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Protesto de certidão de dívida ativa

Protesto de certidão de dívida ativa

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A certidão de dívida ativa é um título extrajudicial líquido, certo e exigível. Enquadra-se perfeitamente na expressão “outros documentos de dívida” que consta no art. 1º da Lei 9.492/97, o qual elenca os títulos que são passíveis de protesto.

Sumário: 1-Introdução. 2- A Certidão de Dívida Ativa: Título executivo extrajudicial. 3- Finalidade do procedimento para o protesto. 4- A Certidão de Dívida Ativa é passível de protesto extrajudicial? 5- Considerações Finais. 6- Referências Bibliográficas.


1. INTRODUÇÃO

Segundo recente estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA, denominado “Custo e tempo do processo de execução fiscal promovido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PFGN)[1]", a probabilidade de se obter a recuperação integral de um crédito cobrado por meio de execução fiscal é de 25,8% (vinte e cinco vírgula oito por cento) e o tempo médio total de tramitação do processo é de aproximadamente 10 (dez) anos.

Percebe-se, assim, que a ação de execução fiscal é um processo que, proporcionalmente, demanda alto custo material e de tempo.

A busca de instrumentos alternativos para a cobrança de créditos públicos é medida que se impõe.

Nesse contexto, o presente artigo científico tem por objetivo proceder a uma análise da polêmica que gira em torno da questão do protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa – CDA, como forma alternativa de recuperação do crédito público.

Buscar-se-á trazer os argumentos relacionados ao assunto, sob o enfoque doutrinário, jurisprudencial e da legislação.

Para o presente estudo, serão utilizadas as pesquisas teórico-bibliográficas e documentais, com método dedutivo, partindo-se de uma perspectiva macro para uma concepção específica acerca do tema.

Trata-se de tema com grande importância teórico-científica e prática, uma vez que contribui com a discussão acerca da possibilidade do protesto extrajudicial da dívida ativa da Fazenda Pública, demonstrando de forma objetiva os benefícios que são alcançados com o protesto da CDA, com aumento da eficiência e celeridade na recuperação do crédito público.


2. A CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA: TÍTULO EXECUTIVO EXTRAJUDICIAL

Constitui dívida ativa da Fazenda Pública todo crédito vencido, portanto exigível, e não liquidado. Pode ter natureza tributária ou não-tributária.

Um débito de imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU, vencido e não pago, constitui dívida ativa do município respectivo. Da mesma forma, uma multa aplicada pela fiscalização do trabalho a uma empresa que descumpriu determinada norma da CLT é dívida ativa da União.

Encontramos a definição legal de dívida ativa da Fazenda Pública no art. 2º da Lei de Execução Fiscal - LEF, cujo teor é o seguinte:

Lei nº 6.830/80. Art. 2º. Constitui Dívida Ativa da Fazenda Pública aquela definida como tributária ou não-tributária na Lei 4.320, de 17 de março de 1964, com as alterações posteriores, que estatui normas gerais de direito financeiro para elaboração e controle dos orçamentos e balanços da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal

§1º Qualquer valor, cuja cobrança seja atribuída por lei às entidades de que trata o art. 1º, será considerado Dívida Ativa da Fazenda Pública”.

No tocante aos créditos de natureza tributária, tal norma é complementada pelo art. 201 do Código Tributário Nacional – CTN[2].

É de se destacar que:

Os créditos incertos e ilíquidos não integram a dívida ativa, suscetível de cobrança executivo-fiscal. É que o conceito de dívida ativa não-tributária, a que se refere a LEF, envolve apenas os créditos assentados em título executivos. Há créditos carentes de certeza e liquidez necessárias ao aparelhamento de execução. Crédito proveniente de responsabilidade civil não reconhecida pelo suposto responsável não integra a chamada dívida ativa, nem autoriza execução fiscal. O Estado, em tal caso, deve exercer contra o suposto responsável civil, ação condenatória, em que poderá obter o título executivo (STJ-1ª Turma, REsp 440.540-SC, rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 6.11.03, negaram provimento, v.u., DJU 1.12.03, p. 262) (NEGRÃO, Theotonio, 2004, p. 1372).  

