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O processo do trabalho e o princípio da proteção no paradigma do Estado Democrático de Direito à luz da teoria neoinstitucionalista do processo

O processo do trabalho e o princípio da proteção no paradigma do Estado Democrático de Direito à luz da teoria neoinstitucionalista do processo

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Sumário: 1 Introdução; 2 Os princípios institutivos do processo após o advento da Constituição de 1988: o contraditório e a ampla defesa; 3 Aplicação do princípio da proteção no direito processual do trabalho; 4 Processo no Estado Democrático de Direito; 5 A teoria neo-institucionalista do processo; 6 Conclusão; Referências.


1 INTRODUÇÃO

Com o advento da Constituição de 1988, instaurou-se no Brasil o Estado Democrático de Direito. Contudo, não foi realizada uma geral reforma de nossos códigos e leis vigentes antes da promulgação da Constituição.

Sendo a Constituição a lei máxima de um Estado, ela dá as diretrizes hermenêuticas e cria as normas gerais de um Estado, inclusive, normas gerais de direito processual. Portanto, a partir da promulgação de uma nova Constituição, normas que vigiam em período anterior a esta, e que não se mostrassem compatíveis com a nova ordem constitucional, não poderiam ser aplicadas.

O presente debate teórico se instala quando a jurisdição trabalhista relativiza normas constitucionais de processo, e mesmo da teoria geral do processo, aplicando no âmbito do direito processual trabalhista, o princípio da proteção ao trabalhador, criando um grande desequilíbrio na atuação das partes dentro do processo.

Este tema revela-se de grande importância teórico-acadêmico-científica e prática, uma vez que o protetivismo do direito trabalhista pátrio determina e influencia diretamente o modo como se dá a relação entre trabalhadores e empresas.

Mas, tal posicionamento da jurisdição trabalhista não coaduna com os princípios da Constituição de 1988, e o advento do Estado Democrático de Direito no Brasil.

Os trabalhadores, assim como todo cidadão, devem ter seus direitos protegidos. Mas, será a relativização do direito processual visando tal proteção não se mostra o meio mais adequado e legítimo de garantir tais direitos, uma vez que os conflitos na esfera judicial trabalhista crescem exponencialmente ano a ano.

Não seria a aplicação do princípio da proteção um afronte aos princípios processuais estabelecidos no artigo 5º Constituição? Não devem estes ser plenamente respeitados no exercício da função jurisdicional, uma vez direitos fundamentais?

No Estado Democrático de Direito a atividade jurisdicional não pode ser vista como paternalista, atribuindo ao judiciário o dever de trazer a "paz social", mas como meio de exercício democrático da cidadania.


2 OS PRINCÍPIOS INSTITUTIVOS DO PROCESSO APÓS O ADVENTO DA CONSTITUIÇÃO DE 1988: O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA

Para Celso Antonio Bandeira de Mello:

"Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico. É o conhecimento dos princípios que preside a intelecção das diferentes partes componentes do todo unitário que há por nome sistema jurídico positivo."

Ou seja, o princípio é a estrutura sobre a qual se constrói o sistema. São normas gerais que delimitam de onde devemos partir na busca de algo, visando nos nortear para melhor discernirmos sobre os caminhos corretos a serem tomados nos objetivos. È através deles que podemos extrair regras e normas de procedimento.

Princípios jurídicos são os pilares, as bases do ordenamento. Eles traçam as orientações, as diretrizes que devem ser seguidas por todo o Direito. A estrutura do Direito é resultado dos princípios jurídicos. Dificilmente pode-se dissertar doutrinariamente sobre qualquer tema decorrente desta ciência, sem que haja uma série de princípios a serem citados.

O artigo 5º da Constituição, no inciso LV, institui como direitos fundamentais a o contraditório e a ampla defesa.

O contraditório é elemento constitutivo do processo, não significando "apenas" a participação das partes no procedimento, mas sim, garantia de participação simétrica daqueles aos quais se destinam os efeitos do provimento jurisdicional. O princípio do contraditório tem caráter absoluto, garantindo que qualquer processo deve ter garantido às partes a regra de isonomia no exercício dos atos processuais.

