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O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri

O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri

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Resumo: O presente trabalho de conclusão de curso possui como cerne a análise do instituto da decisão de absolvição sumária, previsto no artigo 415 do Código de Processo Penal Brasileiro (CPP), proferida pelo juiz instrutor da primeira fase do rito do Tribunal do Júri. Propõe-se a fazer um contraponto do referido instituto com a competência atribuída constitucionalmente do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, conforme o artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "d" da Constituição Federal de 1988 (CF/88).

Palavras chave: Tribunal do Júri, Constituição Federal de 1988, absolvição sumária do réu, competência, constitucionalidade.

Abstract: This work of course’s conclusion has as its core the analysis of the institute of summary acquittal decision, that’s predicted under Article 415 of Brazilian’s Code of Criminal Proceeding (CCP), and it’s issued by the instructing magistrate in the first phase of jury’s rite. It is proposed to make a counterpoint from that institute to the constitutionally attributed competence of the crimes against life trials, according to article 5º, section XXXVIII, subheading "d" of the Federal Constitution of 1988 (FC/88).

Keywords: Court ofjury, Federal Constitution of 1988, summary acquittal of the defendant, competence and constitutionality.Ouvir

Sumário: Introdução; 1 O Tribunal do Júri e sua relevância no meio social; 2 Origem do Tribunal do Júri; 3 Constituição Federal de 1988 e o Tribunal do júri; 4 Rito procedimental adotado no Tribunal do Júri brasileiro; 5 Decisão de Absolvição Sumária no rito do Júri, artigo 415 do CPP; 6 Absolvição Sumária e a Inconstitucionalidade do artigo 415 do CPP; 7 Absolvição Sumária como prerrogativa do réu; Considerações Finais; Referências bibliográficas.


INTRODUÇÃO

O presente estudo tem como objetivo a análise do Tribunal do Júri, previsto constitucionalmente e elencado como cláusula pétrea pela Constituição Federal de 1988 (CF/88). Dispõe de um enfoque central na decisão de absolvição sumária, com previsão no artigo 415 do Código de Processo Penal, através de uma discussão no tocante à incompetência do juiz instrutor para o julgamento de mérito dos crimes dolosos contra a vida.

O trabalho possui fundamentação calcada em premissas normativas e doutrinárias, que possibilitam a análise crítica do tema e o confronto das regras de competência do Tribunal popular perante a decisão de absolvição sumária.

O Júri está previsto na CF/88 no artigo 5º, inciso XXXVIII e sua regulação se dá mediante legislação infraconstitucional que determina seu procedimento, preservando os princípios elencados nas alíneas do dispositivo retro mencionado.

Desde o seu surgimento no ordenamento pátrio até os dias atuais foram efetuadas diversas alterações quanto ao rito procedimental aplicado. Neste sentido, a decisão de absolvição sumária proferida pelo magistrado na primeira fase do rito do Júri, no decorrer dos tempos, ganhou espaço e destaque no cenário processual penal.

A lei 11.689, de 09 de junho de 2008 alterou de forma significativa o CPP e modificou geograficamente o instituto em tela que do artigo 411, passou a ocupar o artigo 415 do mesmo estatuto. Tal modificação, atendendo aos clamores da doutrina, proporcionou, ainda, uma ampliação do rol de situações em que seria cabível a decisão de absolvição sumária.

Anteriormente, aplicava-se o revogado artigo 411 do CPP quando o magistrado se encontrava diante de situação onde restasse comprovado nos autos uma das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, previstas no Código Penal Brasileiro (CPB).

No entanto, após a alteração supra referida se tornou cabível a aplicação do instituto quando for provada a inexistência do fato; a negativa de autoria do delito; a atipicidade da conduta; bem como quando se demonstre causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Tal situação motiva reflexões sobre possível violação a ordem constitucional ema vez que há a possibilidade do juiz instrutor proceder julgamento de mérito na primeira fase do procedimento do Júri em detrimento da previsão constitucional que versa no sentido do Conselho de Sentença ser o órgão competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.


1.O TRIBUNAL DO JÚRI E SUA RELEVÂNCIA NO MEIO SOCIAL

O instituto do Tribunal do Júri é indubitavelmente bastante peculiar pelo fato de que o julgamento do indivíduo componente do meio social é realizado por membros da própria sociedade, ou seja, determinada conduta do cidadão é apreciado por seus "iguais" mediante um juízo de valor, que teoricamente representa a vontade da sociedade, julgando no caso concreto.

Através de uma análise feita de forma superficial não se consegue vislumbrar a enorme importância que possui o instituto ora analisado. Tal valor somente se evidencia a partir do momento em que se consegue perceber o Júri como uma conquista do cidadão que proporciona a capacidade do mesmo atuar e minimizar o exercício arbitrário do poder estatal.

O constitucionalista Alexandre de Moraes [01], em sede de estudo sobre o tribunal popular, leciona que:

A instituição do Júri, de origem anglo-saxônica, é vista como uma prerrogativa democrática do cidadão, que deverá ser julgado por seus semelhantes, apontando-se seu caráter místico e religioso, pois tradicionalmente constituído de doze membros em lembrança aos doze apóstolos que haviam recebido a visita do Espírito Santo.

