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O Estado e as relações consumeristas: a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras

O Estado e as relações consumeristas: a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras

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Análise da ação revisional no âmbito da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras, mais precipuamente à luz da aplicação da matéria no cerne das revisões contratuais bancárias.

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras. Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica, apresentando elementos subsidiados na literatura especializada, enfocando tanto a relação do Estado com as modificações do sistema consumerista como também os desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais, destacando-se a Súmula 297 editada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que regulamenta a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras. Buscou-se metodologicamente analisar o objeto de estudo com respaldo numa amostra de decisões proferidas pelos tribunais pretórios à luz da aplicação do CDC nas ações revisionais dos contratos bancários. À guisa de conclusão, constatar-se-á que embora a matéria não seja pacificada no âmbito jurídico, apreende-se a imperativa necessidade da revisão postural nas análises dos julgadores das primeiras instâncias de julgamento da lide no Estado brasileiro, com vistas a corroborar com a perspectiva de um Estado Democrático de Direito, e, sobremaneira, coadunando com a salvaguarda do direito do consumidor arrolado em nossa Carta Constitucional.

Palavras-chave: Ação Revisional. CDC. Contratos. Instituições Financeiras.


INTRODUÇÃO

A intervenção do Estado na proteção dos indivíduos, dos riscos impostos pelo mercado, inaugurou uma nova etapa do desenvolvimento do mundo capitalista ocidental. A importância deste passo pode ser medida pelos altos níveis de desenvolvimento econômico e de bem-estar alcançados pelas sociedades europeias, a partir de meados do século XX (GOMES, 2009, p. 26).

A citação inicial apresenta-se adequada ao papel assumido pelo Estado na contemporaneidade, preocupado precipuamente com a proteção dos indivíduos, com a vulnerabilidade destes nos meandros mercadológicos, tal como asseverado pela Carta Magna da República Federativa Brasileira, nos auspícios do processo de redemocratização do país, no ano de 1988. Entretanto, esta realidade não sobrepujou por todo o corredor histórico mundial que, mesclou entre o absolutismo e as ideias de liberdade e propriedade calcadas na manutenção do sistema capitalista.

Muito se tem discutido a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, o CDC, especialmente no que diz respeito aos contratos bancários, não restando, todavia, pacificado entendimento dos juristas sobre o tema.

Destarte, é fundamental reconhecer a importância do CDC para e no Direito brasileiro, independente de quaisquer eventuais discussões acerca do dito excesso em sua aplicação. Evidente torna-se, dado o olhar voltado à evolução da mentalidade do cidadão, que nas Eras mutantes no percurso histórico societal, adquiriu mais conhecimento de seus direitos, e, por conseguinte nas relações de consumo, passando a ter a consciência de que as empresas não podem ser discricionárias ao contratar com seus clientes, existindo meio legal de se buscar solução justa para os excessos cometidos, postulado no advogar do Estado de Direito.

Diante o exposto, faz-se mister compreender inicialmente como foram sendo regulamentadas as relações de consumo a partir da instituição do Estado Moderno, assentando-se mais especificamente no transcurso do estado liberal ao social, e, neste meandro, de como o consumidor passou a ser valorado pela Constituição Brasileira no rol dos direitos fundamentais e na codificação própria da matéria e contemplado com seus pormenores na Lei nº 8.078 de 11 de Setembro de 1990, competindo-lhe essencialmente a proteção do consumidor.

Neste bojo compreensivo, salutar se faz a menção ao pacta sunt servanda enquanto celebração contratual no pleito do Direito Civil que, porém, destaque-se sua necessária relativização para as questões norteadoras das relações de consumo, coadunando com a efetivação fatídica dos direitos dos consumidores, ou seja, dos vulneráveis nas relações contratuais, destacando-se aqui a aplicabilidade no cenário das instituições financeiras.

Assim, adentrar ao propósito do presente artigo que tem por objetivo, analisar a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras, utilizando-se de aspectos doutrinários e jurisprudenciais acerca da revisão contratual no CDC e a sua aplicação aos contratos bancários via ações revisionais.

Trata-se de um artigo de revisão bibliográfica, apresentando elementos subsidiados na literatura especializada, enfocando tanto a relação do Estado com as modificações a partir da Lei 8.078/90, ao qual veio implementar o preceito constitucional fundamentado do art. 5º XXXII da Constituição Federal de 1988, e, a Súmula 297, editada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que contempla a especificidade da matéria, sumarizando: “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras”. A pesquisa em questão está amparada por uma análise das decisões proferidas pelos tribunais pretórios e a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras para o alcance do objetivo do estudo em questão.

O tema apresenta-se de sumária relevância, haja vista que o consumidor tem visto sucumbir os seus direitos frente ao entendimento equivocado de uma parcela dos juristas brasileiros quanto à ação revisional como direito básico do vulnerável nesta seara jurídica; o que, entretanto, tem sido reparado, mesmo que parcialmente, pelos tribunais pretórios, corroborando para a salvaguarda do direito do consumidor arrolado em nossa Carta Constitucional.


1 Dos direitos de defesa do consumidor

1.1Entre o estado liberal e o estado social

As acepções de Estado se configuram na medida em que a sociedade e os valores imperativos em cada contexto vão sendo elaborados e/ou transformados. De forma que vale a pena parafrasear o prof. Inocêncio Martíres Coêlho (1993) quando o mesmo faz menção introdutória citando o ensaio de Georges Burdeau[1] que se dedicou à análise de alguns, quiçá os fundamentais, problemas do Estado:

[...] Ninguém jamais viu o Estado. Não obstante, quem poderia negar que se trata de uma realidade? O lugar que ocupa em nossa vida cotidiana é tão importante, que não poderia ser eliminado dela sem que, por sua vez, se vissem comprometidas nossas possibilidade vitais. A ele atribuímos todas as paixões humanas: é generoso ou ladrão, engenhoso ou estúpido, cruel ou benévolo, discreto ou invasor. E porque o consideramos sujeito a esses movimentos da mente ou do coração humanos, a ele dedicamos os mesmos sentimentos que nos inspiram as pessoas: confiança ou temor; admiração ou desprezo; ódio muitas vezes; porém, em certas ocasiões, um tímido respeito ou uma adoração atávica e inconsciente do poder se misturam com a necessidade de acreditar que nosso destino, embora misterioso, não é um joguete do acaso. Se a história do Estado resume nosso passado, sua existência atual parece prefigurar nosso futuro. Se às vezes o maldizemos, logo nos damos conta de que, para o bem ou para o mal, estamos ligados a ele (BURDEAU apud COÊLHO I., 1993, p.05).

Segundo Carvalho (2004, p. 47), as transformações supramencionadas podem ser observadas através de um retrospecto histórico da evolução do Estado Moderno a partir do século XVIII, o que revela que a atuação do Estado no domínio econômico, se fez de forma diferenciada e com diferentes graus de intensidade.

