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Cláusulas contratuais gerais: limitação e exclusão da responsabilidade em Portugal

Cláusulas contratuais gerais: limitação e exclusão da responsabilidade em Portugal

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O aparecimento das cláusulas contratuais gerais está conectado ao surgimento do contrato de adesão e às contratações em massa, como mitigação do princípio da liberdade contratual.

Sumário: Introdução: o surgimento das cláusulas contratuais gerais - massificação das relações contratuais. 1. Das cláusulas contratuais gerais; 1.1 Conceito; 1.2 Características. 2. Princípio da liberdade contratual; 2.1 Os três aspectos da liberdade contratual; 2.1.1 Liberdade de contratar; 2.1.2 Liberdade de conformar o conteúdo do contrato. 3. Regime em Portugal. 4. Limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas; 4.1 Alínea a) do art. 18º do DL n. 446/85; 4.2 Alínea b) do art. 18º do DL n. 446/85; 4.3 Alínea c) do art. 18º do DL n. 446/85; 4.4 Alínea d) do art. 18º do DL n. 446/85. 5. Considerações finais. Referências.


Introdução: o surgimento das cláusulas contratuais gerais - massificação das relações contratuais

No presente paper serão feitas brevíssimas considerações sobre o surgimento – no aspecto histórico – das cláusulas contratuais gerais. A posteriori cumpre se fazer uma análise do seu surgimento como mitigação do princípio da liberdade contratual. Também serão examinadas algumas questões gerais, como o conceito das CCG e as suas características para, finalmente, analisar-se o conteúdo das alíneas a), b), c) e d) do art. 18º do DL n. 446/85, que trata da limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas. Este é o propósito deste estudo.

O aparecimento das cláusulas contratuais gerais está conectado ao surgimento do contrato de adesão e às contratações em massa, [01] que possuem como causa as transformações políticas, sociais e econômicas ocorridas no princípio e em meados do século 19. Nessa época, a evolução da tecnologia e dos meios de produção sucedidas na Europa, com a denominada Revolução Industrial, incidiram diretamente na modificação das formas clássicas de contratação, que passaram por uma adaptação às recentes condições do mercado capitalista. [02]

O crescimento da produção industrial ocasionou a uma maior circulação de mercadorias, intensificando o consumo e a necessidade de meios financeiros para sustentá-la. Tais modificações atingiram o contrato na sua substância, levando com que deixasse de constituir um acordo de vontades baseado em discussão precedente. [03]

Entretanto, antes de explicar-se todo esse processo, cumpre se dar um passo atrás na História. Da concepção de liberdade e igualdade podem-se retirar duas das bases fundamentais do processo da Revolução Francesa e, do seu fruto necessário, o Código Napoleônico. Em tal época, o estudo dos contratos era dominado pela percepção do liberalismo puro, trazidas pelos ideais da Revolução de 1789, que, em resumo, tinham como sustentáculo o juízo de que todos os contraentes eram iguais. O contrato era tido como instrumento de circulação de bens e mercadorias, traduzindo-se em um legítimo e adequado mecanismo para que a burguesia, em ascenso, possuísse à sua disposição um meio legítimo para conseguir da aristocracia, em declínio, a tradição do bem jurídico de maior importância para aquele sistema, que era o real imobiliário. [04]

Sob influência dos ideais liberais, entre os séculos XVIII e XIX, foram construídos os princípios da liberdade contratual, da força obrigatória dos contratos e do seu efeito relativo, oriundos do contexto político-filosófico existente na altura, que consagrava a autonomia da vontade. [05] Com a massificação dos contratos, pelo menos um destes três princípios – ou às vezes todos – estavam ausentes, configurando a celebração de um contrato firmado sem liberdade contratual (material), em que pese a possibilidade de se aderir, de modo incondicional, à proposta alheia. [06]

A Revolução Industrial, o investimento em eficazes técnicas publicitárias de vendas, a fabricação em série e o consumo em massa são fatores que tornaram inviável a formação dos contratos paritários. [07]/ [08] A realidade social da época passou a reivindicar um novo paradigma contratual. Já não se observavam, frequentemente, partes firmando contratos gré à gré. Cada vez mais as empresas passaram a estabelecer condições a serem utilizadas numa quantidade indeterminada de operações de venda de bens e produtos e, a posteriori, de prestação de serviços. [09]

Tal fenômeno não passou despercebido pela ciência jurídica. Logo no início do século passado, Saleilles, em seu clássico De la déclaration de volonté [10] ofertou o batismo doutrinário, sob a denominação de contratos de adesão. Em relação à mesma situação, outros autores preferiram ressaltar, ao invés dos limites de negociação a que um dos contratantes está sujeito, o conteúdo repetitório dos contratos, utilizando designações como "contratos-tipo" [11], "contratos pré-redigidos", "contratos padronizados" e "contratos standard". A incidência da mesma ideia sobre um alvo diverso – em vez do resultado alcançado, as cláusulas a partir das quais os contratos são formados – concebeu a expressão, de origem alemã, "cláusulas contratuais gerais" (allgemeine Geschäftsbedingungen - AGB) [12], introduzida por Ludwig Raiser em 1935, e, posteriormente aplicada na designação da lei germânica (AGB-Gesetz, de 1976). [13]

Como Calvão da Silva [14] afirma, a repetição em massa de certas operações [15] justifica a prática da normalização e formalização, ou padronização dos contratos. Quando determinadas operações, efetuadas continuamente por número indeterminado de pessoas jurídicas e humanas, necessidades de celeridade e segurança na contratação, simplificação e racionalização dos custos levaram os proponentes [16] a elaborarem impressos ou formulários com um conjunto de cláusulas que a outra parte terá possibilidade de discutir, tendo em vista o desequilíbrio das forças e a falta de igualdade em conhecimentos, formação e informação entre as partes. [17] Dito de outra maneira é um contrato do tipo "pegar ou largar". [18] Finalizar ou não o contrato é a "liberdade" que sobra ao aderente. [19] Trata-se de uma verdadeira mitigação do princípio da autonomia privada ou da autonomia da vondade. [20]


1. Das cláusulas contratuais gerais

1.1 Conceito

De acordo com o art. 1º, n.1 do Decreto-Lei n. 446 de 1985, as cláusulas contratuais gerais são aquelas "elaboradas sem prévia negociação individual, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar". O n. 2 do mesmo dispositivo estabelece que o diploma aplicar-se-á também "às cláusulas inseridas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pode influenciar". [21]

Ferreira de Almeida conceitua as CCG como "proposições destinadas à inserção numa multiplicidade de contratos, na totalidade dos quais se prevê a participação como contraente da entidade que, para esse efeito, as pré-elaborou ou adoptou". [22]

1.2 Características

Almeida Costa e Menezes Cordeiro apontam como características das cláusulas contratuais gerais a pré-elaboração, a indeterminação e a rigidez. [23] Ferreira de Almeida, entretanto, afirma ser mais preciso atribuir-lhes tão-somente as características da generalidade e da predisposição unilateral. [24]

Afirma o autor que a predisposição unilateral envolve a ideia de pré-elaboração, mas remata-se com outras duas ideias: a iniciativa da elaboração ou da adoção das cláusulas elaboradas por terceiros é unilateral, porque é prerrogativa de apenas uma das partes, sem negociação prévia com a outra, e é programada relativamente à intenção de inserir essas cláusulas em futuros contratos. A generalidade, em sua opinião, é justificável como forma de apartar a ideia de que o instituto requer indeterminação do número e da identidade dos possíveis contraentes. [25]