Os créditos da Fazenda Pública vencidos e não liquidados são inscritos em dívida ativa.

O procedimento de inscrição se constitui no ato de controle administrativo da certeza e liquidez do crédito e é efetuado pelo órgão a que a lei confere tal atribuição. Tratando-se de créditos da UNIÃO, por exemplo, compete à Procuradoria da Fazenda Nacional tal múnus.

No momento da inscrição, a autoridade responsável confere, dentre outras coisas, se o crédito foi regularmente constituído e se não está fulminado pela prescrição.

Ultrapassada esta análise, a inscrição do crédito gera o denominado Termo de Inscrição, no qual devem constar a origem, a natureza e o fundamento legal ou contratual da dívida, o nome e endereço do devedor e de eventuais co-responsáveis, o valor originário do débito e a forma de calcular os consectários legais (correção monetária, juros de mora, multas, etc.), a data e o número da inscrição no Registro de Dívida Ativa e o número do processo administrativo, ou do auto de infração, relativo à dívida.  

Com base no Termo de Inscrição em dívida ativa é expedida a certidão de dívida ativa – CDA, que deve conter os mesmos elementos do Termo de Inscrição e ser autenticada pela autoridade competente.

A CDA é o título executivo extrajudicial[3] que embasará a cobrança administrativa ou judicial do crédito fazendário, enquanto que o Termo de Inscrição é o registro administrativo do crédito. Como consequência, se uma CDA for nula por conter alguma irregularidade formal, inexistente no Termo de Inscrição, bastará expedir-se nova CDA com base no respectivo Termo de Inscrição.

O prof. Alexandre Freitas Câmara (2004, p. 189) nos ensina que o Código de Processo Civil de 1973 equiparou em eficácia os títulos executivos judiciais e extrajudiciais, o que significa dizer que tanto estes quanto aqueles permitem a instauração de cobrança forçada. Ao tempo do CPC de 1939, apenas os títulos judiciais permitiam a instauração de processo de execução – a chamada “ação executória” -, enquanto que os títulos extrajudiciais só permitiam a instauração de um processo misto, cognitivo e executivo, denominado de “ação executiva”.  

 A cobrança forçada da dívida ativa da Fazenda Pública ocorre, em regra, por meio de execução fiscal, que nada mais é do que um procedimento especial de execução por quantia certa contra devedor solvente ou insolvente[4].  

A execução fiscal, inicialmente disciplinada pelo CPC, atualmente é regida por diploma legal específico, a Lei nº 6.830/80, aplicando-se as disposições do CPC apenas subsidiariamente.

Não obstante a execução fiscal ser a forma mais usual de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, não é ela o único mecanismo passível de utilização para a recuperação dos créditos públicos.


3. FINALIDADE DO PROCEDIMENTO PARA O PROTESTO

O protesto é um ato formal praticado privativamente por tabelião de protesto de títulos[5], com observância rigorosa ao procedimento previsto em lei, destinado a fazer prova de descumprimento de obrigação certa e exigível.

A Lei 9.492/97, que regula o protesto extrajudicial, assim dispõe em seu art. 1º: “Protesto é ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigações originadas em títulos e outros documentos de dívida”.

Um título de crédito ou outro documento de dívida podem ser protestados por falta de pagamento, por falta de aceite ou de devolução e para fins falimentares.

Analisando o art. 1º supramencionado, percebe-se que o protesto propriamente dito tem como principal função provar a inadimplência e o descumprimento da obrigação por parte do devedor.

Outras funções do protesto são preservar o direito de regresso contra eventuais coobrigados pelo débito (protesto necessário) e viabilizar o pedido de falência do devedor (protesto especial). O novo Código Civil atribui-lhe, ainda, o poder de interromper a prescrição e de constituir em mora o devedor, conforme se depreende, respectivamente, dos seus art. 202, inciso III e art. 397, parágrafo único.