O Estado Liberal surgido no século XVIII em contraposição ao Estado Absolutista priorizava a liberdade do indivíduo e ao direito de propriedade, princípios fundamentais para que a burguesia pudesse efetivar a manutenção do sistema capitalista (DENSA, 2009).

Conforme o cientista político Ricardo Coêlho (2009, p. 32), estes direitos à liberdade e à propriedade não poderiam ser abdicados em hipótese alguma, uma vez que, “de acordo com o pensamento liberal, todos os indivíduos são iguais por natureza e igualmente portadores de direitos naturais”. Destacando ainda que:

[...] a ideia subjacente ao funcionamento do Estado liberal – e coerente com os princípios do liberalismo – era a de que o mercado seria uma instituição autorregulável, não necessitando da intervenção do Estado para funcionar bem, o que de certa forma garantia autonomia ao campo econômico em relação ao campo político (COÊLHO, R., 2009, p.78).

Nesse diapasão, impende destacar o abordado por Densa (2009, p.01) que aduz que para “o modelo liberal, decorrente de leis naturais, cabe ao homem contribuir com a sua racionalidade, interesse e motivação no mercado de trocas de bens e serviços para obter o máximo de benefício”. Acentuando o papel das Constituições, singularizados basicamente aos direitos fundamentais individuais e com a organização política do Estado; de modo que figuram, segundo preleciona o autor, como “receptáculos”, portanto, da ordem pública, o que condiz com o fundamento do liberalismo como sendo o absoluto respeito às liberdades individuais na atuação do Estado, o que, por conseguinte, reflete no fato de que:

[...] o liberalismo encarece a necessidade de garantir a liberdade individual já que a considera como indispensável para que os homens alcancem a sua satisfação. A principal manifestação econômica da doutrina liberal é o postulado da livre iniciativa, que consagra o direito, atribuído a qualquer restrição, condicionamento ou imposição descabida do Estado (TAVARES apud DENSA, 2009, p.01).

Posto que, Densa (2009) extrai deste fundamento, o entendimento que os direitos individuais contidos nas constituições liberais não eram, pois, apenas instrumentos de defesa do indivíduo, mas expressão de uma ordem econômica e social liberal, traduzindo-se em garantia constitucional da economia capitalista.

É, pois, de todo oportuno trazer à baila o entendimento de André Ramos Tavares (2003 apud DENSA, 2009) que obtempera:

[...] a concepção de Estado Liberal gerou, em momentos críticos da humanidade, uma situação insuportável, de modo que, mesmo em países de imensa tradição liberal e capitalista, passou-se a admitir a necessidade de intervenção do Poder Público no mercado e na economia, ainda que extremamente restrita ou em setores específicos prederminados (TAVARES apud DENSA, 2009, p.02).

A partir do século XIX observam-se movimentos de maior intervenção do Estado na economia, em que direitos econômicos e sociais passam a ter abrigo constitucional, e, no fim do século XIX, a sociedade e a economia capitalistas passam por profundas transformações que obrigam os pensadores liberais a rever alguns de seus prognósticos e paradigmas (COÊLHO, R., 2009, p.52).

Sobre este aspecto, necessário se faz mencionar o entendimento do ínclito professor Inocêncio Martíres Coêlho (1991) que preconiza in verbis que num tal contexto, o Estado vê-se obrigado a abandonar a sua posição passiva, neutra. E, que em tal espectro, o povo passa a exigir do Estado a satisfação de novos direitos, caracteristicamente denominados sociais e consubstanciados em serviços e bens, não lhes bastando tão somente o simples de direito de não serem incomodados pela burocracia estatal e de poderem criticá-la livremente.

Por certo, a esse propósito, importante atentar que os fatos ocorridos no período, em muito contribuíram para que o Estado, sem nenhuma posição doutrinária previamente estabelecida, fosse, cada vez mais, abarcando um maior número de atribuições, vindo, assim, a intervir, de forma cada vez mais intensa, na vida econômica e social (CARVALHO, 2004, pp.50-51).

Nesse cenário, passa a ser adotado o sistema denominado modelo social democrata e a recair uma crítica concentrada no individualismo político apregoado por ideias liberais e na consequente reclamação de complementação de direitos, para além dos individuais, face à uma nova realidade que se instaurava, e, que pudessem eles “oferecer ao homem a proteção concreta que a norma abstrata e semântica da Constituição nem sempre proporcionava” (DENSA, 2009, p. 02).

O Estado, então, passa a assumir um caráter assistencial, mais protetivo, abrigando constitucionalmente, os direitos de segunda geração, estes com o “objetivo de aniquilar as barreiras sociais, protegendo os mais fracos, e exigindo uma presença dinâmica do Estado, a fim de garantir os direitos de primeira geração” (idem).

Assim, em um primeiro momento, constata-se um evidente afastamento do Estado da área econômica, limitando-se a exercer certas tarefas básicas indispensáveis à preservação da liberdade e da segurança dos cidadãos; e, no período que se sucede, observa-se, de modo diverso, uma crescente presença estatal tanto no que diz respeito à exploração direta de atividades econômicas quanto na prestação de serviços à comunidade (CARVALHO, 2004, p.47).

Outrossim, Ada Pellegrini Grinover et al. (2007, p. 06) suscita um entendimento majoritário acerca da necessidade de tutela legal do consumidor, justificando ser este um “desafio da nossa Era” que representa em todo o mundo, um dos temas mais atuais do Direito:

[...] não é difícil explicar tão grande dimensão para um fenômeno jurídico totalmente desconhecido no século passado e em boa parte deste. O homem do século XX vive em função de um modelo novo do associativismo: a sociedade de consumo (mass consumption ou Konsumgesellschaft), caracterizada por um número crescente de produtos e serviços, pelo domínio do crédito e do marketing, assim como pelas dificuldades de acesso à justiça. São esses aspectos que marcaram o nascimento e desenvolvimento do Direito do Consumidor como disciplina jurídica autônoma (GRINOVER et al., 2007, p. 06, grifo dos autores).

1.2 Consumidor valorado pela Constituição Federal

Assinala Rogério da Silva (2010) que as gerações que “se criaram sobre a vigência do Código de Defesa do Consumidor”, devam ter claro que esta conquista é um reflexo das mobilizações da sociedade e que os primeiros passos foram dados ainda na década de 70 (com o surgimento das primeiras associações de consumidores no país) num momento, em que o país estava sufocado pelo regime militar que reprimia duramente qualquer manifestação popular. Afirma o autor que, neste período, não havia garantias aos direitos individuais do cidadão e a liberdade de expressão era controlada; e, portanto, falar em defesa do consumidor tratava-se de uma verdadeira utopia.