Logo, é cristalino que o julgamento pelos "iguais" enaltece o caráter democrático e garante maior legitimidade às decisões proferidas pelo Poder Judiciário ao tempo que reafirma o respeito às liberdades e proporciona a participação popular nas decisões políticas do Estado.


2.ORIGEM DO TRIBUNAL DO JÚRI

Em que pese o grande número de estudos quantoao seu nascedouro, o instituto em tela apresenta diversas controvérsias e obscuridades neste sentido. Tal fato municia a doutrina a travar várias discussões quanto ao seu surgimento.

Alguns estudiosos defendem que seu berço está na antiguidade, tanto na Grécia, com os "diskatas", como em Roma, com os "centeni comitês", estruturas rudimentares de jurisdição que possuem traços semelhantes e características convergentes com as que são encontradas na estrutura moderna do Júri.

Estas se contextualizam em sociedades primitivas onde se configurava um modelo de julgamento popular que, a partir da decadência da vingança privada, ascendeu proporcionando aos populares o poder de tomar decisões legitimadas pela vontade maior da sociedade, muitas vezes permeadas pelo forte traço religioso característico à época.

De outra banda, doutrinadores mais conservadores aduzem que o Júri possui origem anglosaxã, mais precisamente na estrutura social da Inglaterra do século XII, que foi uma das sociedades que mais contribuiu para a consolidação da estrutura atualmente conhecida e adotada em todo o mundo.

A Magna Carta inglesa de 1215, em sua cláusula 39, versa o direito "de um homem livre ser julgado por seus pares", abolindo assim os julgamentos fundamentados através da vontade divina com cunho religioso, bastante freqüente nas sociedades primitivas.

A partir daí ocorreu uma disseminação do "espírito" do Júri por toda a Europa, com influência em quase todos os países do referido continente, com destaque para a repercussão nos eventos ocorridos durante a Revolução Francesa em 1789.

No ordenamento jurídico brasileiro, surgiu em 18 de julho de 1822, através de uma lei que lhe atribuía o julgamento dos crimes de imprensa, posteriormente, com o advento da Carta Constitucional de 1824, teve sua competência estendida para o exame de causas cíveis e criminais.

O Código de Processo Criminal do Império de 1932 ampliou mais ainda a abrangência do Júri atribuindo-o julgamento de quase todos os tipos de infrações penais, até que em 24 de fevereiro de 1891, pela ocasião da promulgação da Constituição Republicana, foi delimita a competência exclusivamente criminal restrita a determinadas matérias.

Desde seu surgimento no âmbito constitucional em 1824 até os dias atuais a única constituição que não tratou do tribunal popular foi aquela outorgada em 1937, que inaugurou o período ditatorial no país, onde a democracia e as liberdades individuais foram destroçadas em detrimento dos interesses dos governantes da época.


3.CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E O TRIBUNAL DO JÚRI:

A Constituição de 1988 é conhecida como a carta cidadã por ser a primeira promulgada após o período em que o país esteve sob a obscuridade da ditadura militar e por assegurar ao sistema jurídico nacional a garantia de direitos que possuem como objetivo maior a tutela e a garantia das condições de existência digna ao indivíduo.

Como não poderia deixar de ser, a Carta Magna tratou do Tribunal do Júri no seu artigo 5º, XXXVIII, elencando-o como direito e garantia fundamental e individual de todo e qualquer cidadão, além disso, o elevou ao status de cláusula pétrea, conforme disposição do seu artigo 60, § 4º.

A competência do tribunal popular foi delimitada atualmente ao julgamento dos crimes dolosos contra a vida e conexos a estes, não mais apresentando uma abrangência demasiadamente larga como outrora, diferentemente de países como os Estados Unidos da América de estrutura jurídica aberta dada a influencia do common law inglês, .

No artigo 5º, inciso XXXVIII, alíneas "a", "b", "c" e "d" da CF de 1988, estão dispostos os princípios básicos que regem a estrutura do Júri no país, são eles: a plenitude de defesa, sigilo das votações, soberania dos veredictos e a determinação da competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

A plenitude de defesa se caracteriza pela possibilidade da defesa ser realizada pelo próprio réu podendo permear não só pelo território jurídico, com a ampla defesa, contraditório, utilização das provas produzidas e etc., como também pela versão pessoal do réu quanto aos fatos, sendo-lhe deferida a utilização de argumentos com cunho sentimental, político, religioso, como também pela reserva ao silêncio.

Entretanto, tal aparato defensivo posto a disposição do acusado não dispensa o acompanhamento deste por um profissional habilitado para a realização de sua defesa técnica, seja este advogado ou defensor público, nos termos da lei infraconstitucional.

O princípio do sigilo das votações possui como objetivo principal a garantia da segurança dos jurados, visto que, os votos devem ser proferidos em local reservado com a presença somente das pessoas indispensáveis para assegurar a legalidade do pleito, que são: juiz, membros do Ministério Público, jurados, advogados e os auxiliares da justiça, nos termos do artigo 485 do CPP.

Do mesmo modo, no bojo do cômputo do resultado deve o juiz presidente, no instante em que se alcançar a maioria dos votos, suspender imediatamente a apuração com o intuito de evitar a ocorrência de unanimidade, fato este que revelaria o posicionamento dado através dos votos articulados por todos os jurados.

A soberania dos veredictos se caracteriza pela prevalência absoluta do julgamento feito pelos jurados que compõe o Conselho de Sentença, de modo que nenhum órgão jurisdicional poderá deliberar sobrepondo à decisão dada pelo Júri, em consonância com entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) [02].

