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Entre legitimidades rivais: tensões e potencialidades na relação de accountability vertical entre o Judiciário e as representações políticas no Estado Constitucional Brasileiro

Entre legitimidades rivais: tensões e potencialidades na relação de accountability vertical entre o Judiciário e as representações políticas no Estado Constitucional Brasileiro

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Identificam-se os fundamentos de legitimação dos mecanismos de controle jurisdicional das atividades administrativa e legislativa do Estado brasileiro, mormente no que concerne a eventuais incompatibilidades ou tensões entre tal modo de accountability horizontal e o princípio da soberania popular.

Resumo: O presente artigo se propõe a avaliar os limites do controle jurisdicional dos atos do Poder Legislativo e do Poder Executivo no Brasil. Primeiramente, apresentam-se argumentos segundo os quais o controle judicial dos atos de outros poderes deve ser  restrito, uma vez que o Poder Judiciário não possuiria a mesma legitimidade dos demais. Em seguida, expõe-se uma segunda perspectiva,  baseada na Teoria do Discurso de J. Habermas, segundo a qual o controle jurisdicional dos atos do Executivo e do Legislativo assegura, antes de ameaçar, as condições sociais e normativas da soberania popular. Conclui-se em favor desta última posição, uma vez que a atuação do Judiciário garante a observância dos direitos das minorias e o cumprimento das liberdades individuais, elementos sem os quais não há democracia.

Sumário: 1– Introdução; 2- Elementos característicos da tripartição de poderes no Brasil; 3- Principais argumentos em favor de restrições ao accountability horizontal exercido pelo Poder Judiciário; 3.1- Desrespeito aos desígnios das maiorias; 3.2- A Primazia do Poder Legislativo como Corolário da Democracia; 3.3- Os Riscos Inerentes à Judicialização da Política; 4-  Os argumentos em defesa da solução judicial de controvérsias cuja natureza é política; 4.1- Definindo a ideia de democracia; 4.2– A Judicialização da Política: outro conceito, outras conclusões; 4.3- Limites da accountability horizontal exercida pelo Poder Judiciário; 5- Conclusões; 6- Referências Bibliográficas


1- Introdução

É difundida a ideia de que o princípio democrático, uma vez concebido de modo absoluto (e, destarte, alheio a contenções constitucionais que recaiam sobre a vontade das maiorias), torna-se autofágico, ao tempo em que pode incorrer contra as minorias e, por conseguinte, contra a pluralidade de concepções, interesses, origens, classes, etnias e gêneros de que se compõem as sociedades democráticas. Sob tal premissa, é tarefa do Poder Judiciário, nas nações modernas do Ocidente, exercer a jurisdição constitucional (o que inclui desde o controle de constitucionalidade das leis até as tutelas jurisdicionais in concreto que atribuem às fontes jurídicas formais de inferior status hierárquico um sentido condizente com o Texto Maior), assegurando, assim, que a democracia jamais incorra em contradições performativas que subtraiam as condições, fáticas e deontológicas, de possibilidade do respectivo funcionamento.

Um relevante aspecto da jurisdição constitucional é a competência para o controle da validade dos atos  emanados de outras funções do Estado, aqui definida como uma espécie da categoria jurídico-política accountability horizontal, assim entendida em contraposição aos mecanismos normativos orientados à transparência, prestação de contas e controle exercidos pelos cidadãos em relação ao Estado (eleições, orçamentos participativos, conselhos, audiências públicas, etc.), que se enquadram no conceito  accountability vertical.

Este brevíssimo artigo se propõe a identificar os fundamentos de legitimação dos mecanismos de controle jurisdicional das atividades administrativa e legislativa do Estado brasileiro, mormente no que concerne a eventuais incompatibilidades ou tensões entre tal modo de accountability horizontal e o princípio da soberania popular.

Episódios que nos últimos anos ocuparam a agenda nacional ilustram a histórica tensão entre o princípio constitucional e o princípio democrático, os quais, em relação de mútua pressuposição, conformam os Estados Nacionais contemporâneos. Dentre os mais discutidos acontecimentos, podem ser rememorados os seguintes, referentes a supostas ingerências jurisdicionais sobre assuntos políticos adstritos, respectivamente, ao Legislativo e ao Executivo: a) a decisão concessiva de medida liminar, exarada pelo Exmo. Ministro Eros. R. Grau, no Mandado de Segurança de número 25.618, tramitado perante o Supremo Tribunal Federal, cujo teor dispôs acerca da supressão de elementos alegadamente probatórios dos autos de processo em trâmite junto ao Conselho de Ética da Câmara Federal, favorecendo o então parlamentar José Dirceu (BRASIL, 2005) e; b) a decisão exarada pelo STF na Ação Direta de Inconstitucionalidade de número 4048, no contexto da qual fora declarada, em sede de medida cautelar deferida em favor do autor da ação, a inconstitucionalidade da Medida Provisória de número 405/2007, cujo texto dispunha acerca de crédito orçamentário extraordinário à União, por malferimento aos requisitos de validade do instrumento normativo em comento, concernentes à relevância e urgência (BRASIL, 2008).

