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Livro digital e a problemática da sua tributação e da imunidade constitucional

Livro digital e a problemática da sua tributação e da imunidade constitucional

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E-book é livro, na acepção legal. Sua comercialização é abraçada pela imunidade tributária, não havendo a incidência de impostos. Porém, o Poder Judiciário ainda não se posicionou definitivamente sobre tal questão.

O Livro Digital

O recente aumento da comercialização dos chamados “tablets” no Brasil começou a aquecer também o mercado de livros digitais (e-books), impulsionados também pela chegada de grandes grupos internacionais, tais como a Amazon, a Kobo e a Apple, através da sua loja iTunes.

Um levantamento feito pela Associationof American Publishers constatou que, em 2012, pela primeira vez na história foram vendidos mais livros eletrônicos (e-books) do que os tradicionais, produzidos em papel.

Ocorre que, o grande emaranhado legislativo somado com o grande apetite fiscal do Estado vem causando inúmeras dúvidas às Editoras e Livrarias que comercializam tais livros digitais no que tange à sua tributação e classificação fiscal.

As dúvidas que surgem são cruciais, visto que tais conteúdos comercializados no formato digital são ou não imunes de impostos, nos termos da Constituição Federal ? Qual a correta classificação de tais “bens” no âmbito da Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) ? Tais vendas são tributadas?

Tudo isso influi diretamente na estratégia comercial das Editoras e Livrarias e na atribuição do preço aos e-books, que hoje são muito próximos dos preços dos livros físicos.


Livro Digital (e-book) é ou não Livro, na acepção legal ?

Para um leigo, a resposta parece fácil, porém em razão da nossa legislação vigente e face às diversas interpretações jurisprudenciais, ainda não há uma resposta definitiva para tal questionamento. Porém, procuraremos traçar nosso entendimento sobre a questão com o viés tributário que é o objetivo no presente artigo.

A questão inicia-se na Constituição Federal,a qual estabelece a chamada Imunidade Tributária nos termos do artigo 153, inciso VI, alínea “d”: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...) VI - instituir impostos sobre: (...) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

Desta forma, é vedada pela nossa Constituição Federal a instituição de qualquer Imposto sobre “livros”. O Código Tributário Nacional foi omisso no que tange a imunidade de livros, dispondo somente sobre a impossibilidade de instituição de imposto sobre “papel destinado exclusivamente à impressão de jornais, periódicos e livros” (Art. 9º, inciso IV, alínea “d”).

Ocorre que, em 30/10/2003 foi promulgada a Lei nº 10.753 que instituiu a política nacional do Livro e, em face da definição de livro descrita no artigo 2º, instalou-se a grande dúvida acerca dos “e-books”, vejamos a redação da Lei:

“Art. 2º - Considera-se livro, para efeitos desta Lei, a publicação de textos escritos em fichas ou folhas, não periódica, grampeada, colada ou costurada, em volume cartonado, encadernado ou em brochura, em capas avulsas, em qualquer formato e acabamento”.

O Parágrafo único dispõe que são equiparados a livro: “I - fascículos, publicações de qualquer natureza que representem parte de livro; (...) VI - textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte; VII - livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual;”.

No nosso entendimento devemos interpretar o dispositivo legal da seguinte forma: Ocaput do art. 2º primeiramente define livro como “publicação de textos escritos”.Depois o artigo passa a descrever os chamados “suportes” destes textos escritos: (a) em fichas ou folhas, grampeada, colada ou costurada; (b) em volume cartonado, encadernado ou em brochura; (c) em capas avulsas; (d) em qualquer formato e acabamento.

Outro aspecto importante é que tais textos escritos publicados não sejam periódicos, o que na prática diferencia livros de revistas, jornais e outras publicações periódicas.

Assim, em nosso entendimento, podemos enquadrar os e-books na seguinte definição do caput do artigo 2º: “Textos escritos, não periódicos, publicados em qualquer formato e acabamento”.

Para aprimorar esta definição, busquemos responder a seguinte indagação: O que diferencia um mesmo livro físico de sua versão digital ? A resposta é uma só, o seu “suporte”, no primeiro caso o “texto escrito” (caracteres, símbolos da linguagem idiomática escrita) encontra-se impresso em papel e, no segundo, o mesmo encontra-se “gravado” em um arquivo digital.

Ou seja, o conteúdo (conjunto de expressões idiomáticas que formam um texto) é o mesmo, sendo que o “indivíduo-leitor” pode ter acesso à tal conteúdo através de suportes diferentes: o papel ou o arquivo digital, acessível por programas de computador ou dos “tablets”.

Ora, atualmente os tribunais superiores adotarama virtualização dos processos objeto de Recursos, assim buscando um correlato, pergunta-se: o teor, o conteúdo de um processo em trâmite no judiciário, impresso em papel (suporte físico) é diferente da cópia digital (suporte digital) que será utilizada para análise, processamento e julgamento dos recursos ?