Prossegue nesta incursão histórica, o autor, afirmando que a década de 80 reservava um desafio, ainda maior, haja vista que fica marcada como o período da redemocratização do país, com a eleição do primeiro presidente civil, após a ditadura militar. De modo que, para o movimento consumerista foi o momento de inserir na Assembleia Constituinte o debate do tema defesa do consumidor. Outro aspecto importante foi a criação em 1985, do tão esperado Conselho Nacional de Defesa do Consumidor, tendo por função, “assessorar o presidente da República no trabalho de elaboração de uma política nacional de defesa do consumidor” (SILVA, R., 2010, p.04) .

A mobilização social face à causa consumerista, acabou alcançando resultados positivos, na medida em que a Carta Constitucional de 1988 inseriu em várias partes do seu texto a preocupação com o consumidor. Sem sombra de dúvidas, a referência mais importante está no artigo 5º XXXII, que in verbis diz que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, assumindo destaque na Carta, como cláusula pétrea e, que, portanto, não pode ser alterada nem por emenda constitucional (idem).

Ademais, no art. 5º, LXXII, determinou ao Estado a promoção da defesa do consumidor, no sentido de adotar um modelo jurídico e uma política de consumo que efetivamente protegesse o consumidor, o que vem a ser ratificado a posteriore com a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 11 de Setembro de 1990 (DENSA, 2009, p. 04).

De modo que, por força dos dois dispositivos citados, Densa (2009, grifo da autora) assevera ainda que, do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no art. 1º, III, da Constituição Federal “podemos afirmar que a defesa do consumidor busca a proteção da pessoa humana, que deve sempre sobrepor-se aos interesses produtivos e patrimoniais”.

Cabe ainda destacar a análise feita por Lacerda e Efing (2008, pp. 1978-1979) que ao “observarmos o capítulo da constituição destinado aos direitos e garantias fundamentais, percebe-se que eles se dividem em individuais e coletivos, sociais, de nacionalidade e políticos, deixando de fora os direitos econômicos (art. 170 a 192)”. O que, entretanto, apesar desta dita divisão, os direitos econômicos também estariam enquadrados como direitos fundamentais, uma vez que o rol do artigo 5º da CF/88 não é taxativo, conforme explicita a seguinte passagem:

[...] os direitos e garantias fundamentais prescritos na constituição de 1988 abrangem: os direitos individuais e coletivos (art. 5º), os direitos sociais (art. 6º e 193 e seguintes), os direitos à nacionalidade (art. 12) e os direitos políticos (art.14 a 17). Notemos que o constituinte não inseriu os direitos fundados nas relações econômicas neste contexto, reservando-lhes espaço nos arts. 170 a 192. Essa classificação, de índole juspositiva, contudo não exaure o rol dos direitos fundamentais (BULOS apud LACERDA e EFING, 2008, p.1979).

Consoante à argumentação do autor, tal classificação, de índole juspositiva, contudo não exaure o rol dos direitos fundamentais. Assim, o art. 170 que dispõe sobre a ordem econômica, neste contexto, estaria corroborando com a assertiva da valoração do consumidor, haja vista que, tal ordem, “fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social”, observando dentre os princípios arrolados em seus respectivos incisos, o V- a defesa do consumidor (BRASIL, 1988).

A corroborar com o exposto acima, insta transcrever o entendimento:

[...] por força dos dois dispositivos citados e, ainda, do princípio da dignidade da pessoa humana, expresso no art. 1º, III, da Carta Magna, podemos afirmar que a defesa do consumidor busca a proteção da pessoa humana, que deve sempre sobrepor-se aos interesses produtivos e patrimoniais (DENSA, 2009, p. 04) (grifo do autor).

1.3.CDC: a codificação das relações de consumo

A imersão nesta conjuntura historicista suscita a reflexão de que toda e qualquer legislação de proteção ao consumidor tem, portanto, a mesma ratio: equilibrar as relações de consumo; “seja reforçando quando possível, a posição do consumidor, seja proibindo ou limitando certas práticas de mercado” (GRINOVER et al., 2007, p.07).

Neste bojo, leciona a doutrina que nenhum país do mundo protege seus consumidores apenas com o modelo privado, mas que de uma forma ou de outra, possuem leis[2] que, em menor ou maior grau, traduzem-se em um regramento pelo Estado daquilo que, conforme preconizado pelas ideias dos economistas liberais deveria permanecer na esfera exclusiva dos sujeitos envolvidos.

De forma que quanto ao intervencionismo estatal, tem-se:

[...] De um lado, há o exemplo, ainda majoritário, daqueles países que regram o mercado de consumo mediante leis esparsas, específicas para cada uma das atividades econômicas diretamente relacionadas com o consumidor (publicidade, crédito, responsabilidade civil pelos acidentes de consumo, garantias, etc.). De outra parte, existem aqueles ordenamentos que preferem tutelar o consumidor de modo sistemático, optando por um “código”, como conjunto de normas gerais, em detrimento de leis esparsas. Este modelo, pregado pelos maiores juristas da matéria e em vias de se tornar realidade na França, Bélgica e Holanda, foi o adotado no Brasil, que surge como o pioneiro da codificação do Direito do Consumidor em todo o mundo (GRINOVER, 2007, p. 8).

Segundo Sodré (2007), “o legislador constitucional, em 1988, optou por estabelecer que a livre iniciativa e a defesa do consumidor eram ambas, e em conjunto, princípios da ordem econômica; por esta razão, tais princípios devem ser compatibilizados”. O que em trocadilhos, o autor quer dizer é que: a livre iniciativa dever ser limitada (não é tão livre como poderia parecer!) ao fato de o consumidor não ser lesado.

Consoante à abordagem de Fernando Silva (2005), ao estabelecer a defesa do consumidor como Princípio da Ordem Econômica, teria o constituinte imposto ao legislador ordinário “a tarefa de criar um conjunto de normas capazes de harmonizar a defesa do consumidor e o desenvolvimento econômico fundado na economia de mercado e na livre concorrência”.

Neste legado constitucional, a opção por uma “codificação” das normas de consumo, no caso brasileiro, dado pela Assembleia Constituinte, ao contrário da experiência francesa, decorrente de uma simples decisão ministerial, tendo como fonte inspiradora direta, o corpo da Constituição Federal (GRINOVER et al., 2007, p.08).

A esta notória singularidade de codificação do Direito brasileiro, destaque por ser o CDC:

[...] uma das poucas leis brasileiras nascidas por determinação constitucional, uma vez que a Constituição de 1988 estabeleceu no art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias que o código fosse elaborado em 120 dias, a partir de sua promulgação (Vasconcellos e Benjamin apud SILVA, R., 2010, p.01).

A citação evidencia que cabe ao Estado, através das mais diversas formas, prevenir e defender o consumidor, quando determinadas condutas ultrapassarem os limites que são estabelecidos pela Constituição, tendo reforçado ainda mais, o legislador, ao ter estabelecido no referido art. 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), a obrigatoriedade do “Congresso Nacional, dentro de cento e vinte dias da promulgação da Constituição, elaborará Código de defesa do consumidor” (BRASIL, 1988).