Diante da crescente freqüência de casos como os supracitados, impõe-se responder à seguinte indagação jurídico-constitucional: como é possível compatibilizar-se a ideia de que o titular da soberania política é o demos[1], com o fato de que a última palavra no que tange às grandes controvérsias públicas concerne a órgãos judiciais cuja legitimidade não é popular, mas técnica? Ou seja, em que termos o princípio democrático e a correspondente ideia de soberania popular podem se harmonizar com a premissa de que “os titulares dos cargos relacionados ao exercício das funções de Justiça não o são por delegação da cidadania, através dos mecanismos de representação política e não são, portanto, passíveis de serem controlados pelos cidadãos”? (ANASTASIA & MELO, 2002)

A seguir, com vistas à mais adequada estruturação analítica do problema, apresentam-se: 2) elementos característicos da tripartição de poderes no Brasil; 3)   principais argumentos em favor de restrições ao accountability horizontal exercido pelo Poder Judiciário; 4) os argumentos em defesa da solução judicial de controvérsias cuja natureza é política e;  5) conclusões parciais.


2- Elementos característicos da tripartição de poderes no Brasil

É sabido que o Estado Constitucional brasileiro se pauta por uma divisão de funções que, estruturadas em entes autônomos e harmônicos entre si, correspondem às atividades administrativa, legislativa e executiva do Poder Público. Tal assertiva se respalda na norma do art. 2º da Constituição da República, cujo texto prescreve que “são Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário” (BRASIL, 1988). É igualmente notório que esse Estado se reivindica de ditames republicanos e democráticos, de sorte que o parágrafo único do art. 1º do texto constitucional  dispõe que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta constituição” (BRASIL, 1988).

Assim, de maneira a se evitar interpretações que conduzam a antinomias ou contradições na Carta de 1988, percebe-se que o poder do Estado é, ao menos no que tange à sua origem e legitimação, uno e indivisível, já que sua fonte e titularidade são sempre populares. Entretanto, quanto ao efetivo exercício e condução das atividades políticas e burocráticas, divide-se o aparato estatal nas funções administrativa (exercida precipuamente pelo Poder Executivo), legislativa (a cargo, preponderantemente, do Poder Legislativo) e jurisdicional (afetada, exclusivamente, ao Poder Judiciário, salvo nos casos de crimes de responsabilidade)[2].

De modo a operar “antes contra uma concentração que a favor de uma separação de poderes” (KELSEN, 2000:402), a ideia de divisão das funções estatais contempla, em tempos atuais, alguma forma de controle ou exigência de prestação de contas  recíprocas entre Executivo, Legislativo e Judiciário. Assim, para além de suas competências específicas, cada um dos chamados poderes conta com atribuições direcionadas para o controle e fiscalização dos demais.

O Poder Executivo da União se reveste de prerrogativas que lhe permitem influir e controlar a atividade dos demais. Primeiramente, em sua relação com o Legislativo, destacam-se as seguintes atribuições, tal como expostas por ANASTASIA e MELO (2002):

De fato, o texto constitucional brasileiro reserva amplos poderes de agenda para o presidente da República: ele pode propor legislação ordinária, tem a prerrogativa de iniciativa legislativa em matéria orçamentária e tem o poder de convocar extraordinariamente o Congresso. O presidente pode, além disto, requerer regime de tramitação extraordinária – pedido de urgência – para os projetos de lei de sua iniciativa; propor emendas à Constituição da República; editar Medidas Provisórias e exercer poder delegado de decreto. Cabe a ele, exclusivamente, nomear e exonerar os ministros de Estado, indicar 1/3 dos membros do Tribunal de Contas da União, criar cargos e funções nas empresas públicas e na administração pública autárquica, definir a remuneração e o provimento de cargos de servidores públicos, bem como criar, estruturar e definir as atribuições de ministérios e órgãos da administração pública (Anastasia, 2000).

A Constituição permite, ainda, ao Presidente, vetar, total ou parcialmente, projeto de lei que considerar inconstitucional ou contrário ao interesse público[3].  Finalmente, lhe é concedido, pelo artigo 11 do Regimento Interno da Câmara, o direito de designar Deputados para exercerem a liderança do Governo, composta de Líder e três Vice-Líderes.

