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A licença compulsória das patentes como instrumento efetivador do acesso a medicamentos

A licença compulsória das patentes como instrumento efetivador do acesso a medicamentos

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Estuda-se o instituto da licença compulsória como meio otimizador do direito à saúde. Mais do que instrumento para coibir o abuso do poder econômico, como punição, é possível valer-se do licenciamento involuntário em razão do interesse público. O direito de patente cede para que se efetive o direito à saúde.

Sumário: 1. Introdução. 2. Concessão de patentes: proteção e limites à propriedade industrial. 2.1 A proteção da propriedade Industrial mediante a concessão de patentes. 2.2 Interesse social e desenvolvimento econômico e tecnológico como objetivos e limites da proteção patentária. 3. Direito à Saúde: conteúdo e obstáculos a sua efetivação. 3.1 A concretização do direito à saúde como objetivo a ser buscado. 3.2 O fornecimento de medicamentos como conteúdo do direito à saúde. 4. Licença compulsória das patentes: instrumento para a efetivação do direito à saúde. 4.1 As patentes de medicamentos em face do interesse social ao acesso à saúde. 4.2 A licença compulsória como instrumento otimizador do acesso aos medicamentos. 5. Considerações Finais. 6. Referências bibliográficas.


1. Introdução

A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre o direito à propriedade industrial, no título dos direitos e garantias fundamentais, assegura sua proteção na exata medida em que atenda ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país.

O imperativo de disponibilizar a todos segmentos sociais os benefícios das conquistas tecnológicas, aliado à complexidade do sistema industrial contemporâneo e à velocidade dos avanços tecnológicos, exige uma perfeita compreensão dos mecanismos disciplinadores da propriedade industrial. Como um de seus principais elementos afigura-se a patente, privilégio temporário concedido pelo Estado a alguém pela criação de algo novo, com aplicação industrial, desde que suscetível de beneficiar a sociedade.

Ganha relevo, portanto, a discussão acerca da proteção e dos limites da propriedade industrial e, mais especificamente, das patentes, por elas exercerem importante papel na divulgação de novas tecnologias. Inserem-se aqui as patentes de medicamentos, porquanto o regime jurídico que lhes é atribuído, extrapolando a órbita econômica, traz sempre efeitos marcantes no âmbito sanitário e social.

Como possível limitação ao direito de propriedade industrial, surge o direito à saúde, que inclui, em seu conteúdo, o direito à assistência farmacêutica, exigindo, para sua efetivação, a atuação do Estado. Frente a este, passam a ser exigíveis prestações positivas, a fim de garantir uma vida digna aos cidadãos.

 Ante a flagrante precariedade da prestação estatal do acesso à saúde, emerge, no âmbito do interesse social, a discussão sobre a proteção das patentes de medicamentos. Resta inquirir se os limites constitucionalmente impostos ao direito de propriedade industrial, garantido mediante a concessão dessas patentes, em certos casos, podem - ou devem - arredar em prol da coletividade. 

Com esse escopo, o presente trabalho divide-se em três momentos. Inicialmente, objetiva-se analisar a propriedade industrial, perquirindo os limites de sua proteção; a seguir, busca-se focalizar o acesso a medicamentos como verdadeira manifestação do direito à saúde, salientando, nesse sentido, o papel do Estado na concretização deste direito fundamental. Por fim, pretende-se uma ponderação dos aspectos da licença compulsória de medicamentos enquanto instrumento de efetivação e medida de otimização do direito à saúde.


2. Concessão de patentes: proteção e limites à propriedade industrial

O estágio de desenvolvimento tecnológico a que se chegou fez crescer em importância a proteção jurídica à propriedade de bens imateriais. De fato, o valor da propriedade não é mais diretamente proporcional à extensão do solo ou à forma do imóvel; há bens – móveis e intangíveis – que se tornaram verdadeiros motores propulsores da economia. Em verdade, em decorrência das mudanças trazidas pelo que se convencionou chamar de pós-modernidade, o próprio conceito tradicional de propriedade – antes tida como inviolável e absoluta – adquiriu novo conteúdo, haja vista a imperativa necessidade de cumprimento de sua função social[1]. Ganha relevo, por conseguinte, a discussão acerca da proteção e dos limites da propriedade industrial e, mais especificamente, das patentes, por elas exercerem importante papel na divulgação de novas tecnologias.

