Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/22930
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Provas: conceito, finalidade e formas de sua produção no processo civil

Provas: conceito, finalidade e formas de sua produção no processo civil

Publicado em . Elaborado em .

Se um instrumento não se presta a dar conhecimento ao juiz a respeito de um fato importante para a solução da lide, não poderá ser considerado prova.

1)Teoria geral

A resolução de conflitos, a proteção e a realização dos direitos dos indivíduos por meio do processo, está indissociavelmente ligada à exata apuração dos fatos, ao preciso conhecimento a respeito da forma como os fatos se passaram.

A interpretação do direito e sua aplicação ao caso concreto dependem, antes mesmo da compreensão correta do sistema normativo, de chegar o juiz ao conhecimento de como surgiu o alegado direito, de como as coisas aconteceram no plano dos fatos.

A esse conhecimento aporta o juiz por intermédio da atividade probatória desenvolvida pelas partes no processo. Por meio dela, objetiva-se proporcionar ao juiz o conhecimento, do modo mais próximo possível da realidade, de como os fatos ocorreram.

Em contrapartida, não se pode esquecer ser a atividade probatória um direito das partes (direito à prova), por meio do que se lhes assegura a possibilidade de demonstrar a verdade dos fatos que alegam, bem como a falsidade dos fatos alegados pela parte contrária.

Conjugadas essas vertentes, a conclusão é a de que, no processo, a prova é o instrumento de que se valem as partes para proporcionarem ao órgão jurisdicional o conhecimento dos fatos que compõem a causa de pedir apontada pelo autor, bem como os fatos declinados pelo réu como matéria de defesa. Noutros termos:

Prova é todo e qualquer instrumento ou meio hábil, previsto ou não em lei, que se preste a dar conhecimento ao juiz acerca da existência ou a inexistência do(s) fato(s) que interesse(m) à solução de um litígio.

Se um instrumento (lato sensu, que pode ser um testemunho, um objeto etc.) não se presta a dar conhecimento ao juiz a respeito de um fato importante para a solução da lide, não poderá ser considerado prova. Para que possa ser admitido como tal, esse instrumento deve ser útil à formação do conhecimento/convencimento do julgador. Do contrário, não será “prova” no sentido processual e deverá ser dispensado pelo juiz, já que inútil ou de mero fim protelatório.

Conforme diz o artigo 332 do Código de Processo Civil, “desde que hábeis para provar a verdade do fatos em que se funda a ação ou a defesa”, podem servir como prova todos os meios “legais, bem como moralmente legítimos, ainda que não especificados neste Código”

1.1) Classificação

É comum encontrar em doutrina diversas classificações a respeito dos mais variados temas da área jurídica.

Mas, a experiência cotidiana mostra que a respeito dessas intermináveis classificações há também uma classificação. É isso mesmo: uma classificação a que se sujeitam todas as classificações; uma classificação das classificações.

Então, segundo essa classificação, dividem-se as classificações em apenas dois modestos grupos: o grupo das úteis (aquelas cujo agrupamento dos elementos em classes permite a melhor compreensão de um ramo do conhecimento e pode ser traduzida em consequências práticas) e o grupo das inúteis (aquelas cujo agrupamento dos elementos em classes não importa em melhor compreensão do ramo do conhecimento a que se referem e tampouco em efeitos práticos).

Limitar-me-ei a tratar do primeiro grupo, o das classificações úteis.

Então, no campo do direito processual, as provas podem ser classificadas quanto aos fatos a que dizem respeito ou quanto à forma de sua preparação.

Vejamos:

a) Quanto aos fatos a que dizem respeito, as provas podem ser:

a.1) diretas – são as que buscam dar ao juiz o mais exato conhecimento a acerca dos próprios fatos tratados nos autos;

a.2) indiciárias ou indiretas – são as provas que se prestam a dar ao juiz o conhecimento de um outro fato, não tratado diretamente nos autos, mas por meio do qual poderá chegar a uma conclusão a respeito daqueles fatos tratados nos autos.

b) Quanto à preparação, as provas podem ser:

b.1) causais, aquelas constituídas durante o trâmite do processo (v.g. a ouvida de uma testemunha em audiência);

b.2) pré-constituídas, aquelas que já se encontram preparadas/formadas antes da propositura da demanda processual.

1.2) Objeto da atividade probatória e finalidade da prova

Em regra, a atividade probatória tem como objeto os fatos alegados pelas partes.

Para que o Juiz declare o direito, não basta que as partes narrem a ele a ação ou omissão em que fundamentados o pedido e a defesa. É preciso que elas lhe forneçam elementos por meio dos quais possa ele se certificar do alegado.

No entanto, não são todos os fatos que precisam ser demonstrados. Segundo indica a lei (art. 334), não dependem de prova:

a) os fatos notórios;

b) os fatos afirmados por uma parte e confessados pela parte contrária;

c) os fatos admitidos no processo como incontroversos - Cabe ao réu impugnar especificadamente os fatos narrados na petição inicial. Se um fato não é impugnado pelo réu, não é por ele controvertido, será presumido como verdadeiro, exceto nos casos indicados nos incisos do art. 302 do CPC. É o chamado ônus da impugnação especificada, ônus este que não se aplica ao advogado dativo, ao curador especial e ao órgão do Ministério Público. Assim, se o réu, na contestação, não impugnar o fato afirmado pelo autor na inicial, tal fato será tido como verdadeiro. Agora, se, por exemplo, o advogado desse mesmo réu for dativo e não impugnar fato afirmado pelo autor, não haverá presunção de verdade, ou seja, o fato não será tido como incontroverso e continuará a depender de prova. Embora haja alguma divergência em doutrina, filio-me ao entendimento de que os fatos afirmados pelo réu em sua defesa, presumir-se-ão verdadeiros e não dependerão de prova (pois serão tidos como incontroversos) se não forem impugnados pelo autor em sua réplica.

d) os fatos em cujo favor milita presunção legal de existência ou de veracidade - São aqueles casos em que o legislador, de pronto, presume um fato como verdadeiro, seja de maneira relativa (admitindo prova em contrário – presunção iuris tantum), seja de maneira absoluta (não admitindo prova em contrário – presunção iuris et de iure). Vale citar dois exemplos da incidência dessa presunção legal, ambos esteados no comportamento processual da parte. O primeiro exemplo é o da revelia: são presumidos verdadeiros os fatos alegados pelo autor quando o réu, citado, não contesta a demanda tempestivamente (art. 319). O segundo exemplo é o da presunção de paternidade no caso de recusa do suposto pai em submeter-se ao exame de DNA (parágrafo único do art. 2º-A da Lei n. 8.650/92, na redação conferida pela Lei n. 12.004/09). Ambas essas presunções, são relativas (iuris tantum), quer dizer, pode o conjunto probatório derrubá-las, evidenciar seu desacerto.

Ainda sobre o objeto da atividade probatória, vale comentar que, embora, de regra, apenas os fatos alegados sejam objeto de prova, o CPC prevê um caso em que a atividade probatória das partes terá de recair não sobre fatos, mas sobre matéria de direito, o que, de certo modo, representa um abrandamento à rigorosa interpretação que comumente se faz do princípio jura novit curia. Segundo o CPC (art. 337), se a parte alegar direito municipal, estadual, estrangeiro ou consuetudinário, poderá o juiz determinar que ela (a parte) produza prova a respeito do teor e da vigência do direito por ela alegado. Assim, o próprio CPC excepciona a regra de que a a atividade probatória recai sobre fatos, pois prevê essa hipótese em que a prova deverá recair sobre o direito.

Como já dito, a atividade probatória desempenhada pelas partes destina-se à formação do convencimento do juiz. E não é suficiente que as partes narrem os fatos, que apenas aleguem como os fatos aconteceram. É indispensável que forneçam ao juiz instrumentos para que este possa se certificar a respeito da veracidade do alegado e, assim, decidir com justiça.