Todavia, é indiscutível que a garantia ora apreciada não exclui a recorribilidade das decisões proferidas pelo tribunal. Na hipótese de interposição de recurso com o fito de reformar a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, o órgão competente para sua apreciação deve, em caso de sua procedência, determinar o retorno dos autos ao tribunal popular para a realização de um novo julgamento, vez que não lhe compete decidir o mérito, condenando ou absolvendo o réu.

O juiz presidente possui suas atribuições delimitadas em decorrência do princípio em tela, este se encontra adstrito à condução dos procedimentos do plenário e a elaboração da sentença nos termos da decisão proferida pelos jurados, no caso de condenação, aplicando a pena nos termos do artigo 68 do Código Penal Brasileiro.

O magistrado não pode, conforme seu entendimento perante o caso concreto, alterar a decisão dada pelos jurados alegando ter sido esta contra a lei ou até mesmo contrária às provas dos autos.

Na alínea "d" da previsão constitucional retro mencionada a competência do Júri está delimitada minimamente ao processamento e julgamento dos crimes dolosos contra a vida, tentados ou consumados, bem como, com extensão de competência dada por legislação infraconstitucional, dos crimes conexos a estes, consoante artigo 78, inciso I, do CPP.

Entretanto, a competência do Júri não pode ser analisada de forma absoluta, já que existem situações onde os crimes dolosos contra a vida não serão julgados pelo citado tribunal, a exemplo dos ilícitos cometidos por pessoas que possuem prerrogativa de função.

A competência por prerrogativa de função é assim como a competência do Júri prevista constitucionalmente, portanto de mesma hierarquia. No entanto diante do fato de ser norma específica se sobrepõe àquela.

Desta forma, segundo a doutrina dominante, diante da ocorrência de conexão ou continência de um crime doloso contra a vida e outro crime comum, cominado com o fato de um dos autores dos delitos dispor de foro por prerrogativa de função, ensejará a não ocorrência da atração dos processos, prevalecendo a regra do juiz natural. Tal fato culminará na separação dos processos, conforme entendimento do STF [03], contudo, existem decisões em sentido contrário.

O tribunal popular no sistema jurídico brasileiro está caracterizado como um órgão heterogêneo, formado pelo juiz presidente, a quem cabe a condução e fiscalização dos atos procedimentais, bem como a elaboração da sentença consoante a decisão proferida pelo Conselho de Sentença, este formado por sete pessoas as quais são escolhidas dentre vinte e cinco selecionadas mediante lista anualmente elaborada que relaciona cidadãos alistados para a participação nos julgamentos realizados no período de um ano.


4.RITO PROCEDIMENTAL ADOTADO NO TRIBUNAL DO JÚRI BRASILEIRO.

O rito adotado no processamento dos crimes contra a vida e seus conexos é como o próprio instituto bastante peculiar, possui duas fases bem distintas, ou seja, é bifásico e escalonado.

A primeira, denominada judicium accusationis, se assemelha bastante ao processamento do rito comum ordinário, iniciando-se com o recebimento da inicial acusatória pelo magistrado. Devidamente recebida a denúncia, o acusado deverá apresentar defesa escrita, no prazo de 10 (dez) dias, onde será oferecida toda a matéria de defesa, caso seja conveniente para a tese da parte ré.

Em seguida se designará audiência de instrução onde será produzido material probatório através da oitiva das testemunhas arroladas pela acusação e defesa, no número máximo de 08 (oito) para cada, da realização do interrogatório do acusado, bem como com esclarecimentos por parte de peritos, visto que as perícias necessárias já deverão ter sido concluídas quando da audiência de instrução.

A fase inicial deverá ser concluída no prazo máximo de 90 (noventa) dias, e após a apresentação das alegações finais por parte da acusação e da defesa, nesta ordem, o juiz proferirá decisão de pronúncia, impronúncia, desclassificação do delito doloso contra a vida, ou absolvição sumária.

Entrementes seja devidamente decorrida a primeira fase, a segunda somente se inicia com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia proferida pelo julgador, nos termos do artigo 413, caput, do CPP, in verbis:

O juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação.

O magistrado da primeira etapa deve estar plenamente seguro da existência probatória mínima necessária da materialidade e autoria do crime doloso contra a vida, pois este não deve submeter o acusado ao plenário sem a certeza da ocorrência do delito e da probabilidade significativa de ser ele o autor do delito, visto que poderá este ser condenado injustamente pelo conselho de sentença.

Tal decisum deve ser devidamente fundamentado pelo juiz, que deverá expor todos os motivos quais, perante o material probatório produzido até o presente momento, o levaram a se convencer da ocorrência do delito, da probabilidade da autoria por parte do réu, e principalmente, da certeza da inexistência de hipóteses de afastamento da competência do Tribunal do Júri. Este, também, deverá declarar o dispositivo legal que o réu estiver incurso especificando as circunstâncias qualificadoras e as causas de aumento da pena.

A pronúncia possui natureza jurídica de decisão interlocutória mista, já que não põe termo ao processo e apenas encerra uma fase deste, não tratando do mérito da causa. É impugnável por meio de recurso em sentido estrito, nos termos do artigo 581, inciso IV do CPP, e somente após o julgamento deste e preclusa a decisão são os autos remetidos ao juiz da causa no sentido da marcação de data para o julgamento em plenário.