A ampla defesa, que se relaciona diretamente com o contraditório, consiste na garantia de que a parte poderá se utilizar de todos os meios legais para demonstrar seus argumentos, que deverão ser analisados no momento da sentença.

O juiz deve enxergar o sistema de normas, não como um manual de onde ele pode subsumir decisões, mas como uma rede complexa que deve ser reconstruída, com a participação de autor e réu, pois são eles que levantam pretensões de direito que deverão ser levadas em conta pelo aplicador.

Com a transformação destas normas processuais em direitos fundamentais a constituição de 1988 não se limitou em delinear os procedimentos processuais, mas transformou o processo em um meio de realização da democracia e legitimação do próprio estado democrático, pois o processo deixa de ser meio de imposição estatal de normas, para se tornar garantia constitucional de defesa dos direitos fundamentais.

O que garante a legitimidade das decisões são os direitos e garantias fundamentais, de caráter processual, como a ampla defesa e o contraditório, que, como já dito, em nosso ordenamento jurídico estão protegidos pelo Art. 5º, LV da constituição Federal.


3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO NO DIREITO PROCESSUAL DO TRABALHO

É legitima a possibilidade de searas do direito processual possuírem princípios e normas próprios, que permitam adequar seus procedimentos às necessidades específicas de sua área de atuação.

Contudo, devido à existência de princípios Constitucionais processuais, diretrizes fundamentais do ordenamento jurídico de um Estado, essas regras e princípios específicos só podem viger em espaços onde a norma geral não se manifeste, ou de forma que não entre em conflito com esta.

Para Carlos Henrique Bezerra Leite, o princípio da proteção é peculiar ao processo do trabalho e "busca compensar a desigualdade existente na realidade socioeconômica com uma desigualdade jurídica em sentido oposto" [01].

Para ele, "o princípio da proteção deriva da própria razão de ser do processo do trabalho, o qual foi concebido para realizar o Direito do Trabalho, sendo este ramo da árvore jurídica criado exatamente para compensar a desigualdade real existente entre empregado e empregador, naturais litigantes do processo laboral" [02].

Leite cita Wagner D. Giglio, para afirmar que normas processuais já existentes como gratuidade do processo e isenção de pagamento de custas e despesas processuais para os trabalhadores seriam a comprovação do princípio da proteção.

Contudo, estas "facilidades" concedidas ao trabalhador são na verdade resultado do princípio do acesso à jurisdição. Permitir que se tenha acesso ao judiciário não implica que no trâmite processual terá vantagens na formação da decisão.

Humberto Theodoro Júnior afirma que "O processo considera sob o prisma da igualdade de ambas as partes da lide. Confere-lhes, pois, iguais poderes e direitos. Com essa preocupação, a assistência judiciária é assegurada àqueles que não podem arcar com os gastos do processo, inclusive a remuneração do advogado." [03]

Leite defende, ainda, a aplicação do princípio da proteção como forma de contrabalançar o desnível cultural e econômico entre trabalhadores e empregadores.

Ora, é verdade que pode haver grandes desníveis culturais e econômicos entre partes litigantes em um processo. E como sabemos o contraditório só se mostra possível com condições iguais de debate para os envolvidos. Contudo, essas diferenças se desfazem com a presença e atuação do advogado no processo.

O desequilíbrio existente na relação processual entre empregados e empregadores, não se deve ao fato de serem culturalmente ou economicamente distanciados, mas sim, à possibilidade do trabalhador poder se apresentar diante da Justiça do Trabalho sozinho.

Tal fato mostra inclusive uma incoerência: porque em primeiro grau não é necessário o advogado, e em segundo o é? Será que em primeiro grau não "seja necessário" o Direito? Isto gera grande risco para a legitimidade do provimento jurisdicional, uma vez que estando o trabalhador "pó conta própria", faz-se necessária a proteção do mesmo por parte do julgador, uma vez que ele não dispõe de conhecimento técnico para argumentação na esfera processual.

Neste caso, com a necessidade da proteção ao trabalhador, é colocado na mão do magistrado o poder de decidir determinada demanda baseando-se em narrativas fáticas e interpretando-as de acordo com um entendimento jurídico colocado por ele próprio, uma vez que uma parte sem representação só coloca fatos diante do juízo.

