedentes históricos do debate

Ao que tudo indica a queda da Bastilha a representar o debate internacional aqui tratado foi a coletânea na qual JUAN MOTERO AROCA reuniu vários textos sobre o tema, escritos por processualistas de vários países da Iberoamérica e também da Itália: Proceso civil e ideología – Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, Valencia:Tirant Lo Blanch, 2006. E por este momento ter sido a queda da Bastilha é evidente que, antes disso, alguns outros antecedentes importantes podem ser aqui elencados.

2.1 1995: O artigo de FRANCO CIPRIANI [16]

Um provável marco a inspirar o debate ativismo versus garantismo no processo civil foi o – hoje clássico – texto de FRANCO CIPRIANI [17] intitulado Nel centeario del Regolamento di Klein (Il processo civile tra libertà e autorità) [18]. Neste estudo o professor ordinário de direito processual civil da Universidade de Bari (Itália) fez um profundo levantamento histórico dos aspectos ideológicos em que se radicou o CPC austríaco projetado por FRANZ KLEIN.

Apoiado em escritos de MENESTRINA (Francesco Klein, 1926, I, p. 270) e CHIOVENDA ("L´oralitá e La prova", 1924, em Saggi di diritto processuale civile – 1894-1937 –, organizado por PROTO PISANI, II, Milão, 1993, p. 205), CIPRIANI afirma que o Regulamento de Klein teve um longo período de vacatio legis para bem preparar os juízes com "mão dura", ao mesmo tempo que pretendeu "amansar" os advogados que, na Viena de 1897, pretendiam se rebelar contra a entrada em vigor do novo regulamento [19]. No desenvolvimento deste importante texto sobre a história do processo civil europeu, FRANCO CIPRIANI adverte sobre a influência do Regulamento de Klein na formação ideológico-política do CPC da Itália de 1940, surgido no auge do nazi-fascismo naquele país, bem como da influência deste CPC austríaco em outros diplomas processuais que se lhe seguiram. [20]

Em síntese, CIPRIANI demonstra que o Regulamento Klein: i) encara o processo civil como um "mal social" a gerar influência na economia nacional; ii) tratou o processo como objeto social; iii) conferiu viés publicista ao processo civil, com "negação" às partes; iv) reforçou os poderes do juiz no processo. É dizer: "um processo construído com menoscabo das partes" [21], cujo respectivo Regulamento foi tachado por parcela expressiva e respeitável da doutrina de, no mínimo, inconstitucional. [22]

Em seu texto histórico,FRANCO CIPRIANI ressalta que o CPC austríaco de Klein ultradimensionou o caráter publicista do processo civil, onde os juízes tiveram seus poderes "substancialmente aumentados e com a obrigação de ser (também) capitães em todas as causas" [23]. Ou seja, criou-se um juiz com grandes poderes de direção no processo.

2.2 2000/2001: A conferência de MONTERO AROCA nas XVII Jornadas do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal (IIDP) e seu posterior livro "Princípios políticos do novo processo civil espanhol"

Ex-aluno de SALVATORE SATTA na especialização da Universidade de Roma, JUAN MOTERO AROCA escreveu Los princípios políticos de la nueva Ley de Enjuiciamento Civil – Los poderes del juez y la oralidad [24]. Este livro representa uma versão revista e ampliada em "quinze mil palavras" [25] da – polêmica – conferência de encerramento que o processualista espanhol proferiu nas XVII Jornadas Iberoamericanas de Derecho Procesal, organizada pelo IIDP e pela Corte Suprema da Costa Rica, em 20 de outubro de 2000 na cidade de San José.

Os dirigentes do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal encarregaram MONTERO AROCA de ditar uma conferência sob o título "La nueva Ley de Enjuciamento Civil española, el Código Modelo (para Iberoamérica) y la oralidad", já que naquele mesmo ano de 2000 tinha sido publicada a Ley 1/2000, em 7 de janeiro, que reformulou o processo civil espanhol. Na dita conferência, em suma, AROCA consignou sua constatação de que a nova LEC espanhola NÃO assumia a idéia da publicização do processo civil, concepção tão em voga na doutrina do século XX, além do que – para o autor – a recém legislação processual de seu país NÃO guardava qualquer relação com as diretrizes que orientaram o Código Procesal Civil Modelo para Iberoamérica, cujo projeto foi apresentando pelo IIDP em 1988, em Montevidéu.

Essa conferência de encerramento teria sido o despertar de um novo enfoque ao direito processual civil, na qual foi proposto, a partir das diretrizes políticas que segundo MONTERO AROCA orientaram a nova LEC espanhola, que o processo civil estava passando por um momento de mudança de paradigma, com a observação do esvaziamento de seu conteúdo publicístico. O processualista espanhol chegou mesmo a afirmar que a ele foi imputado o fato de "dividir a comunidade de estudiosos e políticos do processo". [26]

2.3 Ainda em 2000: é realizado o "II Congreso Internacional de Derecho Procesal Garantista" na cidade de Azul, Província de Buenos Aires

Organizado em conjunto pela Universidad Nacional de Rosario (UNR) e pela Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires, o "Congreso Internacional de Derecho Procesal Garantista" é um importante evento no calendário científico do direito processual argentino. Realizado desde de sua primeira edição na cervantina cidade de Azul [27], a 300 Km da capital Buenos Aires, este Congresso realizou sua 10ª edição no ano de 2008 [28], onde se deliberou que os encontros não mais serão anuais, mas sim bienais.

Em novembro de 2000, portanto alguns dias após a conferência de MONTERO AROCA ditada no Congresso do IIDP na Costa Rica, foi realizada a 2ª edição do Congresso de Direito Garantista de Azul. Nessa ocasião, devido à repercussão do que dissera AROCA no congresso da Costa Rica, o texto base daquela conferência foi copiada e distribuída a todos os então congressistas.

Além da presença de JUAN MOTERO AROCA como conferencista no evento, essa 2ª edição também contou com a participação e conferência de FRANCO CIPRIANI. Devido ao eco de suas idéias a favor do garantismo no processo civil italiano, foi aquele seu texto sobre o centenário do Regulamento de Klein traduzido ao espanhol por ADOLFO ALVARADO VELLOSO [29] e, no congresso, distribuído a todos os presentes.

E foi nessa ocasião que CIPRIANI, após tomar conhecimento da conferência de MONTERO AROCA, viu que suas idéias libertárias e garantistas em torno do processo civil coincidiam com aquilo que o processualista espanhol havia falado alguns dias atrás nas XVII Jornadas do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal.

Alguns meses depois, já em 2001, foi publicado na Espanha o livro Los principios políticos. FRANCO CIPRIANI toma conhecimento da obra e se encarrega de traduzi-la ao italiano.