Menezes Leitão considera como características da CCG a pré-elaboração, a generalidade e a rigidez. Afirma o jurista que deparar-se-á com uma situação destas quando uma das partes contraentes elabora a sua declaração negocial anteriormente ao início das negociações (pré-elaboração), que é aplicável genericamente a todos os seus contraentes (generalidade), sem conceder aos mesmos uma possibilidade alternativa que não seja a rejeição ou aceitação, sendo-lhes, portanto, obstada a possibilidade de debater ou questionar o conteúdo do contrato (rigidez). [26]


2. Princípio da liberdade contratual

Como Almeida Costa refere, o direito dos contratos possui quatro grandes princípios: o do consensualismo, o da boa-fé, do da força vinculativa e, finalmente, o da liberdade contratual. [27]

2.1 Os três aspectos da liberdade contratual

Ainda de acordo com Almeida Costa, o princípio da liberdade contratual comporta analiticamente três aspectos: liberdade de celebração; liberdade de escolha do tipo contratual; e a liberdade de estipulação. Esses dois últimos vetores da liberdade de contratar interpenetram-se e fundem-se na denominada liberdade de fixação do conteúdo, "com o alcance de que as partes são livres na configuração interna dos contratos que realizam". [28]/ [29]

2.1.1 Liberdade de contratar

De acordo este sentido do princípio da liberdade contratual, as pessoas são, via de regra, inteiramente livres para contratar ou não contratar (liberdade de celebração). Nas palavras de Menezes Leitão as partes são "livres de celebrar ou não o contrato, podendo recusar arbitrariamente qualquer proposta contratual, por muito vantajosa que ela seja, ou por muita necessidade que a outra parte tenha em relação à celebração do negócio". [30]

2.1.2 Liberdade de conformar o conteúdo do contrato

Também existe, via de regra, liberdade de modelação do conteúdo contratual. Este outro vetor do princípio da liberdade de contratar denota que pertence aos contraentes, não apenas a escolha do tipo do negócio mais adequado à satisfação dos seus interesses, mas ainda completá-lo com o conteúdo concreto que achem por bem. Assim, é possível que escolham um contrato típico ou nominado, atípico ou inominado ou ainda misto (quando sejam reunidas em um único contrato as características de dois ou mais contratos típicos). [31] Portanto, pode-se dizer que as cláusulas contratuais gerais surgem como uma forma de limitação dessa liberdade de conformar o conteúdo do contrato.


3. Regime em Portugal

Em Portugal, o Decreto-Lei n. 446 de 1985 foi editado para regular as cláusulas contratuais gerais. Tal diploma definiu o princípio da boa-fé [32] como critério basilar ou princípio geral de controle, para a validade ou não das cláusulas contratuais gerais, no art. 15º da LCCG. É esta máxima que norteia a análise das cláusulas, para determinar se são abusivas ou válidas. Foram definidas duas listas com cláusulas abusivas, uma para relações entre empresários e entidades equiparadas e outra para relações com consumidores. Em cada uma delas existem cláusulas absolutas e relativamente proibidas. [33] Em 31 de Agosto de 1995 foi publicado o Decreto-Lei n. 220, que alterou o Decreto para integrar a Diretiva n. 13/93/CEE em Portugal, atinente às cláusulas abusivas nos contratos celebrados com os consumidores. [34] Em 1999, a lei portuguesa foi alvo de novas modificações. [35]

De acordo com António Pinto Monteiro, o Decreto-Lei n. 249/99, que alterou o Decreto 446/95, visou sanar "um diferendo com a Comissão Européia", já que no entendimento desta, o legislador português não teria transposto devidamente a diretiva n. 13/93, [36] que intenta abarcar todos os contratos de adesão (entre profissionais e consumidores), à medida que a legislação portuguesa, dispondo sobre as cláusulas contratuais gerais, só seria aplicável, aparentemente, aos contratos de adesão que tivessem por base cláusulas contratuais gerais. [37]/ [38]


4. Limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas.

Como já mencionado na introdução, o presente escrito limitar-se-á a analisar especificamente as alíneas a), b), c) e d) do art. 18º da LCCG. No que concerne às relações entre empresários ou entidades equiparadas, estabelecem-se, a título exemplificativo, determinadas proibições que se dividem em cláusulas absolutamente proibidas (art. 18º), [39] que não podem incluir-se, a nenhum pretexto, nos contratos celebrados por adesão; e cláusulas relativamente proibidas (art. 19º), como já foi mencionado anteriormente. [40] O legislador adotou o modelo germânico, enumerando uma série de cláusulas proibidas em termos absolutos e outro rol cuja proibição é relativa, "completando o sistema com a consagração de uma cláusula geral, assente na boa-fé". [41]

No primeiro tipo, as cláusulas são iníquas e consideradas nulas pela legislação, independentemente do quadro contratual em questão. [42] Na segunda hipótese, o juízo de censura decorrerá de valoração a ser efetuada pelo aplicador da lei, levando-se em consideração o conjunto de circunstâncias que usualmente envolvem o tipo de contrato em que a cláusula foi inserida. [43] Assim, as cláusulas absolutamente proibidas constituem uma lista negra e as relativamente proibidas, uma lista cinzenta.

Desta forma, apesar da epígrafe que as precede [44], as duas listas têm um âmbito de aplicação geral, de forma que se pode questionar se não seria melhor falar em cláusulas absolutamente e relativamente proibidas de caráter geral ou de aplicação geral (apesar de a terminologia parecer um pouco reduntante), para depois dar-se a tutela especial e mais elevada ao consumidor. Tal ideia não parece desarrazoada, já que relativamente aos consumidores, aplicam-se estas regras, mais as constantes do art. 21º e 22º do mesmo Diploma, uma vez que os consumidores são considerados partes ainda mais débeis. [45]

Cumpre agora analisar cada uma das possibilidades de limitação e exclusão da responsabilidade no âmbito do DL 246/85 em relação aos empresários e entidades equiparadas, relembrando que essas proibições também são aplicáveis aos consumidores acumulando-se com as situações previstas nos arts. 21º e 22º da LCCG. Relembra Menezes Leitão que a inserção de empresários e entidades equiparadas no âmbito de proteção [46] da LCCG se justifica na medida em que é bastante usual entre empresários e equiparados a utilização das CCG, sendo comum existir uma parte mais fraca.