Extraindo-se que, o surgimento do CDC, através da mobilização da sociedade, decorre de uma previsão da Constituição, deixando clara a opção do legislador em dotar o País de um Código na busca de equilíbrio das relações de consumo entre consumidores e fornecedores, e, com isso, “oferecendo um forte instrumento na defesa dos vulneráveis, até então sem proteção diante de uma relação de desigualdade” (SILVA, R., 2010, p. 06).

É válido observar que antes do CDC, havia leis esparsas e, portanto, insuficientes para proteção frente à parte hipossuficiente da relação de consumo, insuficientes para conter os abusos e desequilíbrio entre consumidores e fornecedores:

Algumas leis ordinárias extravagantes surgiram antes do advento do CDC, as quais mencionavam, eventualmente, a figura do consumidor, buscando certa proteção ao mesmo, porém sem muita amplitude ou sem delinear princípios e procedimentos relativos à defesa dos consumidores. Exemplo seria a Lei 1.521, de 26 de dezembro de 1951, a qual trata dos crimes contra a economia popular e a Lei 4.137, de 10 de Setembro de 1962, que dispõe acerca da repressão ao abuso do poder econômico (ARAÚJO NETO, 2011).

Doravante a necessidade foi aumentando na medida em que cresciam os contratos de massa, as estratégias de marketing de consumo, das mudanças tecnológicas e econômicas, e, os consumidores não possuíam informações suficientes acerca dos produtos e serviços que, aliados às, por vezes, publicidades enganosas e abusivas tornaram imperiosa a regulamentação dos direitos consumeristas (idem).

A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento apresentado por Grinover et al. (2007, pp.08-09) acerca da “opção” do Brasil ter um Código de Defesa do Consumidor e não uma mera lei geral, por reconhecer que o “consumidor não pode ser protegido – pelo menos adequadamente – com base em um modelo privado ou leis esparsas, muitas vezes contraditórios ou lacunosas”. A este respeito, os doutrinadores prosseguem, afirmando que dentre os benefícios:

[...] é importante ressaltar que o trabalho da codificação, realmente, além de permitir a reforma do Direito vigente [...] dá coerência e homogeneidade a um determinado ramo do Direito, possibilitando autonomia, favorecendo, de uma maneira geral, os destinatários e os aplicadores da norma (GRINOVER et al., 2007, p.09, grifo nosso).

Do ponto de vista jurídico, o CDC, foi reconhecido "como lei moderna e tecnicamente adequada à realidade atual das relações de consumo" (NERY apud SILVA, F., 2005).

Isto por que, ao elaborar o CDC, o legislador teria adotado uma técnica de contraponto às grandes codificações do século XIX, voltadas a normatização de grandes áreas do Direito, e que, por seu caráter abrangente, deixavam de atender de modo satisfatório determinadas relações jurídicas em decorrência de sua natureza carecer de tutelas com maior eficácia (SILVA, F., 2005).

Considerando-se, pois, o Código de Defesa do Consumidor Brasileiro como um microssistema normativo eficiente, em virtude dos princípios pelos quais se funda; princípios estes que conforme observado nos parágrafos anteriores:

[...] se irradiam diretamente da Constituição Federal e dão ao consumidor um tratamento diferenciado em razão da natureza das relações jurídicas que envolvem os atores desse tipo de relação em uma economia de mercado. Essas peculiaridades do CDC são, em regra, inaplicáveis a relações jurídicas subordinadas às normas gerais (Código Civil, Comercial, Código de Processo Civil etc.) (SILVA, F., 2005, grifos nossos).


2 Da mitigação do pacta sunt servanda à efetivação dos direitos do consumidor

A principiologia clássica acerca da Teoria dos Contratos encontra fundamento no rol do liberalismo, que congregava a sociedade em torno do laissez-faire, como vislumbrado anteriormente, tendo o centro das atividades, a liberdade dos cidadãos em detrimento do intervencionismo estatal; e, em decorrência desta lógica de funcionamento social, o norte de quatro princípios clássicos da Teoria Geral dos Contratos: “o da autonomia da vontade; o da obrigatoriedade dos contratos; o da relatividade dos contratos e o do consensualismo” (MAIA, 2004, p.63).

Como apresentado outrora, em fins do século XIX e início do século XX, nasce o chamado “Estado Social” e com ele uma nova propositura a ser incorporada a então vigente Teoria Clássica dos Contratos.

O Direito no contexto pós-moderno vem inaugurando novos caminhos na doutrina e na jurisprudência do Estado brasileiro. Registra Mattar (2008, p.02) que a este passo, “os princípios constitucionais adquirem novos paradigmas na análise de conflitos eminentes de grandes valores e repercussões sociais que devem ser ponderados à luz da exegese”. O que, conduz a uma imperativa revisão quanto à acepção acerca dos contratos e, consequentemente, ao princípio do pacta sunt servanda, que tem seu nascedouro com o surgimento do Contrato no direito romano, em meio ao formalismo pela inspiração religiosa ancorado no direito canônico (MATTAR, 2005, p. 02).

O princípio da força obrigatória dos contratos, conhecido pela expressão pacta sunt servanda, informa que o contrato válido e eficaz deve ser cumprido entre as partes. Essa obrigatoriedade forma a base do Direito contratual, porquanto sem ela não haveria possibilidade de se exigir o cumprimento do contrato por via judicial, tornando-o inútil (MAIA, 2004, p.63).

Destaque-se a compreensão empreendida por Maia (2004, p. 62) advertindo que “o contrato, em tempos modernos, faz parte do dia-a-dia dos cidadãos, seja em sua relação com o Estado, seja com outros membros da sociedade”. Tendo a relação contratual sofrido, profundas transformações, ao longo das décadas, em sua grande parte, pela implementação de políticas econômicas e pelos avanços dos direitos dos consumidores:

[...] com a revolução industrial, já no século XVIII, a sociedade se transforma e dois fenômenos importantes ocorrem: a urbanização e a concentração capitalista, esta consequência da concorrência, da racionalização. Esses fenômenos resultaram, mais tarde, na massificação das cidades, das fábricas, das relações de trabalho e de consumo, da própria responsabilidade civil (do grupo pelo ato de um indivíduo). [...] A massificação dos contratos é, portanto, consequência da concentração industrial e comercial, a qual reduziu o número de empresas e aumentou- as em tamanho. [...] A massificação das comunicações e a crescente globalização acirraram a concorrência e o consumo, o que obrigou as empresas a reduzirem custos acelerarem os negócios. Daí as cláusulas contratuais gerais e os contratos de adesão (MAIA, 2004, pp.63-64).

No art. 54 do CDC está conceituado o contrato de adesão:

[...] é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Nesse raciocínio, o ínclito doutrinador, Venosa (2002), preleciona de modo esclarecedor, no sentido de que não se pode na atualidade, uma total liberdade contratual porque a sociedade não mais a permite. Paradoxalmente, a plena liberdade contratual, nos dias atuais, se converteria na própria negação de tal liberdade.