2.4 2002: A tradução de FRANCO CIPRIANI – "I principi politici del nuovo processo civile spagnolo" – do livro de MONTERO AROCA, o primeiro de um processualista espanhol traduzido ao italiano [30]

O mesmo CIPRIANI que escreveu sobre as diretrizes autoritárias e publicistas do Regulamento de Klein, após tomar conhecimento do texto base da conferência de MONTERO AROCA em São José da Costa Rica, e de seu então recém lançado livro Los princípios políticos... (2001), encarregou-se de traduzi-lo – não pessoalmente – ao espanhol. [31]

A este livro FRANCO CIPRINI fez agregar um prefácio [32] – um tanto quanto ácido, diga-se de passagem – no qual lembra que vem sendo tachado na doutrina do processo civil de seu país, ao lado, dentre outros, de GIROLAMO MONTELEONE, de revisionista [33], devido à sua defesa em prol de um novo processo civil italiano adequado à Constituição em vigor desde 1948, já que o CPC de 1940, influenciado pelo Regulamento de Klein, além de produto da era fascista de Mussolini, teria um viés antiliberal e autoritário. [34]

CIPRIANI chama a atenção que na Itália, em contraposição aos revisionistas estão os negacionistas, como PROTO PISANI, para quem o CPC de 1940 "se excedeu um pouco ao reforçar os poderes do juiz a despeito das garantias das partes", e SERGIO CHIARLONI. Negam estes, segundo FRANCO CIPRIANI, que o CPC italiano de 1940 seja autoritário e que precise ser adequado à Constituição de 1948.

No prefácio à tradução italiana no livro de MONTERO AROCA, o professor da Universidade de Bari afirma que a substancial identidade entre o autoritarismo fascista e comunista explica o porquê de estudiosos notoriamente de esquerda, como PROTO PISANI e CHIARLONI, procuram legitimar o CPC italiano de 1940. [35]

A apresentação da tradução italiana do livro ocorreu no ensejo de um Seminário Internacional celebrado entre os dias 16-18 de maio de 2002, em Roma, onde, dentre outros, esteve presente GIOVANNI VERDE, à época Vicepresidente do Consiglio Superiore della Magistratura. Poucos meses após este conclave, VERDE faz publicar um artigo na Revista di Diritto Processuale [36] integralmente dedicado – embora assumidamente não emparelhado – ao livro de MONTERO AROCA e ao – nas palavras do próprio VERDE – "polêmico" prefácio de CIPRIANI.

2.5 2006: A coletânea organizada por MOTERO AROCA, "Proceso e ideologia – Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos"

Após a publicação do artigo de VERDE na Itália e sua tradução ao espanhol pelo então Presidente do IIDP, ROBERTO BERIZONCE, e respectiva publicação na Revista Iberoamericana de Derecho Procesal (vide nota 33), uma série de textos versando sobre essa temática ideológica do processo civil se seguiu na América Latina e na Europa.

Assim é possível arrolar os autores, os títulos, a nacionalidade e as respectivas épocas de publicação desses textos [37], e todos na seqüência do já mencionado artigo de GIOVANNI VERDE: FRANCO CIPRIANI, Il processo civile tra vechie ideologie e nuovi slogan, 2003, Itália; GIROLAMO MONTELEONE, Principi e ideologie del processo civile: impressioni de um "revisionista", 2003, Itália; JOAN PICÓ Y JUNOY, El derecho procesal entre el garantismo y la eficacia: un debate mal planteado, 2003, Espanha; JUAN MOTERO AROCA, El proceso civil llamado "social" como instrumento de "justicia" autoritaria, 2004, Espanha; GIOVANNI VERDE, Postilla, 2004, Itália; GIROLAMO MONTELEONE, El actual debate sobre las "orientaciones publicísticas" del proceso civil (traduzido ao espanhol por José Luis Gabriel Rivera), 2005, Itália; JOSÉ CARLOS BARBOSA MOREIRA, O neoprivatismo no processo civil, 2005, Brasil [38]; ADOLFO ALVARADO VELLOSO, La imparcialidad judicial y el sistema inquisitivo de juzgamiento, 2005, Argentina; LUÍS CORREIA DE MENDONÇA, 80 anos de autoritarismo: uma leitura política do processo civil português, 2006, Portugal. [39]

No interregno desta cadeia houve um incidente ocorrido na jurisprudência argentina, especificamente quanto a um acórdão proferido pela Suprema Corte da Província de Buenos Aires, datado em 29/out/2003.

Nesse acórdão discutiu-se sobre a possibilidade de ser "relativizada a coisa julgada", já que um aspecto da sentença de primeiro grau não foi objeto de recurso, no caso específico a utilização de um determinado índice de correção. Quando da execução do julgado, o devedor alegou que o índice que prevaleceu na sentença era o errado e que isso traria uma grande "injustiça" na situação concreta. Houve recurso, provido em segundo grau. Em sede de recurso extraordinário foi pedido que fosse mantida a decisão de primeiro grau e que o tribunal, como não houve recurso específico no momento oportuno, não poderia alterar o que estava definido pela coisa julgada. Na instância extraordinária – Suprema Corte da Província – os respectivos Ministros dividiram-se quanto à solução do caso. Metade dos 8 (oito) magistrados rejeitou o recurso extraordinário por entender que o tribunal a quo teria a possibilidade de "relativizar a coisa julgada"; a outra metade entendeu por acolher o recurso para que fosse mantida a decisão de primeiro grau, não impugnada à época quanto ao capítulo que tratava do índice de correção. Para dirimir a controvérsia, e dentro das respectivas regras de Organização Judiciária, foi necessário o voto do Presidente do Tribunal de Casación Penal, FEDERICO DOMÍNGUEZ.

Em seu voto de minerva – de cunho inegavelmente garantista, na ótica do debate ideológico neste texto tratado –, FEDERICO DOMÍNGUEZ deu provimento ao recurso extraordinário por entender que a "relativização da coisa julgada" era uma gravíssima afronta ao devido processo legal previsto na Constituição, e que ao juiz é vedado "revisar uma questão fenecida pela inatividade, em tempo oportuno, de uma das partes", e segue afirmando que "Ao mudar, o órgão jurisdicional, as regras do jogo, necessariamente rompe com a igualdade que deve existir entre as partes." [40]

Após a publicação deste acórdão – lembre-se, datado em 29/out/2003 – foi publicada uma nota comentando-o, no periódico LexisNexis – Juriprudencia Argentina, de 18/fev/2004. Esse comentário foi assinado por AUGUSTO MARIO MORELLO, falecido em abril deste ano de 2009 [41], e sem dúvida alguma um dos principais processualistas da história da Argentina. Representante da chamada Escola processual de La Plata, AUGUSTO MORELLO também foi um dos principais defensores do ativismo judicial em seu país e no plano internacional. Em seu comentário [42], MORELLO teceu severas críticas ao posicionamento externado naquele voto dirimente por FEDERICO DOMÍNGUEZ e aos fundamentos que alicerçaram a respectiva solução, baseada, inclusive, em citações e referências expressas à obra e ao pensamento de JUAN MONTERO AROCA.