Nessa linha, a Constituição Federal de 1988 consagrou a propriedade industrial como direito fundamental do cidadão, garantindo sua proteção na exata medida em que atenda ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Assim sendo, esta propriedade privada só é merecedora de tutela, por força constitucional, quando sua utilização é cumpridora da função social que lhe é conferida. Cumpre, pois, analisar de que modo seus limites, os quais foram traçados mediante conceitos abertos, influenciam não apenas sua proteção, como também sua própria existência.

2.1 A proteção da propriedade Industrial mediante a concessão de patentes

A complexidade do sistema industrial contemporâneo, a velocidade dos avanços tecnológicos e, sobretudo, o imperativo de disponibilizar a todos segmentos sociais os benefícios das conquistas tecnológicas exigem uma perfeita compreensão dos mecanismos disciplinadores da propriedade industrial. Esta engloba inventos e modelos de utilidade, os quais constituem, em regra, resultado da atividade privada.[2]

Por patente, entende-se um privilégio temporário que o Estado confere a uma pessoa física ou jurídica pela criação de algo novo, com aplicação industrial, desde que suscetível de beneficiar a sociedade. Como lembra FURTADO, porém, o termo privilégio, hoje, já não se justifica senão por tradição, porquanto representa resquício da fase inicial da evolução histórica da propriedade industrial, na qual seu reconhecimento ocorria segundo a vontade dos soberanos.[3]

Ao titular da patente assegura-se o direito exclusivo e temporário de exploração do seu objeto, tendo em vista proporcionar-lhe a oportunidade de ressarcimento dos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento, bem como dos custos de aplicação industrial de sua invenção. De outra parte, para ser protegida, a invenção deve, cumulativamente, ser inovadora, resultar de atividade inventiva e ter aplicação industrial.[4] São essas as três exigências fundamentais de patenteabilidade, aceitas pela maioria da comunidade internacional.[5]

A Constituição Federal de 1988 dispõe sobre o direito à propriedade industrial no título dos direitos e garantias fundamentais[6], assegurando sua proteção na exata medida em que atenda ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Na mesma linha, a Lei nº 9.279/96, ao regular direitos e obrigações relativamente à propriedade industrial, consagra, em seu art. 1º, II, a concessão de patentes como instrumento de proteção daqueles direitos, ressaltando, mais uma vez, o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país como suas balizas.[7] Como se vê, o enfoque constitucional que se deve dar às patentes permite evidenciar o amplo relacionamento do direito à propriedade industrial com o interesse coletivo[8], assim como o evidente entrelace das áreas do direito privado e público.[9]

Outrossim, o caráter funcional das patentes resulta na possibilidade de o legislador, ao dispor sobre a sua proteção, levar em consideração interesses outros que não os do proprietário, impondo limitações aos direitos deste em prol dos interesses sociais. Sob essa ótica, não se pode privilegiar uma concepção individualista do sistema patentário; é preciso encará-lo como mecanismo necessário ao desenvolvimento do país, de relevante interesse coletivo, só merecendo proteção legal na medida em que atenda sua função social[10].

Não poderia ser diferente, haja vista a perspectiva solidarista que marca o Direito moderno[11]. Impõe-se, pois, que o mercado e seus instrumentos legais, dentre os quais as patentes, adaptem-se às exigências sociais, a fim de que se construa uma sociedade livre, justa e solidária[12].

2.2 Interesse social e desenvolvimento econômico e tecnológico como objetivos e limites da proteção patentária

A utilização da patente que não diga com sua função social pode dar ensejo a sanções ou ações corretivas. Tal fato decorre da noção de que o direito sobre patentes deve ser limitado, o que tem motivado diversos países a inserirem, em suas legislações, instrumentos para coibir seu uso inadequado, insatisfatório ou abusivo. Dentre estas medidas, ganha relevo a concessão de licenças compulsórias, pelas quais terceiros podem passar a explorar o privilégio patentário, mediante autorização direta do Estado.[13]