No entanto, precisamos ter em mente que a finalidade do ato de protesto é diversa da finalidade do procedimento levado a feito pelo tabelião desde a distribuição do título até a lavratura do protesto.

O encaminhamento de um título a protesto gera dois efeitos distintos: o apontamento do título, que é o seu lançamento no protocolo, com consequente intimação do devedor para pagar a dívida no prazo de três dias úteis; e o protesto propriamente dito, que é lavrado ao termino daquele prazo, se não satisfeita a obrigação.

Lavrar o protesto significa registrar no livro próprio a declaração de que o título apresentado não teve satisfeita, pelo devedor, a obrigação respectiva, ou que o protesto foi tirado para fins falimentares. Enquanto o ato do protesto tem como principal função provar a inadimplência do devedor, o procedimento para o protesto, no qual o protesto é apenas um dos resultados possíveis, tem como objetivo realizar o interesse do credor, que será receber a quantia devida, na hipótese de o título ter sido apresentado por falta de pagamento.

Destarte, é fácil perceber que, em regra, o principal objetivo de um portador que leva o seu título a protesto não é o protesto do título, mas o recebimento de seu crédito. Ele busca o tabelionato de protestos para evitar o procedimento judicial, sabidamente mais demorado e oneroso.

O ilustre doutrinador Sérgio Luiz José Bueno nos ensina que

Sim, lavrado o protesto, materializa-se sua finalidade probatória. De maneira legal, formal e oficial está demonstrado que o devedor foi instado a pagar, aceitar ou devolver o título ou documento de dívida e não o fez. Não devemos confundir, porém, os fins do protesto com a finalidade do procedimento desenvolvido pelo Tabelião de Protesto, desde a protocolização até o desfecho final, que tanto pode ser a lavratura do protesto ou satisfação da obrigação, com o pagamento do valor devido. (...) É essencial que não tenhamos uma visão distorcida do protesto como instituto jurídico, com tem sido lançado equivocadamente mesmo em algumas decisões pretorianas. O procedimento que pode resultar no protesto não é apenas um meio de coerção para obtenção do pagamento pelo devedor. É muito mais que isso, mesmo nos casos de protesto facultativo. É sim, uma forma rápida e segura de composição e prevenção de litígios, sem passar por manobras meramente protelatórias que insegurança e revolta trazem aos bons pagadores. Não é um castigo ao mau pagador, mas um caminho jurídico legítimo e eficaz para o credor, com o desafogo do Poder Judiciário. (JOSÉ BUENO, Sérgio Luiz, 2011, p. 23)

Uma das grandes inovações trazidas pela Lei 9.492/97, atual lei que rege o protesto extrajudicial, é a previsão da possibilidade do protesto de outros documentos de dívida, além dos títulos de crédito.

Assim, no sistema jurídico brasileiro atual são protestáveis quaisquer títulos ou documentos de dívida, desde que tenham por objeto o pagamento de quantia certa em dinheiro.

Mas o que devemos considerar como sendo os “outros documentos de dívida” a que se refere o art. 1º da Lei 9.492/97?

A generalidade desta expressão traz dúvidas sobre qual seria o seu real alcance.

Para Walter Ceneviva,

O protesto sempre e só tem origem em instrumento escrito no qual a dívida seja expressa e cuja existência se comprove com seu exame extrínseco, estranho aos elementos negociais que o integram, encontrados nas dezenas de títulos de créditos reconhecidos pelo direito brasileiro. O instrumento será o título (referindo-se ao previsto nas leis comerciais ou processuais vigentes) ou outro documento, no qual a dívida não apenas esteja caracterizada, mas cuja verificação resulte a clara informação de seu descumprimento.(CENEVIVA, Walter, 2008, p.92)

No Estado de São Paulo, a Corregedoria Geral de Justiça já manifestou seu entendimento sobre o significado da expressão “outros documentos de dívida”, entendimento este lançado no Proc. CG nº 864/2004:

PROCESSO CG Nº 864/2004 - LOCALIZA RENT A CAR S.A. - PROPOSTA DE ADOÇÃO DE MEDIDAS VISANDO POSSIBILITAR O PROTESTO DOS CONTRATOS DE LOCAÇÃO DE VEÍCULOS - PARECER Nº 076/05-E - PROTESTO DE TÍTULOS E OUTROS DOCUMENTOS DE DÍVIDA

Alcance desta terminologia - Inteligência da Lei nº 9.492/97 à luz do hodierno ordenamento jurídico - Possibilidade de protesto dos títulos executivos judiciais e extrajudiciais - Atributos de liquidez, certeza e exigibilidade - Caráter normativo - Inclusão do contrato de locação de veículo desde que ajustado ao inciso II do artigo 585 do Código de Processo Civil.

Também o Superior Tribunal de Justiça – STJ teve a oportunidade de tratar do assunto, como se depreende do aresto a seguir:

PROCESSUAL CIVIL. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROTESTO DE CONTRATO DE LOCAÇÃO DE IMÓVEL. PERMISSÃO AOS TABELIÃES DE PROTESTOS DE LETRAS E TÍTULOS DA COMARCA DE SÃO PAULO. CANCELAMENTO. ATO DE CORREGEDOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. EXIGÊNCIA DE QUE O TÍTULO EXECUTIVO CONTENHA OBRIGAÇÃO PECUNIÁRIA LÍQUIDA, CERTA E EXIGÍVEL. CONTRATO DE LOCAÇÃO. INEXISTÊNCIA DE LIQUIDEZ. RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA DENEGADO.

1. Com efeito, tem-se que o contrato de locação foi caracterizado pela legislação como título executivo extrajudicial, transmutando-o com força executiva. Contudo, o protesto será devido sempre que a obrigação expressa no título for líquida, certa e exigível.

2. Na hipótese dos autos, o contrato de locação de imóvel apresentado evidencia ser título com o atributo da certeza, em decorrência da determinação cogente da norma legal, bem como também demonstra possuir exigibilidade, por presunção de que houve o vencimento da dívida, sem revestir-se, no entanto, do atributo da liquidez, fato que inviabiliza o protesto do referido título.

3. Recurso em Mandado de Segurança a que se nega provimento. (STJ – Quinta Turma – RMS 17400/SP – Relator p/ Acórdão: Desembargador Adilson Vieira Macabu– Data do Julgamento: 21/06/2011).

Como podemos concluir, para a doutrina e jurisprudência majoritárias, a expressão “outros documentos de dívida” se refere a qualquer documento que consubstancie obrigação líquida, certa e exigível, cuja lei expressamente atribua força executiva. A título de exemplo, temos a certidão de dívida ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, correspondente aos créditos inscritos na forma da lei[6].


4. A CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA É PASSÍVEL DE PROTESTO EXTRAJUDICIAL?

Agora que já sabemos o que vem a ser uma CDA e qual a finalidade do procedimento para o protesto, indaga-se: a certidão de dívida ativa é passível de protesto extrajudicial?

Trata-se de questão polêmica tanto na doutrina quanto na jurisprudência. 

Os doutrinadores que defendem a impossibilidade de se protestar um CDA, argumentam que carece à Fazenda Pública interesse que justifique o protesto extrajudicial de sua dívida ativa.

Isso pelo fato de que a CDA já tem, de per si, o efeito de prova pré-constituída do inadimplemento, e considerando, ainda, que a Fazenda Pública não obtém qualquer proveito em pedir a falência do devedor, tampouco precisa dos outros efeitos do protesto.

Alegam, também, que não há lei que autorize o protesto de CDA e que a Lei nº 6.830/80 disciplina a única forma de cobrança da dívida ativa das Fazendas Públicas, qual seja: a execução fiscal.