E mais, o juiz somente poderá decidir o caso sob o amparo dos elementos de convicção existentes nos autos, esteado, assim, numa verdade processual que se aproxime da mitificada “verdade real” (verdade absoluta)

A respeito do que seja “verdade”, disse o Ministro Felix Fischer (no julgamento do habeas corpus n. 155.149), valendo-se dos ensinamentos de Jorge Figueiredo Dias, que, no processo, a “verdade” deve ser lida como uma verdade subtraída das influências da acusação e da defesa. Não é, então, uma verdade absoluta, mas uma verdade judicial, prática, não obtida a todo o custo, mas obtida de modo processualmente válido.

E o Ministro Fischer citou, ainda, na ocasião, a lição de Francisco das Neves Batista, que diz que “O mundo da prova é o mundo das presunções e construções ideais, estranhas ao que se entende, ordinariamente, por realidade. E o sistema jurídico processual assim o quer.”

Aqui entra o conhecido princípio do livre convencimento motivado (sistema da persuasão racional), que, em termos simples, diz o seguinte: não interessa qual a crença íntima do juiz a respeito de como os fatos aconteceram. O que importa para o processo, para a sua validade, é saber como o juiz conheceu os fatos, calcado em quais informações existentes nos autos.

O juiz deve decidir, como bem diz o artigo 131 do CPC, “atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos”, e deve indicar os motivos que formaram o seu convencimento. Só assim permitirá às partes o pleno controle sobre a atividade jurisdicional, já que poderão elas verificar a adequação entre o conhecimento dos fatos obtido pelo juiz e a prova existente nos autos. Se o conhecimento acerca dos fatos não resultar da prova existente, não será válida a decisão. No sentido processual, um fato só se considera provado se for possível o juiz atestar sua existência por meio de exame objetivo e racional das provas constantes dos autos. A “convicção” que não esteja esteada em provas é processualmente inválida.

Em suma: o juiz como destinatário das provas produzidas, aprecia-as livremente, atendendo apenas e tão somente aos fatos e às circunstâncias constantes dos autos, mesmo que não alegados pelas partes, mas deve, como requisito de validade de seu pronunciamento, indicar objetivamente, segundo uma operação lógica, os motivos que lhe formaram o convencimento.

O sistema vigente no processo civil contemporâneo (livre convencimento motivado/persuasão racional) surgiu em substituição aos já superados sistemas do critério legal e da livre convicção.

No chamado sistema do critério legal ou da tarifação, o juiz auferia o valor das provas segundo uma hierarquia legalmente estabelecida. A confissão, assim, era a rainha das provas, de sorte que, mesmo que todos os demais elementos de convicção apontassem o contrário, confessado por uma parte o fato alegado pela parte contrária, encerrada estava a divergência e ao juiz restava apenas decidir conforme o confessado.

Já no sistema da livre convicção, a lei não atribuía valor certo, tarifado, às provas, não as hierarquizava. Mas padecia esse sistema de um outro vício: nele prevalecia a íntima convicção do julgador. Não necessitava o juiz calcar seu convencimento na prova existente nos autos, tampouco era necessário que declarasse as razões da formação de sua convicção.

O direito processual civil brasileiro adota o sistema da persuasão racional.

1.3) Ônus da prova

Em primeiro lugar, não se pode confundir ônus e dever.

Dever é uma obrigação cujo desatendimento importa em sanção.

Ônus é uma faculdade cujo exercício se faz necessário à consecução de um interesse. É uma faculdade que, se não desempenhada positivamente, acarretará não uma sanção, mas uma consequência negativa, um encargo.

No que aqui interessa, ao autor a lei impõe o ônus de provar o fato constitutivo de seu alegado direito; ao réu, o ônus de demonstrar o fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor.

Essa é a regra básica a respeito da distribuição do ônus da prova. Mas o próprio CPC refere poderem as partes convencionar de modo diverso a distribuição desse ônus, o que apenas não será admitido (sendo nula a convenção que assim dispuser) quando recair sobre direito indisponível da parte ou quando tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

Ainda a esse respeito, é importante ressaltar que, se num dos polos da lide houver se formado um litisconsórcio unitário (ante o qual o órgão jurisdicional há de outorgar a tutela jurisdicional de maneira uniforme para todos os litisconsortes), nula será a convenção acerca da distribuição do ônus da prova se pactuada por apenas um dos litisconsortes, sem o consentimento dos demais.

Como se vê, então, via de regra, a parte que alega tem de provar o que alegou, ressalvadas, é claro, aquelas hipóteses de fatos que não dependem de prova. Mas essa regra comporta outra exceção não indicada na lei processual, mas que é fruto da lógica. É o que acontece diante da alegação de um fato negativo.

A parte que alega um fato negativo (p. ex., a inexistência de relação jurídica), não precisa demonstrá-lo. Nesse caso, caberá à parte contrária demonstrar o inverso. Por exemplo: se o autor diz que jamais firmara contrato de compra e venda com o réu, o ônus de demonstrar o contrário (que contrato de compra e venda foi, sim, firmado entre as partes) é do réu.

O Superior Tribunal de Justiça, a respeito do ônus da prova de um fato negativo, tem reiteradamente pronunciado:

“Exigir dos agravados a prova de fato negativo (a inexistência de intimação da decisão recorrida) equivale a prescrever a produção de prova diabólica, de dificílima produção. Diante da afirmação de que os agravados somente foram intimados acerca da decisão originalmente recorrida com o recebimento da notificação extrajudicial, caberia aos agravantes a demonstração do contrário” (AgRg no AgRg no REsp 1187970/SC, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/08/2010, DJe 16/08/2010).

A respeito do ônus da prova, é importante trazer à tona mais um ponto. É o seguinte: a quem se destinam as regras de distribuição do ônus da prova? Só às partes?

Não.

As regras de distribuição do ônus da prova não se destinam apenas às partes. Destinam-se, também, ao julgador, mormente quando este chega ao termo da instrução sem se convencer de como os fatos se passaram, se da forma alegada pelo autor, ou se como dito pelo réu.

Frente a esse estado de dúvida, fruto da escassez da prova produzida, não pode o juiz deixar de decidir e proferir uma sentença de extinção do feito sem resolução do mérito. Não pode. É a proibição do non liquet. O juiz, terá, sim, de julgar o mérito, e o fará com esteio nas disposições relativas à distribuição ônus da prova, que lhe servirão, então, como regra de julgamento. Se verificar o juiz não haver prova substancial do fato constitutivo do alegado direito do autor, terá de decidir em desfavor do autor, já que o ônus de provar o fato constitutivo a este cabia. Isso não é uma sanção, um castigo ou uma pena. É uma regra de julgamento. Se quem alega não prova, é como se não houvesse alegado. Logo, não pode ter êxito.

Vale aqui referir, ainda, ao chamado princípio da comunhão da prova, segundo o qual as provas pertencem ao processo, pouco importando quem as produziu. Havendo, por exemplo, prova do fato constitutivo do direito do autor, é irrelevante perquirir quem as trouxe aos autos. O mesmo vale para os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos. Havendo nos autos prova dos fatos alegados, ao juiz não importa invocar as regras de distribuição do ônus da prova como regras de julgamento, o que somente fará quando se encontrar em estado de perplexidade frente à escassez do material probatório.

Há aqui outro tema a respeito do qual outrora muito se debatia, mas que, em tempos hodiernos, já não importa grandes divergências doutrinárias ou jurisprudenciais, isso por conta da melhor compreensão a respeito dos fins do processo e do papel desempenhado pelo Estado-juiz no exercício da jurisdição.

Enfim, o tema é o seguinte: poder instrutório do juiz.

O Código de Processo Civil de 1973, já em vigor há algumas décadas, dispõe, em seu artigo 130, caber ao juiz, “de ofício ou a requerimento das partes, determinar as provas necessárias à instrução do processo”.

O projeto do novo Código de Processo Civil, já aprovado no Senado Federal e, atualmente, em discussão na Câmara dos Deputados, reitera esse poder instrutório do juiz, dispondo em seu art. 378, no capítulo que trata sobre as disposições gerais acerca das provas: “Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito”.