Nas alíneas a), b), c) e d) do art. 18º são vedadas determinadas cláusulas de exclusão ou de limitação de responsabilidade. A alínea b) diz respeito à responsabilidade civil extracontratual. A alínea c) reporta-se à responsabilidade contratual. As alíneas c) e d) somente englobam previstas cláusulas de exclusão, na ocorrência de culpa grave ou dolo. [47]/ [48]

4.1Alínea a) do art. 18º do DL n. 446/85

O disposto na alínea a) do mencionado art. 18º da LCCG estabele que são absolutamente proibidas as ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas". [49]/ [50] É de se lembrar, mais uma vez que tanto as cláusulas que sejam apanhadas por essa alínea, como pela alínea b) deste diploma são terminantemente vedadas, "qualquer que seja o título de chamamento e o critério de imputação – subjectivo ou objectivo – da responsabilidade, e qualquer que seja, na primeira hipótese, o grau de culpa do lesante". [51] É imperioso ressaltar que tais direitos de personalidade são irrenunciáveis, pelo que a abdicação apriorística de possíveis danos que violem esses atributos inatos ao ser humano, será nula. [52]/ [53]

A Constituição da República Portuguesa nos n.os 1 dos arts. 24º e 25º consagra a inviolabilidade da vida humana e da integridade moral e física dos indivíduos. A priori, a supracitada alínea a) da LCCG não engloba todos os direitos de personalidade, mas nomeadamente o direito à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas. [54]/ [55]Afirma-se que esta tutela intensificada limita-se ao núcleo mais essencial do âmbito pessoal, restando apartados outros aspectos da personalidade, como os previstos nos art. 70º e ss. do CC. [56]

Afinando por esse diapasão, afirma Ana Prata [57] que a limitação ou exclusão convencional de responsabilidade por violação dos demais direitos de personalidade, designadamente os constantes nos artigos 70º a 80º do Código Civil só poderão ser abarcadas nesta proibição na medida em que a sua afetação configure uma afronta à integridade moral, o que, aliás, numa leitura de acordo com a ratio da norma, poderá muitas vezes ocorrer. O mesmo se aplica a outras lesões pessoais, mesmo quando não diretamente ocasionadas pela violação de direitos da personalidade. [58]

A proibição consagrada pode dizer respeito a danos patrimoniais ou não patrimoniais. Esta alínea trata de responsabilidade objetiva, apartando-se a perquirição da culpa. Quanto à extensão dos danos englobados na norma, especificamente o denominado "dano biológico", Calvão da Silva se pronuncia contra a tendência de certa corrente da doutrina e da jurisprudência italiana, no sentido de dilatação do conceito de dano patrimonial, conferindo "um "preço" a cada lesão da integridade humana". [59]

A doutrina também entende que essas cláusulas serão proibidas mesmo que tenham sido resultado de negociação entre as partes. Neste sentido se manifesta, Ana Prata, demonstrando que as cláusulas contratuais gerais surgem como uma limitação na liberdade de conformar o conteúdo do contrato. [60]

4.2Alínea b) do art. 18º do DL n. 446/85

A alínea b) do art. 18º do DL n. 446/85 determina que são absolutamente proibidas as ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais, causados na esfera da contraparte ou de terceiros". De pronto, pode-se dizer que tais disposições estão sujeitas ao mesmo regime de inderrogabilidade total que recai sobre a alínea anterior. Como alerta Sousa Ribeiro, ficam apartadas "do âmbito de previsão as situações de responsabilidade contratual (contempladas nas alíneas seguintes) e ainda, dentro da responsabilidade extracontual, os danos não patrimoniais". [61]

Uma ressalva deve ser feita em relação aos contratos negociados. Como alerta Pinto Monteiro, tal proibição radical, no caso de contratos discutidos, desde que não esteja em causa ofensa à ordem pública, dolo ou culpa grave, não deverá persistir. [62]

Entretanto, no caso dos contratos de adesão existe um défice da autonomia, onde se encontra a justificação para a referida proibição. Entendeu-se que sendo a limitação ou a exclusão dos danos patrimoniais extracontratuais da responsabilidade da iniciativa de terceiro, que não o provável lesado, tendo sido a vontade negocial deste puramente induzida, já não seria plausível a abertura. Como ressalta a doutrina, uma renúncia apriorística do direito ao ressarcimento de danos ocasionados por conduta delituosa só poderá existir através de uma manifestação de vontade inequívoca e esclarecida, o que a mera adesão a uma proposta contratual não assegura. [63]/ [64]

4.3Alínea c) do art. 18º do DL n. 446/85

A alínea c) do art. 18º do DL n. 446/85 determina que são absolutamente proibidas ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto [65], a responsabilidade por não cumprimento definitivo, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou de culpa grave". Como já mencionado, as alíneas c) e d) do art. 18º limitam o alcance da proibição de causas de exclusão ou limitação de responsabilidade aos casos de culpa grave ou dolo.

Note-se que, segundo Pinto Monteiro afirma, a priori, a cláusula exoneratória ou limitativa de responsabilidade por culpa leve não é proibida nos termos do art. 18º, mas pode vir a sê-lo, se atentar-se para as circunstâncias concretas, por aplicação do princípio geral da boa-fé, nos moldes do art. 15º e 16º da LCCG. [66]

A referida alínea corresponde ao art. 809º do CC português. [67] Entretanto, o art. 809º não estabelece explicitamente nenhuma restrição, pelo que pareceria aplicar-se também àqueles casos em que tenha apenas ocorrido culpa leve. No entendimento de Pinto Monteiro, há de se interpretar restritivamente a norma, a fim de se ter em conta a mens legislatoris. [68] É dizer que a cláusula de exclusão por culpa leve deve considerar-se fora do alcance da proibição encontrada neste artigo do CC. [69]/ [70]

Em sentido contrário se manifestam Pires de Lima e Antunes Varela, para quem incluir a irresponsabilidade por culpa leve contraria o texto expresso da lei (resultante da 2ª revisão ministerial). Assim, sustentam que a norma do CC proíbe a exclusão ou limitação convencional da responsabilidade, qualquer que seja o grau de culpa do devedor. [71]

Menezes Leitão considera válidas as cláusulas contratuais gerais que limitem a responsabilidade por culpa leve, todavia já vislumbra certos obstáculos às causas de exclusão de responsabilidade. Considera o autor que serão admissíveis relativamente à responsabilidade por atos dos auxiliares e representantes, levando-se em consideração o disposto no art. 800º, n. 2 do CC. Todavia, opina que existem impedimentos à sua aplicação à responsabilidade pessoal do devedor, tendo em vista que o art. 809º veda qualquer cláusula de exclusão direta da responsabilidade obrigacional nos contratos singulares. [72]

Ana Prata [73], aderindo à posição de Calvão da Silva [74], considera que são em absoluto proibidas as cláusulas que se refiram ao incumprimento em caso de culpa leve ou mera culpa, em virtude do disposto no art. 809º do CC, por entender que este proíbe todas as cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade, dada a ressalva das disposições legais que, em concreto, se mostrem mais convenientes ao aderente (art. 37º do DL 446/85 e art. 8º da Directiva 93/13/CEE).

Faz-se um alerta na doutrina que, muitas vezes, podemos nos deparar com cláusulas que, fixando um valor indenizatório ínfimo, pretendem modificar os termos da responsabilidade, sendo denominadas de "cláusulas de limitação de responsabilidade encapotadas sob a aparência de cláusulas penais". [75] Tal claúsula será nula, [76] se for manifestamente desproporcionada ao montante dos danos a ressarcir. [77]

Almeida Costa e Menezes Cordeiro alertam que o teor da alínea c), [78] não proíbe a estipulação de cláusulas penais, entretanto, ressaltam que as cláusulas penais devem "ser concebidas em termos de não excluírem a responsabilidade, nem tão-pouco a limitarem". [79]/ [80] Aliás, tal ideia se depreende do próprio art. 19º, alínea c) da LCCG. [81] É de se dizer que "não constitui cláusula penal a disposição contratual geral que fixa um quantum indenizatório simbólico ou quase simbólico, que constitua um modo, contrário aos fins da cláusula penal, de limitar de facto a responsabilidade do devedor". [82]