Geralmente, a possibilidade de licença compulsória – ou quebra de patente, expressão de uso comum e equivalente – decorre da falta de exploração ou da exploração incompleta. Contudo, tal mecanismo também pode ser utilizado em casos de interesse público ou emergência nacional. Assim, o instrumento da licença compulsória passa a desempenhar papel fundamental no equilíbrio do mercado, indo sua função moderadora ao encontro dos princípios constitucionais da ordem econômica.[14]

Com efeito, há situações em que o interesse social deve sobrepor-se ao direito individual do proprietário, de forma que os fatores sociais devem necessariamente prevalecer sobre a importância econômica das patentes enquanto fomentadoras do desenvolvimento. Um desses fatores, por exemplo, é a grande defasagem tecnológica dos países periféricos em relação aos desenvolvidos, aliada ao seu baixo poder de compra quando da aquisição de produtos de última geração, fabricados pelos grandes centros econômicos.[15]

É neste âmbito que se insere, portanto, a discussão acerca da possibilidade de quebra de patentes nas ocasiões em que esta medida desponta como instrumento hábil à efetivação de direitos sociais. De fato, se a patente é tipicamente um instrumento para garantir o retorno dos investimentos realizados pela indústria, ela também tem um objetivo social e desenvolvimentista, constituindo-se, assim, um estruturado sistema de trocas. Por este prisma, a licença compulsória, mais do que uma punição, pode servir de mecanismo para o bom funcionamento desse sistema.[16]

Como salienta OLIVEIRA, a tecnologia é um poder, um benéfico poder, e como tal precisa estar subordinado aos interesses precípuos do ser humano e da sociedade como um todo. Logo, não se pode aceitar que o processo de globalização favoreça apenas alguns poucos; é necessário que tais conquistas sejam compartilhadas por todos.[17]


3.  Direito à Saúde: conteúdo e obstáculos a sua efetivação

Ao traçar os fundamentos e os objetivos primordiais da República, a Constituição Federal trouxe consigo a imperiosa necessidade de buscar-se uma adequação conformadora da realidade social com as metas por ela estipuladas. A fim de garantir uma vida digna a seus cidadãos, com a efetivação de seus direitos, passam a ser exigíveis, frente ao Estado, prestações positivas, fundamentadas na mudança do status quo[18]. São, nos dizeres de ALEXY, direitos sociais fundamentais; direitos do indivíduo frente ao Estado a algo que – se o indivíduo possuísse meios financeiros suficientes e se encontrasse no mercado uma oferta suficiente – poderia obtê-lo também de particulares.[19]

Com efeito, ao exercer sua função promocional, o Estado não apenas cumpre seu dever, como renova sua legitimidade enquanto tal, porquanto não é outra sua tarefa senão a tutela dos direitos fundamentais e a realização do pleno desenvolvimento da pessoa. Essa função é, ao mesmo tempo, o fundamento e a justificação de sua intervenção.[20]

É neste âmbito que se insere o direito à saúde, que inclui, em seu conteúdo, o direito à assistência farmacêutica, e que, em síntese, pode ser entendido como um elemento da cidadania, exigindo, para sua efetivação, a atuação do Estado, no sentido de eliminar as estruturas econômicas e sociais que porventura impeçam sua titularidade substancial e seu efetivo exercício. 

3.1 A concretização do direito à saúde como objetivo a ser buscado

A conceituação da saúde deve ser entendida como algo presente; a concretização de uma vida com dignidade, de uma sadia qualidade de vida, enfim, algo a ser continuamente afirmado diante da profunda miséria por que atravessa a maioria da população. Assim sendo, a discussão e a compreensão da saúde passam pela afirmação da cidadania plena e pela aplicabilidade dos dispositivos garantidores dos direitos sociais da Constituição Federal.[21]

É na perspectiva do direito fundamental do cidadão de exigir prestações públicas, com base no princípio da solidariedade social, que se insere o direito à saúde no âmbito dos direitos sociais e econômicos.[22] Em sendo um direito de solidariedade, e a exemplo dos demais direitos sociais de cunho positivo, é considerado por alguns como dependente de intermediação legislativa, de tal sorte que não são poucos os que lhe negam plenitude eficacial[23]. Com efeito, o art. 196 da Constituição é, tradicionalmente, considerado meramente programático, a despeito de qualificar a saúde como "direito de todos e dever do Estado". É que o termo saúde, em razão de seu caráter genérico, dificulta a definição de um campo preciso de significação. Em tese, seria possível aventar uma infinidade de medidas que contribuiriam para a melhoria das condições de saúde da população, decorrendo daí a necessidade de se precisar que meios de valorização da saúde podem – e devem – ser postulados.