É certo que a proposição de provas, cabe, em princípio, às partes. Elas é que conhecem os fatos e têm melhores condições de identificar as fontes de prova. Além disso, bem sabem elas quais os fatos são essenciais ao acolhimento de sua pretensão ou defesa e como esses fatos podem ser demonstrados em juízo. Deve-se lembrar, ainda, que a produção de provas é um ônus para a parte, cujo desatendimento poderá resultar no não acolhimento do seu pedido.

Mas, o Estado, na figura do juiz, deve zelar por um processo justo. E justo não seria o processo por meio do qual o Estado-juiz se fizesse cego e viesse a chancelar uma inverdade, um “faz de conta”.

Pergunto: isso seria decidir com justiça? O Poder Judiciário desempenharia bem o seu papel no Estado brasileiro caso se contentasse em proferir decisões contrárias à realidade? Onde estaria a justiça? Na inverdade chancelada pelo Estado? A chancela estatal transformaria uma inverdade em verdade?  A “verdade processual” a respeito dos fatos pode ser (des)construída pelas partes a seu bel prazer? Algo me diz que não. E esse “algo” não é a mera intuição.

O próprio CPC, na Seção que trata dos poderes, dos deveres e da responsabilidade do juiz, atribui a este órgão do Poder Judiciário o dever de proferir sentença que obste os objetivos das partes que porventura queiram se servir do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim proibido por lei. E mais: já não bastasse tudo isso, o CPC, quando trata do depoimento pessoal das partes (meio de prova típico), é expresso ao dizer que cabe ao juiz, de ofício, “determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa” (art. 342), cabendo às partes apenas subsidiariamente requerer o depoimento pessoal da parte contrária (art. 343). No projeto do novo Código de Processo Civil, embora essa ordem se inverta, há indicação expressa de que o juiz pode determinar ex officio o depoimento pessoal (art. 393 do projeto, na versão ainda em trâmite na Câmara dos Deputados)

Há quem defenda que toda e qualquer iniciativa probatória do juiz estaria em desacordo com o seu dever de imparcialidade. Não me parece que assim seja.

Ora, se o juiz não sabe, de antemão, qual o conteúdo da prova que virá a ser produzida (qual será a conclusão do perito, por exemplo, caso determine de ofício a realização de uma perícia), tampouco à pretensão de qual das partes ela fornecerá esteio, não vejo ofensa à imparcialidade. Age, sim, o juiz, em busca da exata compreensão a respeito dos fatos, para que, então, possa dizer o direito do caso concreto. É exatamente o que acontece no já indicado caso do depoimento pessoal: se ao juiz é atribuído o poder de determinar o comparecimento de uma ou de ambas as partes a fim de interrogá-las, não é para produzir prova em favor de uma delas, mas para melhor compreender os fatos. Se o juiz, de ofício, pode realizar uma inspeção judicial “a fim de se esclarecer sobre fato que interesse à decisão da causa” (art. 440, CPC), não é para favorecer ou prejudicar alguma das partes, mas para conhecer de modo mais exato a lide.

E, a rigor, parcial será o juiz que, frente à relevante dúvida a respeito da “verdade” trazida aos autos pelas partes, preferir ficar inerte e proferir sentença em favor de uma delas, e não aquele que questionar o material probatório apresentado pelas partes e o incrementar, se necessário for, determinando a produção de outras provas, buscando aproximar-se da verdade, para, aí sim, dizer o direito.

Como já bem disse o Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira:

[...] o juiz deixou de ser mero espectador inerte da batalha judicial, passando a assumir uma posição ativa, que lhe permite, dentre outras prerrogativas, determinar a produção de provas, desde que o faça com imparcialidade e resguardando o princípio do contraditório” (REsp 222445/PR, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 07/03/2002, DJ 29/04/2002, p. 246)

Disso não discorda o advogado e professor Luiz Guilherme Marinoni, em palavras que peço licença aos ouvintes para reproduzir:

“A necessidade de imparcialidade judicial não é obstáculo para que o juiz possa determinar prova de ofício. Imparcialidade e neutralidade não se confundem. Será parcial o juiz que, sabendo da necessidade de prova, julga como se o fato que deve ser por ela provado não tivesse sido provado. A existência de normas sobre o ônus da prova, entendidas como regras de julgamento, tampouco impedem o juiz de instruir de ofício o processo, isso porque só se legitima o julgamento pelo art. 333, CPC, se, exauridas todas as possibilidades probatórias, o órgão jurisdicional ainda não se convence a respeito das alegações de fato pelas partes. […] O juiz pode exercer seus poderes instrutórios independentemente da natureza do direito (disponível ou indisponível) posto em causa. Entender que nos casos de direitos disponíveis o juiz pode limitar-se a acolher o que as partes levaram ao processo é o mesmo que afirmar que o Estado não está muito preocupado com o que se passa com os direitos disponíveis, ou que o processo que trata de direitos disponíveis não e o processo que é instrumento público destinado a cumprir os fins do Estado Constitucional” (Código de Processo Civil comentado artigo por artigo. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2010)

Um caso já bastante comum na jurisprudência e que demonstra o uso desse poder instrutório dos juízes, é o que diz respeito à cassação da sentença e a determinação, ex officio, da realização de prova pericial nos casos de ação de cobrança de seguro obrigatório DPVAT, nas quais se mostra indispensável a realização dessa prova para a verificação do grau da invalidez sofrida pela vítima de acidente de trânsito e a consequente aferição do quantum devido pela seguradora.

Para aqui arrematar a Teoria Geral da Prova, outro ponto merece destaque. Tem ganhado cada vez mais espaço a concepção do ônus dinâmico da prova, cujas premissas contrariam, ao menos em tese, o disposto no aqui já enfrentado art. 333 do CPC, que estabelece o ônus estático da prova.

Segundo a concepção dinâmica, nem sempre terá o autor de provar o fato constitutivo de seu direito, assim como nem sempre terá o réu de provar fato extintivo, modificativo ou impeditivo do direito do autor.

Em termos práticos, o que a doutrina do ônus dinâmico defende é a possibilidade de que o juiz decrete a inversão do ônus da prova em todo e qualquer processo, não apenas naqueles em que se tenha sob exame uma relação de consumo (como ocorre atualmente). O juiz deve atribuir o ônus da prova de determinado fato à parte contrária, quando a parte a quem ordinariamente cabia a sua produção estiver absolutamente  impossibilitada, até por razões lógicas, de produzi-la. É o que se dá com o já tratado fato negativo.

Essa teoria do ônus dinâmico é expressamente abraçada pelo projeto do novo Código de Processo Civil, que,  nos §§ 1º e 2º de seu art. 381 (na versão ainda em trâmite na Câmara dos Deputados), assim prevê:  

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa, relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova contrária, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada. Neste caso, o juiz deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

De qualquer sorte, o alerta que se faz é a respeito da necessidade de o juiz comunicar às partes, antes de iniciada a fase instrutória, acerca da inversão do ônus da prova, para assim assegurar-lhes a ampla defesa.

Esse mesmo alerta vale para a inversão do onus probandi prevista do Código de Defesa do Consumidor.


2) Provas em espécie

Apresentados esses aspectos atinentes à teoria geral da prova, passemos à análise daqueles meios de prova tipificados no Código de Processo Civil:

-   depoimento pessoal;

-   prova documental;

-    prova testemunhal;

-  prova pericial; e

-  inspeção judicial.

Mas, antes, quero apenas reiterar que, no processo civil brasileiro, são admitidos como prova meios não tipificados em lei (atípicos). Quanto a isso, o CPC é expresso, como se pode ver do disposto em seu art. 332.

No entanto, alguns meios de prova, embora considerados atípicos, porque não arrolados no Código de Processo Civil no capítulo atinente às provas, constam, sim, de outros dispositivos do CPC ou, até mesmo, de outros diplomas legais.