Ora como será uma decisão legítima se as partes não têm oportunidades iguais de argumentação? O juiz deve enxergar o sistema de normas, não como um manual de onde ele pode subsumir decisões, mas como uma rede complexa que deve ser reconstruída, com a participação de autor e réu, pois são eles que levantam pretensões de direito que deverão ser levadas em conta pelo aplicador. E a possibilidade do trabalhador litigar sem advogado torna tal atividade impossível, por mais que o magistrado se esforce para tanto.

Outro problema que se apresenta na defesa do princípio da proteção é o argumento de que o processo do trabalho se destina a realizar o direito do trabalho. Afirmar que o processo existe para tornar possível a defesa de direitos fundamentais e dos direitos individuais e coletivos é válido. Entretanto, deve-se atentar para não deduzir, a partir desta informação, que o processo seja um instrumento da jurisdição trabalhista, quando na verdade é a garantia de defesa tanto dos trabalhadores quanto dos empregadores frente a possíveis distorções do direito trabalho e a arbitrariedades.

Ora, a ideologia de proteção se mostra em total confronto com o Estado Democrático de Direito, tanto no âmbito o direito material quanto processual do trabalho. "Quem fala em proteção admite com antecedência a existência de dois atores sociais: o protetor e o protegido. Se o trabalhador é o protegido, sua posição de submissão se perpetua com a conseqüente exaltação da posição social do protetor" [04].

Esta ideologia de que o Estado deve ser o grande protetor do povo foi extinta no com a Constituição de 1988 e o advento do Estado democrático de Direito. A partir do novo paradigma constitucional a função do Estado passa a ser garantir os direitos fundamentais (dentre eles os princípios processuais) e, no caso específico do Direito do Trabalho, regular as relações entre empregados e trabalhadores, não ser o protetor destes.

No Brasil ainda está arraigada a idéia de que o Direito do Trabalho, e também o Direito Processual, foram concebidos para proteção os trabalhadores. Porém, deve ser feita uma reflexão sobre isto. Tal posicionamento nos leva a enxergar os patrões e trabalhadores em constante conflito, que aparentemente seria infindável, pois o direito do trabalho teria única e exclusiva função de proteger o trabalhador, ao invés de junto com ele, e também o empregador, construir discursivamente uma forma de se relacionarem de maneira menos conflituosa.

O processo no Estado democrático de Direito deve ter institucionalizados procedimentos que garantam aos participantes do processo a possibilidade de argumentarem livremente, dentro dos limites procedimentais, pois a descrição completa pressupõe uma descrição que toma a perspectiva de argumentação de todos os envolvidos.

Apenas se considerarmos o destinatário da norma como seu feitor é que a imposição do direito, inclusive sanções, pode se justificar. Para encontrar a norma adequada, o aplicador tem de reconstruir todas as interpretações do mesmo caso. Não se pode ter para cada caso já estaria mais ou menos "pré-constituída", pois para que os participantes do processo considerassem a esta decisão legítima, teriam de compartilhar o mesmo paradigma.


4 PROCESSO NO ESTADO DEMOCRATICO DE DIREITO

A incerteza e a falibilidade nas decisões são compensadas através de normas relativas a procedimentos, tanto no que diz respeito a discursos de justificação quanto a discursos de aplicação. Portanto, podem ser cumpridas do modo mais próximo possível do ideal, de forma legitima.

Encarando as normas procedimentais como condição para o desenvolvimento dos argumentos em simétrica paridade, e não simplesmente domo normas formais, cria-se o ambiente para a produção de uma decisão judicial que preencha os requisitos da correção e da consistência.

Uma decisão adequada leva a serio a pretensão de legitimidade e, alem de resolver satisfatoriamente o caso sob julgamento, seja capaz de transcender o contexto no qual é proferida.