Nesse contexto, como lembra SARLET, assume relevo o questionamento a respeito do limite da prestação reclamada pelo particular perante o Estado. Cuida-se de saber se os poderes públicos são devedores de um atendimento global, abrangendo toda e qualquer prestação na área da saúde e, ainda, qual o nível dos serviços a serem prestados. Trata-se do clássico dilema do Estado Social no que concerne as suas funções precípuas, isto é, se deve limitar-se à tarefa de assegurar um patamar mínimo em prestações materiais, destinadas a promover a igualdade material no sentido de uma igualdade de oportunidades, ou se deve - a despeito da efetiva possibilidade de alcançar tal objetivo - almejar um padrão ótimo nesta seara.[24]

Indubitável é o fato de que constitui dever do Estado prover as condições indispensáveis ao pleno exercício do direito à saúde[25], por meio de políticas sociais e econômicas que visem à redução de riscos de doenças e de outros agravos, bem como mediante o estabelecimento de condições que assegurem acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde individual e coletiva.[26] Não obstante, como salientam CANOTILHO e MOREIRA, o direito à saúde não impõe ao Estado apenas o dever de atuar para constituir um Serviço Nacional de Saúde, e, por meio dele, proporcionar o seu amplo acesso; antes, impõe-se sua abstenção, de modo que ele não atue no sentido de prejudicar a saúde dos cidadãos.[27]

A realidade, porém, mostra que o direito à saúde ainda está distante de superar a mera consagração formal no texto constitucional. No caso concreto, o que se vê é a constante necessidade de o cidadão buscar, perante o Poder Judiciário, a efetivação deste direito. Nas demandas, é comum o Poder Público opor, como destinatário precípuo da pretensão relativa ao direito à saúde, além da já alegação de que o direito à saúde foi positivado como norma de eficácia limitada,[28] questões atinentes à ausência de recursos e à incompetência dos órgãos judiciários para decidir sobre a alocação e destinação de recursos públicos. A preservação do bem maior da vida humana torna-se, em última análise, objeto de controvérsia.

Quaisquer que sejam os fatores determinantes para esse estado de coisas, entre os quais se pode mencionar a crise fiscal do Estado, as novas tecnologias de altíssimo custo e as crescentes demandas, cada vez mais diversificadas, o fato é que ainda se presencia um notório distanciamento entre o modelo constitucional do Sistema Único de Saúde e o efetivo exercício do direito à saúde.[29]

Não se olvida que o direito à saúde, e, portanto, o próprio direito à vida e à dignidade da pessoa humana, em uma ponderação de valores, sempre deverão prevalecer. Entretanto, não basta que esta prevalência se dê no âmbito das idéias; urge sejam buscados meios para sua garantia. Para tanto, porém, antes é preciso que se conheça o seu conteúdo, de modo que se especifiquem quais são as prestações que, de fato, representam a efetivação do direito constitucionalmente assegurado à saúde.

3.2 O fornecimento de medicamentos como conteúdo do direito à saúde

A administração de substâncias químicas para combater as enfermidades é um dos principais expedientes aos quais recorrem os médicos para tratar seus pacientes. No passado, quando a medicina pouco conhecia a fisiologia humana e as reações químicas que se processam em nosso organismo, remédios eram produzidos sem nenhum método, baseando-se mais em crenças e em observações isoladas, e provocando, muitas vezes, mais danos do que melhorias nos pacientes[30].

Contudo, a farmacologia, estudo do modo pelo qual a função dos sistemas é afetada pelos agentes químicos, avançou muito desde essa época. A partir da metade do século XIX, passou a ser vista como uma verdadeira ciência, tendo tido outro grande salto quando da introdução dos produtos químicos sintéticos no tratamento das doenças, na segunda década do século XX.