É o caso do comportamento processual das partes, meio de prova atípico, mas que consta de alguns dispositivos como fator a atuar na formação do convencimento do juiz. É o que já se viu a respeito do não oferecimento de contestação pelo réu (que faz presumir como verdadeiros os fatos alegados pelo autor) e da negativa do suposto pai a submeter-se a exame de DNA (que estabelece presunção de paternidade). Assim, embora não arrolados no CPC como um meio típico de prova, alguns determinados comportamentos processuais das partes constam, sim, de lei, como aptos a atuar na formação do convencimento do juiz.

Feito esse apontamento, passemos aos meios de prova típicos.

2.1 ) Depoimento pessoal (e interrogatório livre)

A doutrina tem distinguido o chamado depoimento pessoal do dito interrogatório livre, embora ambos sejam regulados na Seção que leva o título “Do depoimento pessoal”.

O interrogatório livre está previsto no art. 342 do Código de Processo Civil[1] e é o ato processual consistente, como o próprio nome sugere, no interrogatório da(s) parte(s) sobre os fatos da causa. É ato determinado de ofício pelo juiz, que tem a faculdade de, a qualquer tempo, intimar a parte para interrogá-la, com o fim de obter melhor esclarecimento a  respeito dos fatos da causa. Esses “esclarecimentos” prestados pela parte em interrogatório livre são, sim, provas no sentido processual, das quais poderá valer-se o juiz ao decidir a causa. Portanto, reitera-se aqui a já falada possibilidade de o juiz produzir provas ex officio, possibilidade esta que é expressa neste art. 342 do CPC.

A finalidade do interrogatório livre, no entanto, não é a de obter a confissão de uma parte a respeito dos fatos alegados pela parte contrária, pois se esse fosse o propósito do ato, haveria quebra de parcialidade do juiz que, de ofício, determinou a produção da prova. Ademais, à parte intimada para o interrogatório livre que não comparecer ou se recusar a depor não se aplicam os efeitos da confissão previstos no art. 343, § 2º, do CPC. Poderá a parte, intimada para o interrogatório, confessar os fatos contra si alegados. Essa confissão será, sim, válida e servirá como elemento de convicção ao julgador. O que é importante que fique claro, é que a obtenção da confissão não é o fim visado pelo juiz ao determinar o ato.

Por sua vez, o depoimento pessoal vem regulado no art. 343 do CPC e tem como fim a obtenção da confissão. Não pode o juiz, por isso, determiná-lo de ofício (sob pena de quebra de sua imparcialidade), estando sempre sujeito a requerimento formulado pela parte no momento oportuno. E mais: uma parte somente pode requerer a tomada de depoimento pessoal da parte contrária, não a tomada de seu próprio, pois, como dito, o que se deseja é obter a confissão, ou seja, que a parte contrária reconheça como verdadeiro um fato contrário ao seu interesse e favorável ao adversário (art. 348, CPC). Ademais, se uma parte quer confessar os fatos alegados pela outra, basta que o faça por meio de petição subscrita por seu advogado. Também por conta dessa finalidade (obtenção da confissão), a parte cujo depoimento tenha sido requerido pela parte contrária deve ser intimada pessoalmente para o ato e do mandado deve constar o alerta de que se presumirão confessados (confissão ficta) os fatos contra ela alegados, caso não compareça ou, comparecendo, recuse-se a depor.

O depoimento pessoal deve ser tomado em audiência de instrução e julgamento, disso diferindo, também, do interrogatório livre, que, por expressa disposição, pode ser realizado em “qualquer estado do processo” (art. 342, CPC). 

Na audiência de instrução e julgamento, os depoimentos pessoais das partes (primeiro o do autor e depois o do réu, caso requerida a tomada do depoimento de ambos – art. 452, inciso II), serão tomados pelo juiz após as respostas do perito e dos assistentes técnicos aos quesitos de esclarecimento eventualmente formulados pelas partes (art. 452, CPC). 

Diz o CPC que o depoimento pessoal deve ser tomado pelo juiz seguindo-se a mesma forma prescrita para a inquirição de testemunhas (art. 344). Isso é apenas em parte verdadeiro, pois, por exemplo, o advogado da parte depoente não pode realizar perguntas ao seu cliente. As perguntas são feitas apenas pelo juiz e, após, pelo advogado da parte contrária (que as fará por intermédio do juiz, e não diretamente).

Outra particularidade do depoimento pessoal diz respeito ao fato de que, no caso da tomada do depoimento pessoal de ambas as partes, aquela que ainda não depôs (o réu) não pode assistir ao interrogatório da outra (o autor). Ficarão na sala, além do juiz e dos servidores, apenas o advogado do autor (o qual não poderá fazer perguntas) e o advogado do réu (que poderá formular perguntas após o juiz). Já por ocasião do depoimento pessoal do réu (que se dá após o depoimento do autor), poderá o autor permanecer na sala. O fundamento dessa regra está no seguinte: se permitido fosse ao réu (que deporá em segundo lugar) assistir o depoimento pessoal do autor,  ser-lhe-ia concedida uma certa vantagem, em afronta ao princípio da igualdade, já que, após ouvir o que disse o autor, poderia ele (réu) narrar os fatos da maneira que melhor lhe conviesse para contradizer o afirmado pela parte contrária. Em resguardo à paridade de armas, estipula o Código, então, a vedação a que a parte que não depôs assista ao depoimento da outra.

Todavia, pelo dito popular, “toda regra tem exceção”. Aqui não é diferente. Se o réu advogar em causa própria, terá, sim, de assistir o depoimento pessoal do autor, já que poderá, como advogado, fazer perguntas. A solução, diante desse caso, é alterar-se a ordem dos depoimentos. Primeiro, então, toma-se o depoimento pessoal do réu, para só depois tomar-se o depoimento do autor.  Agora, se ambos advogarem em causa própria, aí não haverá porque se inverter a ordem do art. 452, inciso II.

O representante da parte incapaz e o presentante da pessoa jurídica não prestam depoimento pessoal, já que não são partes da causa. Ademais, como a finalidade do depoimento pessoal é a de obter a confissão, caso o presentante ou representante tenham poderes para confessar, poderão fazê-lo por meio de petição nos autos.

Já que o fim do depoimento pessoal é a confissão, tratemos dela.

A confissão não é propriamente um meio de prova. Ela pode, sim, advir de um meio de prova, como é o caso de uma confissão obtida por meio de  depoimento pessoal (confissão judicial) ou por meio de documento (confissão extrajudicial). Pode ela até mesmo advir do comportamento processual da parte, como acontece no caso da parte que, intimada pessoalmente para depoimento pessoal, não comparece ou, comparecendo, recusa-se a depor (confissão ficta – art. 343 do CPC).

Da confissão desfaz a controvérsia a respeito do fato confessado, o qual não mais dependerá de prova (art. 334).

Segundo o que dispõe o art. 348 do CPC, dá-se a confissão quando a parte admite como verdadeiro um fato, relativo a direito disponível, que seja contrário ao seu interesse e, ao mesmo tempo, favorável ao interesse da parte contrária.

Mas não é só. Embora o CPC não indique expressamente, há, também, confissão, quando a parte nega um fato, relativo a direito disponível, que seja favorável ao seu interesse.

Desses conceitos é possível ver: I) que a confissão diz respeito a um ou mais fatos específicos e determinados; II) que não se admite confissão de fatos relativos à direitos indisponíveis; e III) que a confissão pode ser feita tanto pelo autor quanto pelo réu.

Dessas características é que se podem dessumir as distinções entre a confissão e o reconhecimento do pedido. Ao contrário daquela, o reconhecimento do pedido, como o próprio nome sugere, é o acolhimento da pretensão movida pela parte contrária, logo, diz respeito a todos os fatos que fundamentam essa pretensão; podem esses fatos ser relativos a direitos disponíveis ou indisponíveis; e somente pode partir do réu (ou do autor reconvindo, no caso de haver sido proposta reconvenção), já que é contra ele que o pedido é feito.

Ademais, ao contrário do que se dá no caso de reconhecimento do pedido, a confissão do réu, só por si, não importa no acolhimento da pretensão do autor, pois pode o réu, por exemplo, em contestação, admitir a verdade de fato alegado pelo autor, mas opor-lhe outro que seja impeditivo, modificativo ou extintivo do direito reclamado, e isso importar no julgamento de improcedência.