A deliberação de impronúncia, por sua vez, ocorre quando do final da primeira fase do procedimento do Júri, com a realização da devida instrução probatória, o magistrado não constata a existência dos fatos alegados na exordial ou não restam demonstradas provas da autoria do fato, conforme trata o artigo 414 do CPP, in verbis:

Não se convencendo da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, o juiz, fundamentadamente, impronunciará o acusado.

Parágrafo único.  Enquanto não ocorrer a extinção da punibilidade, poderá ser formulada nova denúncia ou queixa se houver prova nova

Tal decisão possui caracteres peculiares de sentença, visto que encerra o processo, a despeito de não adentrar na análise do meritum causae, pois a inconsistência das provas obtidas no processo é insuficiente para gerar a convicção no espírito do julgador do magistrado, no sentido de que este entenda ser o réu o autor do delito ou, ainda, da existência mesma do crime.

Malgrado se tratar de decisão terminativa do processo sem a análise do mérito, visto que não há juízo de valor no sentido de o acusado ser culpado ou inocente, prevê o artigo 416 do CPP, que para combatê-la o recurso cabível é a apelação, que em regra é usado no prélio de decisões que julgam o mérito e não mais recurso em sentido estrito, anteriormente oportuno.

Não obstante a decisão de impronúncia ter transitado em julgado, o surgimento de novas provas robustas, que proporcionem o convencimento de ser este o autor do crime doloso contra a vida, garante ao Ministério Público a elaboração de nova denúncia com base nos fatos surgidos, desde que não tenha ocorrida a extinção da punibilidade.

A decisão de Desclassificação se dá quando no término da fase inicial do Júri o magistrado, diante do material probatório produzido, se convence de que ao contrário do quanto alegado na denúncia apresentada pelo Ministério Público não ocorreu o crime doloso contra a vida, não sendo, conseqüentemente o Tribunal Popular o órgão competente para o julgamento. De tal modo, se faz necessária a remessa dos autos do processo para o juízo competente que julgará o crime em questão, obviamente, depois de transcorrido o prazo recursal e preclusa a decisão.

Sem embargo de o juiz instrutor ao final na primeira fase pronunciar o réu e levá-lo à plenário para o julgamento pelos seus iguais, ainda é possível a ocorrência da Desclassificação. Tal fato ocorre quando os jurados, em plenário, por meio dos votos proferidos entendem que o delito apreciado não é doloso contra a vida, e consequentemente atestam a incompetência do Conselho de Sentença para o julgamento deste.

Destarte, quando da ocorrência da referida situação o juiz presidente será competente para monocraticamente julgar o réu abalizado no todo probatório produzido até o presente momento, inclusive com as provas obtidas em plenário.

A desclassificação possui nítida natureza de decisão interlocutória modificadora da competência, e desta cabe recurso em sentido estrito que pode ser interposto tanto pela acusação como pela defesa. Deste modo, visto que se trata de decisão que assevera a incompetência do juízo, é imperiosa a remessa dos autos para o juízo competente para o julgamento do delito.


5.DECISÃO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA NO RITO DO JÚRI, ARTIGO 415 DO CPP.

A decisão de absolvição sumária, núcleo basilar do presente trabalho, se dá quando o magistrado responsável pela condução do juízo da acusação (primeira fase do júri) se depara, após a instrução criminal, com alguma das situações elencadas no artigo 415 do CPP, incluído pela lei 11.689 de 2008, abaixo transcrito.

Art. 415.  O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando:

I – provada a inexistência do fato;

II – provado não ser ele autor ou partícipe do fato;

III – o fato não constituir infração penal;

IV – demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime.

Parágrafo único.  Não se aplica o disposto no inciso IV do caput deste artigo ao caso de inimputabilidade prevista no caput do art. 26 do Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, salvo quando esta for a única tese defensiva.

Tal absolvição somente é cabível quando o magistrado se encontra diante de um aparato probatório seguro, incontroverso e claro que garanta a robusta convicção de que realmente o réu se encontra em uma das situações previstas na lei. Desta forma, havendo qualquer hesitação, por mínima que seja, deve este ser pronunciado, para que seja submetido ao julgamento perante o Conselho de Sentença.

Neste sentido, Edilson Mougenot Bonfim [04] leciona: "Tem a absolvição sumária natureza de sentença. Apreciando o mérito, o juiz que julga improcedente a pretensão punitiva estatal. É válido ressaltar que somente se pode arguir a absolvição sumária quando a hipótese que se ensejar estiver nitidamente demonstrada, pois impera nesta fase o princípio "in dúbio pro societate".

A jurisprudência do egrégio Tribunal de Justiça de São Paulo [05] ao tratar do tema, em momento anterior à reforma ocorrida em 2008, entendeu que: "A absolvição sumária do art. 411 do CPP só tem lugar quando a excludente de culpabilidade ou da ilicitude desponte nítida, clara, de modo irretorquível, da prova dos autos. Mínima que seja a hesitação da prova a respeito, impõe-se a pronúncia, para que a causa seja submetida ao júri, juiz natural dos crimes dolosos contra a vida, por mandamento constitucional.".