Nesse sentido é o entendimento do prof. Hugo de Brito Machado:     

O protesto cambial produz os seguintes efeitos: a) interrompe a prescrição; b) viabiliza o pedido de falência do devedor; c) induz o devedor em mora; d) preserva o direito de regresso contra coobrigados. Ocorre que o credor tributário não carece de nenhum desses efeitos. Não pode nem tem interesse em pedir a falência do devedor, nem precisa de qualquer outro dos efeitos do protesto. Não tem, portanto, necessidade de promover o protesto de certidão de inscrição de crédito tributário, que se mostra, assim, absolutamente incabível. (...) Como se vê, a liquidez e certeza do crédito tributário nada tem a ver com o protesto, porque decorre, isto sim, de sua apuração em regular processo administrativo. É indiscutível, também, que a Fazenda Pública não precisa protestar o seu título, vale dizer, a Certidão de Inscrição em Dívida Ativa, para que se configure a mora do contribuinte, vale dizer, para que tenha início a contagem de juros de mora. (MACHADO, Hugo de Brito, 2002)

Para o jurista Kiyoshi Harada, o protesto extrajudicial de certidão de dívida ativa “a exemplo da exigência de certidão negativa para realização das mais diversas atividades, constitui sanção política condenada nada menos por três súmulas do Supremo Tribunal Federal”.

Lado outro, aqueles que defendem a legalidade e a legitimidade do protesto extrajudicial da CDA sustentam que desde a vigência da Lei 9.492/97 não há empecilho ao protesto de uma certidão de dívida ativa. O referido diploma legal previu a possibilidade do protesto de outros documentos de dívida, além dos títulos de crédito, de forma que atualmente existe autorização legal para o protesto extrajudicial da CDA.

Ainda de acordo com essa corrente doutrinária, seria legítimo o protesto extrajudicial da CDA, pois o procedimento levado a feito pelo tabelião desde a distribuição do título até a lavratura do protesto configura forma mais ágil e menos onerosa de cobrança da dívida ativa da Fazenda Pública, o que atende aos princípios da efetividade da execução forçada e do menor sacrifício do executado[7].

Além disso, o protesto extrajudicial seria uma forma de contribuir para a redução do volume de execuções fiscais ajuizadas, beneficiando o já tão atribulado Poder Judiciário e, consequentemente, toda a sociedade.

 Sérgio Luiz José Bueno defende que,

Deve ser ressaltada a possibilidade do protesto da certidão da dívida ativa, como título executivo que é (art. 585, inciso VII, do Código de Processo Civil). Há decisões em sentido contrário, mas seguem na direção oposta aos ventos de modernização e agilidade, pois o interesse público haveria de reclamar o recebimento rápido de créditos tributários, o que não implica restrição ao direito de defesa, seja na esfera administrativa, seja na seara judicial. Sustenta-se que, por ser desnecessário, o protesto materializa constrangimento. Ora, o protesto hoje, é sabido e reiteramos, não é apenas forma de comprovar o descumprimento da obrigação, é meio eficaz de recuperação de crédito. (JOSÉ BUENO, Sérgio Luiz, 2011, p. 235)

Assim como na doutrina pátria, a jurisprudência dos Tribunais sobre o tema também não é pacífica, como podemos perceber dos arestos que se seguem.

Contra a possibilidade do protesto de certidão de dívida ativa, decisão proferida pelo Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

MEDIDA CAUTELAR INCIDENTAL - SUSTAÇÃO DE PROTESTO - PROTESTO DE TÍTULO ADVINDO DE CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA MUNICIPAL - INADMISSIBILIDADE - SENTENÇA CONFIRMADA.

A Certidão de Dívida Ativa não se equipara a título cambial (Lei n. 6690/79), sendo, pois, inviável e insuscetível de protesto extrajudicial, traduzindo-se, assim, o protesto em meio de coerção sobre o contribuinte.

(TJMG – Medida Cautelar Incidental nº 1.0051.03.007763-3/001(1) – Relator: Desembargador Francisco Figueiredo – Data do Julgamento: 23/11/2004).

