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Da definição acerca do piso salarial dos técnicos em radiologia após a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 151

Da definição acerca do piso salarial dos técnicos em radiologia após a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 151

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Muito tem se discutido sobre o verdadeiro piso salarial para a categoria dos técnicos em radiologia. Tal discussão se deve especificamente por duas questões:

a) O artigo 16 da Lei 7.394/85 – que regula o exercício desta profissão – determina o seguinte:

"Art. 16 - O salário mínimo dos profissionais, que executam as técnicas definidas no Art. 1º desta Lei, será equivalente a 2 (dois) salários mínimos profissionais da região, incidindo sobre esses vencimentos 40% (quarenta por cento) de risco de vida e insalubridade."

b) O inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal veda a vinculação do salário mínimo, nos seguintes termos:

"Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

(...)

IV - salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;"

A divergência existente entre as disposições normativas acima expostas, ao longo de décadas vem gerando questionamentos jurídicos por parte dos empresários que contratam esta categoria profissional, em especial após a edição da Lei Complementar n. 103/2000, que autorizou os Estados a instituírem piso salarial regional, senão vejamos:

Art. 1º Os Estados e o Distrito Federal ficam autorizados a instituir, mediante lei de iniciativa do Poder Executivo, o piso salarial de que trata o inciso V do artigo 7º da Constituição Federal para os empregados que não tenham piso salarial definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho. 

Com a possibilidade de criação pelos Estados de um piso salarial por categoria, os técnicos em radiologia vem sendo enquadrados em categoria diferenciada, com piso estadual superior ao salário mínimo nacional.

Neste contexto, uma interpretação fria do artigo 16 da Lei 7.394/85 nos leva à conclusão de que o piso salarial estadual da categoria dos técnicos em radiologia é atingido pela multiplicação por dois do piso salarial especificado na respectiva Lei Estadual ("2 (dois) salários mínimos profissionais da região"). E sobre este valor deve incidir, ainda, o adicional de 40% de risco de vida e insalubridade.

Para exemplificar a interpretação ora apresentada, cita-se o caso recente do Estado do Rio de Janeiro, onde existe piso salarial estadual. Neste Estado, fora editada a Lei 5.950/2011, que determinou o seguinte:

"Art. 1ºNo Estado do Rio de Janeiro, o piso salarial dos empregados, integrantes das categorias profissionais abaixo enunciadas, que não o tenham definido em lei federal, convenção ou acordo coletivo de trabalho, será de:

(...)

VII - R$ 860,14 (oitocentos e sessenta reais e quatorze centavos) - Para trabalhadores de serviço de contabilidade de nível técnico; técnicos em enfermagem; trabalhadores de nível técnico devidamente registrados nos conselhos de suas áreas; técnicos de transações imobiliárias; técnicos em secretariado; técnicos em farmácia; técnicos em radiologia; técnicos em laboratório; e técnicos em higiene dental;"

Em virtude da publicação da mencionada Lei, as empresas que possuem técnicos em radiologia em seu quadro funcional foram surpreendidas com um Ofício do Sindicato dos Técnicos e Auxiliares em Radiologia do Estado do Rio de Janeiro que, em síntese, informava que:

"(...) Com o advento da Lei nº 5950, de 13 d abril de 2011, no Estado do Rio de Janeiro um salário mínimo regional do Técnico em Radiologia é de R$ 860,10 , que passa a vigorar a partir do dia 1º de abril de 2011, nos termos da citada lei grupo VII.

(...)

Lei 7.394/85 em seu artigo 16 define: ‘O salário mínimo dos profissionais que executam as técnicas definidas no art. 1º desta lei, será equivalente a dois salários mínimos profissionais da região....

(...)

Em termos práticos teremos:

O salário mínimo regional item VII............ = R$ 860,14

O Salário mínimo Profissional..................... = R$ 1.720,28

Salário +40% insalubridade ........................ = R$ 2.408,39"

Ressalte-se que tal remuneração supera em quase 50% o piso salarial para os profissionais de nível superior no Estado do Rio de Janeiro – com carga horária semanal de 44 horas - que, pela mencionada Lei 5.950/2011, é de R$ 1.630,99 (um mil, seiscentos e trinta reais e noventa e nove centavos).

