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Aspectos gerais acerca da responsabilidade civil por erro médico

Aspectos gerais acerca da responsabilidade civil por erro médico

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O profissional de saúde deve se negar a exercer seu ofício em más circunstâncias, reivindicando melhores condições de trabalho, pois um erro condicionado pelo ambiente de trabalho pode pôr fim a toda uma carreira.

Sumário: INTRODUÇÃO. CAPITULO I: CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE. CAPÍTULO II: OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. CAPÍTULO III: AS CIRURGIAS PLÁSTICAS. CAPÍTULO IV: FARMACÊUTICOS E DENTISTAS. CAPÍTULO V: A RESPONSABILIDADE MÉDICA E O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CAPÍTULO VI: A REPARAÇÃO DO DANO. CAPÍTULO VII: A PERÍCIA DO ERRO MÉDICO. CAPÍTULO VIII: DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO PACIENTE. CAPÍTULO IX: DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MÉDICO. CAPÍTULO X: INFECÇÃO HOSPITALAR E O ERRO MÉDICO. CAPÍTULO XI: O CONHECIMENTO DA DOENÇA. CAPÍTULO XII: SEGURO MÉDICO. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.


INTRODUÇÃO

Merece destaque, já nesta fase introdutória, a afirmação de que está se tornando cada vez mais comum o ingresso de profissionais da área de saúde no pólo passivo de ações indenizatórias, processados por erros cometidos nos pacientes, o denominado erro médico[1].

Frise-se que a responsabilidade civil do profissional de saúde é um tema complexo e difícil de ser definido, eis que a relação médico-paciente é afetada por diversas circunstâncias. Saliente-se que no dia a dia com o doente e seus familiares o profissional de saúde se depara com situações de emergência, nas quais sua decisão, apesar de instantânea, poderá acarretar efeitos permanentes. Ademais, o diagnóstico e o prognóstico nem sempre são precisos, porquanto o organismo humano em sua completude ainda possui inúmeros aspectos que não foram totalmente mapeados pela ciência. Saliente-se, ademais, que o erro de diagnóstico revela-se de difícil constatação, tendo em vista que adentra um campo estritamente técnico onde não se pode admitir em termos absolutos a inafalibilidade médica.[2]

Destarte, o presente tema deve ser observado sob múltiplas facetas, considerando, inclusive, as falhas existentes desde o início da formação acadêmica até as pós-graduações. Do profissional de saúde é cobrado todos os erros existentes no sistema de saúde, porém, essa responsabilidade deve ser repartida com a comunidade e com o Estado, sendo possível, inclusive, aduzir que o médico isoladamente pode estar correto em seu diagnóstico e tratamento, todavia, sua atividade em si não controla a própria qualidade.

Importante salientar que os objetivos gerais desse estudo são o de abordar o conceito de Responsabilidade Civil na esférica jurídica como um todo e aprofundá-lo no decorrer do trabalho no que diz respeito à responsabilidade civil em relação aos profissionais da área de saúde, sobretudo o médico, o cirurgião dentista e o farmacêutico, baseando-se, principalmente, nos Códigos de Ética das referidas profissões, no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

Os objetivos específicos são os de distinguir as obrigações de meio e de resultado, situando as obrigações dos profissionais de saúde nesse âmbito. Pretende-se, também, fazer uma análise das obrigações e direitos dos profissionais e seus pacientes, bem como, estabelecer a conceituação do dever de cuidado, analisar a natureza do contrato entre o paciente e o profissional, descortinando o papel do código de defesa do consumidor frente aos serviços prestados pelos profissionais de saúde. A abordagem tangenciará, ainda, temas esparsos, tais como, a perícia médica, a infecção hospitalar e o seguro médico.


I. CARACTERIZAÇÃO DA RESPONSABILIDADE

A origem da palavra responsabilidade é do latim re-spondere, que significa uma idéia de garantia da restituição do bem sacrificado. Destarte, responsabilidade exprime a idéia de equivalência, de contraprestação, sendo possível fixar uma noção no sentido de repercussão obrigacional da atividade do homem.[3]

 È possível aduzir, ainda, que o conceito de responsabilidade, no seu sentido autenticamente jurídico, reside na busca de um responsável pelo próprio fato do desequilibrio, este entendido como uma relação harmoniosa entre o todo e as partes, representando a própria noção de justiça.[4]

Inicialmente, insta distinguir a responsabilidade civil da responsabilidade penal. A diferença básica entre elas é que na primeira o que prevalece é o interesse do lesado, podendo ou não pleitear a reparação do dano sofrido. Na segunda tem-se em mente o interesse da sociedade, tendo o agente infringido norma de direito público, portanto, a reação da sociedade é representada pela pena. Saliente-se que o presente estudo será pautado apenas na responsabilidade civil.

Urge consignar que mesmo nos primórdios já havia a idéia de reparação dos danos sofridos. Na lei de Talião, por exemplo, valia a máxima: "olho por olho e dente por dente". Portanto, pode-se dizer que se trata de uma regra de convívio social, que visa manter um equilíbrio na sociedade onde quem pratica um ato ou omissão de que resulte um dano a outrem deve suportar as conseqüências da sua atitude. Repise-se, por oportuno, que o fenômeno da responsabilidade civil atinge todos os domínios da vida social, não se limitando à vida jurídica. [5]

Sublinhe-se que a responsabilidade se baseia em três elementos: o dano, a conduta do autor do dano e a relação de nexo causal entre a conduta e o mesmo dano.

O dano, ou prejuízo sofrido, pode ser material ou simplesmente moral, neste não há a necessidade do prejuízo financeiro para caracterizá-lo, conforme será ressaltado posteriormente.

Há que se considerar duas espécies de responsabilidade, a contratual e a extracontratual. Aquela que for derivada do contrato é tida como contratual e seus efeitos estão definidos nos artigos 389[6] e seguintes do Código Civil. Para se caracterizar a responsabilidade contratual é mister que haja um inadimplemento de uma obrigação por parte do contratado ou do contratante, sendo a indenização um substitutivo da prestação contratada. Destarte, existe uma convenção prévia entre as partes, a qual não é cumprida, tornando-se o agente inadimplente.

Neste caso, o profissional de saúde está vinculado por uma relação obrigatória e o fato danoso se produz precisamente por causa do descumprimento de um contrato, e, com isso, gera-se um prejuízo no patrimônio do paciente credor da prestação.  Saliente-se que nada obstante a maioria dos contratos de serviços de saúde se aperfeiçoar por simples consentimento, mister aduzir que toda a falta ou insuficiência de estipulações se deve entender completada imperativamente com a ampliação do pactuado conforme os ditames da boa-fé [7], nos termos do art. 422, do Código Civil.[8]

Noutro giro, a que for derivada de um ilícito extracontratual denomina-se extracontratual ou aquiliana, nesta não se forma nenhum vínculo jurídico entre o agente e a vítima, surgindo a obrigação de ressarcir ainda que o médico e o paciente não estejam vinculados por uma relação contratual prévia. Infringe-se um dever legal, estando disciplinada no artigo 927, do Código Civil.[9]

Frise-se que quando um médico é procurado por um cliente, forma-se entre ambos um vínculo contratual, muitas vezes tácito, portanto, a responsabilidade civil estará sempre presente na relação com seus pacientes.