Se por um lado, no âmbito do Direito Civil, contrato é:

[...] todo acordo de vontades de fundo econômico entre pessoas de Direito Privado que tenham por objetivo a aquisição, o resguardo, a transferência, a conservação, a modificação ou a extinção de direitos, recebendo o amparo do ordenamento jurídico (MAIA, 2004, p.63).

Por outro, há que sumarizar que as regras estabelecidas no CDC são normas de ordem pública e de interesse social; sendo oportuno afirmar que as referidas normas são de direito privado, mas com forte interesse público, razão pela qual não pode o fornecedor ou o consumidor afastar tais regras da autonomia da vontade, uma vez que, entende-se por normas de ordem pública àquelas que interessam mais diretamente à sociedade que aos particulares (MARQUES apud DENSA, 2008, p. 05).

Perfilha Filomeno (2007, p. 24) ainda no que tange ao entendimento por normas instituídas como de ordem pública e de interesse social, aquelas as quais são inderrogáveis por vontade dos interessados em determinada relação de consumo. 

Segundo frisa Nery Júnior (2007, p. 510), “ao lado da ordem pública social e da ordem pública econômica, fala-se modernamente em ordem pública de proteção dos consumidores”.

De modo que as regras ortodoxas do Direito Privado não mais atendem à ordem pública de proteção do consumidor, “notadamente quanto aos vícios do consentimento, à noção de causa no contrato, ao regramento da cláusula penal, à teoria das nulidades e à proteção contra cláusulas abusivas” (GHESTIN e DESCHÉ apud NERY JUNIOR, 2007, p.510, grifo do autor).

Faz-se mister a lúcida decisão proferida pela Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça do Mato Grosso do Sul, sintetizada na ilustrativa ementa:

[...] aplica-se o Código de Defesa do Consumidor aos casos que envolvem relação de consumo, tais como empréstimos bancários. Dessa forma, é permitida a revisão das cláusulas contratuais pactuadas, mormente frente ao fato de que o princípio do pacta sunt servanda, há muito vêm sofrendo mitigações, mormente frente aos princípios da boa-fé objetiva, da função social dos contratos e do dirigismo contratual (BRASIL. TJMS - Apelação Cível 2008.034651-5 2006.000093-7- Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo - 3ª Turma Cível – j.25/02/2009).

Conforme trazido à colação por Densa (2008, p. 05), “nas relações de consumo a autonomia da vontade das partes é mitigada, devendo as partes integrantes da relação de consumo obedecer às regras e aos princípios estabelecidos pela lei”. Sendo que, uma vez que, tratam-se de normas de caráter cogente, conforme previsto no art. 1ª do CDC, devam ser aplicadas de ofício pelo magistrado. Matéria esta reservada à mitigação do princípio do pacta sunt servanda, assertiva adotada hodiernamente no entendimento de tribunais brasileiros:

[...] há muito, o princípio da força obrigatória dos contratos (pacta sunt servanda), vem sofrendo mitigações, frente ao dirigismo contratual e aos princípios da função social dos contratos e da boa-fé objetiva. Ademais, conforme dispõem os artigos 6º, incisos IV e V, e 51, do CDC, é possível a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas, um dos direitos básicos do consumidor.

[...] de asseverar, ainda, que as normas constantes no Código de Defesa do Consumidor são normas de ordem pública, que tutelam interesse social e impossíveis de derrogação pela simples convenção dos interessados, salvo se houver autorização legal expressa. Logo, quando o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 1º, preceitua o estabelecimento de norma de ordem pública e interesse social para reger a relação de consumo, busca o legislador proporcionar o equilíbrio dentro do qual o consumidor possa se equiparar ao fornecedor, sem que este último se valha de sua vontade para obter vantagens mediante acordos contratuais.

[...] O princípio do "pacta sunt servanda", cujo preceito determina que devem prevalecer às obrigações pactuadas entre os contratantes, não pode ser considerado um dogma do direito, de forma a ser tido como intocável, possibilitando que se esconda sob o seu manto irregularidades e abusividades tão-somente porque se encontram previstas no contrato. Tal princípio deve ser interpretado de acordo com a realidade socioeconômica, igualdade das partes e, principalmente, com a natureza do contrato em questão (TJMS - Apelação Cível 2008.034651-5 2006.000093-7- Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo - 3ª Turma Cível – j.25/02/2009) (grifos nossos).

A jurisprudência pátria caminha para validar essa tese, muito embora, ainda não incorporada no julgamento de muitas lides processuais nas primeiras e segundas instâncias consensualmente, porém, buscando abrigo, sobremaneira na mitigação do pacta sunt servanda, de acordo com a seguinte transcrição:

[...] é de se considerar que a aplicação do princípio do pacta sunt servanda vem sofrendo mitigações em razão do advento Código de Defesa do Consumidor e do novo Código Civil, que trouxeram uma nova visão acerca das relações contratuais, passando a priorizar o interesse público e o bem comum. Isso demonstra que, não obstante portadores de certa importância, princípios como o pacta sunt servanda, a autonomia da vontade e a força obrigatória dos contratos, não se encontram revestidos do caráter absoluto que possuíram outrora. Observa-se que o entendimento do Tribunal de origem não diverge do entendimento assente nesta Corte [...] A jurisprudência pacificada no STJ orienta-se pela relativização do princípio "pacta sunt servanda" (BRASIL. STJ, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.062.446 – MS, 2008/0141390-2. ano 2009 ) (grifos nossos).

Parafraseando Nery Júnior (2007, p. 514), “o contrato não morreu nem tende a desaparecer. A sociedade é que mudou, tanto do ponto de vista social como do econômico, e consequentemente do jurídico”. O autor magistralmente afirma que é preciso que:

[...] o Direito não fique alheio a essa mudança, “aguardando estático que a realidade social e econômica de hoje se adapte aos vetustos institutos com o perfil que herdamos dos romanos, atualizado na fase de codificações do século XIX” (idem).  


3 A ação revisional no âmbito da aplicabilidade do CDC

3.1 Quanto à revisão contratual no CDC

Aprioristicamente há que ser clarificado que in casu incidem as normas contidas no Código de Defesa do Consumidor. O art. 2º do citado codex é cristalino ao consignar como consumidor: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", ao passo que o art.3º disciplina fornecedor como:

[...] toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços (BRASIL, 1990).

Quanto à definição de serviço, o§ 2º do art. 3º do CDC reza como qualquer atividade “fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista" (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Ao que consta acerca de contrato, Savigny (2002, apud OLIVEIRA, 2007, p.12) qualifica como: “a união de mais de um indivíduo para uma declaração de vontade em consenso, através da qual se define a relação jurídica entre estes".

Transcrição merecedora neste norte é a que intitula contrato como “o ajuste entre duas ou mais partes, no sentido da transferência de algum direito e ou sujeição a alguma obrigação” (idem, p.12).