Antes da edição da lei 11.689 de 09 de junho de 2008, o tema era tratado no artigo 411 do CPP e estavam previstos como pré-requisitos para sua concessão a prova nos autos de uma das excludentes de ilicitude ou de culpabilidade, ou seja, quando o julgador, diante do material probatório produzido, estivesse convencido da existência de circunstâncias que excluíam o crime ou isentasse de pena o acusado, conforme o revogado artigo, in verbis.

Art. 411 (REVOGADO). O juiz absolverá desde logo o réu, quando se convencer da existência de circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu ( artigos 17, 18, 19, 22 e 24, § 1º, do Código Penal), recorrendo, de ofício, da sua decisão. Este recurso terá efeito suspensivo e será sempre para o Tribunal de Apelação.

A previsão legal "circunstância que exclua o crime ou isente de pena o réu", mencionada no artigo acima transcrito se caracterizava mediante a ocorrência de situações de erro sobre elemento do tipo (art. 20 CP); descriminantes putativas (art. 20, § 1º CP); erro sobre a ilicitude do fato (art. 21 CP); coação moral irresistível e obediência hierárquica (art. 22 CP); causas de exclusão da licitude elencadas no art. 23 do CP, quais sejam, estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal e exercício regular de um direito; inimputabilidade (art. 26 CP) e isenção de pena (art. 28, §1º CP), dentre outras.

No entanto, aplicava-se na vida prática com mais frequência em situações de legitima defesa e inimputabilidade.

Ainda, em momento anterior à reforma, no tocante ao assunto, Paulo Rangel [06], assim lecionava:

A absolvição sumária é decisão de mérito, onde o juiz julga improcedente o pedido do Ministério Público, formulado na denúncia, com conseqüente absolvição do acusado, face à presença de uma excludente, seja de ilicitude ou de culpabilidade. [...]

Trata-se de um verdadeiro e único caso de julgamento antecipado da lide no processo penal brasileiro, pois o juiz natural da causa é o Tribunal do Júri, porém, neste caso, o juiz singular (presidente do Tribunal do Júri, que dirige o processo), verificando a presença dos requisitos previstos no art. 411 do CPP, antecipa o julgamento e dá ao réu o status libertatis.

O artigo retro mencionado foi objeto de diversos questionamentos no sentido de sua inconstitucionalidade argüida com base em uma suposta ofensa ao principio do juiz natural, contido no artigo 5º, inciso XXXVII, da CF/88, uma vez que o juízo competente para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida é o Tribunal do Júri e não o magistrado responsável pela primeira fase do procedimento.

O tema foi objeto de Recurso Extraordinário, inscrito sob o número 602.561 TJ/SP, para Supremo Tribunal Federal (STF) interposto contra acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo que decidiu não remeter o réu a Júri por falta de requisito de imputabilidade, absolvendo-o e aplicando-o medida de segurança.

O recorrente fundamentou seu expediente alegando que a CF/88 não recepcionou o artigo 411 do CPP, diante de evidente violação ao artigo 5º, inciso XXXVIII, "d" da CF/88 e ao princípio do juiz natural.

No entanto, a 2ª Turma da Corte Maior, por unanimidade, acompanhou o voto do ministro relator Cézar Peluso que entendeu por estar prejudicada a apreciação do artigo 411 do CPP diante da revogação dada pela lei 11.689/2008, que introduziu o artigo 415 do CPP instituindo normas mais benéficas para a absolvição sumária nos processos de competência do Tribunal do Júri. Por fim, concedeu a ordem de habeas corpus ao réu para determinar que o juízo de 1º grau examinasse se estavam presentes os requisitos previstos pela nova redação legal, vide ementa, abaixo disposta.

EMENTAS: 1. RECURSO. Extraordinário. Pedido. Inconstitucionalidade do art. 411 do Código de Processo Penal. Dispositivo revogado pela Lei n° 11.689/2008. Perda superveniente do interesse recursal. Recurso prejudicado. O pedido da recorrente está prejudicado ante a revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008, que introduziu, no art. 415, novas regras para a absolvição sumária nos processos da competência do Tribunal do Júri. 2. AÇÃO PENAL. Tribunal do Júri. Absolvição sumária imprópria. Revogação do art. 411, do Código de Processo Penal, pela Lei n° 11.689/2008. Retroatividade da lei mais benéfica. Concessão de habeas corpus de ofício. As novas regras, mais benignas, aplicam-se retroativamente. Ordem concedida para que o juízo de 1º grau examine, à luz da nova redação, se estão presentes os requisitos para a absolvição sumária, oportunizada prévia manifestação da defesa. (DJe-228 DIVULG 03-12-2009 PUBLIC 04-12-2009 EMENT VOL-02385-06 PP-01205) (grifos originais)

Com o advento da promulgação da lei 11.689 de 2008 foram atendidos pelo legislador os reclamos de significativa parte da doutrina e como bem asseverou o ministro Cézar Peluso no bojo do recurso retro mencionado foram instituídas regras mais benéficas ao réu através da ampliação dos requisitos para concessão da absolvição sumária.

São eles: restar provada a inexistência do fato; provado não ser ele autor ou partícipe do fato; o fato não constituir infração penal, ou demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, conforme art. 415 do CPP, acima referido.

As novidades trazidas pela reforma se resumem nas previsões dos incisos I, II e III do artigo em análise, já que o inciso IV se refere à aplicação do instituto quando da ocorrência de ocasião onde esteja demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime, ou seja, conjuntura semelhante à antiga previsão do revogado 411 do CPP.