As perspectivas das partes devem ser relacionadas com as perspectivas que fundamentaram o discurso de justificação, "de forma a aferir a correspondência entre as perspectivas dos participantes do processo judicial e as dos membros da comunidade jurídica, representados pelo juiz imparcial." A sentença deve ser redigida de forma que qualquer um que tenha acesso à mesma, mesmo que não for parte no processo, compreenda a decisão e concorde que está de acordo com o sistema jurídico vigente.

Se a tutela jurisdicional não for consistente e racionalmente fundada, com decisões judiciais tanto coerentes com as normas constitucionais vigentes, quanto adequadas à respectiva situação de aplicação normativa, pode-se gerar um problema de ilegitimidade que transcenderá os limites da prestação jurisdicional.

Percebe-se claramente, então, como é complexa a tarefa dos juízes e tribunais, de conciliar na prestação jurisdicional o princípio da certeza jurídica e a busca pela legitimidade, pois o primeiro requer decisões consistentemente tomadas, de acordo com o quadro da ordem jurídica vigente, e a segunda requer, sem afrontar o direito vigente, decisões fundadas nos fatos que integram o caso, de forma que os coassociados possam considerá-las decisões racionais.

O processo funda-se sob o principio democrático, que exige a institucionalização de procedimentos estruturados por normas democraticamente construídas e justificadas, e em acordo com o texto constitucional, assegurando a participação discursiva dos cidadãos na formação do provimento jurisdicional.


5 A TEORIA NEO-INSTITUCIONALISTA DO PROCESSO

É necessário também responder como estariam os trabalhadores com sua dignidade protegida sem este princípio da proteção. Contudo, as teorias vigentes não trazem esta resposta e nem chegam perto de fazê-las. Não o conseguem por ainda enxergarem o processo como mero instrumento de resolução de conflitos.

Uma nova visão se mostra necessária e ela pode estar dentro da Teoria Neo-Intitucionalista do Processo, do Professor Rosemiro Pereira Leal. De acordo com ele, o processo deve ser norteado por uma visão pós-moderna. Nesta pós - modernidade, o conceito de processo, como instituição não é utilizado no sentido de condutas construídas pelas supostas leis naturais da sociologia ou da economia.

Para este autor, o conceito de instituição deve ser compreendido como conjunto de princípios e institutos jurídicos reunidos ou aproximados pelo texto constitucional com a denominação jurídica de processo, que tem como finalidade assegurar o exercício dos direitos fundamentais criados e expressos na Constituição e leis infraconstitucionais (desde que não estejam contra esta), por meio de procedimentos estabelecidos legalmente (devido processo legal) como instrumentalidade manejável pelos juridicamente legitimados para tanto.

Esta teoria só é compreensível se tomarmos por base um direito democrático de bases legitimantes da cidadania. A legitimidade e validade das instituições jurídicas surgem quando a estrutura normativa constitucional garante a cidadania na transformação ou preservação do Estado e das demais instituições.

A teoria neo-institucionalista do processo estabelece-se como um apelo crítico participativo das partes juridicamente legitimadas à instauração de procedimentos em todos os domínios da jurisdicionalidade. Ao ampliar a cidadania, através do exercício de direitos e princípios constitucionais, como o contraditório, a isonomia e a ampla defesa, surgem transformações na sociedade, que nivelam a resolução dos conflitos de interesse.

A partir desta visão de processo podemos estabelecer novas formas não só de resolução de conflitos trabalhistas, como também desenvolver novas maneiras de regular as relações entre trabalhadores e patrões, retirando os primeiros da condição de reféns de uma realidade imposta pelo sistema econômico e de "seres inferiorizados" que necessitam da ajuda de um "Estado Pai", para transformá-los em cidadãos ativos e partícipes da construção de suas próprias realidades.

Isso tange diretamente a aplicação do princípio da proteção no âmbito trabalhista uma vez que, por motivos já expostos, este princípio contribui diretamente para a manutenção do constante conflito entre trabalhadores e empregadores.

Se o processo passa a garantir a aplicação, pelo Estado, dos direitos fundamentais (como saúde, educação, etc.), como defende a teoria neo-institucionalista, o argumento da hipossuficiência do trabalhador cairia por terra, pois tendo seus direitos básicos garantidos pelo Estado, não teria que se sujeitar a condições de trabalho que não considerasse adequadas.