Os principais argumentos do relator do acórdão supramencionado podem ser extraídos do seguinte trecho da sua fundamentação: “A certidão de dívida ativa não se equipara a título cambial (Lei n. 6690/79), sendo, pois, inviável e insuscetível de protesto extrajudicial, mesmo porque este seria desnecessário e injustificável, já que a execução fiscal dispensa a comprovação da mora, assegurando ao crédito tributário grande eficácia, ensejando imediata constrição de bens do devedor, gozando de presunção juris tantum, traduzindo-se, assim, o protesto em meio de coerção sobre o contribuinte”.

Por sua vez, considerando possível o protesto da CDA, decisão do mesmo tribunal estadual, o que demonstra a polêmica que gira em torno do assunto:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. MANUTENÇÃO DE DECISÃO ANTERIORMENTE PROFERIDA.

A expedição de ofício para protesto de CDA não fere o princípio do duplo grau de jurisdição. Recurso improvido.

(TJMG – 3ª Câmara de Direito Público - Agravo de Instrumento nº 0095428-29.2011.8.26.0000   – Relator: Desembargador Camargo Pereira – Data do Julgamento: 10/04/2012).

 O Tribunal considerou, no julgamento desse agravo de instrumento, que a certidão de dívida ativa é título executivo extrajudicial, a teor do art. 585, VI, do CPC, e que há previsão na Lei Estadual nº 11.331/02 que possibilita e autoriza à Fazenda Pública protestar as suas certidões de dívida ativa. 

Muito embora a questão ainda não esteja pacificada nos Tribunais, é de se registrar que o Conselho Nacional de Justiça - CNJ recentemente manifestou-se favoravelmente à prática.

Em decisão tomada na 103ª sessão ordinária, realizada em abril de 2010, reconheceu a legalidade do protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa (Ato nº 00007390 - 36.2009.2.00.0000), recomendando aos tribunais de Justiça que regulamentem o protesto extrajudicial da Certidão de Dívida Ativa por parte das Fazendas Públicas[8].

Na avaliação do CNJ, é necessária a busca de novas alternativas de cobrança do crédito público, que possibilitem a redução das demandas judiciais, como forma de desafogar o Poder Judiciário.

Na mesma direção do entendimento esposado pelo CNJ, vários estados da Federação já editaram normas que tratam do protesto de certidões de dívida ativa, a exemplo das Leis Estaduais nº 11.331/02, de São Paulo; Lei nº 5.351/08, do Rio de Janeiro; e da recentemente editada Lei nº 19.971/11, de Minas Gerais.

Em regra, tais leis se referem às custas e aos emolumentos que incidem sobre o ato de protesto da CDA[9], partindo do pressuposto de que a autorização legal para o protesto da CDA encontra-se no art. 1º da Lei 9.492/97.

A Lei Estadual de São Paulo nº 13.160/08, dando nova redação às notas explicativas da Lei Estadual nº 11.331/02, assim dispôs:

Lei 11.331/02 - Notas Explicativas:

(...)

7. Havendo interesse da administração pública federal, estadual ou municipal, os tabelionatos de protesto de títulos e de outros documentos de dívida ficam obrigados a recepcionar para protesto comum ou falimentar, as certidões de dívida ativa, devidamente inscritas, independente de prévio depósito dos emolumentos, custas, contribuições e de qualquer outra despesa, cujos valores serão pagos na forma prevista no item 6.

8.  Compreendem-se como títulos e outros documentos de dívidas, sujeitos a protesto comum ou falimentar, os títulos de crédito, como tal definidos em lei, e os documentos considerados como títulos executivos judiciais ou extrajudiciais pela legislação processual, inclusive as certidões da dívida ativa inscritas de interesse da União, dos Estados e dos Municípios, em relação aos quais a apresentação a protesto independe de prévio depósito dos emolumentos, custas, contribuições e de qualquer outra despesa, cujos valores serão pagos pelos respectivos interessados no ato elivo do protesto ou, quando protestado o título ou documento, no ato do pedido do cancelamento de seu registro, observados os valores dos emolumentos e das despesas vigentes na data da protocolização do título ou documento, nos casos de aceite, devolução, pagamento ou desistência do protesto ou, da data do cancelamento do protesto, observando-se nesse caso no cálculo, a faixa de referência do título ou documento na data de sua protocolização.