Também vale trazer as palavras do professor Leandro Paulsen, em Direito Tributário - Constituição e Código Tributário á luz da doutrina e da jurisprudência: “(...) Assim como uma música não deixa de ser música por ter sido baixada pela Internet, em meio eletrônico, também um jornal ou revista não deixa de se caracterizar como tal por serem lidos no iPad. Sua função e importância como veiculo da livre manifestação do pensamento segue idêntica”.

Para ratificar este entendimento, o inciso VI do parágrafo único dispõe que são equiparados a livro “textos derivados de livro ou originais, produzidos por editores, mediante contrato de edição celebrado com o autor, com a utilização de qualquer suporte”. Ora, qualquer suporte pode ser o suporte do arquivo digital !

Por fim, o nossoentendimentoacerca do inciso VII,que trata dos “livros em meio digital, magnético e ótico, para uso exclusivo de pessoas com deficiência visual”, é a de que os legisladores quiseram deixar claro que “qualquer suporte” também abrange meios digitais, magnéticos e óticos que sejam destinados para uso de deficientes visuais.

Ou seja, o inciso VII não restringe a definição de “livros digitais” só para aqueles que se destinam aos deficientes visuais, pelo contrário, o inciso deixa claro que também estes são considerados livros, ou seja, trata-se de uma inclusão expressa, que não exclui as demais.


A imunidade constitucional dos livros abrange os e-books? A problemática da jurisprudência e da interpretação dos entes tributantes.

A nossa Constituição Federal prevê, no seu artigo 150, inciso IV, alínea “d” que: “Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...)VI - instituir impostos sobre: (...) d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão”.

Portanto, surge a questão: Livro Digital é protegido pela imunidade tributária descrita acima ?A resposta parece fácil, mas os órgãos judiciais e os entes tributantes torna-a difícil e deixa a questão em terreno nebuloso, vejamos.

No âmbito do RE nº 330.817/RJ, o Relator Min. Dias Toffolliinicialmente negou tal imunidade, em suma alegando que: “a jurisprudência da Corte é no sentido de que a imunidade prevista no artigo 150, inciso IV, alínea “d”, da Constituição Federal, conferida a livros, jornais e periódicos, não abrange outros insumos que não os compreendidos na acepção da expressão ‘papel destinado a sua impressão’”.

Ou seja, livro imune só o impresso em papel !

Tal posicionamento foi revisto e encontra-se pendente de decisão definitiva do plenário do STF, já que o Ministro Dias Tofolli reviu tal decisão e acabou por atribuir ao citado Recurso a chamada “repercussão geral”, ou seja, o resultado de seu julgamento será o entendimento que será seguido em todas as demais ações judiciais que visam a imunidade tributária para os “e-books”.

A decisão que atribuiu a Repercussão Geral ao Recurso Extraordinário explica a divergência a ser solucionada, tratando inicialmente da posição que nega a imunidade: “Aqueles que defendem talposicionamento aduzem que, ao tempo da elaboração daConstituição Federal, já existiam diversos outrosmeios de difusão de cultura e que o constituinteoriginário teria optado por contemplar o papel.Estender a benesse da norma imunizante importaria emdesvirtuar essa vontade expressa do constituinteoriginário”.

Em seguida é explanado o entendimento da corrente contrária, a qual defende que “segundo umainterpretação sistemática e teleológica do textoconstitucional, a imunidade serviria para se conferirefetividade aos princípios da livre manifestação dopensamento e da livre expressão da atividadeintelectual, artística, científica ou de comunicação,o que, em última análise, revelaria a intenção dolegislador constituinte em difundir o livre acesso àcultura e à informação”.

Esta segunda corrente doutrinária nos parece muito mais coerente, bem como permite que as regras constitucionais se adaptem às novas realidades, tendo como principal preocupação sua finalidade e não sua literalidade.

Assim, a questãoa ser resolvida é se a Constituição, ao prever a norma imunizante, realmentepretende contemplar apenas o papel e seus derivadosou, finalisticamente, pretende acobertar, de formagenérica, outros suportes físicos ou mesmo imateriaisutilizados na veiculação de livros, periódicos esimilares, com vistas à disseminação da cultura.


Concluindo.

Evidente que nosso posicionamento é no sentido de que e-book é livro, na acepção legal, bem como sua comercialização é abraçada pela imunidade tributária, não havendo a incidência de impostos. Porém, nosso poder judiciário ainda não se posicionou definitivamente sobre tal questão.

Por outro lado, desde 2010, tramita no Senado Federal o Projeto de lei nº 114, o qual visa incluir na Lei nº 10.753/2003 a equiparação do e-book com o livro físico, o que traria maior segurança acerca da abrangência da imunidade constitucional.


Autor

  • Antonio Antunes Junior

    Advogado, sócio titular do escritório Antunes Advocacia Empresarial, Professor do curso de especialização em direito tributário, palestrante em treinamentos e cursos "in company", membro do Comitê de Jovens Empreendedores da FIESP, assessor do Tribunal de Ética IV da OAB/SP; pós-graduado em Direito Civil e em Direito Tributário, autor de livros e artigos jurídicos.

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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ANTUNES JUNIOR, Antonio. Livro digital e a problemática da sua tributação e da imunidade constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3548, 19 mar. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/23995. Acesso em: 28 mar. 2024.