Ocorre que, vislumbrando a discussão e buscando a solução definitiva para a multiplicidade de interpretações sobre o tema, a Confederação Nacional da Saúde, Hospitais, Estabelecimentos e Serviços – CNS, ajuizou no Supremo Tribunal Federal a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental - ADPF 151 - contra o artigo 16 da Lei 7.394/85, sob o argumento de que a expressão "salários mínimos profissionais da região" equivale à figura do salário mínimo que, nos termos do inciso IV do artigo 7º da Constituição Federal, tem sua vinculação vedada para qualquer fim.

A mencionada ADPF traz como fundamento, ainda, a Súmula Vinculante 04 do próprio Supremo Tribunal Federal, que assim dispõe:

"Salvo nos casos previstos na Constituição, o salário mínimo não pode ser usado como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor público ou de empregado, nem ser substituído por decisão judicial."

Após manifestação da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, da Presidência da República e do Ministério Público Federal, que opinou pela concessão da medida liminar no sentido de suspender a aplicação do artigo 16 da Lei 7.394/85 até julgamento final da ação, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, decidiu em 02 de fevereiro de 2011, em síntese, o seguinte:

"(...)

O art. 16 da Lei 7.394/1985 deve ser declarado ilegítimo, por não recepção, mas os critérios estabelecidos pela referida lei devem continuar sendo aplicados, até que sobrevenha norma que fixe nova base de cálculo, seja lei federal, editada pelo Congresso Nacional, sejam convenções ou acordos coletivos de trabalho, ou, ainda, lei estadual, editada conforme delegação prevista na Lei Complementar 103/2000.

(...)"

Após a decisão sintetizada acima, a Federação dos Hospitais e Estabelecimentos de Saúde do Estado do Rio de Janeiro – FEHERJ, por seu o Departamento Jurídico, encaminhou aos estabelecimentos por ela representados a "Circular Jurídico n° 01/2011", onde resta elucidado que:

"O entendimento da Federação é no sentido de que, com a entrada em vigor da Lei Estadual n° 5.950/11, o piso estadual fixado para o técnico em radiologia substituiu integralmente a base de cálculo da Lei 7.394/85, em conformidade com a decisão do STF na ADPF n° 151.

Portanto, o salário do técnico em radiologia, quando não houver convenção ou acordo coletivo, deve ser calculado da seguinte forma: piso estadual de R$ 860,14 com o acréscimo de 40% de insalubridade, ou seja, R$ 1.204,20 (hum mil duzentos e quatro reais e vinte centavos)."

Este entendimento, embasado na decisão de nossa Suprema Corte, é aplicável não só ao Estado do Rio de Janeiro como também aos demais Estados brasileiros, em especial àqueles que possuem piso salarial estadual definido nos termos da Lei Complementar 103/2000, inicialmente mencionada (São Paulo – Lei 14.394/2011, Paraná – Lei 16.807/2011, Rio Grande do Sul – Lei 13.715/2011 e Santa Catarina – Lei Complementar 533/2011).

Concordamos com a argumentação de que a categoria dos técnicos em radiologia possui suas especificidades, principalmente diante de seu ambiente profissional - sujeito a condições diferenciadas de exposição a agentes insalubres – radiação ionizante, devendo, portanto, ser devidamente protegida por nosso ordenamento jurídico.

Há de se salientar, contudo, que o piso salarial dos técnicos em radiologia está vinculado a uma carga horária semanal de 24 horas, nos termos do artigo 14 da Lei 7.394/85. Aliado a tal fato tem-se que, atualmente, o avanço tecnológico tem diminuído em grande escala a exposição destes profissionais à carga de radiação a que são expostos, sem contar com a imposição de inúmeras medidas de controle e restrição a que são submetidas, pelos órgãos de fiscalização, as empresas que operam equipamentos radiológicos.

Verificamos, pois, ser uma incongruência interpretativa não só a vinculação do piso salarial ao salário mínimo (nacional ou regional), seja pelo desrespeito à determinação constitucional de vedação à vinculação ao salário mínimo, seja pelo fato de já possuir, esta categoria profissional, direito a um "adicional" em grau máximo - 40% - a incidir sobre seus vencimentos, para lhe garantir uma "compensação" financeira pelo risco de vida e pela insalubridade a que está submetida.

O julgamento final da ADPF 151 deverá dissolver as dúvidas ainda existentes sobre a questão, sendo certo que, questões políticas à parte, deverão prevalecer as regras constitucionais impostas ao tema, bem como as reais circunstâncias que envolvem, na atualidade, as atividades profissionais da categoria dos técnicos em radiologia.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAMPIER FILHO, José Carlos. Da definição acerca do piso salarial dos técnicos em radiologia após a liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 151. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2969, 18 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19795. Acesso em: 28 mar. 2024.