A responsabilidade também se subdivide em subjetiva e objetiva. A subjetiva está atada a idéia de culpa do agente, sendo dependente dela para a sua configuração.  Assim, nesta hipótese, para que haja responsabilização do agente deve haver a culpa lato sensu[10], sem esta não há obrigação de reparar o dano.

Assinale-se que a culpa stricto sensu é caracterizada pela negligência, imprudência ou imperícia. A negligência é a ausência do dever de cuidado, é o descuide, a desídia, a prática de ação irrefletida e intempestiva, precipitada, sem as necessárias precauções em relação ao ato que podia e devia pressupor, a falta de cuidado capaz de determinar a responsabilidade por culpa.[11]

Os casos mais comuns são os erros de diagnóstico, tratamento impróprio ou inadequado, falta de cuidado indispensáveis, falta de higiene, esquecimento de compressas em operações cirúrgicas, curetagens malfeitas, dentre outros. Em tais casos, a responsabilidade médica pode residir, do mesmo modo , na sua omissão.

Noutro giro, a imperícia é a incompetência a ignorância, o desconhecimento, a inexperiência, a inabilidade na arte ou profissão.  É possível afirmar que a imperícia é a falta de habilidade no exercício de atividade técnica, sendo o erro médico grosseiro um típico exemplo desta hipótese.[12]

Por fim, a  imprudência é a falta de cautela ou cuidado por conduta positiva, ou seja, por ação do agente.

Noutro giro, a responsabilidade objetiva tem como postulado que todo dano é indenizável e deve ser reparado por quem a ele se liga por um nexo de causalidade, independentemente de culpa, podendo estar fundada na lei ou arraigada na teoria do risco.[13] Nesta, reza-se que aquele que lucra com uma situação deve responder pelo risco ou pelas desvantagens dela resultantes. Assim, a atitude culposa ou dolosa do agente causador do dano é de menor relevância, pois, havendo a relação de causalidade surge o dever de indenizar.

De outra sorte, a responsabilidade do agente pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob sua responsabilidade e ainda de danos causados por coisas que estejam sob sua guarda. Desta feita, ao se vislumbrar a situação do profissional de saúde, entendem-se sob sua responsabilidade os enfermeiros, bem como todos aqueles auxiliares que ministram medicamentos e realizam atividades sob sua prescrição. Essa responsabilidade por fato de terceiro visa ao anseio da sociedade em proteger a vítima, pois poderá pleitear a indenização contra o agente ou seu responsável, sendo que este, na maioria das vezes, está em melhores condições de solvabilidade do que seu serviçal. Frise-se que as pessoas pelas quais o profissional de saúde deve responder são as que ele, por iniciativa própria, voluntariamente designou para encarregar-se da execução da tarefa.[14]

No tocante à relação de causalidade, para que surja a obrigação de reparar, faz-se a exigência de que o dano experimentado pela vítima tenha sido resultado do comportamento ou da atitude do réu.  A análise do nexo de causalidade demandaria um estudo próprio, dada sua conhecida complexidade. Todavia, para fins do presente estudo, impende consignar a existência da teoria da equivalência dos antecedentes causais, da teoria da causalidade adequada e da teoria do dano direto e imediato, esta adotada no Brasil, segundo grande parte da doutrina.[15] Nesta última, distingue-se a causa das demais condições existentes no conjunto de antecedentes causais. Ensejará o dever de indenizar apenas aquela condição elevada à categoria de causa necessária do dano. Saliente-se que o dano indireto ou remoto não será indenizável bem como que a causa direta e imediata nem sempre é a mais próxima do dano, mas, sim, aquela que necessariamente o ensejou.[16]

No mesmo diapasão, o ato ilícito só irá repercutir na órbita do direito civil se causar prejuízo a alguém, podendo ser este material ou moral. Em síntese, o dano material atinge os bens integrantes do patrimônio da vítima, este entendido como o conjunto de relações jurídicas de uma pessoa apreciáveis em dinheiro. Danos morais são aqueles que não tem repercussão de caráter patrimonial, e, segundo uma leitura constitucional do tema, são nada mais do que a violação do direito da dignidade da pessoa humana.[17]

Não é por demais aduzir que na verificação da existência do dano deve se atentar para o estado anterior do paciente, quando, eventualmente, já apresentava deficiências. Deste modo, para sua avaliação, deve ser considerada a melhoria do estado de saúde proporcionado pela atuação médica.[18]


II. OBRIGAÇÃO DE MEIO E OBRIGAÇÃO DE RESULTADO

De regra, a responsabilidade médica é de natureza contratual. Destarte, quando o paciente é atendido, forma-se um contrato entre ele e o profissional de saúde. Nada obstante, como o médico não se compromete a curar o paciente mas sim em tratá-lo, o simples fato de não se obter a cura, não o torna inadimplente, pois, normalmente, se trata de uma obrigação de meio e não de resultado.

Considera-se uma obrigação de meio, aquela na qual o profissional compromete-se em trabalhar com zelo e com a utilização dos recursos adequados para a sua execução. Mantendo-se o profissional de saúde dentro dos parâmetros consignados pela ciência e em consonância com seu estágio de desenvolvimento no momento da prestação do serviço, estará dando integral cumprimento aos deveres pactuados no contrato, não podendo ser responsabilizado pela eventual piora do quadro do estado de saúde do paciente.[19]

Nesses casos, só caracterizará a necessidade de indenização quando o profissional agir com imprudência, negligência ou imperícia, que são, como já anotado, os pressupostos da culpa. Esta tem que ser provada, ressaltando aqui eventuais hipóteses de inversão do ônus da prova. Em todo caso, utilizando-se dos meios técnicos indicados, bem como observando-se os cuidados pré e pós-operatórios, somente uma prova irretorquível poderá levar a uma indenização.

Porém, há casos em que a obrigação avençada pelo profissional de saúde se enquadra como sendo de resultado, como, por exemplo, os tratamentos estéticos, nos quais o profissional se compromete com o resultado final do trabalho, bastando, tão somente, a não realização dessa pretensão para dar ensejo à responsabilização.  Neste âmbito milita em desfavor do profissional liberal a presunção da culpa pelo não atingimento do resultado prometido e esperado.[20]  Registre-se que em alguns casos os próprios exames laboratorias e check-ups podem presumir a culpa do profissional de saúde.

Insta salientar, por fim, que os tribunais pátrios acentuam a imprescindibilidade da demonstração da culpa do profissional de saúde, salvo em casos excepcionais, a considerar que objeto do contrato celebrado com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de uma prestação de cuidados precisos e de acordo com a ciência médica na busca do melhor tratamento. [21]


III. AS CIRURGIAS PLÁSTICAS

Como dito anteriormente, diferentemente do exercício de toda medicina, a cirurgia plástica possui facetas peculiares, sendo considerada uma obrigação de resultado.

A Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica, Estética e Reconstrutiva tem se empenhado em caracterizar a natureza de seu contrato como sendo de meio. Todavia, sob o fundamento de que nestes casos não há o tratamento de um doente, mas sim de uma pessoa sadia, tem-se entendido que se trata de uma obrigação de resultado, sendo exigido do médico que obtenha aquilo que fora desejado e proposto ao paciente. Dessarte, no caso do resultado não se concretizar, a culpa profissional será presumida até que este prove a isenção de culpa ou qualquer outra causa de exoneração, tais como caso fortuito ou força maior.[22]

Por esses motivos, os cirurgiões plásticos devem se resguardar, sobretudo, no tocante à documentação dos seus casos clínicos e cirúrgicos. Essa documentação deverá ser pré e pós-operatória, com fotografias e demais documentos úteis para a caracterização precisa do caso clínico. Os momentos mais delicados da operação devem ser fotografados ou até mesmo filmados, para que ao final haja elementos que permitam provar o êxito do tratamento.

Saliente que no caso de cirurgia plástica, o paciente , na maioria das vezes, não busca uma cura de uma doença, mas sim a melhora de uma situação desagradável, mas não doentia. Portanto, vale frisar que se o profissional não alcançar o resultado estético pretendido, aflora a sua responsabilidade civil. Da cirurgia malsucedida surge a obrigação indenizatória pelo resultado que não foi alcançado. Essa indenização, além de incluir todas as despesas efetuadas abrangerá também, verbas para novos tratamentos e possíveis e também eventuais danos morais.

Sobre o tema, vale fazer uma breve diferenciação entre a cirurgia plástica reparadora (necessária), da embelezadora ou "estético rejuvenescedora". Na primeira busca-se a cura de uma doença através da cirurgia plástica, tratando-se de obrigação de meio. Já na segunda, a obrigação é de resultado, por ser um procedimento meramente estético, não havendo patologia a ser combatida.  Nestes casos não há uma situação emergencial, o paciente visa tão somente à correção de uma imperfeição ou melhoria de sua aparência.[23]

Em todos os casos, mister que o cirurgião plástico esclareça ao paciente, minuciosamente, todos os riscos que ele enfrentará, bem como que o paciente assuma essa responsabilidade, dando seu consentimento. Por ser considerado um leigo, essa descrição deverá ser extremamente explicativa e clara, de modo que não paire nenhuma dúvida sob o tipo de intervenção cirúrgica a ser realizada. Saliente-se que não basta ao médico obter o consentimento do doente para o tratamento, sendo que esta anuência deve ser esclarecedora, restando consignados todos os riscos do procedimento que estará sendo realizado.


IV. FARMACÊUTICOS E CIRURGIÕES DENTISTAS

Desde já, vale ressaltar que a responsabilidade do farmacêutico estará caracterizada quando houver atuação fora de suas habilitações, como, por exemplo, sugerir ao cliente outro medicamento ao invés do prescrito pelo médico, ou, até mesmo, indicar tratamentos, que são prerrogativas dos médicos. Uma prática muito comum no Brasil é a venda de medicamentos sem receita médica, pedido pelo paciente ou mesmo indicado pelo farmacêutico. Se, por ventura, o paciente vir a sofrer algum dano em decorrência desses medicamentos, o farmacêutico poderá ser responsabilizado.

Nos casos dos Cirurgiões Dentistas, a mesma idéia de obrigação de meio e resultado feita aos médicos é aplicável. Da mesma forma, existem inúmeros casos em que as duas situações se entrelaçam, sendo a avaliação do caso concreto necessária para a determinação da obrigação.

Uma das especialidades odontológicas que vem dando causa a vários processos judiciais é a ortodontia. Ao se graduar na Faculdade de Odontologia, o cirurgião dentista está autorizado a realizar tratamentos referentes a todas as especialidades. Nada obstante, algumas disciplinas requerem estudos mais aprofundados a serem realizados nos cursos de pós-graduação, eis que os conhecimentos adquiridos nos cursos de graduação, por si só, não qualificam os profissionais para exercerem-na. Assim, responderá pelo dano o profissional que realizar o tratamento inadequado.

Outra situação, diz respeito à odontologia estética. Os tratamentos clareadores, as facetas em resina, as coroas estéticas de porcelana, dentre outros, se enquadram nas obrigações de resultado, pois o paciente busca em primeiro lugar a estética. Porém, nesses casos, há que se considerar que muitas dessas restaurações visam, também, restabelecer a função mastigatória e oclusal. Destarte, o que vale aqui, assim como na medicina, é a orientação ao paciente quanto aos procedimentos que serão realizados e eventuais riscos do tratamento, fazendo sempre uma anamnese minuciosa, registrando todos os passos na ficha clínica e obtendo sempre o consentimento do paciente antes da realização do serviço. Saliente-se, ainda, que o próprio desenvolvimento da Odontologia no que tange às técnicas e materiais tão avançados quanto dispendiosos motivará, provavelmente, um maior número de demandas judiciais.[24]

Insta destacar, por oportuno, a existência de uma área de conflito de atribuições entre a medicina e a odontologia, qual seja, a cirurgia buco-maxilo-facial. Esta especialidade odontológica tangencia as atribuições do médico cirurgião de cabeça e pescoço. Entretanto, os mesmos cuidados deverão ser tomados pelo cirurgião dentista ou pelo médico na realização dos procedimentos cirúrgicos.

De toda sorte, o que se deve levar em conta é que, de regra, a responsabilidade desses profissionais será subjetiva, devendo restar caracterizada e provada a culpa do agente causador do dano.


V. A RESPONSABILIDADE MÉDICA E O CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor (CDC), Lei n° 8.078 de 11 de Setembro de 1990, veio para conferir efetividade ao mandamento constitucional elencado no Artigo 5º, XXXII, da Constituição de 1988: "O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor".

Na linguagem do CDC, o paciente é o consumidor para quem se presta um serviço, o profissional de saúde é o fornecedor que desenvolve atividades de prestação de serviços e o ato médico uma atividade mediante remuneração a pessoas físicas ou jurídicas sem vínculo empregatício.

Uma das maiores inovações trazidas pelo CDC está no artigo 6º, VIII[25], quando estatui que são direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova a seu favor, quando a critério do juiz , for verossímil a alegação ou quando for ele hipossufiiciente, segundo as regras ordinárias de experiência.

Como se sabe, é princípio consagrado no direito que o ônus da prova cabe a quem alega. Todavia, com espeque no CDC, se um paciente alega um erro médico, a responsabilidade da prova para defender-se pode vir a ser do médico, se for considerado difícil para o usuário do serviço pré-constituir prova sobre seus direitos, até porque ele, no momento da relação, subtende-se estar de boa fé, além dos imagináveis obstáculos para obter material probatório.

