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A desconsideração da personalidade jurídica aplicada ao processo do trabalho

A desconsideração da personalidade jurídica aplicada ao processo do trabalho

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1 INTRODUÇÃO

Ao idealizar a criação da pessoa jurídica, o legislador tinha em mente a produção de um instituto que viesse estimular o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas e que, simultaneamente, reduzisse os riscos de prejuízos para quem investisse em tais atividades, uma vez que os direitos e obrigações do referido instituto são distintos dos de seus componentes, não se confundindo o patrimônio destes com o daquele.

Entrementes, em virtude de seu mau uso, surgiu uma outra figura denominada desconsideração da personalidade jurídica, por meio da qual, a separação patrimonial entre o capital da pessoa jurídica e o patrimônio de seus membros podem ser afastados, transitoriamente, com o fim de coibir a sua utilização de forma ardilosa, resultando em danos a terceiros.

Embora não tenha se originado no Brasil, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica (disregard doctrine) é amplamente utilizada nos diversos ramos do nosso direito, inclusive no direito laboral, para o qual tem especial significância, em virtude da natureza alimentar das verbas trabalhistas.

O propósito do presente trabalho é, portanto, mostrar a aplicação desta teoria em alguns ramos do direito pátrio e mais especificamente no processo do trabalho, em vista da necessidade de se dar uma solução mais célere aos conflitos que se levantam na seara trabalhista, dada a natureza dos créditos nesse âmbito e tendo em vista a posição de hipossuficiência ocupada pelo trabalhador, como parte mais frágil nas relações de trabalho.

Antes de entrarmos diretamente neste assunto, porém, achamos por bem, fazermos uma breve revisão acerca da pessoa jurídica, uma vez que o tema desta pesquisa gira em torno desta figura, começando pelo seu conceito e origem, ao mesmo tempo em trouxemos à luz algumas das teorias que tratam de sua natureza jurídica, fazendo, ainda, um comentário resumido sobre a capacidade e responsabilidade patrimonial deste instituto e sobre o uso desvirtuado do mesmo, fato que levou à criação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Ato contínuo, fizemos uma ligeira explanação acerca da desconsideração da personalidade jurídica (disregard of legal entity), partindo de seu conceito e origem, seguido de um relato histórico conciso, o qual registra as preocupações dos operadores do direito, a partir do século XIX, a respeito do mau uso da pessoa jurídica, o que os levou a buscar soluções para o problema, em vista do que surgiram as primeiras teorias a esse respeito, iniciando-se com a teoria de Haussmann e Mossa, ainda no século XIX, a qual tinha como objetivo, principalmente, imputar ao sócio controlador ou ao administrador da sociedade, o cumprimento das obrigações por ela assumidas e não cumpridas.

Relatamos que a partir desse fato, a teoria da desconsideração se desenvolveu, inicialmente, nos países da common law, onde o direito positivo não se impunha tão fortemente, ocorrendo sua primeira manifestação nos Estados Unidos, em 1809, voltando a ocorrer na Inglaterra, em 1897, passando, no decorrer do tempo, a ser aplicada na França, Itália, Suíça, Espanha e sendo introduzida no Brasil em 1969, por Rubens Requião, quando aqui apresentou esta ideia.

Traçamos, ainda, algumas linhas acerca dos requisitos básicos para o uso da desconsideração no nosso direito, quando procuramos mostrar as teorias de utilização da disregard e apontamos do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.708/90), como pioneiro na sua aplicação no direito pátrio, seguido pelo direito ambiental, através da Lei 9.605/98, seguido de Código Civil de 2002 e encerramos com a aplicação da desconsideração ao processo do trabalho.

Dedicamos um capítulo deste trabalho à aplicação da disregard doctrine na execução trabalhista, quando nos reportamos à adoção da teoria menor da desconsideração pelo processo do trabalho e as polêmicas dela advindas, pelo fato de sua utilização exigir, apenas, a verificação de inadimplência da pessoa jurídica e a insolvência de seu patrimônio.

De pronto, passamos a nos reportar a três correntes doutrinárias que tratam da possibilidade da penhora dos bens dos sócios com base na teoria da desconsideração.

Iniciamos pela corrente que baseia seu entendimento na efetividade do crédito trabalhista, cujo propósito é a efetiva prestação jurisdicional, que só se concretiza com o recebimento, pelo trabalhador, do crédito trabalhista, que se constitui no objeto da sentença.

Em seguida, nos referimos à corrente que defende a penhora dos bens dos sócios como exceção, entendendo que, para a aplicação da disregard, impõe-se a comprovação do mau uso da pessoa jurídica, ausência de dissolução legal ou fraude na administração da empresa.

Relatamos que a terceira corrente defende a impossibilidade da aplicação da desconsideração, firmando-se no fato de que os sócios não sofreram qualquer condenação, uma vez que não figuravam no polo passivo da demanda.

Enfim, nos reportamos ao alcance do patrimônio de ex-sócio pela aplicação da disregard, que tem sido utilizada com o escopo de alcançar o patrimônio daqueles cujo desligamento da sociedade tenha ocorrido até dois anos depois de averbada a modificação no contrato social, desde que o sócio retirante fizesse parte do quadro societário da empresa, à época em que já vigorava o contrato de trabalho com o obreiro.

Quanto ao tipo de pesquisa escolhido, em relação aos objetivos, foi ela exploratória e explicativa, em face da nossa necessidade de acumularmos informações e estabelecer prioridades para a pesquisa, bem como sobre como conduzi-la. Daí porque foi priorizado o levantamento bibliográfico.

Quanto à natureza do estudo, a pesquisa revelou-se qualitativa, porque fizemos uma análise e abordagem das questões mais relevantes referentes à aplicação da teoria desconsideração da personalidade jurídica, mais especificamente, ao processo do trabalho.

Finalmente, quanto aos procedimentos, a pesquisa foi literária, porque o levantamento sobre o assunto foi feito em livros e material disponibilizado na Internet, tendo como fontes de referência, a Constituição Federal de 1988 - CF/88, o Código de Defesa do Consumidor - CDC (Lei N° 8.078/1990), o Código Civil - CC (Lei N° 10.406/2020), o Código de Processo Civil – CPC (Lei N° 5.869/1973) e a Consolidação das Leis de Trabalho – CLT (Decreto-Lei N° 5.452/1943), bem como a Lei 9.605/98, que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente.


2 A PESSOA JURÍDICA

Não poderíamos iniciar esta pesquisa sem fazermos uma breve revisão acerca da pessoa jurídica, uma vez que o tema em estudo se posiciona em torno deste instituto, que é tratado no Código Civil de 2002, em seus artigos 40 e seguintes.

As pessoas jurídicas são de direito público interno ou externo e de direito privado.

As pessoas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver por parte deste, culpa ou dolo. Estão relacionadas no art. 41 do CC e são elas: a União, os Estados, o Distrito Federal e os Territórios, os Municípios, as autarquias, as associações públicas e demais entidades de caráter público criadas por lei.

São pessoas de direito público externo (art. 42, do CC), os Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público.

Achamos por bem esclarecer que, para os fins deste estudo, iremos tratar apenas da pessoa jurídica de direito privado, à qual se aplica o instituto da desconsideração da personalidade jurídica no processo do trabalho, uma vez que as dívidas contraídas pelas pessoas jurídicas de direito público são quitadas por meio de precatório.

As pessoas jurídicas de direito privado estão elencadas no art. 44 do Código Civil, sendo elas: as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas e os partidos políticos.

Existem, contudo, outras figuras jurídicas despersonalizadas, denominadas "pessoas formais" que possuem nome, patrimônio e respondem por suas relações, sendo reconhecidas pelo direito em virtude do valor que têm para a sociedade. São elas: a massa falida, a família, a herança jacente e a vacante, o espólio, o condomínio.

Há, ainda, a figura do empregador, assim definido, no art. 2° da CLT, in verbis: "Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviços."

2.1 Conceito e origem

Daniela Vasconcelos Gomes se referiu ao instituto em questão, como sendo "o conjunto de pessoas ou de bens que têm por objetivo a consecução de determinados fins, dotado de existência, patrimônio e personalidade jurídica próprios." (GOMES, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/17342/a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-codigo-civil-de-2002>).

Diniz (2010, p. 243) conceitua a pessoa jurídica como sendo "a unidade de pessoas naturais ou de patrimônios, que visa à consecução de certos fins, reconhecida pela ordem jurídica como sujeito de direitos e obrigações."

Sobre este instituto, assim se expressou Nahas (2007, p. 12): "Pessoa, em princípio, é um se humano, mas o direito permite criações artificiais, fundado no próprio interesse humano, de certos entes que se apresentam em agrupados [...]"Complementando sua linha de pensamento, a mesma autora acrescenta, referindo-se ao instituto em comento, ipsis litteris:

Adotamos, assim, a idéia de que a pessoa jurídica é, efetivamente, uma instituição, um ente autônomo distinto da pessoa física. O que a torna sujeito de direito é a destinação produtora de atividade jurídica, capaz de exercer a vontade e poderes daqueles que lhe conferem tais prerrogativas. Desta forma, tais pessoas devem ser reconhecidas como centros organizados destinados a um determinado fim (instituição). (NAHAS, 2010, p. 17)

A pessoa jurídica surgiu, portanto, da necessidade que tem o ser humano, como ente social que é, de unir-se a outros, em agrupamentos.