Aguiar Júnior (2003, p.17) traz à baila o entendimento acerca de contrato bancário como “aquele concluído por um banco na sua atividade profissional e para a consecução dos seus fins econômicos, que são crédito e serviços. A mais importante de suas funções é a creditícia”. Corroborando, pois com o§ 2º do art. 3º do CDC no que tange a serviço.

No entanto, neste pleito de relação contratual, fundamentado no princípio básico da vulnerabilidade do consumidor, o CDC traz consigo normas imperativas visando à proteção da parte hipossuficiente nas relações de consumo. Compreensão salutar do legislador, compreendida no CDC sob a seguinte redação:

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance (BRASIL, 1990).

Desta feita, aborda Densa (2008, p. 134) que pelo princípio da transparência, “é nula a cláusula que não tenha sido conhecida ou que não seja compreendida pelo consumidor”.

Sobre tal aspecto, merece reconhecimento, o excelente magistério de Cláudia Lima Marques (2006, p.09):

[...] a revolução industrial trouxe consigo a revolução do consumo. Com isso, as relações privadas assumiram uma conotação massificada, substituindo-se a contratação individual pela coletiva. Os contratos passaram a ser assinados sem qualquer negociação prévia, sendo que, mais e mais, as empresas passaram a uniformizar seus contratos, apresento-os aos seus consumidores como documentos pré-impressos, verdadeiros formulários (grifo nosso).

O que vem a ser redigido no ordenamento legal, sob o art. 54:

Art. 54. Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas tenham sido aprovadas pela autoridade competente ou estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modificar substancialmente seu conteúdo (BRASIL, 1990, grifo nosso).

Ainda visando à proteção contratual do consumidor, dispõe o art. 47 do CDC que “as cláusulas contratuais serão interpretadas de maneira mais favorável ao consumidor” (BRASIL, 1990).

Portanto, cabendo retirar dos artigos transcritos alguns dos direitos básicos do consumidor, no que tange à sua proteção contratual, tendo em vista sua condição de hipossuficiência nessa relação jurídica. Exsurge, assim, o direito ao conhecimento prévio do consumidor do conteúdo do contrato, o direito a que seu respectivo instrumento seja redigido de forma clara e compreensível, e, que, a interpretação das cláusulas contratuais será sempre mais favorável ao consumidor.

Uma vez considerado todo este espectro da relação de consumo, salienta Araújo Neto (2011) que “como não poderia deixar de existir, o CDC trouxe importante inovação na tutela dos contratos de consumo”. Cuidando-se da revisão contratual por onerosidade excessiva, prevista no intróito arguido do art. 6º, inciso V.

Dado que o artigo supracitado prevê a seguinte redação in verbis:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...] V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas (BRASIL, 1990, grifos nossos).

Portanto, evidente é que a revisão contratual prevista no CDC é um direito básico do consumidor, e apenas deste. Sendo o status do consumidor, como parte vulnerável no microssistema jurídico do CDC que, contrata por necessidade, pois não pode abrir mão de bens e serviços básicos cotidianos e da premente vida moderna, “muitas vezes consumindo para a sua própria subsistência, além do seu lazer ou divertimento” (ARAUJO NETO, 2011).

Em decorrência desta necessidade, por vezes (e em muitas delas!), o consumidor é a parte lesada, no ato do vínculo contratual, acatando pacificamente às condições manifestamente desproporcionais vinculantes ao acesso dos bens e serviços de que não pode dispender. Conforme lembrado por Araujo Neto (2011), “esta situação configura a lesão, que autoriza a modificação das cláusulas contratuais consideradas desproporcionais, as quais geram obrigações iníquas”.

Tratando-se, pois, de direito previsto na primeira parte do art. 6º, inciso V: “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”.

3.2.Aplicabilidade do CDC às instituições financeiras nas ações revisionais

Perfilha Nery Júnior (2007, p. 535) acerca de operações bancárias: “estão abrangidas pelo regime jurídico do CDC, desde que constituam relações jurídicas de consumo” (grifo do autor).

De modo que os bancos estão legitimados na natureza consumerista:

[...] no sistema do CDC, portanto, o banco se inclui sempre no conceito de fornecedor (Art. 3º, caput, CDC, como comerciante e prestador de serviços), e as atividades por ele desenvolvidas para com o público se subsumem aos conceitos de produto e serviço, conforme o caso (art. 3º, §§ 1º e 2º, CDC) (NERY JÚNIOR, 2007, p. 540).

Não obstante o quanto já foi dito sobre as relações de consumo, é mister consignar sua conceituação, trazida à baila no entendimento de Nery Júnior (2007, p. 543), que define as relações jurídicas que se encontram sob o regime do CDC e, portanto, denominadas de relações jurídicas de consumo, valendo-se dizer que dizem respeito àquelas que se formam entre fornecedores e consumidores, tendo como objeto a aquisição de produtos e utilização de serviços pelo consumidor, o que é sintetizado da seguinte forma:

[...] assim, dos elementos da relação de consumo (sujeitos: fornecedor e consumidor; objeto: produto ou serviço), nos contratos celebrados pelo banco, estão sempre presentes os seguintes: a) fornecedor, pois o banco é sempre fornecedor por ser comerciante (antigo art. 119, do Código Comercial, cc. art. 3º, caput, do CDC); b) produto, pois o crédito – bem imaterial – é o objeto do negócio comercial do banco (art. 3º, § 1º, do CDC); c) serviço, quando o negócio que o banco celebra tem como objeto a prestação de serviços bancários (aluguel de cofre, emissão de extratos, etc.) (art. 3º, § 2º, do CDC) (NERY JÚNIOR, 2007, p. 543, grifos do autor).

Ademais, afastando quaisquer dúvidas remanescentes acerca da presença do segundo elemento subjetivo da relação jurídica de consumo, ou seja, o consumidor[3]; é conveniente notar que o art. 29 do CDC equipara a consumidor todo aquele que estiver exposto aos capítulos das práticas comerciais (práticas comerciais abusivas, publicidade) e da proteção contratual. De modo que:

[...] ainda que a relação jurídica contratada com o banco não seja de consumo, para fins de proteção contra práticas comerciais abusivas, publicidade ilegal (enganosa ou abusiva), bem como proteção contratual (por exemplo, anulação de cláusulas abusivas: CDC, art. 51; modificação de cláusulas quando há excessiva onerosidade: CDC, art. 6º, nº V), o art. 29 equipara i contratante não-consumidor a consumidor, de sorte que pode ele se valer do microssistema do CDC para deduzir sua pretensão em juízo. Em suma, todos os contratos celebrados com os bancos, para os fins dos capítulos anteriormente mencionados, são de consumo e estão sujeitos ao regime jurídico do CDC (NERY JÚNIOR, 2007, p. 543).

Preleciona Arnaldo Rizzardo (apud OLIVEIRA, 2007, p.20) que os negócios jurídicos realizados entre as instituições financeiras e os consumidores “se materializam por meio de contratos, logo o motivo de se falar em contratos bancários”, tendo no crédito "o seu objeto e a razão de sua existência".