A possibilidade da inversão do ônus da prova, diante de fatos verossímeis ou quando o consumidor for hipossuficiente, facilita a defesa dos direitos dos pacientes, cabendo ao prestador-réu provar que a alegação não é verdadeira. O sentido dessa inversão é equilibrar as partes na demanda judicial, sempre que o consumidor for economicamente insuficiente ou quando a alegação for verdadeira ou cuja presunção permitir ao juiz formar uma convicção.[26]

Registre-se que também no Código de Defesa do Consumidor optou-se pela responsabilidade subjetiva dos profissionais de saúde, sendo estes somente responsabilizados nos casos de negligência, imprudência ou imperícia.[27]

Está bem claro que só para a responsabilidade pessoal dos profissionais liberais é que se utiliza o sistema fundado na culpa, enquanto a responsabilidade civil das empresas, no caso dos hospitais e clínicas odontológicas, seria avaliada pela teoria do risco.[28]

No que diz respeito aos médicos que tenham vínculo empregatício com pessoas jurídicas de direito público ou privado, a reparação civil por dano culposo será argüida dos respectivos estabelecimentos de saúde, porquanto a responsabilidade destes estabelecimentos é objetiva, aplicadas à espécie das regras do Código de Defesa do Consumidor.[29] Assim, existindo vínculo empregatício entre o médico e a pessoa jurídica prestadora de serviços médicos, a vítima teria a opção de demandar a reparação em face do estabelecimento, apenas provada a ocorrência do dano, incumbindo ao hospital provar as excludentes do art. 14, §3º, do CDC[30], com o objetivo de se exonerar do encargo[31]. Porém, as empresas terão direito de regresso, por aplicação analógica das súmulas 187 e 188 do STF.[32]


VI. A REPARAÇÃO DO DANO

Conforme já salientado, dano é o prejuízo experimentado por uma pessoa em seu patrimônio material ou moral, causado em virtude de ato de outrem.[33]

No tocante à reparação do dano, o ofendido deverá ser indenizado pelas despesas conseqüentes do tratamento e lucros cessantes até o término da convalescença. Em caso de inabilitação para o trabalho, além das indenizações acima descritas, terá direito, também, a uma pensão correspondente a importância do trabalho para o qual ficou incapacitado. Já , se da lesão resultar morte, fará jus a alimentos a quem a vítima o devia, bem como despesas de funeral e luto da família, o luto da família diz respeito aos lucros cessantes correspondentes ao período de nojo que as pessoas da família tiveram que arcar.

A par das indenizações por danos materiais, caberá, também, a indenização por dano moral[34], para reparar o prejuízo que não tem repercussão patrimonial, caracterizado pela dor do sentimento. Saliente-se que os danos morais podem nascer de lesões física e metafísica perpetradas à pessoa, quando deixam seqüelas psicológicas e reflexos na vida de relação social da vítima, eis que a pessoa humana deve ser entendida, individual e holisticamente, como parte integrante de uma sociedade.[35]

Saliente-se que ambas indenizações podem ser acumuláveis, ponto este consagrado na Súmula 37 do STJ.[36]

No que diz respeito ao quantum dessas indenizações, este se faz através da apreciação do julgador que levará em conta as condições das partes, o nível social, o prejuízo sofrido, a intensidade da culpa, dentre outros fatores.


VII. A PERÍCIA DO ERRO MÉDICO

Dentro das tarefas da perícia, a avaliação do erro médico é, sem sombras de dúvidas, uma das mais difíceis. Os objetivos principais da perícia são o de observar a existência do dano, estabelecer o nexo causal e avaliar as circunstâncias em que se verificou o ato médico. O dano aqui avaliado, não é aquele cujo resultado se traduz pela alteração anatômica ou funcional de uma estrutura, mas qualquer desordem da normalidade individual.[37]

Os padrões médicos-legais utilizados na perícia podem variar de acordo com os interesses analisados, podendo ser de natureza penal, administrativa ou civil.

No que tange à pericia penal, buscam-se evidenciar o corpus criminis (corpo da vítima) o corpus intrumentorum (o meio ou a ação que produziu o dano) e o corpus probatorum ( o conjunto dos elementos sensíveis do dano causado).

Na esfera administrativa, a perícia, faz-se presente, também, por interesse da função pública ou dos Conselhos Regionais Profissionais. Porém, avaliam-se as regras de condutas, referentes aos seguintes deveres: deveres de informação, deveres de atualização, deveres de abstenção de abuso, deveres de vigilância.

Nas questões de natureza civil, a que realmente interessa no presente estudo, procura-se estimar o dano sofrido como bem pessoal patrimonial, a fim de reparar através de um montante indenizatório as perdas físicas, funcionais e psíquicas causadas à vitima. Os parâmetros desta avaliação devem responder a algumas perguntas para melhor conceituá-lo, dentre elas: se do dano resultou incapacidade temporária e se esta incapacidade corresponde a um tempo limitado de inaptidão que vai desde a produção do dano até a recuperação ou a estabilização clínica e funcional das lesões verificadas. No primeiro caso há a cura e no segundo a consolidação.

Verifica-se, da mesma forma, se o dano anátomo-funcional ou psicosensorial é de caráter permanente e se total ou parcial. Ele é parcial quando o dano embora duradouro não torna a vítima inválida e definitivamente incapaz para as suas ocupações ou trabalho. É total quando a vítima passa a ser assistida de forma permanente por alguém.

Se do dano resultou prejuízo estético, diferentemente da avaliação de natureza penal, leva-se em conta a personalização do dano, no que diz respeito ao sexo, idade, estado civil, profissão, dentre outros. Pode ser conceituado em mínimo, moderado ou grave, como pode também ser classificado em prejuízo estético, deformidade e aleijão.

Se do dano resultou prejuízo de afirmação pessoal, significando que alguém foi prejudicado em suas realizações pessoais, ele é tanto mais grave quanto mais jovem é o indivíduo e quanto mais intensas forem suas atividades de lazer, dotes artísticos e de capacidade intelectual.

Saliente-se que a relação entre o dano e o ato ilícito é um pressuposto imprescindível a ser avaliado e, por isso, não pode fugir da ótica pericial. Muitas das vezes, a natureza do pleito reside nas condições em que se deu a relação entre o resultado e o evento danificador.

Sublinhe-se que o nexo de causalidade difere da concausalidade. O primeiro é de exclusiva competência médico-legal. Assim, para que se estabeleça um nexo de causalidade é necessário que o dano tenha sido produzido por um determinado meio agressor, que a lesão tenha etiologia externa e violenta, que o local da ofensa tenha relação com a sede da lesão, que haja relação de temporalidade, que haja uma lógica anatomo-clínica e que não exista causa estranha motivadora do dano.