Tendo em vista a necessidade de personalizar estes grupos, a fim de que possam participar da vida jurídica e em nome próprio, a norma de direito lhes outorga personalidade e capacidade jurídica, convertendo-os em sujeitos de direitos e obrigações.

Para isso, é necessário o preenchimento de três requisitos, que segundo Diniz (2010, p. 243), são: "organização de pessoas ou de bens; liceidade de propósitos ou fins; e capacidade jurídica reconhecida por norma."

Semelhantemente às pessoas naturais, a pessoa jurídica precisa nascer para adquirir personalidade, no entanto, por ter vida própria, sua existência vai além da existência da pessoa física. Assim é que, ela não se finda com a morte de qualquer de seus criadores.

Legalmente, a pessoa jurídica nasce como resultado de um ato jurídico ou de normas, havendo uma distinção entre o surgimento das pessoas jurídicas de direito público e de direito privado.

As primeiras passam a existir em decorrência de fatos históricos, de criação constitucional, de lei especial e de tratados internacionais.

As segundas surgem da vontade humana, sendo instituídas por particulares, contudo, sua personalidade jurídica permanece em estado potencial, só adquirindo status jurídico depois de preenchidas as formalidades ou exigências legais, ou seja, após a constituição da pessoa jurídica por ato jurídico (unilateral, bilateral ou plurilateral) e inscrição, no registro público, do ato constitutivo (art. 45 e 46 do CC).

Segundo Diniz (2010), as pessoas jurídicas recebem denominações distintas no direito estrangeiro, assim, são designadas como "pessoas morais" no direito francês, como "pessoas coletivas" no direito português, sendo ainda conhecidas como pessoas civis, místicas, fictícias, intelectuais, compostas, etc., enquanto a denominação "pessoa jurídica" é adotada pelo Código Civil Pátrio e pelos Códigos, alemão, italiano e espanhol.

2.2 Natureza jurídica

O tratar deste assunto, Diniz (2010) afirma que várias teorias foram criadas com relação à natureza jurídica da pessoa jurídica, em busca de uma forma que justificasse e esclarecesse a existência de tal figura e, por não existir consenso entre a variedade de doutrinas, agrupou-as em quatro categorias: teoria da ficção legal e da doutrina, teoria da equiparação, teoria orgânica e teoria da realidade das instituições jurídicas e expressou sua opinião sobre cada uma delas, conforme veremos a seguir.

2.2.1 Teoria da ficção legal

Adotada por Savigny, citado por Diniz (2010), o qual chegou à conclusão de que a pessoa jurídica é uma ficção legal, por entender que só o homem é capaz de ser sujeito de direito. Dessa forma, para ele, a pessoa jurídica é uma criação artificial da lei para exercer direitos patrimoniais e, assim, facilitar a função de certas entidades.

Já Vareilles-Sommiéres, mencionado pela mesma autora, entende que a pessoa jurídica existe apenas na inteligência dos juristas, constituindo-se em mera ficção criada pela doutrina.

Diniz (2010) entende que a concepção de pessoa jurídica defendida nesta teoria não corresponde à realidade, por ser abstrata. De outro modo, por ser uma pessoa jurídica, o Estado seria uma ficção legal ou doutrinária, também o sendo, o direito que dele emana.

2.2.2 Teoria da equiparação

Esta teoria foi defendida por Windischeid e Brinz, a quem se refere Diniz (2010), os quais entendem que a pessoa jurídica é um patrimônio equiparado, no seu tratamento jurídico, às pessoas naturais.

Diniz (2010) discorda desta corrente, por entender que ela eleva os bens à categoria de sujeito de direitos e obrigações, confundindo pessoas com coisas.

2.2.3 Teoria da realidade objetiva ou orgânica

Esta teoria foi levantada por Gierke e Zitelmann, citados por Diniz (2010) e segundo a mesma, junto às pessoas naturais – que são organismos vivos – há organismos sociais, constituídos pelas pessoas jurídicas, que têm existência e vontade própria, diversa da de seus componentes e têm como fim, a realização de um objetivo social.

Para Diniz (2010), essa teoria se volta para a teoria da ficção, pois o fenômeno volitivo é próprio do ser humano, não se estendendo ao ente coletivo, ou seja, à pessoa jurídica.

2.2.4 Teoria da realidade das instituições jurídicas

Teoria defendida por Hauriou, referido por Diniz (2010), que admite a existência de um pouco de verdade nas demais teorias. Ele entende que, assim como a personalidade humana deriva do direito, este mesmo direito pode conceder personalidade a um agrupamento de pessoas ou de bens, desde que tenham como objetivo, a realização de interesses humanos.

Diniz (2010) entende que este pensamento é o que melhor atende à essência do instituto, por afirmar que a pessoa jurídica é uma realidade jurídica.

Gomes, que também é adepta desta última teoria, ao comentar o assunto manifestou da seguinte forma, sua opinião:

Das teorias que buscam esclarecer o tema, a que mais se destaca atualmente é a teoria da realidade das instituições jurídicas, pela qual a personalidade da pessoa jurídica é concessão do Estado a certos grupos de indivíduos, considerados merecedores dessa situação. O Direito, ao reconhecer capacidade formal e material às pessoas jurídicas, lhes confere também domicílio, nacionalidade, e patrimônio específico, distintos de seus integrantes. (GOMES, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/17342/a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-codigo-civil-de-2002>)

2.3 Capacidade e responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica

Conforme já mencionamos, as pessoas jurídicas são instituídas por particulares, só adquirindo personalidade, depois da inscrição de seu ato constitutivo no registro respectivo, nos termos dos arts. 45 e 46 do Código Civil de 2002.

A capacidade da pessoa jurídica advém da personalidade que a ordem jurídica lhe reconhece quando de seu registro, a qual é estendida a todos os campos do direito. Em decorrência desse fato, pode exercer todos os direitos subjetivos, não se restringindo, apenas, ao campo patrimonial.

Sendo assim, tem direito à identificação, possuindo denominação, domicílio (que é sua sede jurídica), nacionalidade e, nos termos do art. 52 do CC, aplica-se à pessoa jurídica, a proteção dos direitos da personalidade, como direito de resposta proporcional ao agravo e de indenização por dano moral e material ou à imagem (art. 5°, V, X, da CF; Súmula 227 do STJ). Tem, ainda, direitos industriais (art. 5º, XXIX, da CF), direitos obrigacionais (de contratar, comprar, vender, alugar, etc.) e direitos à sucessão, uma vez que pode adquirir bens causa mortis.

No entanto, conforme leciona Diniz (2010), sofre, a pessoa jurídica, de limitações decorrentes de sua natureza, o que a impede de ter direitos que são inerentes ao ser humano, como o direito de família.

Padece, também, de limitações decorrentes de norma jurídica, por razões de segurança pública, no que se refere à autorização ou concessão da União a pessoas jurídicas estrangeiras para pesquisa e lavra de recursos minerais e aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica (art. 176, § 1º, da CF/88); ficando tais pessoas jurídicas dependentes, ainda, de autorização do Congresso Nacional para aquisição e/ou arrendamento de propriedade rural (art. 190, da CF/88), assim como, não podem, em regra, ser acionistas de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 222, da CF).

Está, ainda, impossibilitada de praticar diretamente, os atos da vida jurídica, necessitando, para isto, de um representante legal que, em regra, é o administrador indicado no ato constitutivo, dentro dos limites constantes no referido ato. Contudo, a administração também pode ser coletiva, quando as decisões são tomadas pela maioria, caso não haja previsão contrária no ato constitutivo.

Na falta de um administrador, o juiz poderá, a requerimento, nomear um, provisoriamente.

Falando sobre a responsabilidade patrimonial da pessoa jurídica, Nahas se reportou nos seguintes termos:

O fenômeno da personalização da pessoa jurídica gera para as pessoas físicas que a compõem a irresponsabilidade pelos negócios por ela praticados. Tal assertiva decorre do princípio de que aquele que pratica o negócio jurídico é que irá responder perante o credor pelas obrigações assumidas. (NAHAS, 2007, p. 85).

Desta assertiva, podemos inferir que quem responde pelos atos praticados pela pessoa jurídica, é a própria entidade, uma vez que é dotada de capacidade e personalidade, respondendo o administrador, pessoalmente, por atos por ele praticados, fora dos poderes que lhe foram conferidos.

Na sociedade ilimitada, as pessoas físicas (sócios e administradores) são responsáveis solidárias, respondendo com seus bens pessoais pelos negócios da pessoa jurídica, conforme permissão do art. 265 do CC. Tal fenômeno alcança, também, os grupos de empresa, cuja previsão se encontra no art. 2º, § 2º, da CLT.