Para Rosemiro Pereira Leal:

"é inconcebível no Estado Democrático de direito, preconizar uma decisão como ato ou sentença final de um órgão guardião, depositário ou tutor da Constituição ou do próprio sistema processual, porque o devido processo constitucional não é uma instituição jurídica que suplique uma guarda ou uma proteção solene, como se fosse uma arca de aliança, mas é eixo principiológico – discursivo da operacionalização permanente de um controle de constitucionalidade. Individual ou agrupadamente, ao ajuste fiscalizatório abstrato e in – concreto do discurso constitucional positivado à efetiva realização do Estado democrático como lugar decisório da integração social pelo direito processualizado a que se submete toda comunidade jurídica como autodeterminadora e garantidora de seu próprio destino". [05]

A partir de então, os estudos de direito do trabalho e processo poderiam se voltar para a construção de um modelo trabalhista mais adequado e não apenas em resolver conflitos e proteger trabalhadores. É preciso que se dê um salto para não continuar perpetuando um modelo que se mostra falido, com os tribunais cada vez mais sobrecarregados e com ambas as partes de uma relação de trabalho insatisfeitas.


CONCLUSÃO

Em uma visão pós – moderna (nos termos de Rosemiro Pereira Leal), o processo não pode ser visto como mero instrumento da jurisdição, mas sim como instituição de princípios e práticas que visam a proteção da liberdade humana, através dos direitos fundamentais positivados na Constituição. É a institucionalização da liberdade.

Um modelo fechado de regras e a subsunção de normas facilitaria a aplicação do direito. Porém, reduzindo a legitimidade de normas e regras à simples observância de procedimentos juridicamente estipulados, justificando o direito por ele mesmo.

Contudo, hoje já sabemos que tal facilidade se mostra ineficiente para solucionar questões que no dia a dia nos são colocadas. Além disso, em um sistema democrático não é cabido nada que não possa ser racionalmente justificado, nada que não seja legítimo.

A legitimidade plena do Estado e do Direito é uma situação que nunca foi e talvez jamais seja alcançada, mas deve servir como uma meta de toda democracia. Pois, como já dissemos, um Estado se aproxima desta legitimidade na medida da existência de homens livres e conscientes, que participem da sua construção, podendo praticar livremente o discurso, sem riscos de coerção.

Neste contexto se faz urgente e necessária uma reflexão acerca de nosso direito material e processual do trabalho, principalmente no que tange o princípio da proteção. É preciso inserir o trabalhador na construção do Direito do Trabalho, e não torná-lo alguém sempre necessitado de proteção de um Estado paternalista. Esta concepção coadunava com o modelo do Estado Social e, desde a promulgação de 1988, como dita o artigo primeiro de nossa Constituição, estamos em um Estado Democrático de Direito.

Deve-se, através da participação de todos, buscar constantemente o fim da arbitrariedade e da coerção contra os trabalhadores, porém, sem transformar o processo em meio de proteção deste em desfavor do empregador, sob o risco de afrontar diretamente os princípios constitucionais da isonomia, da ampla defesa e do contraditório, essenciais para construção legítima tanto dos provimentos jurisdicionais quanto do próprio Estado Democrático de Direito. É preciso proporcionar meios de uma real, igualitária e constante participação de todas as partes nos litígios que os envolvem e na construção do Direito.

Sabemos que a sociedade é resultado de processos comunicativos que acontecem durante sua própria construção. Contudo, também sabemos que esta construção é constante, e que a sociedade e o Direito devem passar por constantes mudanças e serem eternamente questionados e reconstruídos. Isso só é possível permitindo a livre argumentação sem favorecimento de nenhuma parte.

Só com a construção discursiva do direito, se desenvolverá uma sociedade democrática que permita a coexistência de diferentes projetos e ambições de vida de forma pacífica.

Em uma sociedade democrática não podemos nos preocupar apenas com os fins. Num Estado Democrático os meios para alcançarmos objetivos se mostram tão importantes quanto seus resultados. Não há como um provimento jurisdicional ser legítimo, se sua construção não se deu pelos meios constitucionalmente institucionalizados. Por isso, devemos sempre estar atentos para o cumprimento das normas constitucionais, pois ela é a concretização dos valores e regras fundamentais de um Estado.