Além dos já indicados, outro requisito de validade e eficácia da confissão, é o de que o fato confessado não exija forma específica prevista em lei. Veja-se como exemplo o casamento e a propriedade imóvel. Não basta que a parte “confesse” ser casada ou proprietária de um imóvel determinado. A prova tanto do casamento quando da propriedade imóvel deve ser feita por certidão fornecida pelo cartório de registro civil ou de registro de imóveis, conforme o caso.

Vencidos esses pontos, vamos às classificações a respeito da confissão.

As classificações mais comuns são as que dividem as confissões em: I) judicial ou extrajudicial; II) ficta ou real; e III) espontânea ou provocada.

A própria lei distingue a confissão judicial da confissão extrajudicial.  É judicial a confissão feita perante o juiz, seja ela lançada nos autos por meio de petição subscrita por advogado com poderes para confessar, seja ela proferida em audiência, por ocasião do depoimento pessoal prestado pela parte. Extrajudicial, ao contrário, é a confissão feita fora do processo, por escrito ou verbalmente à parte ou a quem a represente, ou ainda feita a terceiro.

Ficta é a confissão presumida de um determinado comportamento processual adotado pela parte, como é o caso da “pena de confissão” que incide em desfavor do réu que se recusa a prestar depoimento pessoal (art. 343, § 2º, do CPC). Real é a confissão expressada pela parte.

Espontânea é aquela confissão que a parte faz por livre iniciativa sua, seja pessoalmente ou por meio de mandatário com poderes especiais. Provocada é a confissão feita pela própria parte pessoalmente como o resultado de perguntas articuladas pelo juiz ou pela parte contrária.

Da conjugação desses conceitos, é possível fixar o seguinte:

-  a confissão judicial pode ser ficta (presumida) ou real (expressa verbalmente ou por escrito);

-  a confissão extrajudicial só pode ser real (expressa verbalmente ou por escrito), não havendo falar em confissão extrajudicial ficta (presumida);

-    a confissão judicial real (feita expressamente na presença do órgão jurisdicional) pode ser espontânea ou provocada;

-  a confissão ficta (presumida e sempre judicial) só pode ser espontânea, não se admitindo em confissão ficta provocada. P. ex.: o autor impede maliciosamente o comparecimento do réu à audiência de instrução e julgamento na qual seria tomado o seu depoimento pessoal. Dessa ausência do réu não decorrerá o efeito da confissão, porque a ausência não foi fruto de sua vontade livre.

Estabelecidos esses limites, algumas especificidades da confissão judicial e a da confissão extrajudicial.

A confissão judicial pesa apenas contra o confitente e seus sucessores. Não produz nenhum efeito com relação a seus eventuais litisconsortes. Agora, se o litisconsórcio integrado pelo confitente for unitário e os litisconsortes não assentirem com a confissão, esta não produzirá efeitos nem mesmo contra o confitente.

Se a demanda versar sobre bens imóveis ou direitos sobre imóveis alheios, a confissão de um cônjuge apenas valerá se acompanhada da do outro cônjuge.

A confissão extrajudicial, como dito antes, pode ser feita verbalmente ou por escrito à parte ou a quem a represente, ou, ainda, a terceiro. À confissão extrajudicial feita verbalmente se aplica o mesmo requisito de validade e eficácia já comentado: se o fato confessado exigir forma específica prevista em lei, de nada valerá a confissão feita a seu respeito.

A confissão extrajudicial, quando feita por escrito dirigido à parte ou a quem a represente, tem a mesma eficácia que a confissão judicial. Não goza dessa eficácia, todavia, a confissão extrajudicial feita por escrito dirigido a terceiro ou constante em testamento, a qual será livremente apreciada pelo juiz.

O CPC proclama, ainda, a indivisibilidade da confissão e a esse respeito diz o seguinte: “não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável”(art. 354).

Essa previsão é, no mínimo, curiosa. É que esse artigo prevê ser possível, ao menos hipoteticamente, identificar-se na confissão dois tópicos: o tópico que beneficia a parte contrária e o tópico que a ela é desfavorável.

O artigo é expresso ao fazer essa curiosa distinção. Para que não haja nenhuma dúvida, vou repetir a leitura do artigo: “Art. 354. A confissão é, de regra, indivisível, não podendo a parte, que a quiser invocar como meio de prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desvaforável. [...]”

Ora, o que acontece é o seguinte: o que é confissão? Não diz o CPC (art. 348) haver confissão “quando a parte admite a verdade de um fato contrário ao seu interesse e FAVORÁVEL ao adversário”? Então como é que o mesmo Código diz não poder esse “adversário” rejeitar a confissão no que lhe for DESFAVORÁVEL? Ora, o tal “no que lhe for desfavorável” não é confissão!

Não existe confissão de um fato desfavorável ao adversário. Quem afirma um fato desfavorável à parte contrária, não pratica confissão. O próprio CPC diz isso ao conceituar confissão como a admissão, por uma parte, de um fato favorável ao adversário.

Logo, a referência que faz o artigo 354 a respeito de uma suposta parcela da confissão que seria desfavorável ao adversário do confitente é, no mínimo, equivocada. O fato afirmado pelo “confitente” em desfavor de seu adversário, não é uma confissão, mas uma alegação como outra qualquer feita no processo, a depender de prova.

Mas, não bastasse isso, o mais curioso é que aquele mesmo art. 354, em sua parte final diz o seguinte: “Cindir-se-á, todavia [a confissão], quando o confitente lhe aduzir fatos novos, suscetíveis de constituir fundamento de defesa de direito material ou de reconvenção”.

O que essa parte final do art. 354 refere é que, além da confissão (admissão de um fato favorável ao adversário), o confitente pode, no mesmo ato, aduzir favor novos, desfavoráveis ao adversário, o quais, como já dito, não são uma confissão e tampouco integram a confissão feita, embora declarados na mesma ocasião (a do depoimento pessoal).

Esses fatos desfavoráveis à parte contrária narrados por ocasião do depoimento pessoal não se presumem verdadeiros, mesmo que na ocasião tenha havido confissão acerca de outros fatos (favoráveis ao adversário, é lógico). A confissão, sim, dispensa a produção de outras provas sobre o fato confessado, por torná-lo incontroverso. Mas os fatos desfavoráveis ao adversário, narrados na mesma ocasião, não se presumem verdadeiros, não são incontroversos e continuarão a depender de prova.

A respeito da confissão, terminamos aqui. Passemos ao exame de outro meio de prova, a prova documental.

2.2) Prova documental

Documento é todo e qualquer objeto que possa cristalizar, que possa tornar duradouro o registro de um fato efêmero, passageiro.

Ao contrário do que comumente se pensa, documento não é só o objeto formado pela palavra escrita, já que diversas são as formas de se registrar um fato. Assim, no direito processual, o conceito do que seja documento abrange objetos diversificados.

Para a mais exata compreensão do tema, é importante diferenciar autor material e autor intelectual de um documento. O autor material é aquele que elabora o objeto, o suporte, e sobre ele lança ideias que não são suas, de sorte que não é responsável pelo teor dessas ideias. Já o autor intelectual é, digamos, o dono dessas ideias, é quem transmite o pensamento que formará o conteúdo do documento, ainda que tal conteúdo seja lançado no documento por outra pessoa (autor material). O documento fará prova contra o autor intelectual quanto contiver a sua assinatura.

Outro conceito importante é o de autenticidade. Autentico é o documento de autoria certa, por conta da incolumidade de seu suporte. Autenticidade nada diz com o conteúdo do documento. Um documento pode ser autentico e dele constar declarada uma inverdade. A autenticidade diz respeito à veracidade da declaração de ciência nele lançada pelo autor material. A prova que o documento faz é da declaração, não da veracidade do fato declarado. O art. 364 do CPC não deixa dúvida a esse respeito: “art. 364. O documento público faz prova não só da sua formação, mas também dos fatos que o escrivão, o tabelião, ou o funcionário declarar que ocorreram na sua presença.”