A medicina utiliza-se dos medicamentos em todo tipo de terapia, e de diversas maneiras; por meio deles, é possível influir no funcionamento do organismo, de modo que o tratamento das enfermidades não prescinde, na maioria dos casos, da utilização de tais substâncias químicas[31]. Como afirmou CAVALIERI FILHO, “os medicamentos são, a um só tempo, santos e demônios, heróis e vilões, benfeitores e malfeitores; tudo depende de como são produzidos, comercializados e utilizados”.[32]

Dito isso, tem-se que o direito à saúde, no estágio de desenvolvimento a que se chegou, engloba, sim, o direito de acesso aos medicamentos necessários à cura e ao tratamento das enfermidades. Nessa linha, vê-se que a questão da existência de um verdadeiro direito à medicação passa, com obrigatoriedade, pelo tema dos direitos fundamentais.

Há quem questione a eficácia do art. 196 da Constituição Federal como supedâneo para o pedido de fornecimento estatal de medicamentos. A Lei nº 8.080/90[33], porém, de modo peremptório, inclui no campo de atuação do Sistema Único de Saúde a execução de ações de assistência terapêutica integral, incluindo aí, expressamente, a assistência farmacêutica. Assim, ainda que se compreenda referido preceito constitucional como norma programática, impende reconhecer que foi evidente o propósito do legislador de densificá-la, dirimindo qualquer dúvida quanto à existência de um direito subjetivo ao amparo terapêutico e farmacêutico.[34]

De fato, a coletividade depende do bom estado de saúde de cada um dos seus integrantes para que possa desenvolver-se e aproveitar as potencialidades de cada um plenamente; logo, o interesse social é intrínseco nas medidas que visem a assegurar a manutenção e a qualidade da vida dos indivíduos. Por esta razão, os medicamentos, fundamentais ferramentas da medicina, devem estar ao alcance de todos, independentemente de sua condição social.

Assim pensou o legislador constituinte, vez que a Constituição Federal, em seu art. 200, relaciona as atribuições do Sistema Único de Saúde, todas no sentido de organizar, fiscalizar, controlar e incentivar ações na área de saúde, caracterizando-o como sistema unificado, voltado para gerenciar uma política nacional.[35] No mesmo sentido tem-se orientado o Judiciário. Em suas recentes decisões, o Superior Tribunal de Justiça tem sido francamente favorável ao reconhecimento do direito ao fornecimento de medicamentos pelo Estado.[36] O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, ao deparar-se com recursos extraordinários sobre a questão, também se posicionou em favor de tais postulações.[37]

Emerge, por conseguinte, a preocupação com a efetivação desse direito. Acertada, pois, a lição de BOBBIO[38], para quem a preocupação maior não pode ser com o mero reconhecimento dos direitos fundamentais, senão com os meios disponíveis para sua efetivação. Trata-se, em síntese, de questão de índole material – como implementar tais direitos [39], residindo aí sua complexidade.


4.   Licença compulsória das patentes: instrumento para a efetivação do direito à saúde

Nem todos os bens justificam, por sua natureza ou no cotejo com outros valores sociais, a adoção de um regime de patentes. Quando da autorização legal à concessão destas, devem ser levadas em conta as peculiaridades dos produtos em questão, sendo, alguns deles, avessos a qualquer patenteamento. Assim, deve o legislador proceder com cautela frente à questão dos medicamentos, haja vista serem eles bens de consumo dotados de relevante papel social na efetivação do direito à saúde.

O desenvolvimento das possibilidades tecnológicas não pode ser dissociado de todo o contexto econômico, posto que este serve de estímulo àquele. Tal desenvolvimento, em contrapartida, vivifica a economia. Desse modo, as questões jurídicas suscitadas por essa interação, sobretudo as situadas no âmbito do direito de propriedade industrial, são bastante diversificadas e complexas, demandando o desenvolvimento de disciplina própria.[40]

É de suma importância, pois, o regime adotado relativamente às patentes farmacêuticas, porquanto, em razão das características que lhe são peculiares, seus efeitos irradiam-se para além da produção industrial[41]. De modo geral, elas não afetam exclusivamente a órbita econômica, podendo causar grandes impactos também na órbita sanitária.[42]

É, portanto, no âmbito do interesse social que emerge a discussão sobre a proteção das patentes de medicamentos, mormente ante a flagrante precariedade da prestação estatal do acesso à saúde. Resta inquirir se os limites constitucionalmente impostos ao direito de propriedade industrial, garantido mediante a concessão dessas patentes, em certos casos, podem - ou devem - arredar em prol da coletividade. 