Ademais, reveste-se o Executivo de competências constitucionais que autorizam sua predicação como ator de ímpar e decisiva relevância nos assuntos do Judiciário. Comprova tal constatação o conteúdo normativo do art. 101, parágrafo único, da Constituição, segundo o qual é afetada ao Presidente da República a nomeação dos membros do Supremo Tribunal Federal, corte responsável, dentre outras questões, pelo controle concentrado de constitucionalidade, bem como por decisões finais em lides que envolvam incidentalmente matéria constitucional impregnadas de repercussão geral. É, igualmente, a autoridade maior do Executivo da União quem nomeia os ministros do Superior Tribunal de Justiça, mais elevado órgão jurisdicional no que tange a matérias infra-constitucionais. É de competência do Executivo, por fim, consoante se depreende do art. 165 da Constituição, a iniciativa da Lei Orçamentária anual, o que implica controle e influência sobre os recursos a serem destinados aos demais poderes.

Também o Poder Legislativo da União se reveste atribuições que lhe permitem controlar, influenciar ou fiscalizar os demais. Apenas exemplificativamente, menciona-se que: a) a nomeação dos membros dos tribunais superiores supracitados encontra como condição de validade a prévia aprovação por parte do Senado Federal; b) compete ao Senado o processo e julgamento, nos crimes de responsabilidade, do Presidente da República e seu Vice, dos Ministros de Estado,  dos Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, além de Ministros do STF,  do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União; c) depende do Senado a aprovação da escolha, dentre outros, do Presidente do Banco Central, do Procurador-Geral da República e dos Governadores de Território; d) depende de autorização da Câmara Federal, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente da República e seu Vice, além dos ministros de Estado e; e) cabe à Câmara Federal “proceder à tomada de contas do Presidente da República, quando não apresentadas ao Congresso Nacional dentro de sessenta dias após a abertura de sessão legislativa” (cf. Constituição da República, art. 51, II – BRASIL, 1988).

Os mecanismos de accountability horizontal até aqui expostos não ensejam significativas ponderações quanto aos fundamentos de sua legitimidade, uma vez que se amoldam integralmente ao argumento democrático, haja vista se tratarem de controles, fiscalizações e regulações advindos de poderes cujos membros são escolhidos diretamente pelos cidadãos, segundo eleições livres e em ambiente de opinião pública autônoma. Portanto, não há qualquer incompatibilidade ou tensão entre a soberania popular e os instrumentos de controle até então apresentados. É dizer: a possibilidade do Legislativo ou do Executivo controlarem, fiscalizarem ou mesmo intervirem em outros poderes não se afigura como óbice, mas como corolário da ideia de que “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente”[4].

É outro o quadro quando o Judiciário, cuja legitimidade não se respalda no demos, mas na qualidade técnica e nos conhecimentos jurídico-hermenêuticos de seus integrantes, passa a contar com competências normativas que lhe possibilitam intervir, negativa ou mesmo positivamente, na seara dos demais poderes. O problema se exacerba em casos como o do Brasil, país cuja Constituição se impregna de inúmeros princípios e conceitos jurídicos indeterminados, cuja elucidação e concretização, em último grau, compete ao Poder Judiciário.

É possível, com efeito, que, ao interpretar e aplicar determinada norma jurídica em um caso concreto, o Poder Judiciário imponha ou coíba atos que seriam praticados por representantes do povo. Ou seja, o poder que emana da técnica poderia se sobrepor àquele que advém dos cidadãos, de modo que o Estado definir-se-ia, por detrás de biombo democrático, como uma tecnocracia. A seguir, enfrentar-se-á, seguindo orientação cognitivo-metodológica dialética, esta relevante controvérsia referente ao accountability horizontal no País.


3- Principais argumentos em favor de restrições ao accountability horizontal exercido pelo Poder Judiciário

3.1- Desrespeito aos desígnios das maiorias

Uma objeção comum ao controle jurisdicional dos atos emanados dos Poderes Executivo e Legislativo é a ideia de que, ao restringirem a atuação dos representantes eleitos segundo a autônoma vontade popular, estariam poucos magistrados impondo seus próprios entendimentos acerca  do direito e das opções governativas ocorrentes em determinado contexto, olvidando, destarte, eventuais compreensões distintas expressadas pelos representantes da maior parcela da população, ou seja, pelos agentes políticos. Há, nessa compreensão, uma ênfase na chamada “liberdade dos antigos”, ancorada nos direitos de participação e intervenção dos cidadãos – ou seja, na autonomia pública- , em detrimento da “liberdade dos modernos”, centrada nos direitos fundamentais das pessoas humanas – logo, na autonomia privada (cf. COHEN, 2007).

A fronteira entre os  direitos de índole política e as garantias fundamentais das pessoas humanas não é, em nossos tempos, clara ou rígida. Ocorre que, como já mencionado, os ordenamentos jurídicos ocidentais contemporâneos, distintamente dos Estados oitocentistas[5], não se pautam por estruturações jurídicas compostas apenas de regras fechadas e claras. Aplicar e interpretar o direito em sociedades complexas, dinâmicas e plurais, como as de nossos tempos, implica mais do que a subsunção mecânica de um fato a uma precisa e inconteste conseqüência normativa.