Já na sociedade limitada, segundo Nahas (2007), é a própria entidade que responde pelos atos que pratica, uma vez que na negociação, não é a vontade da pessoa física que é considerada, além de ter esta, patrimônio distinto do da sociedade.

Assumida, pois, a obrigação com o credor, por ela responde a pessoa jurídica devedora, com os bens que compõem seu patrimônio tanto no ato da negociação, quanto com os que vierem a compô-lo no futuro, considerando as exceções legais, conforme definido nos arts. 648 e 649 do CPC, que tratam dos bens considerados impenhoráveis.

Destarte, conforme leciona Nahas (2007), caso o devedor não cumpra a obrigação assumida com o credor, este pode requerer a prestação jurisdicional do Estado, de modo que seja possível o adimplemento da obrigação malograda através da subtração, do patrimônio do devedor, do valor suficiente para este fim.

Em situações excepcionais, porém, definidas na Lei (art. 592, do CPC), outras pessoas, entre as quais salientamos a figura do sócio (inciso, II do artigo retro mencionado), podem vir a responder, com seu patrimônio pessoal, por obrigações não cumpridas pela pessoa jurídica, pois embora não constem no título executivo, não sejam seus sucessores e nem tenham realizado o ato jurídico em seu próprio nome, têm responsabilidade secundária pela obrigação, nos moldes do art. 596 do CPC, que reza in verbis:

Art. 596 - bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade senão nos casos previstos em lei; o sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito a exigir que sejam primeiro executados os bens da sociedade.

§ 1º Cumpre aos sócios que alegarem o benefício deste artigo, nomear bens da sociedade, sitos na mesma comarca, livres e desembaraçados, quantos bastem para pagar o débito. (grifo nosso)

Esta situação de subsidiariedade foi o meio que o legislador encontrou para proteger o direito do credor, dando-lhe segurança jurídica.

2.4 O uso inadequado da pessoa jurídica

Como já afirmamos, a pessoa jurídica surgiu da necessidade do homem se reunir em agrupamentos, mas, para a realização de certos empreendimentos, fazia-se necessário, às vezes, a união de um grupo de pessoas que preferiam conduzir tal empreendimento, por terem receio de entregar seus recursos em mãos estranhas. Ao mesmo tempo, essas pessoas, temendo prejuízos, preferiam não por todo o seu patrimônio em risco e optavam por aplicar parte de seus recursos em atividades não produtivas, atitude que resultava em prejuízo para a sociedade.

Era, pois, necessário a descoberta de um meio de incentivo ao desenvolvimento de atividades econômicas produtivas, que promovesse o aumento da arrecadação de tributos, gerando empregos e estimulando o desenvolvimento econômico e social das comunidades e, ao mesmo tempo, limitasse os riscos do investimento em atividades econômicas.

O instituto da pessoa jurídica atendeu a tal propósito, ou mais especificamente, a instituição da sociedade personificada, cujos direitos e obrigações, segundo Tomazette (2002), são distintos dos de seus membros, com eles não se confundindo, os quais investem no empreendimento apenas uma parte de seu patrimônio, em vista do que, assumem riscos limitados de prejuízo, que são reforçados com as sociedades de responsabilidade limitada (sociedade anônima e sociedade por quotas de responsabilidade).

Em vista disso, as sociedades personificadas têm se multiplicado, constituindo-se como prerrogativa para aqueles que pretendem desenvolver uma atividade econômica, conjuntamente.

Entretanto, este privilégio de existir como pessoa jurídica, não deve objetivar, apenas, a realização da vontade do homem, mas deve, acima de tudo, atingir o fim para o qual foi criada, que é garantir a preservação da sociedade e do próprio instituto (pessoa jurídica), bem como, fomentar o desenvolvimento econômico, por ser um instrumento da mais alta importância na economia de mercado, como já vimos no decorrer deste trabalho, não devendo ser utilizada de forma abusiva ou fraudulenta.

Lamentavelmente, nem sempre este instituto tem sido utilizado de forma adequada, pois não poucas vezes, tem deixado de atender ao fim social e econômico para o qual foi proposto, o que se traduz em prejuízo para a coletividade.

Um exemplo desse abuso e/ou fraude seria o caso em que uma sociedade regularmente constituída contrai em seu nome, dívidas através de empréstimos e aquisição de bens, agindo de má fé, já que em seu patrimônio, não há bens suficientes para satisfação de tais obrigações.

Assim, uma vez decretada a falência da sociedade, os sócios ficam livres do prejuízo, repassando-os para os credores e para a coletividade.

Em vista disso, em casos nos quais se configure abuso ou fraude no uso da pessoa jurídica, é permitido que os praticantes de tais atos sejam por eles responsabilizados, de modo a se desconsiderar a personalidade da pessoa jurídica, ou seja, desconsiderar a autonomia do patrimônio das pessoas jurídicas, o que é feito, unicamente, por ato do magistrado.

Nasce, então, o instituto denominado desconsideração da personalidade jurídica, que será estudado no próximo capítulo.


3 A DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA

3.1 Conceito e origem

A desconsideração da personalidade jurídica consiste em não se considerar, em casos específicos, a separação patrimonial entre o capital da pessoa jurídica e o patrimônio de seus sócios (pessoas físicas) para os efeitos de determinadas obrigações para com os credores, com o objetivo de impedir a sua utilização de forma desvirtuada.

O novel Código Civil, em seu artigo 50, trata do instituto em apreço nos seguintes termos:

Art.50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

A este respeito, Saad, C., Saad, J. e Branco (2008, p. 1023) se reportam nos seguintes termos: "Essa teoria, em apertada síntese, consiste na desconsideração da pessoa jurídica, num caso concreto, para alcançar os bens que, ardilosamente, passaram a integrar seu patrimônio."

Dessa assertiva, pode-se concluir, então, que a desconsideraçãoconsiste em uma forma de amoldar a pessoa jurídica à finalidade para a qual foi criada, ou, em outras palavras, é o meio de refrear o uso indevido dos privilégios inerentes à pessoa jurídica.

Os autores citados ensinam que tal instituto, no entanto, não deve ser visto como um ataque à estrutura da pessoa jurídica, uma vez que, na prática, visa anular a fraude já realizada à sombra das prerrogativas usufruídas por esta figura, permitindo que o magistrado atravesse o escudo que a protege, atingindo as pessoas que a dirigem ou compõem.

Ressaltamos que a referida doutrina tem como escopo atingir aquele que detém o controle efetivo da empresa, isto é, seu acionista controlador e não seus diretores assalariados ou empregados que não participam do controle acionário.

A pessoa jurídica é reconhecidamente um recurso que tem como objetivo o incentivo ao desenvolvimento econômico e social.

Para Gomes (2005) a desconsideração da personalidade jurídica é a ferramenta de reparação a ser utilizado pelo juiz, nos casos em que a pessoa jurídica se afastasse da finalidade para a qual foi criada, em virtude da autonomia e capacidade que lhe são peculiares, vindo a causar danos à sociedade, através de atos ilícitos, com o fim de obter vantagens injustas.

Diante de fatos assim, emergiu nos tribunais americanos, a disregard doctrine ou disregard of legal entity (desconsideração da personalidade jurídica) - em vista dos casos concretos em que o controlador da sociedade a desviava de seus objetivos com fins escusos - como meio de impedir o uso da personalidade jurídica de forma fraudulenta, através da responsabilização de seus membros (pessoas físicas), que respondem com seu patrimônio pessoal, pelas dívidas da pessoa jurídica.

Este foi o meio encontrado para se evitar que a pessoa jurídica se transformasse em um instituto inatingível, dogmático, que viesse a se perpetuar como um meio para se atingir propósitos ilegítimos, em detrimento do direito de seus credores.

Achamos por bem, fazer uma ressalva a respeito das expressões "despersonalização da pessoa jurídica" e "desconsideração da pessoa jurídica", que são utilizadas por alguns doutrinadores como expressões sinônimas.

Nahas entende que, neste contexto, o uso das expressões "despersonalização" e "desconsideração" como termos intercambiáveis é equivocado, justificando seu entendimento da forma que abaixo se transcreve:

Despersonalizar quer dizer retirar a personalidade que lhe foi atribuída, e o que ocorre nas hipóteses aqui tratadas é, dentro do caso concreto, desconsiderar aquela atribuição inicial de personalidade para, dentro de determinados limites, atingir pessoas e bens que se encobrem atrás daquela personalidade. (NAHAS, 2007, p. 95)

Reforçando este entendimento, Requião (2008, p. 218), ao tratar da disregard doctrine, assim se expressou: "Não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos."

Gomes, sobre a questão, assim se manifesta, ipsis litteris:

Embora haja certa confusão terminológica na doutrina, vez que alguns autores fazem referência a despersonalização, em vez de desconsideração, entende-se que a segunda denominação é mais correta, vez que a disregard doctrine não extingue a pessoa jurídica, apenas estende seus efeitos de determinadas obrigações sociais aos sócios e administradores, havendo uma suspensão momentânea da autonomia da pessoa jurídica. (GOMES, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/17342/a-teoria-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-e-o-codigo-civil-de-2002>).