Não obstante não faça parte do foco do presente estudo, é importante tecer algumas considerações sobre a função da cláusula penal. Essa função, é dúplice: por um lado possui feição ressarcitória, uma vez que a pena convencional é previamente determinada pelas partes e, em caso de inadimplemento, o credor ficará dispensado de produzir provas em processo de liquidação, quanto aos eventuais prejuízos sofridos. Há uma pré-avaliação dos danos pela inexecução culposa; a outro giro, a cláusula penal possui, acidentalmente, caráter coercitivo, tendo em vista que a imposição de uma sanção de natureza punitiva constrangerá o devedor a adimplir o contrato, mitigando os riscos de incumprimento. [83]

Regressando às cláusulas penais irrisórias, Almeno de Sá também se reporta a caso similar, também do STJ de 02 de Julho de 1991, que trata sobre uma questão de transporte, afirmando que em virtude da insignificância da indenização, "está aqui em causa uma típica cláusula de limitação de responsabilidade". [84] Um outro exemplo de aplicação destá alínea é o célebre caso da designada "claúsula Kodak", onde a companhia de revelação de fotografias limitava a sua responsabilidade pela perda dos negativos à entrega de filmes virgens. [85]

Na doutrina brasileira, encontra-se o exemplo da incorporação imobiliária, cujo contrato é celebrado, via de regra, na modalidade de adesão, onde o incorporador, ao elaborar o contrato, determina cláusula penal no valor máximo, para o caso de incumprimento do comprador, e cláusula penal irrisória para o caso de entrega da obra. Tal situação faz com que a cláusula penal não consiga alcançar um dos seus objetivos, que é o de ressarcir as perdas e danos. [86]

4.4Alínea d) do art. 18º do DL n. 446/85

A alínea d) do art. 18º da LCCG estabele que são absolutamente proibidas as ccg que "excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por actos de representantes ou auxiliares, em caso de dolo ou de culpa grave".

Almeida Costa e Menezes Cordeiro afirmam que esta alínea introduziu uma exceção aos arts. 800º, n. 2 [87] e 809º [88] do Código Civil. Tal exceção, na ideia dos autores se justifica na medida em que a exclusão ou limitação de responsabilidade por atos de representantes legais ou auxiliares, de modo expresso autorizadas por estas disposições, configuraria um mecanismo de, na prática, contornar a vedação a cláusulas que excluam ou limitem a responsabilidade dos que deles se aproveitem. Ressaltam ainda que, atualmente, as entidades que se socorrem das cláusulas contratuais gerais são, via de regra, pessoas coletivas que atuam por meio de representantes e auxiliares, "cuja responsabilização exclusiva esvaziaria, não raro, de conteúdo efetivo o ressarcimento dos danos". [89]

Afirma-se ainda na doutrina que na ocorrência de dolo ou culpa grave, não serão admitidas cláusulas que eliminem ou limitem da responsabilidade por atos de auxiliares ou representantes, mesmos que estes atuem com autonomia relativamente ao devedor e independentemente de configurarem ou não afronta a deveres impostos por normas de ordem pública. [90]


5. Considerações finais.

Com isso, em linhas gerais, que é inegável que existiu e ainda existe uma influência da economia no desenvolvimento e na interpretação do direito contratual. O surgimento e a expansão do capitalismo provocaram sérias alterações com efeitos no papel do contrato no âmbito econômico. O aumento do processo produtivo, com acesso cada vez mais ampliado da população às relações de consumo, a globalização do mercado são fatores que influenciaram no modo que o contrato se encontra hoje e, consequentemente, no surgimento das cláusulas contratuais gerais. Isto tudo para dizer que, em certas searas, direito e economia – além de direito e história, para apeceber-se melhor os fenômenos – andam juntos.

A necessidade de redução de custos nas empresas, a uniformização de procedimentos, a necessidade de fornedimento de mercadorias e serviços em grande escala, a necessidade de redução de riscos das companhias com suas relações com outras empresas e com consumidores, a inviabilidade de tratativas entre o grande fornecedor e aqueles que precisam dos bens e serviços são alguns dos inúmeros motivos que justificam o uso das cláusulas contratuais gerais, que se traduzem em uma verdadeira mitigação da liberdade contratual e do princípio da autonomia da vontade. Com fundamento nessa mitigação, a outro giro, surgiram as cláusulas totalmente e relativamente proibidas, com o intuito de proteger a parte mais fracas nessas relações que se limita, a aderir às cláusulas impostas pela outra parte.

A tônica do presente estudo se deu em quatro alíneas de uma das "listas negras" da Lei de Cláusulas Contratuais Gerais portuguesa, nomeadamente a vedação à limitação e exclusão de responsabilidade no âmbito das cláusulas contratuais gerais entre empresários e entidades equiparadas. Note-se, entretanto, que essa "lista" tem um âmbito de aplicação geralizado, de forma que se pode questionar se não seria melhor falar em cláusulas absolutamente e relativamente proibidas de caráter geral ou de aplicação geral (apesar de a terminologia parecer um pouco reduntante), para depois falar-se das cláusulas especiais dedicadas ao consumidor, como foi referido.

Nas alíneas a), b), c) e d) do art. 18º são vedadas determinadas cláusulas de exclusão ou de limitação de responsabilidade. A alínea b) diz respeito à responsabilidade civil extracontratual. A alínea c) reporta-se à responsabilidade contratual. As alíneas c) e d) somente englobam previstas cláusulas de exclusão, na ocorrência de culpa grave ou dolo. Inúmeras questões e nuances puderam ser observadas na doutrina, como ficou explicitado no decorrer do estudo. Nas alíneas a) e b) apartam de pronto uma apreciação crítica. Em sua ocorrência, a cláusula é nula e não cabe espaço para discussão. Nas alíneas c) e d) há que se observar os requisitos apriorísticos de dolo ou culpa grave. Fala-se em pressupostos apriorísticos pois, na ocorrência de afronta ao princípio geral da boa-fé, tais casos serão apanhados pela proibição imposta pelo art. 15º.