A Constituição desempenha papel essencial no Estado Democrático, pois é ela que assegura a aplicação dos direitos fundamentais e impede que as minorias sejam oprimidas, indicando quais direitos são invioláveis, quais princípios devemos seguir em nosso ordenamento e como deve funcionar a prestação jurisdicional.

Este funcionamento da prestação jurisdicional, que chamamos de devido processo legal, ao lado da ampla defesa, do contraditório e da isonomia, garante a legitimidade das decisões judiciais. Estes três princípios devem ser defendidos por toda a sociedade com grande empenho, uma vez que são eles grandes empecilhos à tirania, e a confirmação de uma ordem democrática.

De nada adianta construir uma sociedade e seu ordenamento jurídico de forma discursiva e com a participação de todos, se no momento de aplicação das normas pelo órgão jurisdicional a decisão se torna parcial, com prévia proteção a uma das partes e propriedade de alguém que interpretasse as normas de sua maneira.

Esses três princípios são a materialização da construção discursiva do Direito na prestação jurisdicional, de maneira que as partes interessadas possam argumentar livremente, colocando sua visão do fato e expondo suas interpretações da lei e princípios vigentes.

A construção em contraditório e a ampla defesa darão, posteriormente, consistência e racionalidade à decisão prolatada, levando à legitimidade da mesma e trazendo a integridade ao ordenamento. A construção participada da decisão judicial e o direito de saber os fundamentos desta são os grandes pilares de um sistema jurisdicional democrático.

Cidadãos de um mundo democrático precisam ter uma postura onde não se fique apenas exigindo direitos. Em uma democracia há muito mais deveres do que direitos, pois ela só é construída se todos forem participantes ativos da mesma.

Contudo, há de se ficar atento, pois ser defensor da democracia não que dizer ser defensor do que está posto, mesmo que isto tenha sido de forma legítima. É preciso que sejamos sempre questionadores, que problematizemos o direito posto, de forma racional, a fim de adequarmos às nossas reais necessidades. Só desta forma a sociedade se aproximará a tolerância e a cooperação.

É através de um processo do trabalho mais participativo e menos protetor deve constituir as alternativas de viabilização fática do Direito ao interesse universal, pois nenhum sistema perdura sem um permanente processo de legitimação.

O fim da arbitrariedade e da coerção nas questões que circundam toda a comunidade, propondo uma participação mais ativa e igualitária de todos os cidadãos traz a possibilidade de resolução dos conflitos vigentes, não com uma simples solução, mas a melhor solução possível, aquela que resulta da participação de todos os envolvidos.


REFERÊNCIAS

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Processo Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 1984.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo: primeiros estudos. 6. ed. São Paulo: Thomson-IOB, 2005.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Judicial. São Paulo: Landy, 2002.

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Teoria geral do direito moderno: por uma reconstrução crítico-discursiva na alta modernidade. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. 7. ed. São Paulo: LTr, 2009.

RODRIGUEZ, Américo Plá. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2004.

SUSSEKIND, Arnaldo. Interpretação da norma Trabalhista. Revista Ltr, vol. 74, nº 07, julho de 2010.

ROMITA, Arion Sayão. Direito e Justiça – lucubrações etimológicas (algo fútil) sobre o princípio da proteção. Revista Ltr, vol. 73, nº 1, janeiro de 2009.


Notas

  1. 2 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho.
  2. LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho.
  3. THEODORO JUNIOR, Humbeto. Curso de Direito Processial civil e processo de conhecimento.
  4. ROMITA, Arion Sayão. Direito e Justiça: Lucubrações etimológicas (algo fútil) sobre princípio da proteção. Revista LTR, vol.76, nº1 – Janeiro de 2009.
  5. LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Processual da Decisão Jurídica.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ELÓI, André Luís Vieira. O processo do trabalho e o princípio da proteção no paradigma do Estado Democrático de Direito à luz da teoria neoinstitucionalista do processo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2836, 7 abr. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18852. Acesso em: 28 mar. 2024.