É possível conceituar, ainda, o que seja um documento público e um documento particular: i) público é o documento quando o seu autor material for uma autoridade pública no desempenho de sua função; ii) particular é o documento cujo autor material não é autoridade pública no desempenho de função.

Não é só o fato de o documento ter como autor material uma autoridade pública que o fará um documento público. É imprescindível que essa autoridade pública, ao elaborar o suporte e nele lançar as declarações, esteja no desempenho uma função sua, inerente ao cargo. Se isso não ocorrer, se o documento for feito por oficial público incompetente ou não observar as formalidade legais para o ato, não será um documento público para fins legais. Num caso como este, a eficácia probatória do documento formado será a mesma de um documento particular, desde que tenha sido assinado pelas partes.

Há casos em que a lei exige como da substância do ato um instrumento público. Nesses casos, sem o documento público não se considerará provado o fato, por mais especial que seja o outro documento ou meio de apresentado.  É o que ocorre com a propriedade imóvel, por exemplo.

Lançados esses conceitos iniciais, passemos à questão da produção da prova documental.

O CPC determina competir às partes instruir a petição inicial ou a resposta com os documentos destinados a provar as alegações nelas lançadas (art. 396). E diz, ainda, em seu art. 397, poderem as partes trazer aos autos, a qualquer tempo, novos documentos, desde que se destinem a fazer prova de fatos ocorridos depois da inicial e da contestação ou que sirvam para contrapor os que foram produzidos pela parte contrária. Quando isso ocorrer, a parte deverá requerer ao juiz a juntada, e este deverá ouvir a parte contrária, fixando-lhe o prazo de 5 dias para manifestação (art. 398).

Esses disposições, que constam de apenas 3 artigos, são o regramento básico quando o assunto é a produção da prova documental.

Desses três dispositivos dessoem-se as seguintes conclusões:

-  os documentos que obrigatoriamente devem acompanhar a inicial e a contestação são aqueles que servem de prova dos fatos tidos como pressupostos da pretensão e da defesa apresentadas pelas partes;

-  o autor, ao protocolizar sua petição inicial, não pode prever quais serão os fatos apresentados pelo réu em sua contestação. Como consequência disso, poderá o autor ter de trazer aos autos, não junto com a inicial, mas em momento posterior, outros documentos, os quais, ao contrário do que diz o art. 397, não necessariamente terão de dizer respeito a “fatos ocorridos depois dos articulados”. Poderão sim, dizer respeito a fatos ocorridos antes dos articulados, mas que não se prestavam, de início, a consubstanciar a pretensão do autor tal como trazida na petição inicial, servindo apenas como contraposição à defesa lançada pelo réu. 

Aproveitando o gancho da prova documental, vale a pena lançar aqui algumas observações a respeito de dois procedimentos regulados pelo CPC no capítulo “Das provas”, mas que não são propriamente meios de prova. São os seguintes: exibição de documento ou coisa e a arguição de falsidade.

A exibição de documento ou coisa é, como já dito, um ônus (e não um dever) para as partes.

Para terceiros, no entanto, é um dever que consta do art. 341 do CPC: “art. 341. Compete ao terceiro, em relação a qualquer pleito: [...] II – exibir coisa ou documento, que esteja em seu poder.” Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para o descobrimento da verdade.

A prova documental, via de regra, é trazida aos autos espontaneamente pela parte, desde que, é claro, não seja essa prova contrária a seus interesses. Nesse caso, poderá a parte contrária valer-se do expediente de exibição de documento.

É, assim, por meio do expediente de exibição de documento ou coisa que se buscará trazer aos autos o documento e/ou objeto que se encontre sob a posse da parte contrária ou de terceiro e que seja útil para a formação do convencimento do julgador a respeito dos fatos da causa.

O CPC contempla três espécies de pedido de exibição de documento ou coisa:

i)   por meio de uma demanda cautelar preparatória voltada exclusivamente à exibição de documento ou coisa  de que se valerá o requerente para estear futura demanda de conhecimento (arts. 844 e 845 do CPC);

ii)   incidentalmente no processo em curso, por uma de suas partes contra a outra, caso em que a consequência da não exibição será a admissão dos fatos como verdadeiros, exceto se a parte demonstrar ser legítima sua recusa em exibir o documento;

iii)   contra terceiros, tratando-se, neste caso, de uma ação em que o terceiro será citado para responder em 10 dias, e no âmbito da qual, reconhecido o dever de exibir e não sendo depositado voluntariamente o documento ou a coisa, deverá o juiz expedir mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policiar, tudo sem prejuízo da responsabilidade por crime de desobediência (art. 362).

Aqui interessam as duas últimas espécies: a exibição incidental requerida por uma das partes contra a outra, e a exibição contra terceiros.

Na primeira delas, deferido pelo juiz, por meio de decisão interlocutória, o pedido incidental de exibição de documento ou coisa em face da parte adversa, esta será intimada a responder em 5 dias. Poderá a parte: exibir o objeto; não exibi-lo e não responder; afirmar não estar a coisa sob sua posse; admitir possuir o documento mas recusar sua exibição.

Vejamos um a um:

i) se, no prazo, a parte exibir o documento, o juiz mandará que se proceda sua juntada aos autos;

ii)  se a parte não exibir e não responder, o juiz admitirá como verdadeiros os fatos que, por meio do documento ou coisa, a parte requerente pretendia provar. É importante lembrar que esse efeito não incidirá nos casos em que a lei não admitir a presunção de verdade, hipóteses em que poderá o juiz mandar apreender o documento ou a coisa. A jurisprudência do STJ não tem admitido a fixação de multa pecuniária com o objetivo de compelir a parte adversa a apresentar o documento ou coisa, pois no incidente de exibição movido contra a parte contrária (não no incidente movido contra terceiro) a pena de confissão é suficiente para alcançar o fim pretendido pela parte requerente;

iii)  se a parte, intimada a exibir, afirmar não possuir o documento ou coisa, o juiz permitirá que a parte requerente comprove, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade;

iv)  se a parte admitir estar na posse do documento ou coisa, mas recusar-se a exibi-la, caberá ao juiz examinar a legitimidade de sua escusa. O juiz considerará ilegítima a recusa nos seguintes casos: quando a parte tiver a obrigação legal de exibir; quando a parte que recusar a exibição já tiver aludido ao documento ou à coisa, no processo, com o intuito de produzir prova; quando o documento, por seu conteúdo, for comum às partes. Em qualquer desses casos, o juiz rejeita a escusa e faz incidir a presunção de verdade. Caso acolha uma outra escusa apresentada pela parte, desaparecerão os efeitos da intimação para exibir.

Já a exibição movida contra terceiro é uma demanda incidental intentada, como a própria designação sugere, para obter-se a  exibição de documento ou coisa que se encontre na posse de quem não é parte no feito.

Requerida, por uma das partes, a exibição de documento ou coisa em poder de terceiro, este será citado para, em 10 dias, responder. Se negar a obrigação de exibir, ou se negar a posse do documento ou da coisa, o juiz designará audiência, na qual poderá tomar o depoimento pessoal das partes, ouvirá testemunhas, se necessário, e proferirá sentença.

Julgado procedente o pedido de exibição, o juiz ordenará que se proceda ao depósito do documento ou coisa em cartório ou noutro lugar designado, no prazo de 5 dias. Se não cumprida essa ordem pelo terceiro, o juiz expedirá mandado de apreensão, requisitando, se necessário, força policial, sem prejuízo da responsabilidade pelo crime de desobediência.

O CPC arrola, ainda, o casos em que a parte ou o terceiro poderá se escusar, validamente, a exibir o documento ou coisa. São os casos indicados no art. 363 do CPC, cujo rol, todavia, não é taxativo, podendo o juiz, face a outros “motivos graves”, não indicados no artigo, acolher a justificativa apresentada e dispensar a parte ou o terceiro de exibir do dever de exibir.