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Notas

  1. Adverte, entretanto, Ewoud Hondius que existem sinais de que as cláusulas contratuais gerais de hoje seriam – em certa medida – as formulae compiladas pelos pontíficies romanos, nos módulos dos trabelliones medievais e nos usos dos negociantes do século XVII, que dispunham antecipadamente suas cláusulas padrões no âmbito dos seguros. Neste sentido, consultar HONDIUS, Ewoud H. "Il controllo sulle condizioni generali nel diritto olandese", em Le condizioni generali di contratto, vol. II/ Massimo Bianca (ed.). Milano: Giuffrè, pp. 401 – 421, 1981, p. 407.
  2. No mesmo sentido se manifesta MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais: contratos de adesão, cláusulas abusivas e o código civil de 2002. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 1.
  3. Cfr. MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 2.
  4. Cfr. NALIN, Paulo. Do contrato: conceito pós-moderno – em busca de sua formulação na perspectiva civil-constitucional. 2ª ed. Curitiba: Juruá, 2008, pp. 110-111.
  5. Deste modo, podiam as partes escolher o parceiro contratual, determinando o conteúdo do pacto que viessem a firmar (liberdade contratual); aquilo que haviam decidido passava a vinculá-las (força obrigatória dos contratos), não alcançando, entretanto, terceiros, estranhos ao negócio (efeito relativo do contrato). Em igual sentido, cfr. MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 3. Paulo Nalin assevera que "por liberdade contratual, na época clássica do contrato entendia-se a possibilidade de se contratar ou não, a escolha do outro contratante e, sobretudo, a eleição do conteúdo do contrato. Não havia exercício de liberdade contratual sem a concorrência dessas três características". NALIN, Paulo. Do contrato, cit., pp. 111-112.
  6. Cfr. NALIN, Paulo. Do contrato, cit., p. 112
  7. Como afirma Almeida Costa, "na imagem tradicional, o contrato traduz um acordo de vontades, que deriva de uma discussão entre negociadores igualmente livres. Ambas as partes intervêm, mais ou menos, na sua efectiva elaboração". COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações. 12ª ed. rev. e atual. Coimbra: Almedina, 2009, p. 243
  8. Sousa Ribeiro fala em "volatização da paridade", ao afirmar que "sujeito a aceitar um esquema contratual em cuja modelação não participou, o aderente vê bloqueado, na prática, o seu poder de conformação, sendo-lhe coarctada a possibilidade de afirmar, por via negocial, os seus desejos e interesses. Em contrapartida, o utilizador das ccg, afastando-o da fixação do conteúdo do contrato, elimina um contrapoder limitativo das suas pretensões, ficando com o caminho livre para estabelecer, sem oposição, condições favoráveis aos seus interesses, com o intuito de as inserir numa multiplicidade de contratos a celebrar. Com isso, volatiza-se a pressuposta paridade de posições contratuais das partes, condição do funcionamento adequado do mecanismo contratual e garantia da justiça do seu resultado". RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato – as cláusulas contratuais gerais e o princípio da liberdade contratual. Coimbra: Almedina, 2003, pp. 270-271.
  9. Cfr. MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 4.
  10. SALEILLES, Raymond. De la déclaration de volonté (1901). Whitefish: Kessinger Publishing, 2010.
  11. Apenas para ilustrar uma das muitas situações onde os contratos-tipo são utilizados, pode-se apontar para o direito marítimo: especificamente para a compra e venda de navios. Estima-se que cerca 80 a 90 % das vendas internacionais de navios mercantes de segunda mão sejam efetuadas por meio do "Norwergian Saleform" ou "Saleform", que é um contrato-tipo que foi desenvolvido pela Associação de Corretores Noruegueses de Navios (Norwegian Shipbroker’s Association) e mais tarde adotado e publicado pelo Conselho Marítimo do Báltico e Internacional (BIMCO – The Baltic and International Maritime Council). Cfr. CHAVES, Marianna. "Venda de Navios: Panorama Luso-Brasileiro e Internacional", em Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor. v. 31, Fev/Mar. Porto Alegre: Magister, p. 51-80, 2010, p. 64.
  12. Há quem traduza tal expressão como "condições negociais gerais". Há ainda quem utilize terminologias diversas, como "condições gerais dos contratos", "condições uniformes dos contratos" ou "predisposição de cláusulas uniformes". Entretanto, como alerta Almeida Costa, o termo mais corrente – condições – deve ser substituído por "cláusulas". Afirma o jurista que o primeiro termotem um preciso significado técnico, "que não corresponde à realidade jurídica considerada. Enquanto a palavra cláusula é rigorosa para designar dispositivos inseridos em contratos ou a isso designados. Também se prefere a expressão de cláusulas contratuais gerais à de cláusulas gerais dos contratos, a fim de afastar equívocos com as chamadas "cláusulas gerais", que constituem critérios valorativos carecidos de mediação concretizadora do intérprete". COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, cit., pp. 244-245.
  13. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I – Conceito. Fontes. Formação. 4ª ed. Coimbra: Almedina, pp. 175-176.
  14. Afirma ainda o jurista que "é preferível a terminologia contratos de adesão, porque mais abrangente: abarca o fenómeno das autênticas cláusulas gerais a utilizar sem discussão na generalidade dos contratos (volonté générale) e ainda as cláusulas redigidas previamente, sem negociação individual, inseridas em contratos individualizados, a que a contraparte (certa e determinada) só pode dar a sua adesão ou não contratar". SILVA, João Calvão da. Banca, bolsa e seguros – direito europeu e português, t. I, parte geral. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2007, pp. 161-162 e p. 164.
  15. Neste artigo ele refere-se especificamente a operações financeiras, mas tal raciocínio pode ser aplicado em outras relações contratuais.
  16. Ou ainda terceiros, como associações.
  17. Sobre a questão, afirma acórdão do STJ que "II - O DL 445/86, de 25 de Outubro, veio, seguindo basicamente a legislação alemã, dar um mínimo de protecção à parte que não tem o "lawmaking power", que pode ser uma empresa, mas será sobretudo o consumidor individual, em boa medida indefeso, perante o poder económico da outra parte, para não se falar da influência arrasadora da publicidade e do estado de necessidade do comprador da sua ferramenta de trabalho". (STJ, Proc. 97B838, Rel. Nascimento Costa, j. 04/12/1997).
  18. Neste sentido, Pais de Vasconcelos afirma que "na contratação padronizada, a parte proponente ou oferente impõe aos seus clientes estipulações pré-constituídas e sem possibilidade de negociação pela outra parte; não negoceia: impõe à contraparte estas cláusulas. Esta, ou as aceita ou não. Mas, se não as aceita, o negócio não é concluído". VASCONCELOS, Pedro Pais de. Teoria geral do direito civil. 5ª ed. Coimbra: Almedina, 2008, p. 559.
  19. Seguindo esta linha de raciocínio, Sousa Ribeiro assevera que o desenho das cláusulas contratuais gerais "e das suas implicações põe em destaque os desvios ao modelo do contrato como instrumento da autodeterminação individual, enunciando, simultaneamente, os três pontos de vista normalmente presentes no debate sobre as ccg e, designadamente, sobre o fundamento do controlo do seu conteúdo: a conformação unilateral pelo utilizador, a falta de autodeterminação do aderente e a disparidade de poder negocial". RIBEIRO, Joaquim de Sousa. O problema do contrato, cit., p. 271