As concausas, por sua vez, são eventualidades preexistentes ou supervenientes, susceptíveis de modificar o curso natural do resultado aludido como erro médico. São fatores anatômicos, fisiológicos ou patológicos que existiam ou venham existir, agravando o processo. Assim, são exemplos , a diabetes (preexistente) e o tétano ( superveniente).


VIII. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO PACIENTE

É de notória sabença que todo direito é acompanhado de uma obrigação, e isto se faz presente, também, na relação médico-paciente.

Sobre o tema, é importante consignar que existem situações nas quais os pacientes, mesmo orientados, não atentam para as recomendações feitas pelos médicos. Nestes casos, apesar de receberem instruções por escrito, deixam de seguí-las, passando a realizar o tratamento por conta própria. Outro comum descuido consiste na correta utilização da medicação ministrada, tais como horários, duração, interrupção do tratamento após o desaparecimento dos sintomas, dentre outros.  Há situações, também, nas quais os pacientes não observam as recomendações de não fumar, de controlar a dieta, dentre outras.

Verifica-se, pois, que o paciente possui a obrigação de cooperar com o médico e tem o ônus de acatar suas instruções. Insta repisar que o dever de informação não incumbe apenas aos médicos, cabendo aos pacientes o dever de informar o médico com a verdade sobre a sua história clínica, trazendo ao seu conhecimento qualquer dado que possa ajudar na solução do caso a ser tratado.[38]

Destarte, quando da apuração da responsabilidade civil por erro médico, necessário realizar a apuração acerca do cumprimento das obrigações por parte dos pacientes.

No que tange aos direitos, cabe salientar, de início, que todo paciente tem o direito de mudar de médico, se assim o desejar. De toda sorte, o paciente tem direito de saber seu diagnóstico e de ser esclarecido sob os exames complementares requeridos durante o seu tratamento. Da mesma forma, pode requerer que o nome da sua doença seja lhe dado por escrito e pode ter acesso aos dados de seu prontuário médico, a considerar que são informações a seu respeito. Saliente-se que os dados difíceis de serem entendidos deverão ser explicados ao doente e, até mesmo, aos seus familiares.

O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 72[39] estabelece que é crime contra as relações de consumo impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastro, banco de dados, fichas e registros. A Constituição Federal em seu inciso LXXII[40], também, ratifica esta postura concedendo habeas data para reconhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante.

Situação complexa é a de respeitar a vontade do paciente, mesmo quando esta é prejudicial a sua saúde. Sendo a prestação de serviços médicos feita por desejo do paciente e regido por um contrato, em regra, a vontade do doente deve prevalecer. O próprio código de ética médica, em seu artigo 26[41], veda aos médicos alimentar compulsoriamente qualquer pessoa empenhada em greve de fome.

Paradoxalmente, sendo o médico responsável pelo paciente ele poderá ser responsabilizado no caso de morte, sob a alegação de omissão. Um exemplo clássico é o que ocorre com as testemunhas de Jeová, que não admitem transfusão de sangue, e diante de um caso grave de risco de vida, o médico pode até ser processado se deixar o paciente morrer. Portanto, diante de tal circunstância, havendo tempo hábil, o profissional deve recorrer a justiça, que poderá lhe conferir uma autorização para proceder dentro da melhor técnica médica.[42]


IX. DIREITOS E OBRIGAÇÕES DO MÉDICO

Mister salientar que os profissionais de saúde estão sujeitos a inúmeras obrigações e cobranças, todavia, não se pode relegar ao oblívio seus direitos, dentre eles o mais elementar, qual seja, o de exercer com liberdade a sua profissão. Da mesma forma que o doente tem o direito de mudar de médico, este também tem o direito de não tratar o paciente, salvo em local onde não haja outro médico, pois neste caso poderia restar configurada uma omissão de socorro.

De toda sorte, quando questionado sobre o tratamento, o médico deve seguir algumas precauções, dentre elas, não deixar de atender o doente ou sua família quando necessitam de esclarecimentos, respondendo as questões de forma objetiva.

Dentre as obrigações, merece destaque a obrigação de cuidados médicos, esta entendida como o conjunto de atos desempenhados pelos profissionais de saúde que tem como escopo a melhora das condições de saúde humana, sejam terapêuticos, preventivos ou profiláticos.[43] Destarte, deve o profissional de saúde agir com diligência no exercício da profissão, exigíveis de acordo com o estado da ciência e as regras consagradas pela prática médica.[44]

Ainda no que concerne às obrigações, os médicos não devem dar entrevistas a jornais e televisões sobre estado dos seus pacientes No caso de pessoas públicas, o hospital emitirá um boletim assinado pelo diretor clínico, sendo esta uma obrigação da administração do hospital.

É costume equiparar a obrigação do médico de guardar segredo à do confessor, todavia esta comparação é extremamente relativa. Com efeito, a não ser em casos onde houver justificativa, não se deve quebrar o sigilo médico.


X. INFECÇÃO HOSPITALAR E ERRO MÉDICO

Um fato que não pode ser desconsiderado na questão do erro médico é a infecção hospitalar contraída pelo paciente durante o período de sua internação. É sabido que grande parte da internação de pacientes em hospitais refere-se a casos cirúrgicos e que não raro estão cometidos por infecção no momento da internação.

As dificuldades presentes no controle da infecção hospitalar vão desde as precárias instalações dos hospitais a não observância por parte dos atendentes de enfermagem e pessoal de limpeza dos cuidados básicos de higiene. Normalmente, até mesmo por questões socio-econômicas, toma-se difícil transmitir a todas as pessoas que trabalham no ambiente hospitalar a noção real do conceito de assepsia, além de que muitos deles, não fazem o adequado uso dos equipamentos de proteção, como por exemplo, gorros, máscaras e luvas.

A infecção hospitalar vem sofrendo variações quanto aos agentes infecciosos mais comuns, pois com o surgimento de antibióticos para determinados agentes e sua diminuição, outros surgem em seu lugar. À guisa de exemplo, saliente-se que com o advento de antimicrobianos para bactérias grã positivas, as grã negativas passaram a encontrar melhor ambiente para sua proliferação. Sendo muito importante o correto critério de controle microbiano do ar ambiente.

Foi com esse intuito que o Ministério da Saúde criou o Programa de Controle de Infecções Hospitalares sob a Coordenação da direção nacional do SUS e sob a fiscalização dos organismos de gestão estadual e municipal do sistema. Em cumprimento desse programa, todos os hospitais do País deverão desenvolver individualmente ou por meio de consórcio, um conjunto de ações com vistas à redução máxima possível da incidência e da gravidade das infecções hospitalares. O descumprimento dessas medidas enseja infração a legislação sanitária federal, bem como a aplicação dos artigos 14, 20 §§ 1º e 2º e 27 do Código de Defesa do Consumidor, que dispõe sobre a proteção do consumidor, no caso de fornecedores de serviços, incluídos os hospitais.