Em 05/mai/2004, na mesma LexisNexis – Jurisprudencia Argentina, MONTERO AROCA "pede a palavra" [43] e publica uma espécie de prédica em favor da postura jurisprudencial adotada por DOMÍNGUEZ em seu voto de desempate, ao mesmo tempo em que chama a atenção para fato de que o comentário de MORELLO ao acórdão exteriorizava a imposição de um único modo de pensar. [44]

Após este texto de MONTERO AROCA "pedindo a palavra", AUGUSTO MARIO MORELLO dirige uma carta ao professor valenciano, datada em 04/jun/2004, com nítido propósito de – ao menos assim me pareceu de sua leitura – rumar o "barco do debate" para águas calmas, iniciando sua breve missiva esclarecendo os motivos que o levaram a lançar a nota ao julgamento da Suprema Corte da Província de Buenos Aires:

"Prezado Montero Aroca: Minha nota ao acórdão da SCPBA teve um claro e único propósito: tentar que não se instale entre nós um método e estilo de exposição crítica excessivamente ideológica e carregado de adjetivações desqualificatórias em relação aqueles que pensam diferente." [45]

Dias após, em 23/jun/2004, MONTERO AROCA responde a MORELLO no mesmo tom conciliatório, mas com tomada de posição – ao menos assim também me pareceu da leitura da respectiva carta –, e aproveita para fazer um apelo ao professor argentino para que o debate autoridade/liberdade no processo (= ativismo X garantismo) fosse sugerido por ambos, ao Presidente do IIDP, como tema central das Jornadas Iberoamericanas que se realizariam em 2006.

"Por isso me atrevo a fazer uma proposta. Organizar um debate público nas próximas Jornadas Iberoamericanas, as de 2006, sobre ´Autoridade e liberdade no processo (civil e penal)´, onde teríamos 4 conferencistas: dois (um civil e outro penal) por cada uma das posições. Se te parece bom, poderíamos tentar convencer ao Presidente do Instituto, e que assim fique combinado nas Jornadas de Caracas, em outubro próximo, depois nós finalizaríamos os detalhes. Poderíamos ir adiantando ao assunto em minha próxima vista a Argentina, no mês de setembro. Com a amizade de sempre." [46]

A partir do acórdão, da nota de MORELLO em LexisNexis – Jurisprudencia Argentina, da prédica de MONTERO AROCA no mesmo periódico, e das cartas trocadas entre ambos, o processualista espanhol teve a iniciativa de compilar os principais textos até então publicados na América Latina e Europa sobre a temática ativismo/garantismo, autoridade/liberdade no processo civil. Enfim, sob um novo e possível enfoque que pode ser dado a nossa ciência, sempre na perspectiva de sua melhora.

Temos aqui a evolução histórica do debate.


3. Jurisdição e processo (=devido processo legal) na perspectiva ativista e garantista

É pacífico na doutrina que a chamada Teoria Geral do Processo deve ser estudada a partir de seus três institutos [47] – ou categorias – fundamentais: ação, processo e jurisdição. [48]

No universo do debate ativismo versus garantismo facilmente se observa que as categorias fundamentais jurisdição e processo têm peso e importância diferenciada a depender da perspectiva de análise. Para os ativistas, a jurisdição se sobreleva. Para os garantistas, é a categoria fundamental processo (=devido processo legal) que merece distinta proeminência.

3.1 Para o ativismo a categoria fundamental "jurisdição" tem maior destaque

É na categoria jurisdição [49] onde são estudadas, dentre outras questões, as tutelas jurisdicionais, voltadas à tutela de direitos mediante o exercício do poder que é típico do Poder Judiciário [50]. Para o ativismo judicial o exercício do Poder – da jurisdição, portanto – habilita o juiz a buscar, a qualquer custo, fazer "justiça" nos casos que lhe são submetidos. E por mais acaciano que possa soar a afirmação de que ao juiz toca fazer "justiça", para os ativistas essa busca por "justiça" não encontra obstáculo nem mesmo na eventual falta de autorização do legislador para que o juiz aja em determinadas situações. Para os ativistas é normal que o sistema dote o juiz de maiores poderes de atuação na relação processual e mesmo na condução do processo [51]. E mesmo quando a legislação – muitas vezes porque ultrapassada – ainda não tenha se aperfeiçoado para permitir ao juiz o manejo mais contundente de seus poderes [52], mesmo assim teria o magistrado que atuar com coragem e fazer tudo que estiver ao seu alcance para, com criatividade, potencializar sua atuação no processo para fazer com que seu resultado seja "justo". O ativismo judicial, conforme afirma JORGE W. PEYRANO – um de seus maiores defensores na Argentina – "confia nos magistrados". [53]

Nessa perspectiva fica fácil concluir que a categoria fundamental jurisdição ganha importante relevo na dinâmica de atuação do ativismo judicial. A tutela jurisdicional – expressão de Poder – deve ser operada para se atingir o resultado "justo" como produto de sua atuação.

Note-se que por várias vezes fiz menção ao "justo", "justiça", "processo justo", e isso porque tais expressões fazem parte do discurso dogmático dos ativistas. Chamo a atenção para este dado. Mas sem querer entrar no terreno do que é ou o que deve ser entendido por "justiça" – o que deve ser trabalhado pela Filosofia do Direito, e não por um texto que, como este, é de direito processual –, creio seja oportuno ressaltar que o direito e o processo não buscam outra coisa senão a "justiça". Porém, de que "justiça" estamos falando? [54]

É evidente que todos nós, operadores do processo (=práticos ou dogmáticos), o pensamos e o manejamos de modo a que com ele possamos realizar "justiça". Mas certamente a "justiça" que na situação concreta nos pareça deva prevalecer. E o ativismo judicial, certamente, busca a concretização da "justiça" dos juízes, aliás, daquele juiz que, motivado pelo ativismo, opera com a jurisdição de modo a fazer com que a sua noção de "justiça" prevaleça no caso concreto. É evidente que isso tende a ser positivo. Mas será que sempre o será?

Se pensarmos a questão na perspectiva da ordem constitucional brasileira, o ativismo procura se legitimar radicado no chamado princípio da inafastabilidade do controle jurisdicional decorrente da promessa contida no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988, de onde se extrai a compreensão de que a missão democrática e constitucional do Poder Judiciário é atuar de modo a evitar lesão ou ameaça a direitos, tenha o legislador infraconstitucional dotado, ou não, o juiz para concretizar o respectivo ditame constitucional.

Neste momento creio seja oportuno lembrar CALMON DE PASSOS para, ao menos neste instante, formular um juízo crítico quanto ao agigantamento que o ativismo judicial confere aos poderes do juiz e conseqüentemente à categoria jurisdição (=tutela jurisdicional). Para o contundente processualista baiano que daqui partiu em 18 de outubro de 2008 [55] – e ninguém no Brasil (ninguém!) negará a lógica contundente de sua verve –, o processo, mais do que mero instrumento, participa de forma "integrativa, orgânica, substancial" [56], na formação do direito. É dizer: deve-se manejar o processo na perspectiva das garantias constitucionais para que o produto da respectiva atividade (=direito, ou sua tutela) tenha legitimidade democrática.