O inciso I traz previsão de aplicação da decisão de absolvição sumária, proferida pelo magistrado que presidir a primeira fase do procedimento, quando, após a instrução, reste demonstrada de forma cabal e inequívoca a inexistência do fato. O inciso II disciplina ocasião onde se comprove, do mesmo modo, não ser o réu o autor ou partícipe do fato delituoso.

Em ambas as previsões legais há análise de matéria de fato, pois o magistrado, perante as provas coligidas até então, entende pela a não ocorrência do fato delituoso e/ou pela não autoria/participação por parte do réu, absolvendo-o.

Já o inciso III, por sua vez, prevê situação de aplicação da decisão de absolvição sumária quando provado que o fato não constitui infração penal, trata-se, portanto, de análise referente a matéria de direito.

Em momento anterior à reforma seria cabível em situações análogas decisão de impronúncia, no entanto, não era certificado o direito já que não se promovia a coisa julgada material e conseqüentemente, de posse de novas provas referentes ao caso, o Ministério Público apresentaria nova denúncia contra o acusado.

Ademais, a decisão absolutória do artigo 415 do CPP veda qualquer possibilidade de Ação civil ex delicto, prevista no artigo 66 do CPP, já que há apreciação de mérito. De outra forma, em momento anterior, com a impronúncia estaria aberto o caminho para que a suposta vítima perquirisse a devida indenização referente aos danos sofridos.

No tocante ao aparato recursal utilizado para o combate à decisão de absolvição sumária, anteriormente, conforme o revogado artigo 411 do CPP, era imperioso o recurso de ofício com a aplicação de efeito suspensivo da decisão que seria apreciada pela instância superior, nos termos do artigo 574, inciso II do CPP.

Existiu discussão à respeito da manutenção ou não do recurso de ofício da decisão ora analisada, após a alteração legislativa. No entanto, atualmente o entendimento é pacificado de que não mais se aplica a previsão do artigo 574, inciso II do CPP.

Com o advento da reforma, a decisão pode ser guerreada mediante interposição de recurso de Apelação, nos termos do artigo 416 do CPP.


6.ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA E A INCONSTITUCIONALIDADE DO ARTIGO 415 DO CPP.

Em que pese os aplausos proferidos por expressiva parte da doutrina processual penal brasileira para a reforma legislativa ocorrida, diversos professores suscitaram uma pretensa violação ao texto constitucional pátrio.

Diante de ponderada análise sobre a alteração, o doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira [07] entende que a lei 11.689 de 2008 ampliou sobremaneira as hipóteses de absolvição sumária, que, na ordem anterior, limitava-se às excludentes de ilicitude e culpabilidade, conforme antiga redação do art. 411, com referência ao Código Penal (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e 28, §1º). Acrescenta, ainda, que não se convence da validade da ampliação, no confronto com a competência constitucional do Tribunal do Júri.

Consoante com o seu discurso, observa-se que a matéria relativa às excludentes de ilicitude e de culpabilidades, hipóteses do revogado artigo 411 do CPP, são nitidamente questões de direito, o que segundo ele justifica a retirada do julgamento pelo Conselho de Sentença.

Entretanto, após a ampliação de 2008, onde se inseriu aspectos acerca da inexistência do fato e da prova da autoria, entende o doutrinador que tais proposições se tratam de julgamento de matéria exclusivamente de fato diante do quanto produzido na instrução processual realizada na primeira fase do júri.

De tal forma o juiz instrutor no momento em que absolve sumariamente o réu com base em um dos dois fundamentos apreciados, constantes nos incisos I e II do artigo 415 do CPP, de fato analisa o mérito mediante a ponderação do quantum de conteúdo de prova lançado restando subtraída a competência do Tribunal do Júri.

Por sua vez, Marcellus Polastri Lima [08] entende no sentido de que pode surgir indagação sobre a constitucionalidade do dispositivo, pois, retira o julgamento de mérito que é do juiz natural do Júri, imposto pela Constituição.

Indica ainda que durante a tramitação do projeto da reforma tal já havia sido vislumbrado por CHOUKR [09], ao afirmar que "ao lado de todos estes sérios problemas procedimentais permanece na sombra da inconstitucionalidade o alijamento da participação popular na verificação da admissibilidade da causa", isto ao tratar da admissibilidade pois, no projeto inicial, só haveria o recebimento da denúncia se não fosse caso da absolvição sumária ou impronúncia.

Neste sentido, observa-se que a alteração legislativa em tela ampliou demasiadamente as hipóteses de cabimento do julgamento de absolvição sumária, fato este que proporcionou suposta violação às garantias constitucionais do princípio do Juiz Natural e da competência do Conselho de Sentença para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.

Ocorre que, o ordenamento jurídico pátrio se organiza através de um sistema hierárquico de normas que em seu topo se encontra a constituição. Esta, por sua vez, é composta de normas elaboradas pelo poder constituinte originário ou reformador, integradas ao texto escrito e rígido, caracterizadas principalmente por sua supremacia e superioridade jurídica em relação às demais normas do sistema.

Assim sendo, toda legislação infraconstitucional deve ser dotada de perfeita consonância com a Carta Magna, caso contrário, deve-se acionar o aparato disposto juridicamente para afastar sua aplicação.