No tocante à arguição de falsidade de documento, vem ela prevista nos arts. 390 e seguintes do CPC.

Sua finalidade é a obtenção de uma sentença que declare como falso um documento apresentado pela parte contrária. É bastante semelhante, por isso, à ação declaratória incidental, embora possa ser suscitada na própria contestação ou nos 10 dias seguintes a intimação da juntada do documento aos autos. Tem lugar em qualquer tempo e grau de jurisdição, suspende o andamento do processo principal, e é decidida, após a realização de perícia, por sentença de natureza dúplice, o que significa o seguinte: se julgada procedente, será declarada a falsidade; se julgada improcedente, será declarada a autenticidade do documento impugnado.

2.2) Prova testemunhal

Prova testemunhal é a narração, por pessoa capaz, imparcial e estranha ao processo, de fatos importantes à solução do litígio, por ela conhecidos sensorialmente (por meio da visão, audição etc.).

A regra é a de que a prova testemunhal é admitida como prova de todo e qualquer fato. Excetuam-se dessa regra aqueles casos em que, por disposição legal expressa, (i) um documento seja da substância do ato (como se dá com a propriedade e o casamento) ou quando, também por disposição expressa, (ii) inadmitir-se a prova testemunhal. Exemplo dessa última hipótese é a vedação ao uso da prova exclusivamente testemunhal com o fito de demonstrar-se a existência ou os termos de um negócio jurídico cujo valor ultrapasse o décuplo do maior salário mínimo vigente no País ao tempo em que celebrado (art. 227 do Código Civil, e arts. 401 e 402 do CPC).

Se o fato que se deseja provar por meio de testemunhas já se encontrar provado por documentos ou confissão da parte, ou quando cuida-se de fato que apenas por meio de documento ou exame pericial puder ser provado, o juiz indefere a ouvida de testemunhas.

O que se vê na prática, é o acertado indeferimento da prova testemunhal quando as demais provas existentes nos autos forem consideradas pelo juiz suficientes para o esclarecimento dos fatos. É dever do juiz indeferir atos inúteis, de cunho exclusivamente protelatório.

Não podem servir como testemunha as pessoas incapazes, impedidas ou suspeitas, conforme preveem os parágrafos no art. 405. Essa incapacidade, impedimento ou suspeição deve ser arguida pela parte contrária por ocasião da inquirição da testemunha em audiência, logo após o término de sua qualificação, sob pena de preclusão. É a chamada contradita de testemunha. Mas, mesmo sem a contradita da parte contrária, pode o juiz, de ofício, conhecer presente uma das causas de impedimento, suspeição ou incapacidade, e deixar de inquirir a testemunha arrolada.

Mas o próprio CPC prevê como válida a ouvida de uma testemunha impedida ou suspeita (mas não de uma testemunha incapaz), se considerar o juiz “estritamente necessário”, caso em que os depoimentos serão tomados independentemente de compromisso e a eles o juiz atribuirá o “valor que possam merecer”.

Outra regra é a que prevê deva a prova testemunhal ser colhida pelo juiz da causa, por ocasião da audiência de instrução e julgamento. Tal como toda a regra, há também aqui exceções, e são as seguintes:

-  se uma testemunha tiver de ausentar-se ou se, por motivo de saúde ou por conta de sua idade, receie o juiz que ela não mais exista ou encontre-se impossibilitada de comparecer em juízo, ao tempo em que for realizada a audiência de instrução e julgamento, poderá o juiz colher seu testemunho antecipadamente, em audiência especialmente designada para esse fim;

-  se a testemunha residir fora da comarca ou sessão judiciária em que processada a causa, o juiz da causa deverá expedir carta precatória para sua ouvida. Nesse caso, portanto, a coleta da prova testemunhal além de não se dar em audiência de instrução e julgamento, não será feita pelo juiz da causa;

-   se a testemunha estiver em condições de depor, mas não em condições de comparecer ao fórum, designará o juiz dia, hora e lugar para ouvi-la;

-  se a testemunha for uma das autoridades indicadas no art. 411 do CPC, ela será ouvida em sua residência ou no local em que exercer suas funções, no dia, hora e local que ela mesma definirá, por solicitação do juiz.

Ao designar audiência de instrução e julgamento (o que fará, de regra, por ocasião da audiência preliminar), o juiz deve fixar prazo para que as partes depositem em cartório o rol das testemunhas que desejam ouvir. Caso o juiz designe audiência de instrução e julgamento, sem fixar prazo para as partes apresentarem rol de testemunhas, estas deverão faze-lo em até 10 dias antes da data designada para a audiência. O estabelecimento, por lei, dessa antecedência mínima, tem a finalidade de proporcionar à parte contrária ciência do nome e da qualificação das testemunhas, para que possam impugná-las, contraditá-las e melhor inquiri-las.

Cada parte pode arrolar, no máximo, 10 testemunhas. Veja-se: cada parte, e não cada polo processual. Isso quer dizer que, ainda que, por exemplo, no polo ativo da demanda figurem 10 litisconsortes, poderá cada um dos autores arrolar até 10 testemunhas.

Mas a própria lei estabelece um limite: se qualquer das partes oferecer mais de 3 testemunhas para provar um mesmo fato, caso os depoimentos das 3 primeiras habilitem o juiz a formar segura convicção, poderá ele dispensar a ouvida das demais.

Tudo o que antes foi dito sobre o poder instrutório do juiz vale também para a prova testemunhal (aliás, vale para todo e qualquer meio de prova). Tanto vale, que o CPC é expresso (e, se é expresso, resta alguma dúvida? Alguém negará a um juiz esse poder?) ao dizer que o juiz pode ordenar, de ofício, (i) a inquirição das testemunhas referidas nas declarações das partes ou das testemunhas, bem como (ii) a acareação de duas ou mais testemunhas, ou de alguma delas com a partes, quando, sobre fato determinado e importante para solução da causa, divergirem as suas declarações.

2.3) Prova pericial

Perícia, segundo o Dicionário Aurélio, é a “vistoria ou exame de caráter técnico especializado”.

No direito processual, a prova pericial é um meio de prova que se destina a proporcionar ao julgador, por intermédio da utilização de conhecimento técnico especializado de outrem, o mais preciso conhecimento a respeito de um determinado fato. Pode ela consistir em exame (perícia sobre coisas móveis), vistoria (perícia sobre bens imóveis) ou avaliação (perícia que se presta a aferir o valor de determinado bem ou direito).

Vejamos os casos em que o juiz deverá indeferir a realização de perícia, os casos em que o juiz poderá indeferir a realização de uma perícia, e, também, a hipótese em que o juiz poderá determinar a realização de uma perícia simplificada.

Será indeferida, pelo juiz, a realização de perícia, se, para o conhecimento do fato, não for necessário conhecimento técnico-especializado. A realização de perícia também será indeferida se a verificação pretendida pela parte for impraticável ou se desnecessária for a sua realização para a solução do feito.

De outra banda, poderá ser indeferida a prova pericial pelo juiz, quando este considerar suficientes as “provas sobre as questões de fato, parecer técnicos ou documentos elucidativos” apresentados pelas partes, na inicial e na contestação (art. 427, CPC)

Poderá, ainda, o juiz dispensar a realização de perícia quando for possível formar sua convicção a respeito dos fatos valendo-se de “regras de experiência técnica”, conforme permite o art. 335 do CPC[2]. É o caso do uso de uma regra técnica que, por ser corriqueira, tenha se tornado de  conhecimento geral, vulgar, não mais se constituindo apanágio de especialistas, detentores de conhecimento técnico-científico de elevada complexidade. Como exemplo, pode-se citar a incidência da força da gravidade sobre todos os corpos. Não é necessário a realização de perícia para que se conheça a respeito de tal fenômeno físico.

Hipótese diversa se dá no caso da perícia simplificada. Ocorre quando, embora não possa o juiz valer-se de regras de experiência técnica (não lhe sendo possível, portanto, dispensar a perícia), não necessite ele, para exato conhecimento da causa, da realização de um exame pericial formalmente completo. Nesse caso, o juiz não dispensará a perícia, mas determinará que ela se dê de forma simplificada.