Quanto à dinâmica da engrenagem jurisdição e processo, vejamos o que disse CALMON:

"Acreditar-se e dizer-se que o fundamental é a tutela jurídica, sendo o processo (prestação da atividade jurisdicional) o acessório é adotar-se postura ideologicamente perigosa, de todo incompatível com o ganho civilizatório que a democracia representa como forma de convivência política. Se o Direito é produzido socialmente pelos homens, a vitória mais significativa da modernidade, em termos políticos, foi assentar-se, como inafastável postulado, que sua validade é indissociável do processo de sua produção, processo este incompatível com o arbítrio, exigindo, para legitimar-se, que atenda a regras cogentes e prévias, respeitados os princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático, tudo constitucionalmente prefixado. Em suma, que sejam atendidas as exigências do devido processo legal, tanto do devido processo legal (devido processo constitucional, seria mais adequado dizer-se) legislativo, quanto do administrativo e do jurisdicional.

(...)

Devido processo constitucional jurisdicional, cumpre esclarecer, para evitar sofismas e distorções maliciosas, não é sinônimo de formalismo, nem culto da forma pela forma, do rito pelo rito, mas sim um complexo de garantias mínimas contra o subjetivismo e o arbítrio dos que têm poder de decidir." [57] (o itálico é do texto).

Evoquei aqui o ensinamento de CALMON DE PASSOS de modo provocativo e para que possamos refletir criticamente sobre o ativismo judicial, que certamente, tal como o garantismo processual, não pode ser manejado e concretizado de forma absolutamente maniqueísta.

3.2 Para o garantismo a categoria fundamental "processo" (=devido processo legal) tem maior destaque

"O garantismo processual é uma posição doutrinária firme (=aferrada) quanto à manutenção da irrestrita vigência da Constituição e, com ela, da ordem legal vigente no Estado, de modo que tal ordem se adéqüe com plenitude às normas programáticas dessa mesma Constituição. Em outras palavras, os doutrinadores que assim entendem não buscam um juiz comprometido com certas pessoas (=grupos de pessoas) ou coisa distinta da Constituição, mas sim um juiz que se empenhe em respeitar a todo custo as garantias constitucionais". Essa é a conceituação que ADOLFO ALVARADO VELLOSO dá ao garantismo. [58]

Note-se que as garantias constitucionais a que se refere o chamado garantismo processual são fundamentalmente aquelas afirmadas pela cláusula do devido processo legal e suas derivações [59], como ampla defesa, contraditório, imparcialidade, bilateralidade, e a própria inafastabilidade do controle jurisdicional.

Em linhas gerais o garantismo reforça a importância do devido processo legal – da categoria fundamental processo, portanto – como legitimador do produto da tutela jurisdicional. Para os garantistas reside aí a garantia da segurança jurídica a que todos fazem jus como postulado constitucional democrático. De tal modo que as investidas do ativismo judicial abalariam essa dinâmica de funcionamento das coisas, com o comprometimento, ao final, não apenas do devido processo legal, mas também da segurança jurídica que se espera seja mantida pela ordem constitucional. Ou seja, postula-se que é temerária a substituição do processo, como método de debate, pela manifestação ativista do juiz, que acaba pondo de lado certas garantias constitucionais em nome da solução que lhe parece mais "justa" ao caso concreto. [60]

Mas essa ligação atávica do garantismo com a cláusula do due process faz com que seus seguidores rejeitem certas atitudes do juiz, sem apresentar, contudo, soluções satisfatórias como contrapartida. Para ficar em dois exemplos, são eles contrários: i) às tutelas de urgência satisfativa concedidas inaudita altera parte e ii) à atividade probatória ex officio. Situações, num primeiro momento, impensáveis na ótica da doutrina e jurisprudência do processo civil brasileiro.

No primeiro caso – e aqui me refiro àquilo que no processo civil argentino é chamado de medida autosatisfativa –, pelo fato de que a concessão da tutela de urgência se dá sem o necessário estabelecimento da bilateralidade e do conseqüente contraditório; concede-se a tutela de urgência satisfativa sem que tenha sido dada a oportunidade de defesa (=ampla defesa) à parte contra a qual é concedida. Viola-se, portanto, o devido processo legal que legitima a concretização da tutela jurisdicional.

No segundo caso – prova de ofício –, parte-se do princípio de que o juiz, quando determina a produção de provas sem prévio requerimento da parte interessada em provar determinado fato, estaria, ainda que sutilmente, tomando partido a favor dessa parte de modo a romper a igualdade e a imparcialidade que a Constituição também lhe exige. E o juiz, assim agindo, romperá com a estrutura dialética básica que orienta todo o processo. Ou seja, dois sujeitos parciais (=demandante e demandado) buscando a tutela de seus respectivos direitos em atividade isonomicamente dialética, diante de um terceiro imparcial (=juiz). Nota-se aí a importância que é dada para a categoria fundamental processo (=devido processo), que se violado fulminaria a própria legitimidade do exercício da jurisdição (=tutela jurisdicional).

Contudo – e mais uma vez de modo a fomentar o debate –, os garantistas não trabalham com a hipótese de que muito além do devido processo legal a ordem constitucional consagra um série de outros valores/garantias, que ao invés de se repelirem se integram e necessitam conviver harmonicamente para que a jurisdição (=tutela jurisdicional) seja útil e proveitosa ao jurisdicionado que se socorre do Poder Judiciário para buscar a tutela do seu direito.

Afinal de contas, e outra vez voltando os olhos para a Constituição brasileira de 1988, da mesma maneira que se garante a ampla defesa, o contraditório, a imparcialidade do juiz, e todas as demais garantias decorrentes da cláusula do devido processo legal, esta mesma Constituição também garante, por exemplo, a dignidade da pessoa humana (CR, art. 1º, III), o compromisso da jurisdição de atuar de modo a evitar lesão ou ameaça a direito (art. 5, XXXV), a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVII). E o balanço de tudo isso, não há dúvida, mais uma vez conspira contra os posicionamentos maniqueístas que apartam por completo o ativismo judicial do garantismo processual.

Mas – também não tenho dúvida – voltando os olhos para o que é postulado por ambas as correntes, tenho para mim que muito do que propugnam deve ser compatibilizado, sob pena de praticarmos um processo que viabilize o exercício da jurisdição de maneira não integralmente compatível com a ordem constitucional. Ou – caso se prefira –, que o exercício da jurisdição esbarre em certos aspectos do processo que inviabilize a concretização de sua missão constitucional que é a tutela de direitos.

Em miúdos: ativismo e garantismo pretendem o mesmo, cada qual desde um respectivo ponto de vista, seja fortalecendo a jurisdição (=ativismo), seja com o fortalecimento das regras que ordenam o processo (=garantismo). Apesar da carga ideológica que possa estar por detrás de cada uma dessas posturas dogmáticas – eventual autoritarismo na condução ativista do processo pelo juiz, ou eventual liberdade na condução do processo com a observância irrestrita das garantias constitucionais – não se pode perder de vista que no atual ambiente constitucional dos povos ocidentais espera-se que o Poder Judiciário atue de modo a evitar lesão ou ameaça a direitos, sempre com a observância do devido processo legal. E é nessa perspectiva que se deve pensar e concretizar o processo civil. Não temos como fugir disso.