Cabe salientar aqui, que o risco de se adquirir infecção hospitalar é um risco razoavelmente esperado em quaisquer procedimentos que envolvem cirurgias, sondas, catéteres venosos e cânulas, dentre outros, merecendo destacar, contudo, que o hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si.[45]

Dentre as funções atribuídas pela lei, o hospital deve rastrear focos infecciosos, zelar pelo meio ambiente, evitar a contaminação do ar, proteger os doentes, estimular e exigir uma rigorosa técnica de enfermagem, assim como exemplar técnica cirúrgica.  A preocupação deverá ser intensa, principalmente nos hospitais que atendem crianças e idosos, pois o sistema imunológicos desses pacientes é mais susceptível a adquirir uma infecção.

Há situações nas quais os médicos utilizam seu próprio instrumental para o atendimento em hospitais, nesses casos os cuidados de conservação e esterilização cabem ao médico, não sendo imputado ao hospital qualquer contaminação advinda desses fatores.

Considerando a precariedade das condições de trabalho na rede hospitalar pública do País, o médico não pode aceitar o atendimento nessas condições, devendo, em uma situação de urgência, onde tenha que atender a um grande número de doentes sem condições de fazê-lo, comunicar formalmente a administração superior para que lhe seja transferida a responsabilidade pelo atendimento precário.

O próximo passo, será a comunicação ao Conselho de Classe e assim por diante, para que possam solucionar essa situação caótica, imputando as responsabilidades até mesmo aos agentes político, excluindo do médico a responsabilização integral pelo dano.


XI. O CONHECIMENTO DA DOENÇA

O conhecimento da doença por parte do paciente vem explicitado no Código de Ética Médica[46], no capitulo sobre a relação com Paciente e Familiares. No artigo 34[47] é afirmado que é vedado ao médico deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa provocar-lhe dano, devendo, no caso, a comunicação ser feita a seu responsável legal.

O artigo 31[48] do mesmo código de Ética deixa bem claro que é vedado ao médico desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnosticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida.

Portanto, uma vez mais, vale salientar que o médico deve, sempre, explicar ao paciente em linguagem clara, de maneira simples e para ele compreensível, o fundamental da doença e, principalmente, ter a convicção de que ele entendeu sua evolução natural e o que se espera com o tratamento indicado. Quando, após especificado o tratamento a ser realizado, o paciente não concordar, é direito do médico abrir mão do caso, passando formalmente a responsabilidade para outro profissional que esteja disposto a assumi-la. Nos casos de urgência, é de extrema importância a documentação, tais como biografias, exames complementares e principalmente a elaboração detalhada do prontuário médico, com o registro de todos os ocorridos. Nos casos mais graves, como por exemplo os casos de amputação, deve o médico documentar através de fotografia, colher a assinatura dos responsáveis através de um termo de responsabilidade perante duas testemunhas, isto para apresentar como defesa em futuras litigâncias que possam surgir.


XII. SEGURO MÉDICO

No Brasil o hábito de assegurar os bens não é tão difundido como em outros países, ainda mais se tratando de seguros de natureza profissional, como é o caso do seguro médico. Normalmente as apólices de seguro comuns não prevêem a cobertura por falha profissional, porém, pode o interessado pleitear esse tipo de cobertura securitária. As seguradoras, então, farão uma avaliação da projeção de risco, de acordo com a área de atuação daquele profissional.

Muitas pessoas jurídicas, como, por exemplo, hospitais e clínicas odontológicas têm seguro, porém, na maioria das vezes, visam à proteção contra acidentes decorrentes de problemas físicos do imóvel da entidade, deixando de lado a cobertura do exercício profissional.

Os profissionais de saúde que desejem contratar os serviços das seguradoras estão sujeitos a diversas restrições, como por exemplo, em alguns casos, a necessidade de experiência de 3 anos na atividade, que função desenvolvida seja devidamente regulamentada, obedeça ao Código de Ética e  seja controlada por Conselhos Regionais. Em regra, dentre os riscos excluídos estão os danos estéticos, quebra de sigilo profissional, uso de técnicas experimentais, testes com medicamentos ainda não aprovados pelos órgãos competentes, recusa de atendimento a paciente, dentre outros. Nada obstante, a contratação do seguro objetiva, sobretudo, resguardar o profissional de saúde contra situações de risco que podem levá-lo, muitas vezes, a insolvência civil, a considerar o significativo aumento nas demandas judiciais e o avanço do Poder Judiciário no rumo da concessão de indenizações vultosas. [49]

Além de estar à mercê da aceitação da seguradora, o profissional sofre inúmeras exigências e dele são excluídos alguns tipos de cobertura, tornando ainda mais difícil a celebração do seguro.

Nada obstante, visualiza-se uma melhora nestas condições, com um possível barateamento dos custos, diminuição das exigências e um aumento da difusão dessa prática entre os profissionais de saúde.


CONCLUSÃO

É unânime que o Sistema de Saúde Brasileiro é precário, para não dizer  caótico. Não se pode atribuir ao profissional de saúde toda a responsabilidade por essa deficiência, devendo o Estado receber a sua parcela de culpa pelos atendimentos ineficientes realizados nos hospitais públicos de todo país.

A realidade dos médicos que trabalham em pronto-socorros é apavorante, muitos deles, trabalham em condições de assepsia mínima, com instrumentais e aparelhagem ultrapassados, sem condições de oferecerem aos pacientes um tratamento digno. Os valores irrisórios repassados pelo Estado aos hospitais pelo doente internado não permitem que os hospitais conveniados adquiram aparelhagem moderna e atualizada, os quais são fatores predisponentes para ocorrer o erro médico. O mesmo pode se dizer quanto aos cirurgiões dentistas, que, muitas vezes, por falta de recursos têm que realizar extrações de dentes, por não haver condições e materiais para a realização de um trabalho restaurador.

Vale insistir no fato de que o profissional de saúde deve se negar a exercer seu ofício nessas circunstâncias, reivindicando melhores condições de trabalho, pois um erro condicionado por esse ambiente de trabalho pode por fim a toda uma carreira, sem falar na possibilidade de debilitar a saúde do paciente bem como  custar a sua própria vida.

Na iniciativa privada a situação é diversa em muitos aspectos, nada obstante, merece destaque que os profissionais de saúde são, não raro, reféns dos planos de saúde que repassam valores pífios, sem os quais, contudo, não é possível trabalhar.