Conceitos jurídicos indeterminados que expressam princípios, mais do que  regras, são o que há de mais relevante e importante nos textos normativos de nossos tempos. Princípios, entretanto, são mais abstratos, gerais e densos axiologicamente. Sua interpretação e concretização, portanto, não pode ser concebida como ação vazia de conteúdo político ou meramente técnica. Da constatação de que, hodiernamente, a interpretação e aplicação da norma encerra variáveis de natureza política decorre a objeção de que os membros de um tribunal não poderiam, sob pena de mácula ao princípio democrático, impor o seu entendimento quanto ao conteúdo de conceitos como dignidade, moralidade e eficiência, em detrimento das concepções manifestadas por chefes de executivo ou parlamentares, para quem as maiorias delegaram a competência governativa. Por exemplo, não caberia ao Judiciário dispor, em desacordo com o legislativo, acerca do conteúdo do princípio da moralidade administrativa e de seu concreto sentido para estabelecimento de critérios quanto à nomeação de servidores públicos comissionados. Da mesma forma, os tribunais estariam a usurpar a legitimidade de um governante democraticamente eleito ao tempo em que decidissem que determinado ato administrativo foi inválido, por malferir o caput do art. 37 da Constituição no que se refere à eficiência administrativa.

A primeira objeção ao amplo exercício do controle judicial dos atos do Legislativo e do Executivo parece entender, portanto, que a esfera política permanece absoluta e inarredavelmente distinta da hermenêutica jurídica, de modo que a conduta dos tribunais, mesmo em países que contam com constituições tão repletas de questões políticas, como o Brasil, deve ser estritamente dogmático-jurídica. Vê-se, pois, que o lugar epistêmico deste marco jurídico-político contempla, indubitavelmente, uma separação impenetrável entre os sistemas do direito e da política. Pressupõe-se, assim, um sistema do direito hermético e auto-funcional, ladeado por um sistema político igualmente fechado, de sorte que aquele funcionaria segundo o código da legalidade, reduzido ao binômio validade / invalidade dos atos e condutas; e este segundo a linguagem do poder, reduzida ao binômio governo / oposição. Tal rígida separação não se atenta, contudo, para a recíproca influência entre direito e política, os quais conferem-se reciprocamente estabilidade, sentido e legitimidade.

3.2- A Primazia do Poder Legislativo como Corolário da Democracia

A restrição ao controle judicial dos demais poderes também pressupõe uma  neutralidade política do direito[6]. Adota-se  a ideia de que o Poder Legislativo, haja vista sua natureza colegiada e sua composição mediante eleições, é o que melhor expressa as distintas e plurais opiniões presentes em determinada comunidade política, de modo que é o titular, por excelência, da atribuição para controlar, intervir e fiscalizar os demais. Ora, se determinado Estado é democrático, nada seria mais sensato do que conferir à Casa que reúne representantes do demos em quase toda sua complexidade e extensão, o dever de exigir responsividade e responsabilidade das demais. Neste sentido expõe KELSEN:

O princípio de uma separação de poderes, compreendido literalmente ou interpretado como um princípio de divisão de poderes, não é essencialmente democrático. Ao contrário, correspondente à ideia de democracia é a noção de que todo o poder deve estar concentrado no povo, e, onde não é possível a democracia direta, mas apenas a indireta, que todo o poder deve ser exercido por um órgão colegiado cujos membros sejam eleitos pelo povo e juridicamente responsáveis para com o povo. (...) Portanto, a democracia exige que ao órgão legislativo seja dado controle sobre os órgãos administrativo e judiciário. (KELSEN, 2000:403)

Em suma, o debate parlamentar deveria, ao menos em princípio, prevalecer sobre a prestação jurisdicional, porquanto revestir-se-ia de uma legitimidade decorrente do princípio da soberania popular, com a qual o Poder Judiciário não pode contar. Segundo essa perspectiva jurídico-teórica, o máximo que os tribunais podem fazer é interpretar a norma legislada mas, jamais, adentrarem ao âmbito político-decisional do legislativo. Há, ainda, dentre os que criticam o controle de práticas internas do Poder Legislativo e do Poder Executivo pelo Poder Judiciário, uma crítica à chamada “Judicialização da Política”, na forma adiante perquirida. 