4. Fechamento

Que meus colegas processualistas brasileiros possam tirar suas próprias conclusões, ainda que seja para prosseguir engrossando o coro uníssono que parece ecoar tranqüilo e suave na doutrina interna – da qual sou fruto e faço parte! –, e que em linhas gerais perfilha-se aos postulados ativistas.

O certo é que me pareceu razoável descrever e dar notícia de um debate que existe com importantes reflexos por toda a América Latina, além de Espanha, Portugal e Itália, e que ao seu redor divide a comunidade de processualistas em verdadeiras "trincheiras ideológicas".

A minha intenção – como dito logo de início – foi dar maior visibilidade a este debate, cujos fundamentos serão melhor trabalhados pela competentíssima doutrina brasileira, se assim lhe convier. Até porque é do enfrentamento dialético das idéias que a ciência evolui e se transforma.


Notas

  1. "Acrescento estas poucas palavras apenas para sublinhar o despontar de algumas reflexões que o Teu importante ensaio despertou em mim." (traduzi livremente), carta reproduzida no prólogo subscrito por JUAN MONTERO AROCA ao livro de coletâneas por ele coordenado, Processo civil e ideología – Un prefacio, una sentencia, dos cartas y quince ensayos, Valencia: Tirant Lo Blanch, 2006, p. 20. Montero Aroca confiou-me a tradução ao português desta obra. Comparto a honrosa tarefa com o processualista e desembargador carioca ALEXANDRE FREITAS CÂMARA e até o final do primeiro semestre de 2010 a tradução será publicada no Brasil.
  2. Na literatura brasileira há um texto importante que deve ser conhecido para que se conheça um pouco mais do debate. BARBOSA MOREIRA, "Correntes e contracorrentes no processo civil contemporâneo", em Temas de direito processual (nona série), São Paulo: Ed. Saraiva, 2007, pp. 55-67. Após ter concluído este texto, no final do mês de outubro de 2009, chegou-me as mãos a RePro 177, de novembro de 2009. Nela há um excelente texto do processualista espanhol JOSÉ LUIS VÁSQUES SOTELO, "Iniciativas probatorias del juez en el processo civil" (RePro 177/93). Neste texto o professor da Universidade de Barcelona dá importante e clara notícia acerca de alguns aspectos do debate aqui tratado, v. em especial pp. 94-112 e respectivas notas.
  3. Cf. Proceso e ideología, passim.
  4. Importante destacar que, no Brasil, ROSEMIRO PEREIRA LEAL há tempo chama a atenção para o fato de que o devido processo legal muitas vezes é aviltado diante das posturas instrumentalistas que preponderam na doutrina interna. Dogamaticamente, ao meu ver, as ponderações do professor da UFMG e da PUC/MG alinham-se ao postulado garantista demonstrado no presente trabalho. Cf. Teoria Geral do Processo – Primeiros estudos, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2009, 8ª edição, passim.
  5. Enjuizamento, numa tradução livre da palavra espanhola enjuiciamento, e não ajuizamento, que em português tem significado distinto do pretendido no texto. Ajuizamento para nós tem significado de propositura da ação; enjuizamento, por sua vez, aqui é utilizado em referência à dinâmica de desenvolvimento do processo até sua conclusão. Será inquisitivo, o processo que se desenvolve sob a direção inflexível do juiz. Dispositivo, quando em seu desenvolvimento há destaque para a atuação e iniciativa dispositiva da parte, ou seja, a parte arca com o ônus de sua eventual falta de diligência.
  6. Os sistemas inquisitivo e dispositivo também são identificados pela doutrina como sistema publicístico e sistema privatístico, respectivamente. Nesse sentido, inclusive advertindo que nenhum sistema é "quimicamente puro no plano normativo", JUAN MONROY GÁLVEZ, Teoria General de Proceso, Lima: Palestra Editores, 2007, pp. 155-160. O professor da Universidad de Lima ainda elenca alguns princípios que fariam parte de cada um destes sistemas. Seriam princípios procedimentais do sistema publicístico: direção judicial do processo, impulso oficial, imediação, concentração, boa-fé e lealdade processual, celeridade processual, socialização do processo, integração do direito processual, vinculação e elasticidade, aquisição (=os atos praticados pelas partes se incorporam ao processo e, desde então, já não beneficiarão ou prejudicarão apenas o responsável pela produção do ato), preclusão. Seriam princípios procedimentais do sistema privatístico: iniciativa da parte, defesa privada, congruência e impugnação privada.
  7. Sobre o inquisitorial system e o adversarial system, cf. BARBOSA MOREIRA, "O processo civil contemporâneo: um enfoque comparativo." em Temas de direito processual civil (nona séria), pp. 39-54. Ver, ainda, FERNANDO GAJARDONI, Flexibilização procedimental – Um novo enfoque para o estudo do procedimento em matéria processual, São Paulo: Editora Atlas, 2008, pp. 107-132. Importante destacar que o adversarial system foi deixado de lado no processo civil inglês após entrada em vigor as Civil Procederal Rules (=o CPC inglês) em abril de 1999, já que "Depois das CPR, há muito menos espaço para que as partes controlem o desenvolivimento do caso. Isso porque os tribunais passaram a ter expresssivos poderes e deveres sobre a gestão dos casos", cf. NEIL ANDREWS, O moderno processo civil – formas judiciais e alternantivas de resolução de conflitos na Inglaterra (orientação e revisão da tradaução por Teresa Arruda Alvim Wambier), São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2009, p. 48.
  8. Assim me refiro às posturas que são adotadas pelo Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, que inegavelmente goza de maior destaque entre seus congêneres na Iberoamérica, além de exercer satisfatória influência na doutrina nacional, até porque congrega vários processualistas brasileiros que – cada qual dentro de seu respectivo nível de projeção – têm dado sua colaboração à nossa ciência.
  9. Como dito por NICETO ALCALÁ -ZAMORRA Y CASTILLO ao se referir ao pensamento processual brasileiro após a forte influência aqui exercida por Liebman, notadamente sobre seus – então – discípulos da Faculdade de Direito do Largo São Francisco (USP). Cf. ALFREDO BUZAID, Grandes processualistas, São Paulo: Ed. Saraiva, 1982, p. 10, nota 6.
  10. Basta que se tenha em mente a reformulação do sistema de execução civil, com a opção pelo processo sincrético e o abandono do processo de execução autônomo para a satisfação do título executivo judicial, para que seja possível diagnosticar que estão sendo fortemente revisitadas antigas doutrinas que nos foram apresentadas como dogmaticamente intangíveis.
  11. Os brasileiros que integram o IPDP são: Marcus Vinícius Abreu Sampio (SP), Flávio Buonaduce Borges (GO), Marcos Afonso Borges (GO), Petrônio Calmon (DF), Min. Castro Filho (DF), Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (RS), Luiz Manoel Gomes Jr. (SP), José Miguel Garcia Medina (PR), Glauco Gumerato Ramos (SP), Roberto Rosas (DF), Eduardo Talamini (PR), Luiz Rodrigues Wambier (PR), Teresa Arruda Alvim Wambier (SP). Neste ano de 2009, quando do XXII Congresso Panamericano de Direito Processual, realizado entre os dias 26-28 de agosto na cidade de Goiânia – vale destacar: o primeiro Congresso realizado pelo IPDP no Brasil –, foram aprovados para integrar o Instituto os nomes de Alexandre Freitas Câmara (RJ), Antonio Gidi (BA, atualmente radicado em Huston, Texas, onde é professor de direito processual da respectiva Universidade) e Osmar Mendes Paixão Côrtes (DF).
  12. Importante destacar que a Universidad de La Plata – daí a conhecida Escola processual de La Plata, cujo principal representante foi o recém falecido Augusto Mario Morello –, a UNR e a Universidad Católica da Argentina, ambas sediadas na cidade de Rosario, Província de Santa Fé, detém os principais núcleos do pensamento processual civil argentino.
  13. No volume I de suas Instituições, ao fazer um balanço da história e evolução do direito processual na America Latina, CÂNDIDO DINAMARCO destaca alguns nomes de importância no processo civil argentino, dentre eles está o de ADOLFO ALVARADO VELLOSO, o principal porta-voz do garantismo processual naquele país. Cf. Insitutições de direito processual civil, vol. I, São Paulo: Malheiros Editores, 2001, pp. 264-265.