No que toca à supremacia da Carta Maior, Luis Roberto Barroso [10] entende segundo lição, abaixo colacionada.

A primeira característica distintiva das normas constitucionais é sua posição no sistema: desfrutam elas de superioridade jurídica em relação a todas as demais normas. A supremacia constitucional é postulado sobre o qual se assenta todo o constitucionalismo contemporâneo. Dele decorre que nenhuma lei, nenhum ato normativo, a rigor, nenhum ato jurídico, pode subsistir validamente se for incompatível com a Constituição. (...). A norma constitucional, portanto, é o parâmetro de validade e o vetor interpretativo de todas as normas do sistema jurídico. (grifos aditados)

De outra banda, em sede de estudo sobre o artigo 415 do CPP, Fernando Capez [11], leciona asseverando que a decisão de absolvição sumária "Trata-se de decisão de mérito, que analisa prova e declara a inocência do acusado. Por essa razão, para que não haja ofensa ao princípio da soberania dos veredictos, a absolvição sumária somente poderá ser proferida em caráter excepcional, quando a prova for indiscutível."

No entanto, devido a manifesta peculiaridade do instituto do Tribunal do Júri, uma vez que os jurados não motivam a decisão proferida, é plenamente possível que mesmo com robusto material probatório indicando a inocência do réu, por inúmeros motivos pode este vir a ser condenado em plenário.

Desta forma, os argumentos utilizados pelo professor Capez não justificam a constitucionalidade da previsão legal, somente pela robustez do das provas, produzidas no processo, tendentes ao convencimento pela absolvição.


7.ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA COMO PRERROGATIVA DO RÉU

Consoante já explicitado acima, o instituto do Tribunal do Júri surgiu como uma garantia ao indivíduo. Até então, o cidadão era julgado pelos doutos que detinham a atribuição e o conhecimento sob o Direito, todavia, com o surgimento do instituto, e em determinadas situações, passou-se a realização de julgamentos por seus "iguais", ou seja, por cidadãos da sociedade em que o mesmo se encontrava inserido.

Desta forma, foi afastado o sentimento de injustiça que permanecia na alma do homem condenado por seus "superiores" visto que a legitimidade da decisão proferida pelo Conselho de Sentença seria infinitamente superior àquela emanada dos denominados "doutos" no conhecimento jurídico, por inúmeras justificativas, inclusive políticas.

Com esse espírito, em sentido contrário do que foi trazido até então, encorpada corrente doutrinária entende o instituto da absolvição sumária no rito do Júri como uma prerrogativa conferida ao réu, acusado do cometimento de crime doloso contra a vida, já que, comprovado a ocorrência de situação elencada no art. 415 do CPP, de logo estaria este livre do peso que é a submissão à persecução criminal feita pelo Estado.

Nesta senda, fundamenta-se que inocorre qualquer violação à competência do Conselho de Sentença, garantida constitucionalmente, visto que o espírito basilar e essencial do instituto do Júri estaria sendo corroborado com a preservação do indivíduo no tocante ao constrangimento que é estar no pólo passivo de uma lide criminal.

O professor Marcellus Polastri Lima [12], citando Vicente Greco Filho, afirma que antes mesmo da reforma, este já defendia que, em se tratando de prova irrefutável de que o delito não ocorreu ou de que o réu não é seu autor, aplicar-se-ia, também, a absolvição sumária, verbis:

Apesar de não haver referência na lei, também deverá o juiz absolver sumariamente o réu se se convencer da inexistência do fato ou de que, sem qualquer dúvida, o réu não é o autor, porque não tem cabimento remeter-se o réu a júri, mantendo, pois o constrangimento do processo se já esta provado que o fato não existiu ou que o réu não é o seu autor. A impronúncia... manteria o réu com a possibilidade de voltar a ser processado, situação incompatível com a certeza do juiz da inexistência do fato ou da autoria. (grifos aditados)

Corrobora ainda o entendimento acima exposto o fato de que a construção do convencimento dos jurados que compõem o Conselho de Sentença perpassa não só pelo território jurídico, mas também pela dramaticidade e emoção que marcam a atuação da defesa e acusação em plenário, confirmados através do princípio da plenitude de defesa, previsto constitucionalmente no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea "a".

Desta forma, constata-se que mesmo provado na primeira fase do procedimento ter o réu agido dentro de uma das hipóteses elencadas nos incisos do artigo 415 do CPP, poderá, ainda, vir a ser condenado pelo Conselho de Sentença mediante uma atuação pessoal do membro do parquet responsável pela acusação mais convincente.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante da apresentação do todo exposto acima, verifica-se que o tema apreciado desperta posicionamentos e opiniões bastante divergentes, fato este que enseja uma apreciação mais apurada em determinados pontos considerados mais relevantes.

De logo, impende afirmar que o Tribunal do Júri é instituto jurídico bastante simbólico e singular. Neste sentido, independentemente da política legislativa processual penal adotada por determinado Estado, tal instituto deve manter status de considerável importância, visto que, se traduz como a força representativa e decisória do povo no âmbito do Poder Judiciário consubstanciada através de sua participação no Conselho de Sentença.

Desta forma, a consonância do instituto com a previsão constitucional que o conjetura deve ser pormenorizadamente apurada a cada reforma realizada na legislação que o disciplina, o que justifica os questionamentos surgidos e retro demonstrados diante da mudança ocorrida em 2008.