No seguinte trecho da exposição de motivos da Lei Estadual nº 19.971/11, de Minas Gerais, ficam claras as razões que justificaram a edição de tais leis pelos Estados:

É assustador saber que, para resgatar débitos de valor inferior a R$15.000,00, o Estado despende quase três vezes mais do que resgataria. Para piorar o quadro, o resgate conseguido, face às dificuldades de um processo judicial, é apenas de cerca de 5% (cinco por cento). Assim, o Estado, efetivamente, gasta mais de R$800.000.000,00 (oitocentos milhões de reais) para resgatar apenas aproximadamente R$15.000.000,00 (quinze milhões de reais).

Há necessidade imediata de paralisação do ajuizamento de execução fiscal de valor inferior a R$15.000,00. Necessária, ainda, a criação de formas alternativas de cobrança desses créditos, tais como a inclusão do nome do devedor em qualquer cadastro informativo, público ou privado, de proteção ao crédito e o protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa.

Esses instrumentos alternativos, econômicos e eficientes estão sendo largamente utilizados pela União e grande número dos Estados da federação, a exemplo do Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul, Rio Grande do Norte e Bahia.

Os resultados do protesto extrajudicial de certidão da dívida ativa, em termos arrecadatórios, são significativos, valendo ressaltar, como exemplo, o caso do INMETRO que de 1% (um por cento) passou a resgatar 42% (quarenta e dois por cento) de sua dívida ativa, o caso do Rio de Janeiro que de 1% (um por cento) passou a resgatar 5% (cinco por cento) de sua dívida ativa. Consagração dos princípios da eficiência, da economicidade e da gestão fiscal responsável.

Oportuno verificar que o Conselho Nacional de Justiça, em dois pedidos de providências analisados, recomendou que “os Tribunais de Justiça deverão editar ato normativo que regulamente a possibilidade de protesto extrajudicial de CDA por parte da Fazenda Pública” (2009.10.00.004178-4 e 2009.10.00.004537-6).

Em suma, o protesto extrajudicial traz benefício para o Estado, que tem à sua disposição uma forma mais ágil e menos onerosa de cobrança, realçando a arrecadação num modelo de gestão fiscal eficiente (art. 11 da Lei Complementar Federal nº 105/2001); para o devedor, que suportará meio menos oneroso e gravoso de cobranças; para o Poder Judiciário, que terá impacto imediato na redução da demanda, ampliando a capacidade de julgamento, na mesma medida em que preserva a apreciação de futuras lesões decorrentes do novo modelo.

Por fim, registramos que, na esteira da legislação que trata sobre o protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa, os órgão responsáveis pela recuperação dos créditos públicos vêm editando normas internas regulamentando o assunto.

No âmbito federal, a Procuradoria da Fazenda Nacional – PGFN e a Advocacia-Geral da União - AGU editaram, respectivamente, a Portaria PGFN nº 321/2006 e a Portaria Interministerial MF/AGU nº 574-A, de 20 de dezembro de 2010, que tratam do protesto extrajudicial das certidões de dívida ativa, notadamente daquelas cujos valores não ultrapassam o limite mínimo estabelecido para o ajuizamento de execução fiscal.


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Das linhas acima escritas, fácil perceber a existência de grande polêmica em torno da questão da possibilidade do protesto extrajudicial de uma certidão de dívida ativa da Fazenda Pública.

Sem olvidar os substanciais argumentos apresentados por aqueles que não consideram possível o protesto extrajudicial de um CDA, entendo que, desde a edição da Lei 9.492/97, não há dúvidas de que é plenamente possível o protesto extrajudicial da dívida ativa.  

Isso porque a certidão de dívida ativa é um título extrajudicial líquido, certo e exigível. Enquadra-se perfeitamente na expressão “outros documentos de dívida” que consta no art. 1º da Lei 9.492/97, o qual elenca os títulos que são passíveis de protesto.

Existindo lei que autoriza o protesto extrajudicial da CDA, este somente pode deixar de ser efetuado caso viole o interesse público. No entanto, não é o que se observa na prática.