  14. Nesse sentido, JORGE W. PEYRANO: "O autodenominado garantismo processual civil – porque, afinal, qual corrente do pensamento processual não vai defender as garantias constitucionais – se apóia em um equivocado transplante ao processo civil do ideário de Luigi Ferrajoli, concebido por e para o processo penal" (traduzi livremente), em El cambio de paradigmas en materia procesal civil, Buenos Aires : La Ley, 13/8/2009, nota "9", com possibilidade de acesso na web em: www.laley.com.ar/laley/cms/files/1810//diario%2013-8-09.pdf. Nessa mesma nota "9" PEYRANO lembra outro estudo que liga as idéias do garantismo processual ao garantismo de FERRAJOLI, do professor da Universidad de Lima JUAN MONROY GALVEZ, Qué es el garantismo procesal civil?, publicado na Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, ano 2006, nº 9, p. 07 e ss.
  15. Ver, ainda, ALVARADO VELLOSO: "A dicção garantista – ou seu sucedâneo: garantidor – provém do subtítulo que Luigi Ferrajoli pôs em sua magnífica obra Direito e razão e que quer significar que acima da lei, com minúscula, sempre está a Lei, com maiúscula (=a Constituição). Em outras palavras: é guardar adequado respeito à graduação da pirâmide jurídica." (traduzi). Cf., "El garantismo procesal", na coletânea Activismo y garantismo procesal, Córdoba: Academia Nacional de Derecho y Ciências Sociales de Córdoba, 2009, p. 145.
  16. Quanto à importância do texto de CIPRIANI na evolução histórica entorno dos fundamentos do debate, ver tb. OMAR A. BENABENTOS, Teoría general unitaria del derecho procesal, Rosario:Editorial Juris, 2001, pp. 90-96.
  17. FRANCO CIPRIANI é conhecido na Itália como importante pesquisador da história do processo civil. A ele coube recuperar fragmentos de uma pequena apostila intitulada Lezioni di diritto amministrativo, de autoria de CHIOVENDA, referente à aulas que ministrou na Universidade de Roma nos anos de 1909 e 1910. Cf. CÂNDIDO DINAMARCO, Instituições, vol. I, p. 258, nota, 3.
  18. Este texto foi publicado originalmente na Itália em 1995, na Revista di Diritto Processuale, pp 969 e ss. Há duas traduções para o espanhol, uma na Argentina e outra no Peru. Na argentina: ADOLFO ALVARADO VELLOSO, "En el centenário del Reglamento de Klein (Elproceso civil entre libertad u autoridad)", Revista de Derecho Procesal, Córdoba, Nº 2, pp. 31 e ss, 2001. A tradução do Peru é de EUGENIA ARIANO DEHO, tem o mesmo título e foi publicada Revista Jurídica del Peru, LI, Nº 18, pp. 119 e ss, 2001.
  19. Cf., na tradução argentina de ALVARADO VELLOSO, En el centenario del Reglamento..., p. 31.
  20. Inclusive no CPC brasileiro de 1973. ALFREDO BUZAID: "(...) ainda no derradeiro quartel do século XIX, dois Códigos – o da Alemanha e o da Áustria – que tiveram grande ascendência sobre os monumentos jurídicos dos tempos atuais. Dado o rigor científico dos sues conceitos e precisão técnica de sua linguagem, impuseram-se como verdadeiros modelos, a que se seguiram as elaborações legislativas dos Códigos do século XX.", em "Linhas fundamentais do sistema do Código de Processo Civil brasileiro – Conferência proferida na Universidade de Keyo (Tóquio)", Estudos e pareceres de direito processual civil (com notas de Ada Pellegrini Grinover e Flávio Luiz Yarshell), São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2002, p. 33. Ver, ainda, da pena do mesmo BUZAID, Exposição de Motivos do Código de Processo Civil, Capitulo II – Do sistema do Código de Processo Civil vigente, nº 3.
  21. KÖNIG, La ZPO austríaca dopo La novella del 1983, 1988, p. 173, conforme lembra CIPRIANI, op. cit., p. 32, sempre da tradução argentina.
  22. FRANCO CIPRIANI: "Assim, alguns o tacharam de inconstitucional; outros – como o Reitor da Universidade de Viena, Schrutka – lamentaram que ´aos crescentes poderes e a nobre posição do juiz não correspondera a um aumento proporcional das garantias de independência´ --; outros – como Adolf Wach, valente defensor da concepção liberal do processo – lhe acusaram de estar contra a natureza dispositiva do processo civil; outros, ainda – como o trentino Francesco Menestrina –, de ter sido concebido ´num momento de ingênuo otimismo´; finalmente outros – como o então jovem Guiseppe Chiovenda –, e sem dissimular sua perplexidade, preferiram não se pronunciar" (traduzi livremente), op. cit., p. 33.
  23. Op. cit., p. 61.
  24. Livro clássico do processo civil espanhol e publicado pela Editora Tirant lo Blanch : Valencia, 2001. Este livro está sendo traduzido por mim ao português, sob o título Princípios políticos do novo processo civil espanhol – Poderes do Juiz e oralidade.
  25. Cf. Los principios políticos..., em Introducción, nota 1, p. 11.
  26. Proceso e ideología..., Prólogo, p. 17. Nessa mesma página 17 vale destacar o que escreveu MONTERO AROCA: "No mesmo momento da conferência, e logo a partir daquele dia, adverti que algo raro estava a acontecer ao meu redor. Já ao finalizar a intervenção me pareceu que parte dos membros do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal não estava muito de acordo com o que haviam escutado, e se pode ver entre eles mostras de desconformidade não habitual em conferências de encerramento de congressos, enquanto outra parte aplaudia com convicção pouco habitual nesses atos e exteriorizava sua conformidade de maneira mais expressiva do que de costume. Desde então ocorrem acontecimentos que podem ser qualificados de insólitos e que seguem me surpreendendo; a algum deles me referirei a seguir, mas adianto que já me acusaram de dividir a comunidade de estudiosos e políticos do processo."
  27. A cidade de Azul é a única cidade da América Latina que tem o "certificado cervantino", conferido por autoridades culturais da Espanha para as cidades de outros países com expressivo acervo das várias edições da obra de Miguel de Cervantes. É caso de um colecionador particular de Azul.
  28. Nesse X Congreso de Derecho Procesal Garantista de Azul, em 2008, estive presente e ministrei palestra sobre o tema Panorama de las tutelas de urgencia en el proceso civil brasileño onde, após fazer uma exposição sistemática da tutela de urgência no Brasil, sustentei – como não poderia deixar de ser – a total constitucionalidade delas, o que, por alguns fundamentos dogmáticos que arrolarei neste texto, não é aceito sem críticas pelos garantistas.
  29. O professor ALVARADO VELLOSO é um dos organizadores do Congresso de Azul.
  30. Nesse sentido o texto de IGNÁCIO DÍEZ-PICAZO GIMÉNEZ, "Con motivo de la traducción al italiano de la obra del Profesor Juan Motero Aroca sobre los principios políticos del proceso civil español", em Proceso e ideología, p. 29-30.
  31. Trata-se de I principi politici del nuovo proceso civile spagnolo, tradução italiana de Bratelli-Magrino, Napoli : Edizioni Scientifiche Italiane, 2002.
  32. "El proceso civil italiano entre revisitonistas y negacionistas", tradução ao castelhano de EUGENIA ARIANO DEHO, em Proceso e ideología, p. 51-64.
  33. A adjetivação de revisionista foi dada por SERGIO CHIARLONI, La giustizia civile e i suoi paradossi, em Storia d´Italia, Annali 14, Legge Diritto Giustizia, Torino, 1998, p. 410, em nota-de-rodapé, apud CIPRIANI, op. cit., p. 55, nota 12.
  34. Op. cit., p. 53.
  35. Op. cit. pp. 59-60.
  36. "Le ideologie del processo in um recente saggio", Rivista diDiritto Processuali, 2002, pp. 676-687. Este texto foi vertido ao castelhano e publicado na Revista Iberoamericana de Derecho Procesal, 2003, 3, pp. 31-44, "Las ideologias del proceso em um reciente ensayo". A tradução foi feita pelo então Presidente do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal, o processualista argentino ROBERTO BERIZONCE. Cf., Proceso e ideología, Prólogo, p. 18.
  37. Limito-me a informar apenas estes dados (autor, título, nacionalidade e ano da publicação), já que as respectivas fontes e mesmo os textos na integralidade encontram-se reunidos em Proceso e ideologia, passim.
  38. Ao leitor brasileiro interessará saber que este texto está publicado, dentre outros lugares, nos clássicos e imprescindíveis Temas de direito processual (nona série), pp. 87-101.
  39. Este texto do processualista português foi escrito, a pedido de MONTERO AROCA, para inclusão na coletânea Proceso e ideologia, e representa uma resenha do livro do mesmo autor, Direito Processual Civil. As origens em José Alberto dos Reis, Lisboa, 2002.
  40. Cf. Proceso e ideologia, p. 262.