4.1. As patentes de medicamentos em face do interesse social ao acesso à saúde

Os medicamentos inserem-se, segundo BENJAMIN, na categoria dos bens de consumo necessários, vitais para a sobrevivência do ser humano. Sua essencialidade decorre de suprirem certas carências básicas dos cidadãos. É no âmbito dos bens de consumo necessários, também denominados bens de consumo social, que o instituto das patentes tem suas mais sérias conseqüências.[43]

A questão das patentes no mercado de medicamentos envolve, de um lado, os interesses econômicos de grandes indústrias, em um setor com alta lucratividade, e, de outro, o fato desses produtos serem essenciais para a vida dos cidadãos. Às alegações sobre os altos custos com pesquisa e desenvolvimento de inovações, contrapõem-se aquelas sobre o direito fundamental à saúde.

É pacífico o entendimento de que as patentes de medicamentos envolvem conseqüências do maior relevo para a economia das nações. Trava-se a discussão quanto a serem, tais conseqüências, positivas ou negativas em relação ao desenvolvimento científico e tecnológico.

O Brasil foi um dos primeiros signatários da Convenção de Paris, o primeiro tratado de patentes do mundo, assinado em 1883. Contudo, entre 1969 e 1971, a legislação brasileira de propriedade industrial passou a não permitir a concessão de patentes em alguns setores industriais, dentre eles os produtos e processos químicos e farmacêuticos[44]. Isso ocorreu em virtude do modelo econômico e político da época, que entendia não ser possível o monopólio sobre produtos ditos essenciais para a saúde da população. Pretendia-se, assim, houvesse o desenvolvimento tecnológico desses setores.[45] Em 1996, porém, sobreveio a Lei de Patentes e, logo após, a Lei dos Genéricos, retornando os fármacos à condição de inventos passíveis de proteção patentária. 

A argumentação dos que defendem a exclusão absoluta dos fármacos da proteção patentária, havida antes da Lei nº 9.279/96, fundamenta-se na acessibilidade universal aos medicamentos por todos os segmentos sociais. Parte-se da idéia de que os produtos farmacêuticos fazem parte dos bens de consumo inelásticos. Diante da sua essencialidade, a população tem que adquiri-los, ainda que a preços muito elevados, dada sua indispensabilidade à manutenção da vida e da própria existência humana[46].

Nessa linha, o privilégio outorgado ao inventor de medicamentos foi taxado até mesmo de antiético por aqueles que defendiam não caber proteção patentária para esse tipo de produto. Tal argumentação, entretanto, confunde o direito de patentes com os eventuais abusos a que este está sujeito. De fato, seria reprovável a atitude do inventor privilegiado que, especulando, manipulasse a produção e o preço às custas do sofrimento e da doença humana. Contudo, em face das características das invenções químico-farmacêuticas – exigência de constante pesquisa para melhoria da saúde pública, elevados gastos em investigação de novos produtos e facilidade de imitação –, antiético seria viabilizar ao concorrente usufruir, sem qualquer custo, do esforço alheio.[47]

É de salientar-se que, caso excluídas as invenções de medicamentos do sistema de patentes, justamente quem desenvolve produtos da maior relevância social seria privado da proteção patentária. Não há, assim, motivos relevantes para que se exclua, a priori, a referida categoria de inventos da proteção. O argumento da prejudicialidade do monopólio é considerado, por grande parte da doutrina, como emocional e não resistente a críticas objetivas.[48]

Outrossim, deve-se pôr em relevo que a questão das patentes extrapola o âmbito nacional, sendo imprescindível uma análise dos efeitos que tal instituto gera nas relações internacionais. A patente, como instrumento anticompetitivo, seria mais vantajosa para os países que detêm capacidade industrial e massa crítica para enfrentar o poder inerente ao monopólio por ela proporcionado. Prova disso é o fato de que a maioria dos países desenvolvidos só passou a conceder patentes quando já possuía tal capacidade.[49]

De fato, ao serem concedidas patentes a tecnologias exclusivas, passa-se a ter, embora por um período de tempo limitado, um direito essencialmente excludente de qualquer concorrência. É o caso dos medicamentos importados, geralmente monopolizados por laboratórios com patentes de invenção e preços excessivamente onerosos.