Tal alteração, atendendo a anseios e reivindicações de determinada parte da doutrina processual penal brasileira, estendeu demasiadamente as hipóteses de cabimento da absolvição sumária no rito do Júri.

Observa-se que em momento anterior o instituto em tela limitava-se a situações onde ocorria julgamento pelo magistrado instrutor de matéria unicamente de direito, isentando este de ponderação mais aprofundada no montante probatório produzido até então.

Destarte, de certa forma, em instante precedente à sessão de julgamento, ocorria um "filtro" que retirava desta a análise referente às situações cabalmente provadas de exclusão do crime ou isenção de pena do réu, que evidentemente não violava, de forma alguma, a competência do julgamento dos crimes dolosos contra a vida, constitucionalmente prevista.

No entanto, com a ocorrência da alteração datada de 2008, ampliou-se de sobremaneira as hipóteses de cabimento do julgamento de absolvição sumária, legitimando inclusive, análise de matéria de fato por parte do magistrado, fato este que despertou grandes dúvidas quanto à possível violação ao princípio do Juiz Natural.

A doutrina moderna sedimentou entendimento no sentido de que tal princípio é consequência lógica de duas garantias constitucionais, quais sejam: "não haverá juízo ou tribunal de exceção" e "ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente" (CF, art. 5º, XXXVII e LIII).

Desta forma, uma vez apreciado o mérito de processo penal, que trata de crime doloso contra a vida, por órgão diverso do Conselho de Sentença, há nítida violação ao referido princípio constitucional, bem como à previsão que garante a competência do Tribunal do Júri Popular para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida  (art.5º, inciso XXXVIII, alínea "d"), e conseguintemente latente inconstitucionalidade.

Em sentido oposto, parte da doutrina que entende como relevante a ampliação realizada nas hipóteses de aplicação da absolvição sumária, argumenta que tal decisão é harmônica em relação ao "espírito" instituto já que se evita a desgastante submissão do réu ao plenário popular, bem como, afasta em definitivo uma possível condenação.

Em que pese tal argumento, não se justifica em hipótese alguma qualquer violação à Carta Magna.

Ocorre que o dispositivo legal notado, que versa sobre a decisão de absolvição sumária do réu, afasta do juízo competente a matéria posta à análise do Poder Judiciário e conseqüentemente viola o principio do juiz natural.

Assim, observada a hierarquia dos instrumentos normativos do sistema jurídico pátrio, a lei maior não pode ser contrariada, em detrimento de norma inferior, sendo imperioso o entendimento pela inconstitucionalidade do preceito normativo em tela.

Destarte, afirma-se, e defende-se, que apenas os jurados podem analisar o mérito e decidir quanto à autoria ou materialidade, e absolver ou condenar o réu de pena, pois só estes possuem a competência de julgar o delito posto sob exame judicial, em tais casos, por força de norma constitucional.


REFERÊNCIAS

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BONFIM, Edilson Mougenot. Curso de Direito Processual Penal. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Institui o Código de Processo Penal. Publicado pelo Diário Oficial da União no dia 13.10.1941.

CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Brasília: Senado, 2009.

FEITOZA, Denilson. Direito Processual Penal: teoria, crítica e práxis. 7ª ed. Niterói, RJ: Impetus, 2010.

LIMA, Marcellus Polastri. Curso de Processo Penal. 2ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de. Curso de Processo Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008.

RANGEL, Paulo. Direito Processual Penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.

TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 3ª ed. Salvador: JusPodivm, 2009.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

_______. Lei 11.689 de 09 de junho de 2008. Altera os dispositivos do Decreto-Lei n. 3.689, de 03 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativo ao Tribunal do Júri, e dá outras providências.


Notas

  1. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 21ª ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 78.
  2. STF – 2ª T – HC nº 71.617-2 – Rel. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça, Seção I, 19 maio 1995, p. 13.995.
  3. STF - 2ª T. – HC 70.581 – AL, RTJ 150.832-3, STF – Pleno – HC nº 69.325-3.GO – Rel. Min. Néri da Silveira – DJU, 4 dez. 1992, p.23.058.
  4. BONFIM, Edilson Mougenot, Curso de Direito Processual Penal, 4ª edição – Saraiva: São Paulo, 2009.
  5. Tribunal de Justiça de São Paulo: RT, 656/279.
  6. RANGEL, Paulo. Direito processual penal. 10. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2005.
  7. OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal, 10ª edição - Lumen Juris: Rio de Janeiro, 2008.
  8. LIMA, Marcellus Polastri, Curso de Processo Penal, 2ª edição - Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2009.
  9. AMBOS, KAI, CHOUKR, Fauzi Hassan. A Reforma do Processo Penal no Brasil e na América Latina. São Paulo: Ed. Método, 2001, p.106.
  10. BARROSO, Luís Roberto. Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a constituição do novo modelo. São Paulo: Saraiva, 2009, p 198.
  11. CAPEZ, Fernando, Curso de Processo Penal, 16ª edição – São Paulo: Saraiva, 2009.
  12. LIMA, Marcellus Polastri, Curso de Processo Penal, 2ª edição – Lumen Júris: Rio de Janeiro, 2009.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Eduardo José Garrido. O julgamento antecipado da lide no tribunal do júri. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2819, 21 mar. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18721. Acesso em: 28 abr. 2024.