  41. Sobre importância de Morello para o processo civil de seu país e da Iberoamérica, v. a homenagem póstuma que lhe prestou ROBERTO O. BERIZONCE, "Augusto Mario Morello", RePro 174/376.
  42. Salienta-se que AUGUSTO MORELLO não permitiu que este seu comentário fosse publicado na coletânea organizada pelo processualista espanhol. Cf. MOTERO AROCA, Proceso e ideología, Prefácio, p. 23-23.
  43. "La ideología de los Jueces y el caso concreto. Por alusiones pido la palabra", cf. em Proceso e ideología, pp 263-276.
  44. MONTERO AROCA: "A nota do Dr. Morello deve ser lida sob duas perspectivas: uma concreta, referente ao voto do Dr. Dominguez, e outra geral, atinente aos estudiosos e a suas conferências ou publicações. A cada um sem seu âmbito, o Dr. Morello os censura basicamente da mesma forma, mas que me seja permitido ficar no lado que me afeta, que é o âmbito da comunidade de estudiosos." (traduzi livremente), op. cit., p. 271.
  45. Cf. op. cit., pp. 277-278.
  46. Cf., op. cit., p. 279-280. Em nota de rodapé MONTERO AROCA relembra que o debate proposto na carta não foi levado a cabo pelo IIDP, como jamais se realizou.
  47. Cf., por exemplo, HERMES ZANETI JR.: "Os estudos do direito processual se esteiam nos três conceitos básicos de ação, jurisdição e processo.", Processo constitucional, p. 184.
  48. Sempre me pareceu mais correto estudar o fenômeno nessa ordem (ação-processo-jurisdição). Entenda-se o raciocínio: A ação é o direito que tem o jurisdicionado de provocar o Poder Judiciário para entrar em atividade regrada por ampla defesa e contraditório (=processo), viabilizando que ao final (=tutela definitiva), ou no curso desta atividade (=tutela de urgência), possa o Judiciário exercer de forma legítima e democrática o poder que lhe é próprio, a jurisdição. A mim me parece que esta é a maneira mais simples de visualizar e explicar a dinâmica do fenômeno objeto da nossa ciência. A ação inicia o processo (=atividade mediante ampla defesa e contraditório) que viabilizará o exercício da jurisdição. E estas três categorias, embora possam ser – e são – estudadas em compartimentos estanques, se completam e se interligam.
  49. FREDIE DIDIER JR.: "A jurisdição é a função atribuída a terceiro imparcial (a) de realizar Direito de modo imperativo (b) e criativo (c), reconhecendo/efetivando/protegendo/situações jurídicas (d) concretamente deduzidas (e), em decisão insuscetível de controle externo (f) e com aptidão para tornar-se indiscutível (g).", Curso de direito processual civil – Teoria geral do processo e processo de conhecimento, vol. 1, Salvador: Editoria JusPodium, 2008, 9ª edição, p. 65.
  50. Sobre a missão da tutela jurisdicional na perspectiva do Estado contemporâneo de viabilizar a tutela de direitos, cf., dentre outros, LUIZ GUILHERME MARINONI, Técnica processual e tutela dos direitos, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2008, 2ª edição, pp. 113-116, e Teoria geral do processo, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2006, pp. 132-139.
  51. Sobre a tendência atual de valorização dos poderes do juiz, cf., por exemplo, ROBERTO BEDAQUE e CARLOS ROBERTO CARMONA, "A posição do juiz: tendências atuais – Relatório geral brasileiro para o Congresso da Associação Internacional de Direito Processual (Viena, 23-28 de agosto de 1999), RePro 96/96. Ainda à guisa de Relatório Geral entregue no mesmo Congresso de Viena, ROBERTO OMAR BERIZONCE, "Recientes tendencias em la posición del juez", RePro 96/125, em especial pp. 146-149. Por fim, o Informe Nacional também apresentado em Viena, desta vez por JORGE W. PEYRANO, "Tendencias modernas em el rol de juez",em Procedimiento civil y comercial 1 – Conflictos procesales, Rosario: Editorial Juris, 2002, pp.61-82.
  52. Vale lembrar que na federação Argentina o direito processual é provincial (=estadual), tal como foi no Brasil desde a primeira Constituição republicana (1891) até o CPC-39, quando a Constituição de 1937 de Getúlio Vargas dotou a União de poderes legislativos para sistematizar, dentre outras matérias, o direito processual. Esse fato faz com que o processo civil argentino seja, em algumas Províncias, mais atualizado do que em outras.
  53. PEYRANO: "O ativismo judicial confia nos magistrados. É sabido que os códigos processuais civis mais recentes depositam na mão dos juízes cíveis um amplo número de faculdades-deveres para melhor cumprir sua incumbência de distribuir o pão da Justiça." (traduzi), cf. "Sobre o ativismo judicial", na coletânea Activismo y garantismo procesal, p. 12.
  54. Apenas para suscitar reflexões, EDUARDO BITTAR e GUILHERME ASSIS DE ALMEIDA: "A idéia de justiça, independente de qualquer tomada de posição, traduz uma complexidade de expectativas que tornam difícil sua conceituação. Reconhecendo a pluralidade de perspectivas em que se desdobra a idéia de justiça, podem-se detectar, no curso da história do pensamento ocidental, inúmeras correntes sobre o justo e o injusto, que se assinalam como habilitadas à discussão e à resposta para a pergunta: o que é justiça? De fato, são inúmeras as tendências acerca da justiça, e entre elas podem-se apontar as seguintes: teoria sofista; teoria socrática; teoria platônica; teoria aristotélica; doutrina cristã; teoria agostiniana; teoria tomista; teoria rousseauniana; teoria kantiana; teoria hegeliana; teoria kesleniana; teoria rawlsiana.", cf. em Curso de filosofia do direito, São Paulo: Editora Atlas, 2001, p. 428.
  55. Sobre o passamento e importância de Calmon de Passos, cf. a comovente homenagem póstuma que lhe prestou aquele que considero seu "sucessor intelectual" no processo civil da Bahia, FREDIE DIDIER JR., "José Joaquim Calmon de Passos (1920-2008), RePro nº 165.
  56. Cf., J.J. CALMON DE PASSOS, Direito, poder, justiça e processo – julgando os que nos julgam, Rio de Janeiro: Ed. Forense, 1999, p. 68.
  57. Cf., op. cit., pp. 68-69. Para ilustrar sua preocupação com o tema, CALMON DE PASSOS insere nota de rodapé na página 69 para uma observação, in verbis: "Ouvi de um eminente mestre da USP, em palestra proferida na cidade de Campinas, que precisamos, em nosso país, libertarmo-nos do fetiche do devido processo legal, que às vezes opera negativamente em confronto com o valor maior da efetividade e da celeridade processual, vale dizer, da tutela jurídica. Afirmativa desta natureza preocupa duplamente. Ela faz suspeitar haver identidade entre a garantia do devido processo legal e o formalismo jurídico em detrimento da segurança jurídica, o que é manifestamente falso, sem esquecer que aponta, em verdade, para o endeusamento do arbítrio judicial" (destaquei).
  58. Traduzi livremente. Cf. "El garantismo procesal", em Activismo y garantismo procesal, p. 145.
  59. Quanto a ser a cláusula do devido processo legal a raiz de outros princípios constitucionais, cf., NELSON NERY JR., Princípios do processo civil na Constituição Federal, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2000, 6ª edição, p. 31. V., também, TERESA ARRUDA ALVIM WAMBIER, Omissão judicial e embargos de declaração, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2005, p. 19-21
  60. ADOLFO ALVARADO VELLOSO: "Já faz tempo que – à custa da falsa antinomia ineficiência processual versus constitucionalidade das soluções judiciais (1) que se instalou como tema central de discussão na doutrina argentina – muitos processualistas têm aceitado pacífica e despreocupadamente a eliminação do processo, em si mesmo, como método de discussão, e sua substituição pela exclusiva e solitária decisão de um juiz tomada à base de sua mera sagacidade, sapiência, dedicação e honestidade." (traduzi). "La sentencia autosatisfactiva", em La Ley, año LXXIII, nº 123, de 1º/jul/2009 (www.laley.com.ar). O autor inclui a nota 1 – referida no texto acima – com a seguinte explicação: "A falsidade que aponto no texto é óbvia: o constitucional se contrapõe ao inconstitucional; a eficiência à ineficiência. Como, então, que se pode sustentar validamente que o constitucional – leia-se: a garantia do processo, que assegura a vigência do direito de todo cidadão a gozar de uma inviolável defesa em juízo – não pode ser levado em conta, e pode ser deixado de lado, se o cumprimento das etapas necessárias é moroso devido à ineficiência dos homens que manejam o sistema?".