Podemos inferir da doutrina consultada que a disregard não tem como base a anulação da personalidade jurídica, esta figura tem como fulcro, desconsiderar a pessoa jurídica em virtude das pessoas ou bens que estão por trás dela. Com a aplicação da desconsideração, na verdade, ocorre a suspensão da separação patrimonial no caso concreto.

3.2 Evolução histórica

No entendimento de Tomazette (2002), a pessoa jurídica desfrutava de grande prestígio e por ter sido erguida como um dogma, a sua autonomia patrimonial era supervalorizada, o que levava a crer que esta autonomia não poderia ser, jamais, afastada.

O mesmo autor leciona que a má utilização da pessoa jurídica fez com que surgissem, a partir do século XIX, as primeiras preocupações a este respeito, o que levou os operadores do direito, à época, a buscarem meios idôneos para reprimir o mau uso desse instituto.

Tomazette (2002) também acrescenta que a teoria da soberania de Haussmann e Mossa, ainda no século XIX, foi o primeiro meio de combate ao mau uso da pessoa jurídica a ser tentado.

Na realidade, esta teoria foi elaborada pelo estudioso alemão Haussmann, no século XIX e posteriormente, desenvolvida na Itália, pelo doutrinador Mossa. Tal estudo, porém, não foi bem recebido pelo meio jurídico da época, provavelmente pelo fato de não se basear em nenhuma norma legal expressa nos ordenamentos, vez que apontava mais especificamente para a aplicação dos princípios morais e sociais, do que aos preceitos legais que vigoravam na época.

Esta teoria tinha, pois, como objetivo, principalmente imputar ao sócio controlador, ou mesmo ao administrador da sociedade, o cumprimento das obrigações por ela assumidas e não cumpridas.

Dessa forma, eram dados os primeiros passos, em direção à disregard doctrine, sem que, no entanto, seus doutrinadores discutissem os requisitos básicos para a sua aplicação. Assim, conquanto fosse um pensamento demasiado avançado para a época, não foi bem aceito no meio jurídico, em virtude do evidente positivismo europeu do século XIX.

Desse modo, segundo Tomazette (2002), a desconsideração se desenvolveu, inicialmente, nos países da Common Law, onde o direito positivo não se impunha tão fortemente.

De acordo com Santos (2003) e Nahas (2007), os primeiros casos relevantes e documentados de manifestação da disregard ocorreram nos tribunais dos Estados Unidos e da Inglaterra, no século XIX.

Santos (2003) noticia que em 1809, foi aplicada a referida teoria, no caso do Banco dos Estados Unidos versus Deveaux, quando o juiz Marshall "levantou o véu" da corporação, levando em consideração, as características individuais dos sócios. Este caso, na verdade, tratava de uma discussão sobre competência e manteve a jurisdição das cortes federais norte americanas para o julgamento de casos nos quais houvesse controvérsias entre cidadãos de estados diferentes.

Podemos deduzir, portanto, que o primeiro caso da real aplicação da desconsideração se deu no processo Salomon versus Salomon Co, na Inglaterra, em 1897, pensamento compartilhado por Santos (2003) e Gomes (2005).

In casu, Aaron Salomon, próspero comerciante individual do ramo de calçados, decidiu constituir uma companhia limitada com outros seis sócios, na qual era detentor de 20 mil ações, se tornando o credor privilegiado da companhia, enquanto os demais sócios, todos, membros de sua família, eram possuidores, cada um, de uma única ação.

Após um ano, a companhia entrou em liquidação e os credores, sem qualquer garantia, demonstraram sua insatisfação. Buscando proteger os interesses dos credores, o liquidante intentou obter uma indenização pessoal do sócio majoritário, já que a companhia era ainda a atividade pessoal do mesmo e os demais sócios eram fictícios.

Tanto o Juízo de primeiro grau, quanto a Corte de Apelação, decidiram por aplicar a desconsideração da personalidade jurídica ao caso, imputando a Salomon, a responsabilidade pelos débitos da sociedade. A decisão foi reformada pela Casa dos Lordes, que manteve o privilégio da autonomia patrimonial da sociedade regularmente constituída, contudo, lançada estava, a semente da disregard doctrine.

Inferimos, pois, que foi a partir da jurisprudência anglo-saxônica que se deu início ao desenvolvimento da doutrina da desconsideração da personalidade jurídica, propriamente dita, influenciando, inclusive, a jurisprudência norte americana.

Sobre a utilização dessa doutrina nos Estados Unidos, Diniz se manifesta nos seguintes termos:

Nos Estados Unidos essa doutrina só tem sido aplicada nas hipóteses de fraudes comprovadas, em que se utiliza a sociedade como um mero instrumento ou simples agente do acionista controlador. Em tais casos de patrimônio da sociedade com o do acionista induzindo terceiros em erro, tem-se admitido a desconsideração, para responsabilizar pessoalmente o controlador. (DINIZ, 2010, p. 319)

Diniz (2010) ainda afirma que, na França, existe uma lei que prevê a aplicação da desconsideração em caso de falência ou concordata de uma pessoa moral, desde que o ativo seja insuficiente.

Acrescenta que tal aplicação é admitida, apenas, nas hipóteses de fraude à lei e ao contrato. Leciona, ainda, que na Suíça, nas práticas de atos economicamente proibidos ou que prejudiquem direitos dos credores, ou que legalizem negócios simulados. Registra, também, que na Espanha, a disregard é aplicada nos casos de fraude à lei.

No Brasil, Rubens Requião, citado por Nahas (2007), apresentou a ideia da desconsideração da personalidade jurídica, em 1969. Entretanto, este instituto só veio a ser incluído no ordenamento positivo pátrio, inicialmente, no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), em seu art. 28.

Posteriormente, foi previsto na Lei Antitruste (Lei 8.884/94, art. 18) e na Lei de Crimes Ambientais (Lei 9.605/98, art. 4°).

Finalmente, o Código Civil de 2002, consagrou a teoria da desconsideração em seu art. 50 e a Consolidação das Leis do Trabalho, no art. 2°, § 2°, admite a aplicação da disregard doctrine.

3.3 Desconsideração da personalidade jurídica no ordenamento jurídico brasileiro

Como já comentamos anteriormente, no Brasil, a teoria da desconsideração teve como precursor Rubens Requião, no ano de 1969.

Faremos, a seguir, um breve relato sobre a inclusão deste instituto em alguns ramos do nosso direito, recorrendo antes, a uma sucinta explanação acerca dos requisitos básicos para o uso da disregard (desconsideração) e sobre as teorias de aplicação deste instituto.

3.3.1 Requisitos básicos para o uso da desconsideração

Ressaltamos que a separação patrimonial entre o capital da empresa e o patrimônio das pessoas físicas que a compõem, é a regra, sendo a desconsideração da personalidade jurídica a exceção, devendo esta regra ser quebrada, apenas, em casos específicos, por motivos que a justifiquem.

Assim é que, em alguns casos, o juiz pode deixar de aplicar as regras da separação patrimonial entre a sociedade e seus sócios, deixando de considerar a pessoa jurídica num caso fático, a fim de coibir fraude cometida através da manipulação dessas regras.

Sobre o tema, Santos (2003, p. 145) expressa sua opinião ipsi literis: "[...] a teoria da Disregard of legal entity permite ao juiz desconsiderar a pessoa jurídica quando se verifica que ela foi utilizada abusivamente para o fim de desviar os bens e fraudar os credores. [...]"

Sendo assim, temos como requisitos básicos para a aplicação da desconsideração: a personificação, a fraude e o abuso do direto, relacionados à autonomia patrimonial.

A personificação é fator essencial para a aplicação da disregard, pois, o magistrado só pode se utilizar deste expediente, nos casos fáticos, em que estiver diante de uma pessoa jurídica, ou seja, de um ente personificado, pois ausente este requisito, não há que se cogitar na existência de autonomia patrimonial que possa ser usada para fins escusos.

Para Tomazette (2002), a fraude, para os fins deste estudo, ocorre quando se lança mão da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, para se ocultar e fugir do cumprimento de obrigações, desviando-a do fim para o qual foi criada, que é o exercício regular das atividades econômicas.

Nas palavras de Nahas o abuso de direito assim se explica:

Abusar de um direito é cometer o ato de forma legal, mas excessiva, ultrapassando os limites traçados pelo legislador ou pelo contrato. Há um desvio da função da norma, causado pelo uso irregular ou anormal do direito. A afetação do ente moral é permitida para que ele possa cumprir uma finalidade social, voltada à melhoria da condição do próprio homem. Todavia, os administradores, manipulando indevidamente a pessoa jurídica, desvirtuam a finalidade originária, causando prejuízos a terceiros que com ela negociam acreditando no cumprimento da finalidade buscada. (NAHAS, 2007, p. 110).

Da análise da doutrina transcrita, podemos inferir que o abuso de direito não se trata, na verdade, de ato ilícito, mas do mau uso da personalidade jurídica, ou seja, dos direitos que lhe são inerentes, quando foge de sua finalidade social, pois, o direito não pode ser usado, apenas, em benefício de seu titular, deve, antes, visar o bem-estar coletivo e, se tal não suceder, abre-se o caminho para a aplicação de desconsideração da personalidade jurídica.