3.3- Os Riscos Inerentes à Judicialização da Política

Esta crítica ao amplo controle judicial dos atos administrativos e legislativos é encontrada na produção teórica de Boaventura de Sousa Santos. Primeiramente, o autor objeta o encaminhamento de questões políticas aos Judiciário, haja vista tratar-se de uma individualização de problemas públicos, coletivos. Sugere-se que os processos judiciais se caracterizam como espaços de soluções de questões individuais, de modo que levar para os tribunais as grandes controvérsias públicas implicaria uma privatização de matérias coletivas. É o que se conclui do seguinte excerto:

O consenso liberal integra ainda o consenso do primado do direito e dos tribunais... Este modelo dá total prioridade à propriedade privada, às relações mercantis e ao setor privado, cuja operacionalidade assenta em transações seguras e previsíveis, garantidas contra os riscos de violações unilaterais. Tudo isso exige um novo quadro jurídico e atribui aos tribunais um novo papel, bastante mais central, enquanto garantes do comércio jurídico e instâncias de resolução de litígios. O marco político da contratualização social deve, pois, ceder o lugar ao marco jurídico e judicial da contratualização individual. Esta é uma das dimensões principais da judicialização da política. (SANTOS, 1999:48)

De outro modo, o mesmo autor sustenta um segundo significado para a categoria contra a qual se opõe, ao formular que “há judicialização da política sempre que os tribunais, no desempenho normal de suas funções, afectam de modo significativo as condições da acção política” (SANTOS, 2003).  Tal situação seria problemática em função de sua potencial conversão em uma politização da justiça, a qual significaria uma violação da ideia de separação dos poderes.

Em síntese, seja como expressão da redução da política à lógica individualista dos processos judiciais, seja como fator que pode ensejar uma concentração de atribuições junto ao Judiciário, a chamada judicialização da política seria, para o autor em comento, um mal que, uma vez eliminado, implicaria, igualmente, restrições ao controle jurisdicional dos atos dos agentes públicos eleitos. Há, contudo, inúmeras objeções às formulações aqui observadas, advindas tanto do campo do Direito Constitucional, como da Teoria Política. Na seção seguinte, portanto, são apresentados os argumentos em favor de um intenso exercício de controle jurisdicional dos atos do Executivo e do Legislativo.


4-  Os argumentos em defesa da solução judicial de controvérsias cuja natureza é política

4.1- Definindo a ideia de democracia

Não  obstante seja tentador apontar que a atuação de um órgão técnico como controlador e fiscalizador do Parlamento e do Executivo seja uma ofensa à soberania do povo, é imperiosa uma pormenorização do conceito de democracia e, por conseguinte, do conteúdo possível e desejável da soberania popular em nossos tempos. Sob o risco de se afirmar desnecessária tautologia, assenta-se que não é possível conceber democracias sem condições de democracia.

 Ora, se assim é, deve-se pontuar que o governo do demos não pode significar o governo de uma vontade única de toda uma coletividade jurídica. É cediço que, em sociedades plurais, complexas, estratificadas e diversificadas como as de nossos tempos, reduzir a vontade do povo a um só enunciado é uma impossibilidade fática e lógica que pode ocultar, freqüentemente, a autoritária e nada democrática opinião do governante. Assim, antes de tudo se percebe que os desígnios do Executivo e do Legislativo não são ou devem ser, sempre, correspondentes ao exato desejo de todos aqueles que compõem o povo. A isto se chamaria totalitarismo, conceito sabidamente alheio ao ideário democrático.

Do mesmo modo, não é possível conceber a democracia, como parecem sugerir as objeções apontadas na seção anterior, como o governo ilimitado das maiorias. Como aponta SARTORI:

À primeira vista pode parecer que a solução de traduzir “povo”  como o direito de uma maioria ao controle absoluto representa uma solução óbvia. Mas não é assim. Estabelecer o direito absoluto da maioria de impor sua vontade sobre a minoria, ou minorias, equivale a estabelecer um controle funcional que funciona, a longo prazo, contra o próprio princípio que celebra. Se o primeiro vencedor de uma disputa democrática adquire um poder ilimitado (absoluto), então o primeiro vencedor pode estabelecer-se com um vencedor permanente. (SARTORI, 1994:45)

Tal constatação logra demonstrar os equívocos referentes à concepção apresentada no tópico 3.1 desta exposição. Ora, algum controle ou limite sobre os interesses e preferências das maiorias é não apenas compatível, mas indispensável à democracia e à soberania popular. Daí resulta o mérito da argumentação tecida por KELSEN, segundo a qual o legislativo, cuja composição é colegiada, deve ser o titular precípuo da incumbência de controlar e exigir respostas dos demais poderes. Também esta lógica, entretanto, apresenta falhas, uma vez que, recorrentemente, as decisões do Parlamento se submetem ao critério da maioria, além do fato de que, não raramente, grupos e interesses sociais não encontram qualquer representação congressual justamente em face de seu caráter intensamente minoritário. É dizer: tanto na composição de seus quadros, como em seus processos decisórios internos, o critério da maioria ainda é o decisivo nos parlamentos, de maneira que aos setores minoritários resta, apenas, o Judiciário, cujas decisões devem se orientar pelo critério da qualidade jurídico-normativa dos argumentos, para além do número de cidadãos que lhes esposam.