Outro aspecto de mesma relevância é a formação desses profissionais, ou seja, a graduação e a pós-graduação oferecida nas faculdades brasileiras. A imagem de muitas faculdades de medicina, odontologia, farmácia, dentre outras, estão desgastadas, porém, continuam em perfeito funcionamento, formando profissionais inabilitados e despreparados para o exercício da profissão. Recentemente, com a realização das avaliações do MEC, algumas faculdades foram ameaçadas de fechamento, o que já é o início para uma maior conscientização sobre o assunto e para uma conseqüente melhora. Os cursos de pós-graduação, deveriam, também, ser avaliados, pois muitos deles, em troca de mensalidades altíssimas, expedem certificados de especialistas a profissionais que se dispõem a pagar caro por um título, sem, contudo

Insta consignar, por oportuno, que na área de saúde, em especial na Medicina, por suas próprias características, se de um lado deve receber, em determinadas circunstâncias, um respaldo da fortuidade do evento, em contrapartida deve sempre ser exercida com competência, amor e respeito à vida.[50]

De toda sorte, em todos os casos, ainda que a matéria da responsabilidade civil por erro médico não esteja pacificada na doutrina tampouco na jurisprudência pátrias, os desafios que se colocam frente aos tribunais e juristas merecem ser tratados com muita parcimônia e prudência, de modo que aqueles profissionais que cuidam do nosso bem mais precioso, a saúde, e porque não dizer a vida, não sejam transformados em malfeitores, tampouco recebam tratamento privilegiado quando do cometimento de suas faltas inescusáveis.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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CROCE, Delton. Erro médico e o Direito. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

CRUZ, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2005.

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_________________________. Responsabilidade médica. Curitiba: Juruá Editora, 2004.

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KFOURI NETO, Miguel. Culpa médica e ônus da prova. São Paulo: RT, 2002.

___________________. Responsabilidade civil do médico. 6 ed. São Paulo: RT, 2007.

LIMA, Alvino. A responsabilidade civil por fato de outrem. São Paulo: RT, 1973.

MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. 2 ed. Porto Alegre: Editora Sagra Luzzatto, 2001.

QUEIROGA, Antônio Elias de. Responsabilidade civil e o novo Código Civil. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2003.

ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da Rocha. A responsabilidade civil decorrente do contrato de serviços médicos. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2005.

ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. Responsabilidade civil na cirurgia plástica. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris, 2004.

SILVA, Roberto de Abreu e. Pressupostos da responsabilidade civil. Revista Forense. Rio de Janeiro: Forense, v. 377, jan./fev. 2005.

STOCO, Rui. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. 7. ed. São Paulo: RT, 2007.


Notas

[1] Insta registrar, à guisa de esclarecimento, que no presente artigo a referência a erro médico abrange o erro de todos os profissionais que atuam na área de saúde, dentre eles médicos, cirurgiões dentistas, farmacêuticos, dentre outros.

[2] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil do médico. p.87.

[3] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. p. 2.

[4] COSTA, Judith Martins Costa. Os Fundamentos da Responsabilidade Civil. p.35.

[5] DIAS, José de Aguiar. Da responsabilidade Civil. p. 2.

[6] Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

[7] ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin. A Responsabilidade Civil Decorrente do Contrato de Serviços Médicos. p.346.

[8] Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.

[9] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (art. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo.

[10] A culpa lato sensu engloba a culpa stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia) bem como o dolo.

[11] CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito. p.23.

[12] FILHO, Sergio Cavaliere. Programa de Responsabilidade Civil. p.56.

[13] GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Responsabilidade Civil. p. 20.

[14] LIMA, Alvino. A Responsabilidade civil pelo fato de outrem. p.37.

[15] Cruz, Gisela Sampaio da. O problema do nexo causal na responsabilidade civil. p. 107.

[16] Ib idem. p. 102.

[17] FILHO, Sergio Cavaliere. Programa de Responsabilidade Civil. p.94.

[18] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil do médico. p. 181.

[19] MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade civil do médico. p.57.

[20] KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e Ônus da Prova. p.151

[21] Sobre o tema, merecem destaque o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça. Verbis:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. RESPONSABILIDADE CIVIL. NULIDADE DOS ACÓRDÃOS PROFERIDOS EM SEDE DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NÃO CONFIGURADA. CIRURGIA PLÁSTICA ESTÉTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. DANO COMPROVADO. PRESUNÇÃO DE CULPA DO MÉDICO NÃO AFASTADA.

PRECEDENTES.

[...]

2. A obrigação assumida pelo médico, normalmente, é obrigação de meios, posto que objeto do contrato estabelecido com o paciente não é a cura assegurada, mas sim o compromisso do profissional no sentido de um prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica na busca pela cura.

3. Apesar de abalizada doutrina em sentido contrário, este Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a situação é distinta, todavia, quando o médico se compromete com o paciente a alcançar um determinado resultado, o que ocorre no caso da cirurgia plástica meramente estética. Nesta hipótese, segundo o entendimento nesta Corte Superior, o que se tem é uma obrigação de resultados e não de meios.

4. No caso das obrigações de meio, à vítima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que este decorreu de culpa por parte do médico. Já nas obrigações de resultado, como a que serviu de origem à controvérsia, basta que a vítima demonstre, como fez, o dano (que o médico não alcançou o resultado prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, destarte, a inversão do ônus da prova.

5. Não se priva, assim, o médico da possibilidade de demonstrar, pelos meios de prova admissíveis, que o evento danoso tenha decorrido, por exemplo, de motivo de força maior, caso fortuito ou mesmo de culpa exclusiva da "vítima" (paciente).

6. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 236.708/MG, Rel. Ministro  CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ FEDERAL CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), QUARTA TURMA, julgado em 10/02/2009, DJe 18/05/2009)

CIVIL. CIRURGIA. SEQÜELAS. REPARAÇÃO DE DANOS. INDENIZAÇÃO. CULPA.

PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.

1 - Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado.

2 - Em razão disso, no caso de danos e seqüelas porventura decorrentes da ação do médico, imprescindível se apresenta a demonstração de culpa do profissional, sendo descabida presumi-la à guisa de responsabilidade objetiva.

3 - Inteligência dos arts. 159 e 1545 do Código Civil de 1916 e do art. 14, § 4º do Código de Defesa do Consumidor.

4 - Recurso especial conhecido e provido para restabelecer a sentença.

(REsp

 196.306/SP, Rel. Ministro  FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 03/08/2004, DJ 16/08/2004 p. 261)

[22] ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira. Responsabilidade Civil na Cirurgia Plástica. p.61.

[23] ROSÁRIO, Grácia Cristina Moreira do. Responsabilidade Civil na Cirurgia Plástica. p. 88.

[24] NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico. p. 215

[25] Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]

 VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;

[26] KFOURI NETO., Miguel. Culpa médica e ônus da prova. p.80.

[27] Art. 14. [...]

§ 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.

[28] Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos..

[29] NETO, Miguel Kfouri. Culpa Médica e Ônus da Prova. p. 364.

[30] § 3° O fornecedor de serviços só não será responsabilizado quando provar:

        I - que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste;

        II - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

[31] NETO, Miguel Kfouri. Responsabilidade Civil do Médico. p.180.

[32] Súmula 187: A responsabilidade contratual do transportador, pelo acidente com o passageiro, não é elidida por culpa de terceiro, contra o qual tem ação regressiva.

   Súmula 188: O segurador tem ação regressiva contra o causador do dano, pelo que efetivamente pagou, até o limite previsto no contrato de seguro.

[33] QUEIROGA, Antônio Elias. Responsabilidade Civil e o Novo Código Civil. p. 37.