3.3.2 Teorias de aplicação da desconsideração

Segundo Fábio Ulhoa Coelho, citado por Souza (2008), há duas correntes doutrinárias, no direito brasileiro, que tratam da aplicação da disregard, denominadas "Teoria Maior" e "Teoria Menor."

A Teoria Maior será aplicada quando a personalidade jurídica da sociedade for usada para cometer abuso ou perpetrar fraude.

Nesta teoria, também denominada Teoria Subjetiva, o magistrado, usando de seu livre convencimento, se entender que houve fraude ou abuso de direito, pode aplicar a desconsideração da personalidade jurídica. Para tanto, é necessário fundamentação porquanto utiliza o livre convencimento. De todo modo, a teoria maior exigirá, sempre, o atendimento dos requisitos legais.

Já na Teoria Menor ou Teoria Objetiva, como denomina parte da doutrina, porque baseada em critérios objetivos, não se busca a comprovação do mau uso da sociedade, não havendo que se provar desrespeito à boa fé e não existindo qualquer conexão com a fraude ou como abuso de direito. Parte-se, no máximo, da presunção de que um sócio é solvente, ao passo que a sociedade é insolvente.

A segunda teoria é aplicada ao Direito do Consumidor (art. 28, § 5º, da Lei 8.078/1990), ao Direito Ambiental (art. 4º, da Lei 9.605/1998) e ao processo do trabalho (art. 2°, § 2°, da CLT).

3.3.3 A desconsideração no Código de Defesa do Consumidor

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) foi o pioneiro no regramento para a aplicação da teoria da desconsideração em termos de direito positivo e enumera as hipóteses do uso do instituto em comento, nos termos do seu art. 28, § 5°, que assim dispõe:

Art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.

§ 5° Também poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores.

O caput do art. 28 do CDC, levanta, como primeira hipótese de aplicação da desconsideração, o abuso de direito, ou seja, o exercício não regular de um direito, traduzido pela prática de atos com a deliberada intenção de causar prejuízo a terceiros.

A personalidade jurídica é atribuída com vistas a atingir um fim social e se tal instituto é utilizado, pois, para fins contrários a este, tal ato é abusivo e atentatório ao direito, constituindo-se, neste caso, a desconsideração da personalidade jurídica, em um meio efetivo para coibir tais práticas.

O artigo supra traz, como segunda hipótese para uso do instituto em comento, o excesso de poder, referindo-se a determinados atos praticados por administradores, atos estes que não lhes caberia executar, já que seus poderes estão limitados pela lei, pelo contrato social ou pelo estatuto, cuja violação propicia a aplicação da desconsideração.

Do teor do artigo ora estudado, se deduz que a prática de atos que infrinjam a lei, bem como a ocorrência de fato ilícito, o cometimento de ato ilícito, ou a violação dos estatutos ou contrato social resultam na mesma consequência da prática do excesso de poder, motivo pelo que, se engajam na segunda hipótese.

A respeito das hipóteses acima, Tomazette (2002) manifesta sua opinião, considerando-as desnecessárias, conforme texto a seguir transcrito:

Tais hipóteses não correspondem efetivamente a desconsideração, pois se trata de questão de haver imputação pessoal dos sócios ou administradores, não sendo necessário cogitar-se de desconsideração. A inclusão de tais hipóteses é completamente desnecessária, pois muito antes do Código de Defesa do Consumidor já existiam dispositivos para coibir tais práticas, como os artigos 10 e 16 do Decreto 3.708/19, 117 e 158 da Lei 6.404/76 e 159 do Código Civil de 1916, que tratavam da responsabilidade pessoal dos sócios ou administradores.(A desconsideração da personalidade jurídica, disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/3104 >)

Analisando as hipóteses acima elencadas, Thereza Nahas se reporta ao assunto nos seguintes termos:

O elenco de hipóteses fáticas legais relativas à desconsideração da pessoa jurídica não está, necessariamente, ligado a pessoa moral em si ou a ato por ela praticado diretamente, mas sim a seus administradores. As situações de excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação dos estatutos ou contrato social são considerados ato atribuído à pessoa do administrador e não necessariamente ato da sociedade. O administrador vai além do que a lei, contrato ou estatuto lhe permite fazer, extrapolando os limites de ação que lhe foram outorgados. De forma que a responsabilização é direta a tais agentes e não situação de desconsideração propriamente dita. (NAHAS, 2007, p. 109-110).

Nahas (2007) justifica seu posicionamento, afirmando que tais figuras já estavam regulamentadas na Lei das Sociedades por Ações e Sociedade limitada e que o legislador apenas as ratificou, incluindo-as como hipótese fática de desconsideração da pessoa jurídica.

A cabeça do art. 28 do CDC se refere, ainda, à hipótese fática de desconsideração nas situações em que houver falência, insolvência, encerramento ou inatividade de pessoa jurídica, motivadas pela má administração.

Nesse caso, é imperativo que haja o nexo de causalidade entre a situação de crise enfrentada pela pessoa jurídica e a má administração para que se configure a hipótese de aplicação da disregard.

A última hipótese, baseada no que dispõe o § 5°, do art. 28, do CDC, se constitui em uma típica situação de desconsideração, pois, neste caso, se utilizou a pessoa jurídica com o fim específico de causar obstáculo ao ressarcimento de prejuízos por ela causados.

3.3.4 A desconsideração no direito ambiental

O art. 3° da Lei 9.605/98 prevê imputabilidade criminal para as pessoas jurídicas, as quais poderão ser responsabilizadas administrativa, civil e penalmente, no caso em que atividade danosa ao meio ambiente seja cometida, nas palavras de Diniz (2010, p. 300), "por decisão de seus representantes legais, contratuais ou de seu órgão colegiado, no interesse ou em benefício da entidade."

Com muita propriedade, Cabral, citado por Imperiano (2007, p. 149) definiu a responsabilidade administrativa ambiental nos seguintes termos:

É o resultado de prática de infração a normas administrativas sobre o meio ambiente, sujeitando os infratores a sofrer punições de natureza administrativa emanadas do Poder Público, que as imputa nos limites de sua competência por meio do poder administrativo manifestado na forma do poder de polícia.

As sanções administrativas, neste contexto se traduzem em multas, embargos, suspensão das atividades e demolição (IMPERIANO, 2007).

A responsabilidade civil, que consiste na reparação pecuniária pelo autor de prática lesiva ao meio ambiente, é objetiva, ou seja, independe de culpa.

Inicialmente, a Lei 6.453/1917, em seu art. 4°, regulamentou a responsabilidade civil por danos nucleares. Posteriormente, A Lei 6.938/1981, em seu art. 4°, VII e art. 14, § 1° atribuiu ao poluidor e ao predador a responsabilidade de indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, independentemente de culpa. Finalmente, a Constituição Federal, em seu art. 225, § 3°, incluiu a responsabilidade civil por danos ao meio ambiente.

Desse modo, segundo Imperiano (2007), a ação ou omissão de pessoa física ou jurídica que resulte em poluição ou degradação do meio ambiente submetem seus transgressores à indenização pecuniária e reparação pelo dano causado, bem como, à recuperação do meio ambiente.

Os princípios da reparabilidade do dano ambiental e do poluidor-pagador, insculpidos em dispositivos legais, como os que acabamos de mencionar e na Constituição Federal, em seu art. 225, § 3º, serviram de base para a redação da Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/98).

Sobre o assunto, Fiorillo se reporta nos seguintes termos:

O art. 225, § 3°, da Constituição Federal previu a tríplice responsabilidade do poluidor (tanto pessoa física como jurídica) do meio ambiente: a sanção penal, por conta da chamada responsabilidade penal (ou responsabilidade criminal), a sanção administrativa, em decorrência da denominada responsabilidade administrativa, e a sanção que, didaticamente poderíamos denominar civil, em razão da responsabilidade vinculada à obrigação de reparar danos causados ao meio ambiente. (FIORILLO, 2010, p. 124).

A Lei 9.605/98 dispõe sobre as sanções penais e administrativas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, rezando em seus artigos 3° e 4°, in verbis:

Art. 3° As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu Órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.

Parágrafo único: A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo ato.

Art. 4ª Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.

Podemos inferir, do que foi visto, que no Direito Ambiental, a aplicação da desconsideração da pessoa da pessoa jurídica independe da comprovação de culpa, bastando tão somente que se verifique a insuficiência patrimonial da pessoa jurídica para reparar ou compensar os danos por ela causados ao meio ambiente.

3.3.5 A desconsideração no Código Civil Brasileiro

Sendo o Brasil, um país de inspiração continental, onde prevalece o apego ao direito escrito, é de grande relevância, a inserção de um artigo que trate da teoria em questão no Código Civil pátrio.