  20. Neste sentido, leciona Menezes Leitão que em determinados contratos, uma das partes possui maior poderio econômico e um superior domínio da informação do que a outra. Em tal situação, a parte mais débil pode ver-se coagida, em virtude de fragilidade de informação ou debilidade negocial, a aceitar celebrar contratos em circunstâncias que normalmente não o faria. Daí que o sistema jurídico tenha abandonado o paradigma de proteção absoluta da autonomia privada para instituir, em certas situações, uma tutela da parte mais fraca, o que se traduz em aceitar limitações pontuais à liberdade contratual. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, vol I: Introdução. Da constituição das obrigações. 9ª. ed. Coimbra: Almedina, 2010, p. 26.
  21. O n. 2 deste artigo foi introduzido pelo Decreto-Lei n. 249/99, de 7 de Julho, com o objetivo de completar o ato de transposição da Diretiva n. 93/13/CEE, começado pelo DL n. 220/95, de 31 de Agosto, uma vez que, como está disposto no preâmbulo daquele "a protecção conferida aos consumidores pela Directiva n. 93/13/CEE abrange quer os contratos que incorporam cláusulas contratuais gerais, quer os contratos dirigidos a pessoa ou consumidor determinado, mas em cujo conteúdo, previamente elaborado, aquele não pode influir". Equivale ao art. 3º, n. 1 e 2, par. 1º, da Diretiva. Neste sentido, consultar BARROS, José Manuel Araújo de. Cláusulas contratuais gerais: DL Nº 446/85 – anotado. Coimbra: Wolters Kluwer/ Coimbra Editora, 2010, p. 17.
  22. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I, cit., p. 181.
  23. Segundo os autores, as CCG: "a) são pré-elaboradas, existindo disponíveis antes de surgir a declaração de quem as perfilha; b) apresentam-se rígidas, independentemente de obterem ou não a adesão das partes, sem possibilidade de alterações; c) podem ser utilizadas por pessoas indeterminadas, quer como proponentes, quer como destinatários". COSTA, Mário Júlio de Almeida; CORDEIRO, António Menezes. Cláusulas contratuais gerais – anotação ao Decreto-Lei n. 446/85, de 25 de Outubro. Coimbra: Almedina, 1986, p. 2.
  24. ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I, cit., p. 180.
  25. Complementa o jurista que "fazendo apelo ao elemento teleológico, a "indeterminação" a que refere o texto português deve ser interpretada de modo a bastar-se com a "multiplicidade" (Vielzahl, no § 305, n. 1, do BGB) dos contraentes potenciais e a sua indiferenciação no que respeita ao recorte e à negociação prévia do clausulado contratual. Ora, este significado exprime-se melhor com a palavra "generalidade", menos marcada e mais neutra do que "indeterminação". ALMEIDA, Carlos Ferreira de. Contratos I, cit., pp. 180-181.
  26. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, cit., p. 33.
  27. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, cit., p. 228.
  28. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, cit., p. 230.
  29. No mesmo sentido, cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, cit., p. 24.
  30. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, cit., p. 24.
  31. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, cit., pp. 240-241.
  32. Sobre a boa-fé, afirma-se na doutrina que "compreende a boa-fé objetiva um modelo ético social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizada por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção, de modo a não se frustrar a legítima confiança da outra parte. (...) Note-se que a boa-fé sempre será concretizada em consonância com os dados fáticos que se revelarem na situação jurídica. A eficácia da boa-fé em cada contexto deverá variar conforme a maior ou menor igualdade das partes, ao contexto espacial e temporal, enfim, a intensidade da aplicação do princípio será aferida nas circunstâncias, conforme a ´ética da situação´". FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações. 4ª ed. 2ª tir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, pp. 132 e 135.
  33. De acordo com Sousa Ribeiro, "este processo misto de normação, inaugurado pela correspondente lei alemã (a AGB – Gesetz, de 1976), visa recolher em si as vantagens dos dois distintos modos de legislar, combinando harmonicamente a ductilidade e a adequação próprias de uma cláusula geral com a certeza e a segurança garantidas por previsões de contornos mais precisos". RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos: estudos. Coimbra: Coimbra Editora, 2007, p. 102.
  34. Afirma Almeida Costa que "a Directiva possui âmbito que excede o das cláusulas contratuais gerais, pois abrange todas as cláusulas abusivas inclusive as relacionadas com contratos individuais, embora, por outro lado, repete-se, tutele apenas os consumidores nas suas relações com os empresários ou entidades equiparadas". COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, cit., p. 260.
  35. Cfr. MELO, Diogo L. Machado de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 98.
  36. Segundo Antunes Varela, o preâmbulo do DL 249/99 expressamente assevera que a alteração trazida pelo DL 220/95 "não se mostrou conforme as disposições da Directiva comunitária n. 98/13/CEE, porquanto manteve o seu campo de aplicação material limitado às cláusulas contratuais gerais destinadas a serem utilizadas por sujeitos indeterminados e não excluiu do âmbito das acções inibitórias a aplicação da regra da prevalência do sentido mais favorável ao consumidor". VARELA, João de Matos. Das obrigações em geral, vol. I. 10ª ed., 7ª reimp. (2000). Coimbra: Almedina, 2010, pp. 263-264.
  37. MONTEIRO, António Pinto. "Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: problemas e soluções", em Revista Trimestral de Direito Civil. Ano 2, vol. 7, Jul/Set. Rio de Janeiro: Padma, pp. 3-32, 2001, pp. 25-26. Em sentido contrário, se manifesta Almeida Costa, para quem não houve a mencionada omissão do legislador português no ato da transposição da Diretiva. COSTA, Mário Júlio de Almeida. Direito das obrigações, cit., p. 261.
  38. De acordo com o jurista, "esse alargamento do âmbito de aplicação da lei, como já disse, veio a ser feito na Alemanha por lei de 19 de Julho de 1996, que introduziu alterações à AGB-Gesetz, de 9 de Dezembro de 1976. No que a este ponto diz respeito, a alteração consistiu na consagração de uma nova norma — o § 24 a — para os contratos com consumidores (Verbraucherverträge), preceituando-se, entre outras coisas, a aplicação dos §§ 5,6 e 8 a 12 também a cláusulas pré-formuladas para uma única utilização, ou seja, a contratos de adesão em que falte o requisito da generalidade. Já em Portugal, por sua vez, o problema permaneceu em aberto, apesar de o legislador ter pretendido transpor a directiva comunitária através do Decreto-Lei n.° 220/95, de 31 de Agosto, que introduziu modificações à lei portuguesa sobre cláusulas contratuais gerais: o Decreto-Lei n.° 446/85, de 25 de Outubro. E o problema continuou em aberto porque o legislador de 1995 foi omisso em relação a este ponto". Então, a solução chegou em 1999. MONTEIRO, António Pinto. "O novo regime jurídico dos contratos de adesão / cláusulas contratuais gerais", em Revista da Ordem dos Advogados, Ano 62, vol. I, pp. 1-32, 2002. Disponível em: www.oa.pt . Acesso em: 02/07/2011.
  39. Cfr. BGB, § 308 Klauselverbote mit Wertungsmöglichkeit.
  40. Cfr. BGB, § 309 Klauselverbote ohne Wertungsmöglichkeit.
  41. MONTEIRO, António Pinto. "Contratos de adesão - O regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, instituído pelo D.L. n.º 446/85 de 25 de Outubro", em Revista da Ordem dos Advogados, Ano 46, Vol. III, Dez., pp. 733-769, 1986, p. 753.
  42. Cfr. LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, cit., p. 33.
  43. Cfr. BARROS, José Manuel Araújo de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 193.
  44. Relações entre empresários ou entidades equiparadas.
  45. No Brasil é comum encontrar-se a terminologia "hipossuficiente".