[34] Art. 6º, VI do CDC

[35] SILVA, Roberto de Abreu e. Pressupostos da responsabilidade civil. p.195.

[36] Súmula 37: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato".

[37] [37] KFOURI NETO, Miguel. Culpa Médica e Ônus da Prova. p.70.

[38] ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. A Responsabilidade Civil Decorrente do Contrato de Serviços Médicos. p.287.

[39] Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:

Pena Detenção de seis meses a um ano ou multa.

[40] Art. 5. [...]

LXXII - conceder-se-á "habeas-data":

a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público;

b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo;

[41] É vedado ao médico:

[...]

Art. 26. Deixar de respeitar a vontade de qualquer pessoa, considerada capaz fisica e mentalmente, em greve de fome, ou alimentá-la compulsoriamente, devendo cientificá-la das prováveis complicações do jejum prolongado e, na hipótese de risco iminente de morte, tratá-la.

[42] Sobre o tema, impende trazer à baila o seguinte aresto do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, verbis:

DIREITO À VIDA. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. DENUNCIAÇÃO DA LIDE INDEFERIDA. LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. LIBERDADE DE CRENÇA RELIGIOSA E DIREITO À VIDA. IMPOSSIBILIDADE DE RECUSA DE TRATAMENTO MÉDICO QUANDO HÁ RISCO DE VIDA DE MENOR. VONTADE DOS PAIS SUBSTITUÍDA PELA MANIFESTAÇÃO JUDICIAL. O recurso de agravo deve ser improvido porquanto à denunciação da lide se presta para a possibilidade de ação regressiva e, no caso, o que se verifica é a responsabilidade solidária dos entes federais, em face da competência comum estabelecida no art. 23 da Constituição federal, nas ações de saúde. A legitimidade passiva da União é indiscutível diante do art. 196 da Carta Constitucional. O fato de a autora ter omitido que a necessidade da medicação se deu em face da recusa à transfusão de sangue, não afasta que esta seja a causa de pedir, principalmente se foi também o fundamento da defesa das partes requeridas. A prova produzida demonstrou que a medicação cujo fornecimento foi requerido não constitui o meio mais eficaz da proteção do direito à vida da requerida, menor hoje constando com dez anos de idade. Conflito no caso concreto dois princípios fundamentais consagrados em nosso ordenamento jurídico-constitucional: de um lado o direito à vida e de outro, a liberdade de crença religiosa. A liberdade de crença abrange não apenas a liberdade de cultos, mas também a possibilidade de o indivíduo orientar-se segundo posições religiosas estabelecidas. No caso concreto, a menor autora não detém capacidade civil para expressar sua vontade. A menor não possui consciência suficiente das implicações e da gravidade da situação pata decidir conforme sua vontade. Esta é substituída pela de seus pais que recusam o tratamento consistente em transfusões de sangue. Os pais podem ter sua vontade substituída em prol de interesses maiores, principalmente em se tratando do próprio direito à vida. A restrição à liberdade de crença religiosa encontra amparo no princípio da proporcionalidade, porquanto ela é adequada à preservar à saúde da autora: é necessária porque em face do risco de vida a transfusão de sangue torna-se exigível e, por fim ponderando-se entre vida e liberdade de crença, pesa mais o direito à vida, principalmente em se tratando não da vida de filha menor impúbere. Em conseqüência, somente se admite a prescrição de medicamentos alternativos enquanto não houver urgência ou real perigo de morte. Logo, tendo em vista o pedido formulado na inicial, limitado ao fornecimento de medicamentos, e o princípio da congruência, deve a ação ser julgada improcedente. Contudo, ressalva-se o ponto de vista ora exposto, no que tange ao direito à vida da menor.(AC 200371020001556, VÂNIA HACK DE ALMEIDA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 01/11/2006)

[43] ROCHA, Cleonice Rodrigues Casarin da. A Responsabilidade Civil Decorrente do Contrato de Serviços Médicos. p.265.

[44] AGUIAR JÚNIOR, Ruy Rosado. Responsabilidade civil do médico. p.154.

[45]  Nesse sentido, veja-se:

RESPONSABILIDADE CIVIL. CONSUMIDOR. INFECÇÃO HOSPITALAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO HOSPITAL. ART. 14 DO CDC. DANO MORAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO.

O hospital responde objetivamente pela infecção hospitalar, pois esta decorre do fato da internação e não da atividade médica em si.

O valor arbitrado a título de danos morais pelo Tribunal a quo não se revela exagerado ou desproporcional às peculiaridades da espécie, não justificando a excepcional intervenção desta Corte para revê-lo.

Recurso especial não conhecido.

(REsp 629.212/RJ, Rel. Ministro  CESAR ASFOR ROCHA, QUARTA TURMA, julgado em 15/05/2007, DJ 17/09/2007 p. 285)

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA. ERRO MÉDICO INEXISTENTE. COMPROVAÇÃO POR PERÍCIA. INFECÇÃO HOSPITALAR. INTERNAÇÃO POR TRINTA DIAS. DANO E NEXO CAUSAL COMPROVADOS. INDENIZAÇÃO. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. 1.- A obrigação do profissional da Medicina é de meio e dependente da comprovação da culpa, não se confundindo com a responsabilidade estatal objetiva. 2.- A responsabilidade objetiva em caso de infecção hospitalar decorre da atividade prestada em exclusividade pelo hospital que, na qualidade de fornecedor do serviço de internação, é responsável pela guarda e incolumidade física do paciente. 3.- Restou devidamente comprovado o dano moral suportado pela autora, considerando que necessitou de trinta dias de internamento para ser submetida a tratamento de infecção hospitalar, com todas as consequências daí advindas. 4.- O arbitramento do valor da indenização pelo dano moral é ato complexo para o julgador que deve sopesar, dentre outras variantes, a extensão do dano, a condição sócio-econômica dos envolvidos, a razoabilidade, a proporcionalidade, a repercussão entre terceiros, o caráter pedagógico/punitivo da indenização e a impossibilidade de se constituir em fonte de enriquecimento indevido.(APELREEX 200570060024732, MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 02/09/2009)

[46] RESOLUÇÃO CFM Nº 1931/2009, publicada no D.O.U.  de 24 de setembro de 2009, Seção I, p. 90.

[47] É vedado ao médico:

[...]

Art. 34. Deixar de informar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, os riscos e os objetivos do tratamento, salvo quando a comunicação direta possa lhe provocar dano, devendo, nesse caso, fazer a comunicação a seu representante legal.

[48] É vedado ao médico:

Art. 31. Desrespeitar o direito do paciente ou de seu representante legal de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente risco de morte.

[49] MATIELO, Fabrício Zamprogna. Responsabilidade Civil do Médico. p.243.

[50] CROCE, Delton. Erro Médico e o Direito. p.4.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Ewerton Marcus de Oliveira. Aspectos gerais acerca da responsabilidade civil por erro médico. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 17, n. 3432, 23 nov. 2012. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23074. Acesso em: 3 maio 2024.