Em vista disso, o Código Civil de 2002 consagrou a teoria da desconsideração em seu art. 50 ao expor, ipsis litteris:

Art.50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

De acordo com o artigo acima transcrito, se, por ato dos administradores ou dos sócios, a pessoa jurídica se desviar dos fins para os quais foi constituída, com o objetivo de trazer prejuízo a alguém, ou, caso o patrimônio da sociedade esteja, de tal forma, misturado com o patrimônio particular do sócio, que se torna impossível distingui-los, causando dano a terceiros, em virtude do uso da personalidade jurídica de forma abusiva, ao magistrado é permitido, mediante requerimento da parte interessada ou do Parquet, com base na prova material do dano, desconsiderar a personalidade jurídica, temporariamente, de modo a coibir fraudes e abusos dos sócios que a utilizam como escudo.

Tal medida não importa na dissolução da pessoa jurídica, que se distingue da pessoa de seus componentes. Esta separação patrimonial é tão somente afastada transitoriamente, quando do surgimento de um caso concreto, possibilitando a transferência da responsabilidade para aqueles que a utilizam de forma indevida.

Na verdade, trata-se de uma medida protetiva e preventiva, que visa preservar a sociedade (pessoa jurídica), bem como tutelar os direitos daqueles que com ela transacionarem.

Do disposto no artigo 50 do Código Civil, podemos deduzir que a desconsideração é uma medida a ser aplicada apenas excepcionalmente, já que a regra é a manutenção da autonomia patrimonial, não devendo ser esta sacrificada, sem a prova cabal do desvio no uso da pessoa jurídica.

3.3.6. A desconsideração no processo do trabalho

Tendo em vista que o presente trabalho dedicará um capítulo ao estudo da aplicação da teoria da desconsideração na execução trabalhista, faremos, no momento, apenas, uma breve consideração acerca do assunto.

A disregard foi introduzida na seara trabalhista através do art. 2°, § 2°, da CLT, de cuja interpretação se tem assegurada, a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica do empregador que não cumpriu com suas obrigações para com seu empregado.

Para tanto, a CLT, em seu art. 2°, considera como empregador, "a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços."

Assim, demonstrada a insolvência do patrimônio da pessoa jurídica e verificando-se a solvibilidade de seu controlador ou sócio, pela aplicação da Teoria Menor, transfere-se para estes, a responsabilidade pela quitação da dívida assumida por aquela, pela aplicação do art. 2°, § 2°, da CLT.


4 A APLICAÇÃO DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA NA EXECUÇÃO TRABALHISTA

4.1 Considerações gerais

Conforme dispõem os artigos 876 a 892 da CLT, serão executadas as decisões trabalhistas passadas em julgado, ou das quais não tenha havido recurso com efeito suspensivo, os acordos descumpridos, os termos de conciliação firmados perante o Ministério Público do Trabalho e os termos de conciliação firmados perante as Comissões de Conciliação Prévia.

Nos termos do art. 880 da CLT, uma vez requerida a execução, será expedido mandado de citação do executado, por determinação judicial, a ser cumprido por oficial de justiça, para que cumpra a decisão ou acordo

Caso o devedor não seja encontrado por duas vezes, no prazo de 48 horas, se procederá à citação por meio de edital, nos termos do art. 880, § 3º, da CLT, que reza: "§ 3º Se o executado, procurado por duas vezes no espaço de 48 (quarenta e oito) horas, não for encontrado, far-se-á a citação por edital, publicado no jornal oficial ou, na falta deste, afixado na sede da Junta ou Juízo, durante 5 (cinco) dias."

Havendo a citação válida, o executado deverá cumprir a obrigação determinada na sentença ou no acordo ou, garantir a execução, no prazo de 48 horas, sob pena de penhora de seus bens, quando se aplicará o disposto no art. 883 da CLT que reza literalmente: "Não pagando o executado, nem garantindo a execução, seguir-se-á penhora dos bens, tantos quantos bastem ao pagamento da importância da condenação [...]."

Constatada a insolvência do patrimônio do devedor/empregador, sendo este pessoa jurídica, é permitido ao magistrado desconsiderar sua autonomia patrimonial, alcançando o patrimônio de seu controlador ou sócio que responderá com seu patrimônio, pela dívida trabalhista adquirida pela pessoa jurídica.

A aplicação da desconsideração da personalidade jurídica na execução trabalhista é, sem sombra de dúvidas, uma realidade, conquanto seja motivo de controvérsia, tanto na jurisprudência, quanto na doutrina.

4.2 Adoção da Teoria Menor da desconsideração

A aplicação da Teoria Maior da desconsideração condiciona o afastamento da personalidade jurídica a seu uso de forma abusiva ou fraudulenta.

Para a aplicação da Teoria Menor, diferentemente da anterior, é suficiente apenas, que se verifique a inadimplência da pessoa jurídica e que fique demonstrada a insolvência do seu patrimônio.

Em virtude da menor complexidade para sua aplicação, mormente por atender ao princípio de proteção ao trabalhador, parte hipossuficiente nas relações de trabalho e considerando-se a urgência em se dar solução aos conflitos na seara laboral, em face da natureza alimentar dos créditos trabalhistas, tem sido empregada no processo do trabalho, a Teoria Menor da desconsideração.

Dessa forma, demonstrada a insolvência do patrimônio da pessoa jurídica e verificando-se a solvibilidade de seu controlador ou sócio, pela aplicação da Teoria Menor, transfere-se para estes, a responsabilidade pela quitação da dívida assumida por aquela, pela aplicação do art. 2°, § 2°, da CLT [01], de cuja interpretação se tem assegurada, a possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica do empregador que não cumpriu com suas obrigações para com seu empregado.

Este fato gerou não pouca controvérsia entre os operadores do direito, pois há um grupo que entende que não se pode deixar de levar em conta o disposto no art. 50 do CC [02], ou o que reza o art. 28, caput, do CDC [03], por exemplo, como pressupostos para a aplicação da disregard.

Ao se manifestar acerca do tema, Nahas se expressou nos seguintes termos:

Entendemos que a Consolidação das Leis do Trabalho não tratou do tema, e, em nenhum momento, previu o legislador trabalhista hipótese de desconsideração da personalidade jurídica, a qual sempre foi aplicada na esfera trabalhista fundamentada, em entendimento equivocado sobre a norma jurídica. (NAHAS, 2007, p. 99).

Sobre o teor do art. 2°, § 2° da CLT, como autorizador da aplicação da disregard no processo do trabalho, Simonetti assim se pronunciou:

[...] não se concorda com a utilização do art. 2° § 2° da CLT como forma de desconsiderar a personalidade jurídica. O citado artigo somente dispõe que haverá desconsideração da personalidade jurídica no caso de várias sociedades que estejam sob direção, controle ou administração umas das outras e tiverem convergência de interesse, para fins de relação de emprego. Essa desconsideração tem sua importância ao evitar que se burlem os direitos dos empregados de cada uma dessa sociedades, que serão solidariamente responsáveis e não terão autonomia para os fins do dispositivo, como se um só grupo econômico fossem. (SIMONETTI, 2005, <http://jus.com.br/revista/texto/7772/da-aplicacao-da-desconsideracao-da-personalidade-juridica-no-direito-do-trabalho>)

Ao dar sua opinião sobre o mesmo assunto, Souza se expressou na forma abaixo transcrita:

[...] percebe-se que o Código Civil, através de seu artigo 50 preconizou a limitação imposta pela Teoria Maior da doutrina.

Parece-nos que a Justiça do Trabalho deverá fazer uma análise mais profunda a respeito da matéria, pois o artigo em comento fala em abuso, desvio de finalidade, confusão patrimonial, para autorizar que se retire o véu da sociedade, enquanto na especializada o que ocorre é uma aplicação simplista, pois além de aplicar a desconsideração nos casos previstos pelo dispositivo legal, aplica-se também, a desconsideração quando comprova-se a não existência de bens da empresa no todo ou em parte, suficientes para satisfazer o crédito reclamado, sem perquirir se está presente um dos elementos previstos no artigo 50 da Código Civil.

A aplicação da Teoria Menor é bastante cômoda para a sociedade e para a justiça do Trabalho, pois soluciona o problema, o conflito de interesses, sem maiores complicações, porém, a relação trabalhista é formada por dois lados – empregado e empregador – e muitas vezes o sócio da empresa que age de boa fé é condenado a pagar indenização sem ter como fazê-lo, em detrimento de sua própria sobrevivência, não tendo contribuído para aquela situação. (SOUZA, 2008, <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=2522>)

Souza (2008), diferentemente de Nahas (2007) e Simonetti (2005), reconhece o lado positivo da aplicação da Teoria Menor na execução trabalhista, sem deixar de demonstrar sua preocupação com a parte hipersuficiente na relação laboral, tendo em vista que a causa de sua inadimplência, nem sempre, é proveniente de atos baseados na má fé.

4.3 Da possibilidade da penhora dos bens dos sócios

Sem dúvida, o Direito do Trabalho tem como objetivo basilar proteger a parte mais frágil nas relações laborais (empregado), em detrimento da parte mais forte (empregador), a fim de diminuir, de forma significativa, a diferença entre ambas, em busca de um equilíbrio efetivo nesse tipo de relação, trazendo à luz o princípio da proteção.