  46. No sentido de determinação de cláusulas proibidas.
  47. Cfr. BARROS, José Manuel Araújo de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 196.
  48. Almeida Costa e Menezes Cordeiro afirmam que "as proibições constantes das alíneas a), b), c) e d) atingem, na generalidade, as chamadas cláusulas de exclusão e limitação da responsabilidade. A doutrina discute, perante o direito comum (arts. 809º e segs. do Código Civil), sobre a admissibilidade e a extensão dessas cláusulas. Não competia ao legislador, de forma alguma, a propósito da disciplina do tráfico negocial de massas, intervir numa controvérsia que pertence à ciência do direito. Por isso, independentemente de saber se duplica, reforça, especifica ou contraria o regime geral, confinou-se a fixar as regras mais adequadas, em seu critério, para prevenir abusos através da utilização de cláusulas contratuais gerais". COSTA, Mário Júlio de Almeida; CORDEIRO, António Menezes. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 43.
  49. Neste sentido já se manifestou o Tribunal da Relação de Lisboa, numa disputa envolvendo uma produtora do programa "Big Brother", cujo contrato os concorrentes limitavam-se a aceitar ou não as cláusulas impostas pela proponente. "VIII- A cláusula 5.1. ao dispor que " a E.[…] Lda. e outras empresas que colaborem com a produção, realização e exploração do Programa, não serão responsáveis por qualquer perda, dano moral, físico, material ou qualquer outra lesão relacionados com o Concorrente ou terceiros, causados ou sofridos no âmbito da participação do concorrente no programa, excepto se imputáveis à E.[…] a título de dolo ou culpa grave", uma tal cláusula limita a responsabilidade civil extracontratual da proponente, por danos à vida, à integridade moral, física, à saúde, e danos patrimoniais extracontratuais, em flagrante contraste com o seu poder de direcção e de conformação da actividade dos contraentes-concorrentes, violando claramente o disposto no artigo 18.º, alíneas a) e b) do DL 446/85, cláusula que sempre seria nula, por contrária á lei, nos termos gerais do artigo 280.º do Código Civil". (RL, Proc. 2047/2006-7, Rel. Orlando Nascimento, j. 08/05/2007).
  50. De igual maneira se manifestou o Tribunal da Relação de Coimbra ao determinar que "3. Nos termos do art. 18.º, al. a) e b), do DL 446/85 de 25 de Outubro são absolutamente proibidas as cláusulas contratuais gerais que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto a responsabilidade por danos causados à vida, à integridade moral ou física ou à saúde das pessoas e a responsabilidade por danos patrimoniais extracontratuais causados na esfera da contraparte ou de terceiros". (RC, Proc. 52/00.3GAPNC.C2, Rel. Inácio Monteiro, j. 23/01/2008).
  51. Cfr. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos, cit., p. 111.
  52. Neste sentido, cfr. CATALAN, Marcos Jorge. Descumprimento contratual: modalidades, consequências e hipóteses do dever de indenizar. 1ª ed. (ano 2005), 6ª reimp. Curitiba: Juruá, 2010, p. 210.
  53. Como afirma Louis Joserrand, "una cláusula de no garantía sería ineficaz en la medida en que pretendiera asegurar la impunidad del deudor en materia de daños causados a la persona humana; nadie pued estipular que no responde por los atentados realizados contra la integridad de la persona humana, que está fuera del comercio, por encima de las transacciones privadas". JOSERRAND, Louis. Derecho civil, v. 1, t. 2: teoria general de las obligaciones/ Santiago Cunchillos y Manterola (trad.). Buenos Aires: Bosch, 1950, p. 505.
  54. Ana Prata afirma que, numa formulação coerente com a CRP (art. 64º) "e com os conhecimentos científicos adquiridos, autonomiza-se o direito à proteção da saúde daquele que tem por objeto a integridade física e moral, o que significa que ele compreende necessariamente a saúde mental". PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais: anotação ao Decreto-Lei n. 446/85, de 25 de Outubro. Coimbra: Almedina, 2010, p. 364. Sousa Ribeiro, afirma ainda que o direito à saúde contempla não somente a "integridade física em sentido lato, e portanto, não apenas a incolumidade corporal, em termos estritos, mas também a salubridade física e psíquica". RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos, cit., p. 112.
  55. Em relação ao direito ordinário, Pinto Monteiro afirma que em tais casos "haverá ofensa da ordem pública se a convenção exoneratória se reportar a danos que afectam a própria pessoa (na sua vida, saúde, integridade física ou moral, enfim, na sua personalidade). Não estando em causa interesses meramente privados, neste caso, não poderão admitir-se convenções de irresponsabilidade". MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil. Coimbra: Almedina, 2003, p. 409.
  56. Cfr. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos, cit., p. 112.
  57. PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, cit., p. 364.
  58. Neste sentido também parece se manifestar Pinto Monteiro ao asseverar que, por razões de ordem pública, deverão ser proibidas convenções de irresponsabilidade por danos pessoais, a fim de "proteger valores fundamentais ligados ao bem da incolumidade pessoal, zelando pelo respeito e segurança devidos à pessoa humana, contra atentados que, ainda que por simples incúria ou desleixo, haverá que evitar". Na opinião do jurista, aceitar convenções de exclusão de responsabilidade nesses termos acarretaria em um fomento de comportamentos negligentes, contrários aos objetivos e valores comunitariamente assumidos, como o de assegurar a segurança da pessoa humana, que deve ser a preocupação basilar de um "Estado de Direito Social". MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, cit., pp. 409-410.
  59. SILVA, João Calvão da. Compra e venda de coisas defeituosas (conformidade e segurança). Coimbra: Almedina, 2008, pp. 218-219.
  60. Cfr. PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, cit., p. 366.
  61. RIBEIRO, Joaquim de Sousa. Direito dos contratos, cit., p. 113. Na nota 20 da mesma página, complementa ainda o jurista que tal exclusão dos danos extrapatrimoniais deverá ter um alcance prático mínimo. Por um lado, danos desta espécie, de maior relevo, já estão contemplados na alínea anterior do artigo. A outro giro, "cláusulas que prevejam a exclusão ou limitação de responsabilidade sem distinguir entre danos patrimoniais e não patrimoniais – e será essa a formulação mais comum – ficarão sujeitas à nulidade total, sem possibilidade de reduzir o seu conteúdo exoneratório a esta última espécie de danos". Com posicionamento contrário, se manifesta PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, cit., p. 368.
  62. Cfr. MONTEIRO, António Pinto. "Contratos de adesão", cit., p. 759.
  63. Cfr. BARROS, José Manuel Araújo de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 200.
  64. A título de curiosidade, outra não parece ser a solução oferecida pelo ordenamento brasileiro. O Código Civil, em seu art. 424 estabelece que "nos contratos de adesão, são nulas as cláusulas que estipulem a renúncia antecipada do aderente a direito resultante da natureza do negócio".
  65. "IX - É proibida, nos termos do artigo 18, alíneas a) a d), do citado decreto-lei, a cláusula desse contrato em que a fornecedora de gás se propõe eximir-se da responsabilidade que, pela lei geral, lhe é atribuída em consequência de fornecimento do gás, por si ou concomitantemente com as respectivas instalações, sem olhar à culpa ou à ausência de culpa do lesado ou de terceiro". (STJ, Proc. 083348, Rel. Figueiredo de Sousa, j. 06/05/1993).
  66. Relembra o jurista que está foi a solução alemã. Cfr. MONTEIRO, António Pinto. "Contratos de adesão", cit., p. 757.
  67. Artigo 809.º
  68. (Renúncia do credor aos seus direitos)