Como regra, o juiz, ao nomear perito, deve fixar, de imediato, prazo para a entrega do laudo, bem como determinar a intimação das partes para que, em 5 dias, indiquem assistente técnico e apresentem quesitos. A prova pericial simplificada poderá ser determinada “quando a natureza do fato o permitir”, conforme autoriza o § 2º do art. 421. Assim, podendo o fato ser facilmente verificável, de forma plena e satisfatória, por quem tenha conhecimento técnico especializado (e não pelo próprio juiz por meio de regras de experiência técnica), o juiz nomeará perito e intimará as partes para a indicação de assistente técnico, mas dispensará a elaboração de laudo pericial e a apresentação de quesitos escritos. Designará, então, audiência de instrução e julgamento, à qual deverão comparecer o perito e o assistente técnico para, no próprio ato, examinarem ou avaliarem informalmente a coisa, após o que responderão às perguntas formuladas pelo juiz. Esse é o exame pericial simplificado, que, em suma, consiste no exame da coisa feito, sim, por um perito, mas na própria audiência de instrução e julgamento.

É importante observar que essa perícia simplificada (realizada em audiência, sem a formulação de laudo pericial) não se confunde com aquela hipótese tratada no art. 435 do CPC, que cuida do comparecimento do perito em audiência de instrução e julgamento a pedido das partes, para esclarecimentos. Nesse caso, não há perícia simplificada, mas perícia comum, ordinária. O comparecimento do experto em audiência se dá apenas para que sejam prestados esclarecimentos às partes a respeito da perícia já feita e do laudo já confeccionado.

Quem pode servir como perito?

O perito dever ser escolhido pelo juiz entre profissionais de nível universitário, devidamente inscritos no órgão de classe competente, e que deverão comprovar sua especialidade na matéria sobre a qual opinarão, caso assim tenha requisitado o juiz.

Se, para a exata compreensão dos fatos, mostrar-se necessário a posse de conhecimento especializado relativo a mais de uma área do saber, poderá o juiz nomear mais de um perito e a parte indicar mais de um assistente técnico. É a chamada perícia complexa.

Quando na comarca ou seção judiciária não houver profissionais qualificados que preencham esses requisitos, a indicação do perito é de livre escolha do juiz.

Aos peritos estendem-se os mesmos motivos de impedimento e de suspeição aplicáveis aos juízes, caso em que poderão as partes impugnar a nomeação e o juiz, se acolhe-la, substituir o perito nomeado. Também poderá o juiz substituir o perito se constatar carecer ele de conhecimento técnico ou científico, ou se ele deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinalado.

Se o juiz entender haver omissão ou inexatidão nos resultados apresentados pela perícia feita, poderá determinar, de ofício ou a requerimento, uma segunda perícia sobre os mesmo fatos já periciados, a qual não substituirá a primeira perícia, ficando uma e outra à sua livre apreciação.

Para encerrar o assunto “perícia”, vale sublinhar que o juiz não está adstrito ao laudo pericial. Seu convencimento e a decisão da causa poderão ser informados por outros elementos de convicção existentes nos autos. É o livre convencimento motivado.

É certo que a prova pericial, por ser uma prova técnica, possui, de regra, uma maior carga persuasória, e o juiz poderá, sim, fundar sua decisão nas conclusões obtidas por meio da perícia.

No entanto, não fica o juiz de mãos atadas frente à conclusão exposta no laudo pericial. Se existirem outras provas nos autos que apontem em sentido diverso do encetado pelo perito, poderá o juiz, declinando expressamente seus motivos, afastar a conclusão pericial e decidir de outra forma, desde que, insista-se, fundamente sua decisão em elementos constantes dos autos e aferíveis pelas partes.

2.4) Inspeção judicial

A inspeção judicial é meio de prova que consiste no contato direto do juiz com pessoa, coisa ou lugar relacionado com o litígio. Como todo o meio de prova, serve a promover o conhecimento do julgador a respeito de fatos relevantes para o julgamento da causa. Como diz o CPC, o juiz inspeciona pessoalmente pessoa ou coisa “a fim de se esclarecer sobre fato, que interesse à decisão da causa” (art. 440).

Em alguns casos, só a observação pessoal do juiz, o emprego de sua percepção sensorial sobre pessoa e/ou coisa, é capaz de fornecer elementos sólidos de convicção. Nesses casos é que se deve realizar a chamada inspeção judicial.

Diz o CPC, que o juiz irá ao local onde se encontre a pessoa ou coisa quando julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos; quando a coisa não puder ser apresentada em juízo, sem consideráveis despesas ou graves dificuldades; e quando se fizer necessária  a reconstituição dos fatos.

A inspeção efetiva-se por meio de ato privativo do juiz, indelegável a quem quer que seja. Pode ser realizada de ofício ou a requerimento da parte, conforme expressamente diz o CPC – mais uma vez, veja-se, a lei processual civil refere ao poder instrutório do juiz (art. 440) –, e pode ser efetivada em qualquer fase do processo.

Pode ocorrer de o juiz, durante a inspeção, necessitar de explicações técnicas atinentes a aspectos que fujam do seu conhecimento. Para tanto, poderá nomear, previamente ao ato, um ou mais peritos que lhe assistirão.

A presença de um perito por ocasião da inspeção não a transforma em prova pericial, já que não haverá oferecimento de quesitos, tampouco a apresentação de laudo. Além disso, o conhecimento obtido por meio da inspeção judicial não se compara àquele obtido por intermédio de uma perícia, pois é mais superficial, menos aprofundado, se comparado a esse. Mas não por isso será menos relevante do que a perícia, pois há impressões que somente são obtidas através do contato direto com a coisa. Um intermediário que a examinasse (a coisa), narraria as impressões que obteve, as quais poderiam ser ou não fiéis à realidade, não por má-fé ou desídia do intermediário, mas porque é natural que assim seja. O olhar de cada um sobre um objeto é único, fruto de suas experiências, preferências e concepções prévias. Se o juiz julgará a causa, cabe a ele, e não a um terceiro, examinar pessoalmente a coisa, pessoa ou o lugar, quando tal providência for necessária. Na inspeção judicial faz-se verdadeiramente presente o princípio da identidade física do juiz.

As partes têm o direito de assistir a inspeção, podendo prestar esclarecimentos e fazer observações que reputem de interesse para a solução da causa. Para tanto, deverão ser cientificadas com antecedência sobre o dia, hora e local em que será realizada a inspeção.

Concluída a diligência, o juiz mandará lavrar auto circunstanciado (que poderá ser instruído com desenho, gráfico ou fotografia), nele mencionando tudo quanto for útil à decisão da causa.

A lavratura do auto circunstanciado é um dever que, se não atendido, comprometerá não só a eficácia, mas a própria validade da inspeção, pois, como já dito lá no início dessa exposição, no sistema do livre convencimento motivado, não interessa qual seja a crença íntima do juiz a respeito dos fatos. É é indispensável saber como o juiz conheceu os fatos, calcado em quais informações.

Cito aqui, novamente, o art. 131 do CPC, para dizer que o juiz deve decidir a causa “atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos”. Se o juiz realiza inspeção judicial e não lavra auto, impedirá que as partes exerçam pleno controle sobre a atividade jurisdicional, por mais que essas tenham presenciado a inspeção, pois se o juiz, ao proferir sentença, valer-se de elementos de convicção que não constam dos autos, como poderão as partes exercer com efetividade o seu direito à impugnação recursal da sentença?


Notas

[1]    “art. 342. O juiz pode, de ofício, em qualquer estado do processo, determinar o comparecimento pessoal das partes, a fim de interrogá-las sobre os fatos da causa.”

[2]    “Art. 335. Em falta de normas jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e ainda as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a esta, o exame pericial.”



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

XAVIER, Marcelo F.. Provas: conceito, finalidade e formas de sua produção no processo civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3412, 3 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22930. Acesso em: 29 mar. 2024.