Contudo, há uma avivada controvérsia com relação à aplicação da desconsideração quando, no processo de execução trabalhista, se esgota a possibilidade de localização de bens para penhora em nome da pessoa jurídica inadimplente e a penhora recai sobre os bens do sócio.

A seguir, iremos nos reportar a três correntes que surgiram dessa divergência de opiniões, as quais foram analisadas por Paula (2006).

4.3.1 Da efetividade do crédito trabalhista

Corrente defendida por Nelson Mannrich [04], citado por Paula (2006), firma-se, principalmente, no princípio da proteção ao trabalhador e, com base nesta assertiva, entende que a desconsideração da personalidade jurídica é sempre aplicável ao direito do trabalho, em vista de sua característica protecionista no que respeita ao trabalhador (hipossuficiente), ante a natureza alimentar da verba trabalhista e pelo fato de que o risco da atividade econômica ser, única e exclusivamente, do empregador.

Seu propósito é a efetiva prestação jurisdicional, que se concretiza, apenas, com o recebimento, pelo trabalhador, do crédito trabalhista que se constitui no objeto da sentença, ou acordo.

Assim, o princípio da proteção tutelar, in dúbio pro operarium, é aplicado literalmente, bem como, a responsabilidade objetiva, para determinação da desconsideração, sendo irrelevante, a prática de fraude ou uso indevido da pessoa jurídica, bastando para tanto, a comprovada inexistência de bens em nome da pessoa jurídica (empregadora), diante da proteção privilegiada do crédito alimentar.

O aresto a seguir transcrito confirma a aplicação da disregard, com base nesta corrente:

103000134922 – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA – EXECUÇÃO – CITAÇÃO – ALEGAÇÃO DE NULIDADE PROCESSUAL – APLICAÇÃO DA TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DO DEVEDOR – 1- Não procede a alegada nulidade da citação, visto que a Corte de origem consignou que esta ocorreu validamente, tanto que a executada indicou bens à penhora, rejeitados pela exequente, sendo certo que não foram encontrados outros bens da pessoa jurídica, razão por que a execução voltou-se contra o patrimônio pessoal dos sócios. 2- A aplicação da teoria da despersonalização advém do descumprimento das obrigações decorrentes do contrato de trabalho e da falta de bens suficientes da empresa executada para satisfação das obrigações trabalhistas. Correta a constrição dos bens da ora agravante, considerando sua condição de sócia da executada durante a relação de emprego da autora, bem como a inexistência de patrimônio da empresa executada capaz de garantir a execução, conforme salientado na decisão proferida pelo Tribunal Regional. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TST – AIRR 2628/2000-076-02-40.0 – Rel. Min. Lelio Bentes Corrêa – DJe 27.08.2010 – p. 664)

4.3.2 Penhora dos bens dos sócios como exceção

A segunda corrente segue o curso de que a desconsideração da personalidade jurídica deve ser a exceção, não a regra geral, devendo ser aplicada nos moldes do art. 50 do CC, c/c o art. 28, caput, do CDC.

Seguindo esta linha, a insolvência da pessoa jurídica não é requisito determinante para a aplicação da disregard, impondo-se a comprovação de seu mau uso, ausência de dissolução legal ou fraude na administração da empresa. Assim, não demonstrada a má fé, prevalece a autonomia patrimonial da pessoa jurídica.

O doutrinador Amador Paes de Almeida, também citado por Paula (2006) é defensor desta corrente e esclarece que a Justiça deve admitir a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade na forma a seguir transcrita:

quando os administradores utilizam a pessoa jurídica, aparentemente na forma da lei, com desvio de sua exata função: 1) uso abusivo da sociedade; 2) fraude, como artifício para prejudicar terceiros, levados a efeito ‘dentro de presumida legalidade’; 3) confusão patrimonial; 4) insuficiência do capital para o exercício de sua atividade empresarial.

Neste caso, é aplicada a teoria da responsabilidade subjetiva ou Teoria Maior da desconsideração, pois é necessária a caracterização do dolo ou culpa, por parte dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.

Desse modo, segundo Paula (2006), o magistrado poderá, excepcionalmente, aplicar a desconsideração da personalidade jurídica, fazendo-o com prudência, após a análise criteriosa do caso em concreto, evitando, dessa forma, a prática de atos de injustiça.

A decisão que transcrevemos a seguir traduz tal entendimento:

119000003856 JNCCB.50 JCDC.28 JCLT.765 JCLT.769 JCPC.592 JCPC.592.II JCPC.596 JCLT.8 – TEORIA DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – APLICAÇÃO NA EXECUÇÃO TRABALHISTA – Comprovadamente esgotada a possibilidade de execução em desfavor da empresa executada, deve ser adotada a Teoria da Desconsideração da Personalidade Jurídica, nos termos dos artigos 50, CCB, art. 28, CDC, art. 592, II e 596, CPC c/c art. 8º, 765 e 769, CLT. Agravo provido. (TRT 08ª R. – AP 0085900-23.2008.5.08.0001 – Relª Desª Fed. Maria De Nazaré Medeiros Rocha – Dje 22.03.2010 – p. 13)

4.3.3 Impossibilidade da penhora de bens dos sócios

A terceira posição defende a questão da impossibilidade da aplicação da desconsideração, firmando-se no fato de que os sócios não sofreram qualquer condenação, por não haverem figurado no pólo passivo da reclamação trabalhista, com base no art. 472 do CPC que reza, em sua 1ª parte: "A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando a terceiros."

De acordo com Paula (2006), os demais defensores desta corrente se baseiam no disposto no art. 596 do CPC que reza: "Os bens particulares dos sócios não respondem pelas dívidas da sociedade, senão nos casos previstos em lei; sócio, demandado pelo pagamento da dívida, tem direito de exigir que sejam primeiro executados os bens da sociedade."

Acrescenta, o mesmo autor, que tais defensores entendem que não há previsão legal no referido dispositivo, para a aplicação da disregard no processo de execução trabalhista, aplicando-se, portanto, o que dispõe o art. 5°, II, da CF/88 que diz: "Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei."

Paula (2006) ensina que aqueles que apoiam esta linha justificam sua posição sob o argumento de que a distinção entre o patrimônio da pessoa jurídica e dos sócios é indispensável para a segurança de quem pretende montar uma empresa, sem correr o risco de perder todo o seu patrimônio, caso o negócio não seja bem sucedido.

Contudo, o entendimento do TRT da 3ª Região foi divergente desta posição, conforme decisão prolatada em caso concreto, no qual os sócios haviam sido excluídos da lide na fase de conhecimento, em atendimento a pedido feito pelo reclamante, não figurando, portanto, no título judicial.

Entendeu o colegiado que isto não significa que o reclamante tenha renunciado ao seu direito de pedir, na fase de execução, a desconsideração da personalidade jurídica da empresa e, muito menos, o reconhecimento da ilegitimidade dos sócios para fazerem parte do processo. Transcrevemos a ementa do caso em comento:

Processo: 01256-2004-010-03-00-7 AP. Data de Publicação: 29/01/2010.

Órgão Julgador: Primeira Turma.

Juiz Relator : Des. Maria Laura Franco Lima de Faria

Juiz Revisor : Juiz Convocado Cleber Lucio de Almeida

AGRAVANTE: HÉLIA BRACARENSE FERNANDES

GRAVADOS: 1) LUIZ ALVES PEREIRA; 2) O PONTO DO TREILLER E OUTROS; 3) GILSON RODRIGUES FERNANDES

EMENTA: AGRAVO DE PETIÇÃO. TÍTULO EXECUTIVO FORMADO CONTRA A SOCIEDADE EXECUTADA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXECUÇÃO. CONTRA SÓCIOS E EX-SÓCIOS DA. POSSIBILIDADE. Diversamente do que sustenta a agravante, nada impede que a execução se volte, como de fato de voltou, contra todos os sócios da empresa devedora principal, ainda que não tenham participado da fase de conhecimento e, por isso, não figurem no título judicial. A desistência manifestada pelo empregado na primeira audiência, relativamente à inclusão imediata dos sócios no pólo passivo da reclamação trabalhista, além de se mostrar compatível com o princípio da celeridade processual, não implica renúncia à aplicação, na execução, da teoria da desconsideração da personalidade jurídica da empresa.

4.4 O alcance do patrimônio de ex-sócio pela aplicação da desconsideração

Tem sido muito utilizada pela jurisprudência, na execução trabalhista, a possibilidade de o patrimônio do ex-sócio ser alcançado, em virtude da desconsideração da personalidade jurídica da empresa.

Na falta de legislação trabalhista específica, buscou-se fundamentar a responsabilidade de ex-sócios na fase executória, nos artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho, que assim dispõem:

Art. 10. Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.

Art. 448. A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.

A lei de introdução às normas do direito brasileiro, em seu art. 6º, § 2º, declara, in verbis: "Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém que por ele possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo pré-fixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem."

O art. 5º, XXXVI da CF/88, reforça tal pensamento ao afirmar textualmente: "A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada."