Agradeço ao Prof. GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA – conhecido estudioso do processo civil coletivo – que me convidou a escrever sobre o tema ativismo/garantismo a partir da minha experiência junto à Universidad Nacional de Rosario (UNR). Também agradeço à CRISTINE DRUVE (mestranda em processo civil na PUC/SP), mineira, hoje radicada em Jundiaí, que se incumbiu da revisão e propôs importantes alterações ao texto.

Em homenagem a dois dos principais processualistas da Argentina, meus amigos JORGE W. PEYRANO (=ativista) e ADOLFO ALVARADO VELLOSO (=garantista). Na esperanças de que a síntese das respectivas idéias antagônicas potencialize soluções cada vez mais democráticas e úteis ao processo civil da atualidade.


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  • Glauco Gumerato Ramos

    Glauco Gumerato Ramos

    Mestrando em direito processual na Universidad Nacional de Rosario (UNR - Argentina). Mestrando em direito processual civil na PUC/SP Membro dos Institutos Brasileiro (IBDP), Iberoamericano (IIDP) e Panamericano (IPDP) de Direito Processual. Professor da Faculdade de Direito da Anhanguera Jundiaí (FAJ). Advogado em Jundiaí

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAMOS, Glauco Gumerato. Ativismo e garantismo no processo civil. Apresentação do debate. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2788, 18 fev. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18526. Acesso em: 13 maio 2024.