Os elementos acima expostos demonstram que, se é impreciso falar em democracia sem algum controle das maiorias pelas minorias, não é possível, por decorrência lógica, prescindir-se de algum controle judicial dos atos do Legislativo e do Executivo. Uma democracia que não preserve os direitos das minorias e que não permita às pessoas humanas o exercício de suas liberdades fundamentais se torna um regime auto-contraditório, porquanto incorre contra o respeito igual devido a cada cidadão e contra o pluralismo de ideias que o fundamenta, legitima e empresta sentido.

Quanto à co-originalidade entre os direitos fundamentais (cujo zelo é tarefa inarredável do Judiciário) e a soberania popular, a obra de Jürgen Habermas muito tem a esclarecer, revelando que, inobstante paradoxais, tais princípios não se contradizem, mas pressupõem-se reciprocamente (cf. HABERMAS, 2003).

Somos uma comunidade de indivíduos impregnados de ímpar dignidade e infindável valor em si.[7] Assim, para que possamos interagir no espaço público e intercambiarmos razões e argumentos, precisamos, primeiramente, nos reconhecermos como seres de autonomia e razão. Tal reconhecimento, juridicamente, se expressa segundo a linguagem dos direitos, ou seja, consoante garantias e deveres estabelecidos com vistas à atribuição do máximo de autonomia e liberdade para cada ser racional e autônomo de que se constitui a sociedade. A legitimação do poder, assim, diz respeito ao reconhecimento e atribuição de direitos aos indivíduos, não apenas como condições de possibilidade de que atuem publicamente, mas como reconhecimento do valor de cada pessoa racional (cf. HABERMAS, 2003).

De outro modo, como somos pessoas racionais e autônomas, não podemos nos submeter a leis e decisões de cujo processo implementador não somos parte, diretamente ou por meio de representantes. Assim, a democracia, assim entendida como corolário da soberania popular, é condição indispensável da validade de normas sociais, uma vez que não seria razoável o estabelecimento de ditames que não conte com seus livres e iguais destinatários como agentes de sua elaboração.

Antes de opostas, destarte, democracia e soberania popular se pressupõem mutuamente, na exata medida em que autonomia pública e autonomia privada se complementam. Ora, só existo como sujeito (autonomia privada), quando reconhecido pelo outro e por ele auxiliado, ao passo que só atuo na esfera pública quando reconhecido e respeitado na condição de sujeito. Desse modo, o limite das decisões democráticas seriam os direitos fundamentais (objetos por excelência da jurisdição constitucional), pois não é sensato supor que processos decisórios incorram contra sua própria condição de possibilidade (cf. HABERMAS, 2003).

Assim, para se retomar os exemplos formulados no início deste trabalho, tem-se que, em respeito ao princípio democrático, deve haver um órgão que assegure a proteção das condições de democracia (direitos fundamentais em perspectiva procedimentalista), de maneira a impedir, por exemplo, que  a maioria no Parlamento decida expulsar, apenas com lastro em sua vantagem numérica, representantes de posições minoritárias. Portanto, a cassação de um parlamentar só pode se dar se respaldada em critérios diferentes do desejo da maioria da população ou de seus representantes. O controle do respeito aos direitos fundamentais em tais procedimentos está, em nosso País, a cargo do Judiciário.

No mesmo diapasão, a observância aos requisitos de relevância e urgência, pelo Executivo, quando da expedição do excepcional instrumento das medidas provisórias, deve ser controlada pelo Judiciário, justamente para que se preserve o princípio democrático, a afetar ao Legislativo, em detrimento do Judiciário, a produção de normas jurídicas.

 Para além da mútua pressuposição entre direitos humanos e democracia, deve-se considerar, em favor do amplo exercício de accountability horizontal do Judiciário em relação ao Executivo e ao Legislativo, a ideia de que a judicialização da política não implica, necessariamente, uma individualização das questões públicas, ou uma privatização da política, como propôs Boaventura de Sousa Santos. A seguir, aborda-se esse ponto.

4.2– A Judicialização da Política: outro conceito, outras conclusões

O direito brasileiro conta, desde 1988, com instrumentos processuais de promoção e garantia dos direitos fundamentais consignados na Constituição da República, cujo potencial em termos de utilização pela sociedade permitem falar em um fenômeno de judicialização da política. Transcendendo a concepção de que um processo judicial se presta apenas a garantir uma pretensão individual de alguém, normalmente de natureza contratual, o Estado brasileiro contempla a possibilidade de proposição de ações orientadas para a garantia de direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos. Assim é que, diferentemente do que ocorre no direito estadunidense, por exemplo, é possível que uma ONG proponha uma ação referente a uma questão ambiental (direito difuso) sem que demonstre algum dano moral ou patrimonial individualmente sofrido por seus associados.