Em outras palavras, o direito adquirido é aquele que passou a integrar o patrimônio da pessoa de forma definitiva, pelo preenchimento dos requisitos necessários para este fim, podendo ser exercido a qualquer momento.

Pela interpretação do art. 448 da CLT, não podem ser afetados, os contratos de trabalho dos empregados com uma determinada empresa, independente das mudanças que poderão vir a ocorrer na propriedade ou na estrutura da mesma. Ou seja, tal fato, não afeta a continuidade dos contratos de trabalho.

Com relação ao limite temporal para a responsabilização de ex-sócios, em face de omissão na legislação processual trabalhista sobre o assunto, tem-se aplicado, subsidiariamente, os artigos 1.003 e 1.032 do Código Civil, que rezam:

Art. 1.003. A cessão total ou parcial de quota, sem a correspondente modificação do contrato social com o consentimento dos demais sócios, não terá eficácia quanto a estes e à sociedade.

Parágrafo único. Até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, responde o cedente, perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio.

Art. 1.032. A retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus herdeiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade; nem nos dois primeiros casos, pelas posteriores e em igual prazo, enquanto não requerer a averbação.

(grifos nossos)

Não obstante as divergências doutrinárias e jurisprudenciais, a desconsideração da personalidade jurídica tem sido aplicada, com o escopo de alcançar o patrimônio de ex-sócios, cujo tempo de desligamento da sociedade tenha ocorrido até dois anos depois de averbada a modificação no contrato social, desde que o sócio retirante fizesse parte do quadro societário da empresa, à época em que já vigorava o contrato de trabalho com o obreiro.

Os arestos a seguir transcritos, confirmam tal aplicação:

114000027712 JNCCB.1003 JNCCB.1003.PUN JNCCB.1032 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – SÓCIO RETIRANTE – Os artigos 1.003, parágrafo único, e 1.032 do Código Civil limitam a responsabilidade do sócio retirante, em relação às obrigações sociais anteriormente assumidas, ao período máximo de dois anos após a averbação da alteração contratual. Portanto, mesmo tendo o ex-sócio se beneficiado dos serviços prestados pelo empregado, sua inclusão no pólo passivo da execução, em virtude da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, deve ocorrer no prazo máximo de dois anos após a sua saída da sociedade, em conformidade com os dispositivos legais citados. (TRT 03ª R. – AP 451/2006-094-03-00.5 – Rel. Des. Marcelo Lamego Pertence – DJe 01.07.2010 – p. 142)

129000007107 JNCCB.1003 JNCCB.1032 – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA – RESPONSABILIDADE DE EX-SÓCIO – ARTIGOS 1.003 E 1.032 DO CÓDIGO CIVIL – A teor do disposto nos artigos acima mencionados, o sócio retirante permanece, pelo prazo de dois anos, responsável pelo pagamento das dívidas contraídas pela sociedade da qual participou. Logo, o fato de o agravante já não compor o quadro societário da empresa executada não impede que ele venha a responder pelos créditos devidos ao exequente, uma vez que foi beneficiário dos serviços prestados, tendo o direito sido reivindicado dentro do prazo legal. Recurso a que se nega provimento. (TRT 18ª R. – AP 0122900-38.2009.5.18.0003 – 2ª T. – Rel. Des. Breno Medeiros – DJe 26.07.2010 – p. 13)

114000029948 JNCCB.1003 JNCCB.1032 JNCCB.1003.PUN – EXECUÇÃO – FRAUDE – DESPERSONALIZAÇÃO DA PESSOA JURÍDICA – CONSTRIÇÃO DE BEM DE EX-SÓCIO POSSIBILIDADE – APLICAÇÃO DO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1003 E 1032 DO CÓDIGO CIVIL – A lei permite a desconsideração da personalidade jurídica da empresa para que a execução se volte diretamente contra os reais beneficiários e verdadeiros responsáveis pelas dívidas contraídas em nome da sociedade, podendo tal medida alcançar o lapso temporal de até dois anos após eventual retirada dos sócios do quadro societário da empresa, valendo frisar que a respectiva responsabilização é sempre possível quando, ao tempo em que o reclamante era empregado da empresa, ele ainda integrava a sociedade. É o que se pode extrair do disposto no parágrafo único do 1003 do CC, o qual dispõe que, até dois anos após a averbação da modificação contratual na empresa, responde o sócio cedente solidariamente com o cessionário perante a sociedade e terceiros, pelas obrigações que tinha como sócio. Contexto este em que não se descarta a possibilidade de se responsabilizar um ex-sócio pelas dívidas trabalhistas contraídas pela sociedade da qual fez parte, máxime quando se verifica que existe uma relação de contemporaneidade entre a participação do sócio na empresa e a duração do contrato de trabalho do obreiro. Este é, também, o entendimento que se extrai do disposto no art. 1032 do Código Civil, o qual prevê que "a retirada, exclusão ou morte do sócio, não o exime, ou a seus terceiros, da responsabilidade pelas obrigações sociais anteriores, até dois anos após averbada a resolução da sociedade". (TRT 03ª R. – AP 2360/2009-092-03-00.4 – Rel. Juiz Conv. Vitor Salino de M. Eca – DJe 19.07.2010 – p. 102)

A responsabilização de ex-sócios, por eventuais débitos trabalhistas da empresa, deve ter, portanto, uma limitação temporal de dois anos após sua retirada da sociedade, a fim de que tal situação não se perpetue, o que poderia trazer insegurança no mundo dos negócios, pois o objetivo da aplicação da disregard, não é desestimular o uso da pessoa jurídica, mas, preservá-la e protegê-la, pelos benefícios que traz à coletividade, por se constituir em um dos principais meios de incentivo ao desenvolvimento de atividades econômicas produtivas.


5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pessoa jurídica foi criada com o objetivo de incentivar o desenvolvimento de atividades econômicas produtivas e, ao mesmo tempo, limitar os riscos de prejuízo para aqueles que investissem nessas atividades, uma vez que o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o de seus membros.

O mau uso da pessoa jurídica, no entanto, levou à criação do instituto denominado desconsideração da personalidade jurídica,

Podemos dizer que, com a aplicação da disregard doctrine, a personalidade jurídica passou a ser considerada como um direito relativo que dá, ao órgão judicante, a possibilidade de tornar sem efeito, ainda que temporariamente, a rígida separação entre o patrimônio da sociedade e o de seus membros, permitindo-lhe decidir de forma a coibir a prática do abuso de direito e condenando as fraudes perpetradas contra terceiros, utilizando-se, para isso, da penhora de bens particulares dos sócios.

Em outras palavras, através da aplicação desta teoria, é permitido ao magistrado, desconsiderar a autonomia do patrimônio da pessoa jurídica, quando esta é utilizada de forma abusiva e/ou fraudulenta, alcançando o patrimônio de seus componentes, para fins de quitação de dívidas adquiridas em nome do empreendimento.

Não é seu objetivo, contudo, retirar a personalidade jurídica, mas apenas afastá-la, em situações específicas, de forma transitória, a fim de lançar sobre os sócios ou controladores, a responsabilidade que originalmente cabe à pessoa jurídica.

Desse modo, deixa de ser absoluto, o direito do sócio, de divisar seus bens como algo inatingível, o que servirá de freio para práticas danosas à coletividade.

A desconsideração da personalidade jurídica se constitui, pois, em um instituto de alta relevância no mundo jurídico e a sua vasta utilização em nosso direito tem gerado elevado número de controvérsias, quanto à melhor interpretação cabível para sua aplicação, tanto nos tribunais, como entre os operadores do direito de modo geral, o que leva à necessidade de uma sistematização que melhor indique o caminho a ser seguido para seu uso.

Tal necessidade é mais premente na seara trabalhista, tendo em vista a multiplicidade de normas que regem o processo de execução nesse âmbito e em virtude da urgência de uma solução para as lides laborais, já que o crédito em execução na Justiça do Trabalho tem natureza alimentar, se constituindo, na maioria das vezes, em fonte única de renda para a sobrevivência do trabalhador, parte hipossuficiente nas relações de trabalho.

A desconsideração da personalidade jurídica aplicada ao processo do trabalho tem, pois, por escopo, garantir os créditos trabalhistas do hipossuficiente em face da constatação da insuficiência do patrimônio societário, tendo em vista a condição privilegiada de tal crédito, em virtude sua natureza alimentar, não sendo possível deixá-lo a descoberto.

Entendemos, entretanto, que a sua aplicabilidade deve ser feita com critério, após a análise acurada de cada caso, a fim de se evitar atos de injustiça.


REFERÊNCIAS

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Notas

§ 2° Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.

  1. CLT, art. 2° Considera-se empregador a empresa individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação de serviços.
  2. CC, art.50. Em caso de abuso de personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica.
  3. CDC, art. 28. O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração.
  4. Nelson Mannrich, Professor de Direito do Trabalho da USP e Mackenzie, sócio do Escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich & Aidar Advogados e Consultores Legais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Maria do Rozário. A desconsideração da personalidade jurídica aplicada ao processo do trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2875, 16 maio 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19118. Acesso em: 28 mar. 2024.