Não obstante, necessário apontar que nos termos do CDC, o tom genérico de serviço como toda atividade desenvolvida em favor do consumidor tratou-se de uma preferência do legislador com a precípua finalidade de: “esclarecer que as atividades bancárias, financeiras, de crédito e securitárias estariam também inclusas no rol de serviços, para que não houvesse dúvida quanto à incidência do microssistema para estas atividades” (DENSA, 2008, p. 20).


4 Das decisões proferidas pelos tribunais pretórios quanto à aplicabilidade do CDC às instituições financeiras

Conforme os argumentos outrora apresentados com endosso imprescindível às transformações nas relações consumeristas e atuação do Estado brasileiro, ressalte-se que a possibilidade de “controle das cláusulas contratuais independe de relação de consumo efetiva, bastando que o fornecedor ofereça produto ou serviço através de contratos ou condições gerais potencialmente lesivas aos consumidores” (DENSA, 2008, p. 152).

Resta indubitável, portanto, que as atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, “quer na prestação de serviços, expedição de extrato, locação de caixas fortes etc, quer na concessão de mútuos, financiamentos ou operações de leasing, inserem-se no conceito legal de serviços” (BRASIL. TJMS - Apelação Cível 2008.034651-5 2006.000093-7- Rel. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo - 3ª Turma Cível – j. 25/02/2009).

Comprobatório é este raciocínio, que se fez notar através do Supremo Tribunal Federal (STF), na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) 2.591-1, julgada em 07 de junho de 2006, cujo voto condutor proferido pelo Ministro Eros Grau, assentou que o CDC é aplicável aos casos como o da espécie; assim como, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula 297 com o seguinte enunciado: “Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras" (idem).

Deste aludido, destaque-se que quanto à aplicabilidade às cláusulas contratuais bancárias, cabe asseverar a relativização do pacta sunt servada, haja vista que, este princípio que vigorou por décadas; com o advento do Código de Defesa do Consumidor, e demais leis ordinárias, perdeu a sua força, sendo relativizado, quando o Magistrado, vendo caso a caso, o aplica ou deixa de aplicar.

Tal prática tem permitido por fim, que os bancos apresentem lucros cada vez maiores, disputando recordes de lucratividade e subvertendo a lógica de uma economia que mesmo a desenvolver-se, permita que a República alcance seu objeto: “construir uma sociedade livre, justa e solidária,” conforme previsto no artigo 3º, I, da Constituição Federal (BRASIL. 1988).

Outrossim, sublinhe-se o entendimento jurisprudencial:

[...] RECURSO ESPECIAL. CIVIL. CONTRATO BANCÁRIO. REVISÃO CONTRATUAL. RELATIVIZAÇÃO DO PACTA SUNT SERVANDA. COMISSÃO DE PERMANÊNCIA AFASTADA. CUMULATIVIDADE. OUTROS ENCARGOS MORATÓRIOS. RECURSO IMPROVIDO.

1. A revisão dos contratos é possível em razão da relativização do princípio pacta sunt servanda, para afastar eventuais ilegalidades, ainda que tenha havido quitação ou novação.

2. É imperioso o afastamento da comissão de permanência, porquanto cumulada com juros moratória e multa, haja vista a existência de cláusulas referentes a esses encargos moratórios.

3. Agravo regimental improvido.

(BRASIL. STJ - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 790.348 - RS ,2005/0172758-1. Relator: Min.Hélio Quaglia Barbosa, j. 05/10/2006).

Ademais, segue-se defensável no voto proferido no pátrio Tribunal em seus precedentes:

[...] PROCESSO CIVIL - RECURSO ESPECIAL – AGRAVO REGIMENTAL – CONTRATO – ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA – CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR – INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – APLICABILIDADE – SÚMULA 297/STJ – AÇÃO REVISIONAL - CLÁUSULAS ABUSIVAS CAPITALIZAÇÃO MENSAL DOS JUROS - REEXAME DE MATÉRIA FÁTICA – INCIDÊNCIA – SÚMULAS N. 05 E 07 DO STJ – COMISSÃO DE PERMANÊNCIA – CORREÇÃO MONETÁRIA, JUROS REMUNERATÓRIOS, JUROS MORATÓRIOS E MULTA CONTRATUAL – INACUMULATIVIDADE – SÚMULAS 30, 294 E 296/STJ - DESPROVIMENTO.

1 - No que tange ao CDC (Código de Defesa do Consumidor), esta Corte tem entendido que é aplicável às instituições financeiras. Incidência da Súmula 297 do STJ. Precedentes (AgRg REsp 528.247/RS, dentre inúmeros outros).

2 - Com relação à revisão das cláusulas contratuais, a legislação consumerista, aplicável à espécie, permite que, ao se cumprir a prestação jurisdicional em Ação Revisional de contrato bancário, manifeste-se o magistrado acerca da existência de eventuais cláusulas abusivas, o que acaba por relativizar o princípio do pacta sunt servanda. Assim, consoante reiterada jurisprudência desta Corte, admite-se a revisão de todos os contratos firmados com instituição financeira, desde a origem, inda que se trate de renegociação. Precedentes.

(BRASIL. STJ - AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 790.348 - RS ,2005/0172758-1. Relator: Min. Hélio Quaglia Barbosa, j. 05/10/2006, grifos dos autores).

A parte das controvérsias, no que diz respeito à questão do enquadramento da atividade bancária como relação jurídica de consumo ter sido discussão doutrinária (e ainda persistir, sobremaneira, pelas instituições financeiras!); a jurisprudência majoritária vem externando como aplicável, o CDC aos contratos bancários, tal como exemplificado:

[...] é importante ressaltar que, por se adequar a atividade desenvolvida pelas instituições bancárias ao conceito de serviço, previsto no § 2º do art. 3º do Código de Defesa do Consumidor, estas se submetem às normas do referido Diploma. Diante disso, visando um equilíbrio na formação do contrato, a autonomia da vontade fica limitada às normas de ordem pública, retirando de sua livre manifestação, vícios anteriormente permitidos pelo Direito Privado (Direito Civil). Posto isso, a revisão das cláusulas contratuais deve ser propiciada, a fim de que sejam extirpadas as que se configurarem como abusivas, pairando, de tal forma, uma situação de igualdade entre os contratantes. Por tal razão, não pode prevalecer, a qualquer custo, a força vinculante dos contratos em detrimento da indispensável posição equânime dos contratantes, como pretende que seja a apelante (BRASIL. STJ. AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 1.062.446 – MS, 2008/0141390-2, ano 2009, grifo nosso).

A jurisprudência pátria caminha validando essa tese, na ementa descrita:

[...] AGRAVOS REGIMENTAIS NO RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATO DE FINANCIAMENTO DE VEÍCULO. REVISÃO. MÁ-FÉ. CONFIGURAÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMBATE AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ.