Vê-se que o conceito de judicialização da política aqui apresentado destoa plenamente da ideia de que tal expressão dá conta de uma precarização do espaço político, o qual restaria colonizado na lógica individualista e privatista tradicionalmente associada aos tribunais.

Com efeito, trata-se do oposto. É o Poder Judiciário que se democratiza e se abre para uma sociedade repleta de novas demandas, de modo que se desfaz de seu perfil privatista para conceber sujeitos processuais coletivos. Como afirma CITTADINO, “o protagonismo recente dos tribunais constitucionais e cortes supremas... inaugura um tipo inédito de espaço público, desvinculado das clássicas instituições político-representativas” (CITTADINO, 2002:17).

Um Judiciário aberto à sociedade civil organizada; limitado por normas jurídicas constitucionais promulgadas em respeito ao princípio da soberania popular; e que só age mediante provocação e segundo procedimentos cuja condição de validade principal é a contraditoriedade; não pode ser entendido como obstáculo à democracia, mas como seu  componente indispensável. Tem-se, então, que judicialização da política não implica uma politização da justiça, como queria Boaventura de Sousa Santos e, tampouco, sugere algo como um governo de juízes. Não há dúvidas, todavia, de que a prestação jurisdicional não é uma função ilimitada do Poder Público, de modo que mesmo a mais veemente defesa da judicialização da política encerra, em seus pressupostos jurídico-políticos, a imposição de limites ao controle jurisdicional dos atos do Executivo e do Legislativo. Adiante, abordam-se tais limites.

4.3- Limites da accountability horizontal exercida pelo Poder Judiciário

Admitindo-se o controle jurisdicional dos atos do Parlamento e da Administração Pública como compatível com a democracia, resta definir com maior clareza os limites de tal mecanismo.

Primeiramente, resta claro que ao Judiciário não é dado atuar contrariamente ou além dos limites estabelecidos pelas normas jurídicas que os cidadãos, diretamente ou por intermédio de representantes eleitos, se estipulam. Se tais normas, nos países de tradição romano-germânica, ostentam, na contemporaneidade, princípios cujo grau de indeterminação é exacerbado, tal não implica a arbitrária possibilidade de que qualquer decisão seja adotada. Daí decorre uma crucial limitação do accountability horizontal praticado pelos juízes: as decisões proferidas em processos podem ter conteúdos ou conseqüências políticas, podem incorrer contra os interesses das maiorias e podem desagradar ou sancionar representantes eleitos; mas, sempre, devem estar devidamente justificadas e fundamentadas em conformidade com normas jurídicas positivas.

A necessidade de justificação amparada na normas que os cidadãos se colocam impede qualquer possibilidade de arbítrio ou tecnocracia de origem judicial. Ademais, é sempre válido ressaltar que princípios jurídicos indeterminados não são indetermináveis, de maneira que sempre haverá um limite, posto pelo povo, além do qual o magistrado não pode ir. Este limite é a norma jurídica, tal como interpretada e aplicada após processos cujo termo são decisões devidamente justificadas.[8]

Finalmente, ultrapassando-se as ilusões fundacionistas de que há fundamentos eternos e últimos para decisões jurídicas e políticas, de modo que a simples justificação (discursiva, argumentativa) de decisões judiciais em face da norma jurídica não seria garantia da verdade (correspondência inequívoca) da relação entre fato e norma estabelecida em um acórdão ou sentença, anui-se integralmente com a seguinte formulação pragmatista de RORTY: “penso que o tópico verdade não se pode tornar relevante para a política democrática, e que os filósofos dedicados a essa política deveriam prender-se ao tópico 'justificação'” (RORTY, 2005:107). Em suma: diante de conceitos jurídicos indeterminados, os tribunais sempre buscarão, em processos definidos pelo contraditório e pela suficiente exposição jurídico-argumentativa de ambas as partes, justificar ao máxima suas decisões, de tal modo que apresentarão o melhor entendimento em referência ao direito positivo promulgado pelos representantes do povo eleitos democraticamente. Tal entendimento não precisa ser eterno e absoluto (i.e., verdade), mas deve ser o mais adequado e fundamentado possível (i.e., justificação).