Pelo contrário, o protesto extrajudicial da CDA, configurando forma mais ágil e menos onerosa de recuperação da dívida ativa da Fazenda Pública, vai ao encontro do interesse público. Considerando que a recuperação dos créditos públicos, através da atual sistemática de cobrança, a qual ocorre majoritariamente por meio da execução fiscal, tem baixo índice de êxito, a busca por meios alternativos de cobrança é medida extremamente salutar.

É preciso ter em mente a diferença entre o ato de protesto e o procedimento levado a feito pelo tabelião desde a distribuição do título até a lavratura do protesto. O procedimento para o protesto, no qual o protesto é apenas um dos resultados possíveis, tem como objetivo realizar o interesse do credor, que no caso da Fazenda Pública é receber o crédito público que lhe é devido.

Ademais, o protesto extrajudicial é uma forma de contribuir para a redução do volume de execuções fiscais ajuizadas, com impactos positivos para o já tão atribulado Poder Judiciário e, consequentemente, para toda a sociedade.


6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Código de Processo Civil. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil. 7. ed. v. 2. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

CENEVIVA, Walter. Lei dos Notários e dos Registradores Comentada. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2008.

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Notas

[1] Estudo disponível no site: http://www.ipea.gov.br

[2] Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular.

[3] Em sentido contrário ao texto e à doutrina dominante, o prof. Alexandre Freitas Câmara entende que “apesar do texto de lei, o título executivo não é, na hipótese, a certidão da dívida ativa, mas o ato de inscrição daquela dívida. A certidão é, tão-somente, a forma exigida pela lei para o aperfeiçoamento do título executivo”. (FREITAS CÂMARA, 2004, p. 199).

[4]  Lei de Execução Fiscal. Art. 29. A cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública não é sujeita a concurso de credores ou habilitação em falência, concordata, liquidação, inventário ou arrolamento.

[5] O tabelião de protesto de títulos exerce função pública por delegação, na qualidade de particular em colaboração com o Poder Público. Nos termos do art. 236 da Constituição Federal, os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, com o ingresso na atividade notarial e de registro dependendo de concurso público de provas e títulos.

[6] Art. 585, VII, do Código de Processo Civil.

[7] Código de Processo Civil. Art. 620.  Quando por vários meios o credor puder promover a execução, o juiz mandará que se faça pelo modo menos gravoso para o devedor.

[8] “Verificado o quorum regimental, o Conselheiro Ministro Gilson Dipp, na Presidência, declarou aberta a Sessão e passou à aprovação da Ata da Sessão anterior, que foi aprovada com solicitação da Conselheira Morgana Richa de alteração da certidão de julgamento do Ato nº 0007390-36.2009.2.00.0000 para que conste o seguinte resultado:"Em prosseguimento ao julgamento, após o voto vista do Conselheiro Paulo Tamburini, o Conselho, por maioria, reconheceu a legalidade do protesto extrajudicial da certidão de dívida ativa tal como apresentado no voto da Relatora, sem a edição do ato normativo correspondente. Vencidos os Conselheiros Milton Nobre, Nelson Tomaz Braga, José Adonis, Jefferson Kravchychyn, Jorge Hélio e Marcelo Neves. Presidiu o julgamento o Ministro Gilmar Mendes. Plenário, 6 de abril de 2010." Texto extraído do site do CNJ - < http://www.cnj.jus.br/atos-administrativos/11140:certidoes-de-julgamento-da-103o-sessao-ordinaria-20-de-abril-de-2010 >.

[9] Nos termo do art. 236, §2º, da Constituição Federal, lei federal deve estabelecer normas gerais para fixação dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro, e leis estaduais devem estabelecer as normas específicas sobre o assunto. A lei federal a que se refere o art. 236 da Constituição já foi editada: L. 10.169/2000.


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CAMPOLINA, Flávio de Paula. Protesto de certidão de dívida ativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3337, 20 ago. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22437. Acesso em: 28 mar. 2024.