1. De acordo com as premissas fixadas pela Corte de origem, o consumidor firmou contrato acreditando que a taxa de juros seria de 2,3% ao mês, conforme informado no momento da realização do negócio jurídico, porém, no instrumento contratual, a cláusula referente aos juros remuneratórios encontrava-se em branco no ponto relativo à aludida taxa, que foi cobrada em patamar muito superior (4,07%). As peculiaridades da espécie demonstram a configuração de má-fé, o que dá ensejo à repetição em dobro, nos termos do art. 42, parágrafo único, do CDC.

2. A instituição bancária, em seu agravo, não combateu especificamente os fundamentos da decisão agravada, o que atrai a incidência da Súmula 182/STJ.

3. Agravo regimental de HSBC BANK BRASIL S/A BANCO MÚLTIPLO não conhecido. Agravo regimental de CASSIO AURÉLIO GUEDES DE ALMEIDA provido.

(BRASIL. STJ AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 977.341 – DF, 2007/0071920-5. Agravantes: HSBC Bank Brasil S/A Banco Múltiplo e Cassio Aurélio Guedes de Almeida. Agravados: os mesmos. Relator: Min. Luís Felipe Salomão, j. 2007).

É assim que veem decidem os Tribunais pátrios brasileiros, consoante corroboração com o pensar doutrinário do ínclito Miguel Reale (2003) ao frisar que o princípio da boa-fé objetiva teria sido inserido no ordenamento com a intenção de obrigar as partes a agir com lealdade tanto na formação do contrato, na sua execução, bem como na sua finalização:

Andou bem o legislador ao se referir à boa-fé que é o cerne ou a matriz da eticidade, a qual não existe sem o intentio, sem o elemento psicológico da intencionalidade ou de propósito de guardar fidelidade ou lealdade ao passado. Dessa intencionalidade, no amplo sentido dessa palavra, resulta a boa-fé objetiva, como norma de conduta que deve salvaguardar a veracidade do que foi estipulado. Boa-fé é, assim, uma das características essenciais da atividade ética, nela incluída a jurídica, caracterizando-se pela sinceridade e probidade dos que dela participam, em virtude do que se pode esperar que será cumprido e pactuado, sem distorções ou tergiversações, máxime se dolosas, tendo-se sempre em vista o adimplemento do fim visado ou declarado como tal pelas partes. Como se vê, a boa-fé é tanto forma de conduta como norma de comportamento, numa correlação objetiva entre meios e fins, como exigência e adequada e fiel execução do que tenha sido acordado pelas partes, o que significa que a intenção destas só pode ser endereçada ao objetivo a ser alcançado, tal como este se acha definitivamente configurado nos documentos que o legitimam. Poder-se-ia concluir afirmando que a boa-fé representa o superamento normativo, e como tal imperativo, daquilo que no plano psicológico se põe com intentio leal e sincera, essencial à juridicidade do pactuado (REALE, 2003, p.77).


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Objetivou-se analisar a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor (CDC) às instituições financeiras, mais precipuamente à luz da aplicação da matéria no cerne das revisões contratuais bancárias.

O subsídio na literatura especializada demonstrou-nos salutar, a partir do primordial enfoque norteador em relação ao Estado com as modificações paradigmáticas do sistema consumerista, assim como também através dos magistérios apreendidos nos desdobramentos doutrinários e jurisprudenciais, destacando-se a Súmula 297 editada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) que regulamenta a aplicabilidade do CDC às instituições financeiras.

Permitindo-se o alcance de notórias considerações diante de todo este aparato contextual contemporâneo; a saber, a modificação acerca de contrato, conforme preleciona Cláudia Lima Marques (2002, apud LACERDA E EFING, 2008) no entendimento que:

[...] o contrato tem uma concepção social na medida em que é considerada a condição social e econômica das pessoas nele envolvidas, bem como seus efeitos à sociedade na qual foi criado (LACERDA e EFING, 2008, p. 1970, grifo nosso).

Apoiando-se, pois, no entendimento trazido à baila por Lorenzetti (1998, p. 551, apud LACERDA e EFING), o qual configura o status de instituição social ao contrato vislumbrado hodiernamente:

[...] o contrato atual é considerado uma instituição social, uma vez que gera efeitos a terceiros e também à sociedade na qual está inserido. Entende que cabe à sociedade (enquanto representada pelo Estado e por outras entidades soberanas) o controle do Direito Contratual, o que criaria um novo espírito contratual que poderia ser denominado de “princípio de sociabilidade” (LACERDA e EFING, 2008, P. 1970).

Contudo, extraindo-se do aludido com a codificação consumerista brasileira, a valoração do Consumidor, ao utilizar em vez de “Código de Proteção ao Consumidor”, a legitimidade para além da proteção, condicionando o reconhecimento da Lei como “Código de Defesa do Consumidor” (CDC), que assim foi “fincada” no art. 117 e na CF 5º-XXXII e 170-V (NEGRÃO e GOUVÊA, 2008, p. 702).

Assim posto, à guisa de conclusão, foi possível constatar de forma ponderada que embora a matéria não seja pacificada no âmbito jurídico, apreende-se a imperativa necessidade da revisão postural nas análises dos julgadores das primeiras instâncias de julgamento da lide no Estado brasileiro, com vistas a corroborar com a perspectiva de um Estado Democrático de Direito, e, sobremaneira, coadunando com a salvaguarda do direito do consumidor arrolado em nossa Carta Constitucional.


ABSTRACT: This article aims to analyze the action revisional within the applicability of the Consumer Defense Code (CDC) to financial institutions. This is a literature review article, with subsidized element in literature, focusing on both the relationship of the state with the consumerist system modifications as well as doctrinal and jurisprudential developments, highlighting the Precedent 297 edited by the Superior Court of Justice (STJ) which governs the applicability of the CDC for financial institutions. We tried to methodically analyze the object of study with a sample support of decisions made by courts pretórios the light of the implementation of the actions of revision of the CDC contracts with banks. In conclusion, it will be noted that although the subject is not pacified legal, seizes up the imperative need to review the postural analysis of the judges of the first instances of trial of the suit in the Brazilian state, in order to corroborate the prospect of a democratic state, and, above all, Consistent with the protection of consumer rights enrolled in our Constitutional Charter.

Keywords: Action Revisional. CDC. Contracts. Financial Institutions.


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Notas

[1] Citação contida originalmente In: El Estado. Madrid, Seminarios y Ediciones, S.A., 1975.

[2] Aqui sendo incluídas, no sistema common law, as decisões dos tribunais.

[3] Leciona Nery Júnior (2007, p. 543) que “se aquele que contratou com o banco for consumidor (arts. 2º, caput e parágrafo único, 17, 29, do CDC), a relação jurídica será de consumo”.


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PIRES, Ricardo Dias; PIRES, Teresa Rachel Dias. O Estado e as relações consumeristas: a ação revisional no âmbito da aplicabilidade do CDC às instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3388, 10 out. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22788. Acesso em: 18 maio 2024.