    É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800.º

  69. Afirma que "a forma como o legislador procurou salvaguardar o sentido jurídico da obrigação de cláusulas que pudessem afectá-lo – concentrando numa só norma, em termos omnicompreensivos, repete-se, uma proibição tentacular, abrangendo, sem distinção, múltiplas situações -, terá resultado em prejuízo da sua intenção, justificando-se, consequentemente, uma restrição do âmbito literal do art. 809º, por forma a fazê-lo coincidir com a ratio que lhe subjaz. Será o caso (...) da cláusula de exclusão por culpa leve do devedor". MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, cit., p. 182. Consultar também MONTEIRO, António Pinto. Cláusula penal e indemnização. Coimbra: Almedina, 1990, p. 255. Aderindo à mesma corrente, no sentido de interpretar restritivamente a norma em questão, se manifesta PINTO, Carlos Alberto da Mota. Teoria geral do direito civil. Coimbra: Coimbra Editora, 1980, p. 595.
  70. MONTEIRO, António Pinto. Cláusulas limitativas e de exclusão da responsabilidade civil, cit., pp. 223.
  71. Neste sentido, decisão do STJ: "II - Não constitui renúncia ao direito de indemnização nem ofensa à ordem pública a cláusula de irresponsabilidade por simples culpa leva do devedor ou dos seus auxiliares, pelo que é válida". (STJ, Proc. 01A3321, Rel. Garcia Marques, j. 19/03/2002).
  72. PIRES DE LIMA; ANTUNES VARELA. Código civil anotado, vol. II. 4ª ed. Coimbra: Wolters Kluwer/ Coimbra Editora, 2010, p. 72.
  73. Acrescenta o autor que seria "uma absurda contradição valorativa se fossem permitidas, nas cláusulas contratuais gerais, disposições que são proibidas nos contratos singulares". Em resumo, entende que "qualquer cláusula de exclusão directa da responsabilidade pessoal do devedor, mesmo que baseada em culpa leve, continua a ser proibida". LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, cit., p. 39.
  74. PRATA, Ana. Contratos de adesão e cláusulas contratuais gerais, cit., p. 374.
  75. Cfr. SILVA, João Calvão da.Compra e venda de coisas defeituosas, cit., p. 137; SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990, p. 208, nota 3.
  76. BARROS, José Manuel Araújo de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 204.
  77. No Brasil, em caso de relação de consumo, tal cláusula penal irrisória será nula, de acordo com o disposto no art. 51, §1º, III e IV do Código de Defesa do Consumidor. Todavia, nas relações civis, a questão será solucionada por meio do abuso de direito, que fundamenta o dever de indenizar na responsabilidade civil extracontratual. Neste sentido, cfr. CASSETARI, Christiano. Multa contratual: teoria e prática. São Paulo: RT, 2009, p. 170.
  78. Neste sentido, cfr. Acórdão STJ 16/05/2000, Rel. Ferreira de Almeida, disponível em: www.dgsi.pt.
  79. Assim como das alíneas a), b) e d).
  80. COSTA, Mário Júlio de Almeida; CORDEIRO, António Menezes. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 43.
  81. "I - A cláusula penal pode ser entendida com fixação prévia de indemnização por incumprimento ou como compulsória do mesmo. II - Tendo havido resolução por incumprimento apenas os fins indemnizatórios podem ser desencadeados. III - Em caso de resolução, a cláusula penal indemnizatória visa satisfazer, quer o interesse positivo quer o negativo do contrato. IV - Num contrato de adesão a cláusula penal tem de estar limitada pelo princípio da proporcionalidade". (STJ, Proc. 99B715, Rel. Peixe Pelica, j. 24/11/1998).
  82. Que estabelece que são vedadas, "consoante o quadro negocial padronizado", as ccg que estabeleçam "cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir". Cfr. Neste sentido, Acórdão STJ, Proc. 02B1133, Rel. Sousa Inês, j. 02/05/2002. Também em outro aresto vê-se a aplicação deste dispositivo: "II - É igualmente nula, por consubstanciar uma cláusula penal desproporcionada na acepção da alínea c) do artigo 19.º do citado diploma, a cláusula contratual geral incluída nas mesmas apólices do seguinte teor: «Quando a redução ou resolução se operar por iniciativa do tomador de seguro, a seguradora poderá reter, para fazer face aos custos fixos, 50% do prémio correspondente ao tempo não decorrido, excepto se a resolução derivar da não aceitação das condições exigidas pela seguradora, face ao agravamento do risco, caso em que o tomador de seguro será reembolsado da totalidade do prémio correspondente ao período de tempo não decorrido.»
  83. Com efeito, a retenção de 50% do prémio apresenta-se na situação hipotizada manifestamente excessiva para fazer face a custos fixos da apólice, quando estes representam segundo a experiência comum uma pequena percentagem do prémio total, cuja parte mais substancial se destina à cobertura do risco de sinistro". (STJ, Proc. 04B1685, Rel. Lucas Coelho, j. 11/10/2005).

  84. Acórdão STJ 27/04/1999, Rel. Lopes Pinto, BMJ 486, 291.
  85. Cfr. FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das obrigações, cit., p. 529. Ainda sobre as funções da cláusula penal, afirmam Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona que "basicamente podemos atribuir duas finalidades essenciais à cláusula penal: função de pré-liquidação de danos e função intimidatória. A primeira decorre da sua própria estipulação: a pena convencional pretende indenizar previamente a parte prejudicada pelo inadimplemento obrigacional. A segunda função, não menos importante, atua muito mais no âmbito psicológico do devedor, influindo para que ele não deixe de solver o débito, no tempo e forma estipulados". GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil, vol. II: obrigações. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 357.
  86. SÁ, Almeno de. Cláusulas contratuais e directiva sobre cláusulas abusivas. 2ª ed. Coimbra: Almedina, 2005, p. 263.
  87. "Acção inibitória, proposta pelo Ministério Público, na Comarca de Oeiras, contra "AGFA - Gevaert, Lda" e contra "KODAK Portuguesa, Lda", na qual estava em causa a utilização de uma cláusula inscrita no verso dos sacos para transporte e identificação dos filmes, dispondo ela que, se as películas se extraviassem ou fossem estragados pela Kodak, ou por qualquer companhia subsidiária, a sua responsabilidade se limitava, exclusivamente, à substituição por igual metragem de película virgem. Na perspectiva do Ministério Público, a exclusão ou limitação da responsabilidade, operada pela cláusula citada, violava o disposto no artigo 18º, alínea c) [são absolutamente proibidas as cláusulas que excluam ou limitem, de modo directo ou indirecto, a responsabilidade por não cumprimento definito, mora ou cumprimento defeituoso, em caso de dolo ou culpa grave]. A acção foi julgada procedente e, em recurso, confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça por acórdão de 1999.04.27. Considerou este Tribunal que "o equilíbrio contratual, o princípio da protecção da confiança, o critério da proporcionalidade, a proibição de se convencionar a irresponsabilidade contratual do devedor e a proibição do abuso da posição dominante são princípios que não foram salvaguardados" na cláusula em causa, e, como tal, a tornam nula". Cfr. PINTO, José Fernando Ferreira. "O Ministério Público e a problemática das cláusulas abusivas". Disponível em: http://www.trp.pt/mp_outros/condicoesgeraiscontratos.html Acesso em: 03/07/2011. Também se reporta a este caso, LEITÃO, Luís Manuel Teles de Menezes. Direito das obrigações, cit., p. 42, nota 55.
  88. Cfr. CASSETARI, Christiano. Multa contratual, cit., p. 166. Veja-se também BRITO, Rodrigo Toscano de. Incorporação imobiliária à luz do CDC. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 297.
  89. Artigo 800.º
  90. 2. A responsabilidade pode ser convencionalmente excluída ou limitada, mediante acordo prévio dos interessados, desde que a exclusão ou limitação não compreenda actos que representem a violação de deveres impostos por normas de ordem pública.

  91. Artigo 809.º(Renúncia do credor aos seus direitos)
  92. É nula a cláusula pela qual o credor renuncia antecipadamente a qualquer dos direitos que lhe são facultados nas divisões anteriores nos casos de não cumprimento ou mora do devedor, salvo o disposto no n.º 2 do artigo 800.º

  93. COSTA, Mário Júlio de Almeida; CORDEIRO, António Menezes. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 43.
  94. Neste sentido se manifesta BARROS, José Manuel Araújo de. Cláusulas contratuais gerais, cit., p. 213.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHAVES, Marianna. Cláusulas contratuais gerais: limitação e exclusão da responsabilidade em Portugal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 16, n. 2980, 29 ago. 2011. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/19872. Acesso em: 28 mar. 2024.