5- Conclusões parciais

O estudo da extensão da competência do Poder Judiciário para controlar a validade jurídica de atos pretensamente políticos advindos do Executivo e Legislativo é de extrema relevância e complexidade, além de auxiliar na compreensão de inúmeras controvérsias ora em pauta na agenda jurídica nacional. Trata-se de problema cujo desenlace enseja mais detida análise interdisciplinar, de modo a se contemplarem as variáveis axiológicas, normativas e fáticas concernentes à questão. Destarte, este sucinto texto se limitou a levantar o problema e apresentar as seguintes conclusões provisórias:

a) A tripartição de poderes implica, nos Estados Constitucionais Democráticos,  mais do que a divisão das funções do Estado, a possibilidade de controles recíprocos (freios e contrapesos) entre Executivo, Legislativo e Judiciário;

b) A democracia demanda, sob pena de se inviabilizar, proteção e garantia de direitos e de cidadania às minorias, mesmo aquelas com ínfima ou nenhuma representação eleita. Tal tarefa, nos Estados Constitucionais Democráticos, recai precipuamente sobre o Poder Judiciário;

c) Para que a vontade popular prevaleça e a democracia se realize, determinadas condições (distributivas, ambientais, políticas, culturais e cognitivas) devem ser atendidas. A garantia de tais condições, definidas como direitos fundamentais, depende, em larga medida, do Poder Judiciário;

d) O paradigma do Estado Democrático de Direito contempla direitos coletivos e difusos e prevê, portanto, processos judiciais com maior apelo coletivo e político, de modo que se pode falar em um novo ativismo, um novo espaço público e novas práticas políticas que justificam o diagnóstico de um incremento democrático chamado judicialização da política, repleto de riscos, tensões e possibilidades;

e) O Poder Judiciário pode adotar decisões de cunho político ou que afetem o Executivo e o Legislativo. O limite, entretanto, é a justificação das decisões em consonância com as normas jurídicas elaboradas pelo povo ou seus representantes. A atuação do Judiciário, portanto, tem sua origem e esgotamento na vontade popular;

f) A indeterminação de conceitos jurídicos não implica arbítrio ou autoritarismo judiciais, uma vez que as sentenças, acórdãos e despachos devem ser justificados, o que, em uma perspectiva pós-fundacionista, é tão suficiente como o que em outros tempos se entendia como a certeza decorrente da absoluta correspondência entre fato e hipótese de incidência normativa.


6 – Referências Bibliográficas

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Notas

[1]Reconhece-se a polissemia atinente ao conteúdo deste termo, de modo que, ao longo do trabalho, restarão evidenciadas as opções teóricas que lograrão precisar semanticamente o conceito.

[2]O fato é que o Legislativo e o Judiciário exercem algum tipo de atividade administrativa quando, por exemplo, contratam servidores ou realizam licitações para compra de seus bens. Do mesmo modo, o executivo, freqüentemente, atua como legislador  (como na hipótese de decretos que podem criar obrigações novas sem necessidade de lei ou aprovação congressual, a exemplo de majorações das alíquotas do IPI ou do Imposto de Importação, conforme consta do § 1º do art. 153 da Constituição). Entretanto,  diferentemente do que ocorre em países como a França, não há jurisdição ou contenciosidade administrativas no direito brasileiro, de modo que a última palavra no que concerne à solução de conflitos ou à interpretação normativa compete ao Poder Judiciário, exceto nos casos de crimes de responsabilidade, conforme decidiu o STF no histórico Mandado de Segurança  de número 21.289-1.

[3] “A apreciação do veto presidencial será realizada em sessão conjunta das duas Câmaras e sua rejeição dar-se-á pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores, em escrutínio secreto (art. 66 & 4º)” .

[4]Deve-se registrar, contudo, a veemente crítica tecida por MARX à possibilidade de harmonização entre legislativo e executivo, cuja tensa relação poderia, até, significar a inviabilidade de um Estado Constitucional:  “Esta Constituição, tornada inviolável de maneira tão engenhosa, era, contudo, como Aquiles, vulnerável em um ponto; não no calcanhar, mas na cabeça, ou , por outra, nas duas cabeças em que se constituiu: de um lado, a Assembléia Legislativa, de outro, o Presidente.” (MARX, 1978:339)

[5]O que se expressou no positivismo da  Escola da Exegese e do Pandectismo Alemão.

[6]Assim, não casualmente é encontrada na obra de KELSEN, maior expoente na Europa Continental do neo-positivismo jurídico.

[7]Tal noção, entretanto, só tem sentido no campo da ética do discurso se notarmos que o sujeito só existe e se reconhece na alteridade, ou seja, em termos modernos, nas comunidades ou sociedades que integra.

[8]Sobre os desdobramentos em sede de hermenêutica jurídica decorrentes do que aqui se alega, confira DWORKIN (1999) e ALEXY (2001).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANDRADE, Ana Scarpelli de; TAVARES, Francisco Mata Machado. Entre legitimidades rivais: tensões e potencialidades na relação de accountability vertical entre o Judiciário e as representações políticas no Estado Constitucional Brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3420, 11 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/22981. Acesso em: 8 maio 2024.