O Brasil tem tentado reverter esse quadro, seja pela via do incentivo à produção interna de medicamentos genéricos, seja pela quebra da patente de fármacos para o tratamento de algumas doenças, de modo a garantir que seus portadores tenham acesso a terapêuticas de última geração.[50] Na mesma linha, continua a defender a flexibilização das leis internacionais de patentes para medicamentos e o acesso amplo e irrestrito aos insumos de saúde. [51]

A idéia aqui proposta, portanto, não é a exclusão dos fármacos do regime de proteção patentária de forma geral e absoluta, porque não se pode olvidar de sua íntima relação com os avanços tecnológicos no setor, mas a utilização de alternativas que possibilitem, dependendo do caso, sobreponha-se o direito à saúde à proteção ao direito de propriedade. É, em última análise, a opção pelo interesse social, preferindo-o em detrimento daquele meramente individual do inventor.

Por este prisma, faz-se necessário sopesar princípios quando o monopólio de grandes empresas do setor farmacêutico venha a prejudicar o acesso da população a certos tipos de tratamentos. Aqui se insere, portanto, a aplicabilidade do instituto da licença compulsória como meio otimizador do direito à saúde.  Mais do que instrumento para coibir o abuso do poder econômico, servindo como punição, defende-se a possibilidade de valer-se da licença em razão do interesse público.[52]

4.2 A licença compulsória como instrumento otimizador do acesso aos medicamentos

O tempo é a primeira limitação à patente concedida pelo Estado sobre uma invenção. Em sendo aquela um direito à exclusividade de exploração de uma tecnologia, caso pudesse o inventor, única e indefinidamente, utilizar-se de seu invento para a geração de riquezas, estar-se-ia incorrendo em flagrante contrariedade ao interesse público. Logo, decorrido o prazo de concessão, a invenção cai em domínio público e, por conseguinte, os direitos de sua exploração estendem-se a todos os cidadãos.

Não obstante, a Lei nº 9.267/96 prevê, em seu art. 68, a possibilidade de, em certos casos, proceder-se ao licenciamento compulsório das patentes.[53] Referido dispositivo é, em verdade, a própria positivação do princípio constitucional da função social em legislação específica.

Em regra, a licença compulsória poderá incidir nos casos de práticas abusivas e na hipótese de o titular da patente, sem motivo de força maior, deixar de produzir o necessário ao atendimento da população. Ademais, o art. 71 da Lei de Patentes traz, ainda, a possibilidade de licença compulsória temporária e não exclusiva para exploração da patente nos casos de emergência nacional ou interesse público.[54]

Em nível internacional, o acordo TRIPS, do qual o Brasil é signatário, também possui disposições no sentido de autorizar que o governo de um país permita a utilização do direito do titular da patente sem sua anuência, mediante a concessão de licença compulsória em benefício de outro fabricante.[55] É conferida ao Poder Público, portanto, a possibilidade de determinar o licenciamento compulsório de uma patente, ainda que esta já tenha sido concedida e mesmo dentro do prazo de exclusividade de exploração de seu inventor, em caso de não satisfeitos ou insuficientemente supridos os reclames da sociedade.

Repise-se, outrossim, que, ao estabelecer os instrumentos pelos quais se efetua a proteção da propriedade industrial, o art. 2º da Lei nº 9.279/96 é explícito ao enunciar duas pautas primordiais: o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país. Estas deverão ser consideradas não só pela Administração Pública e pelo Judiciário, mas também pelos particulares ao exercerem suas prerrogativas. Resulta indiscutível, portanto, que a necessidade de exploração do invento de forma consentânea a esses preceitos deixa de constituir um ônus de observância imperativa para transformar-se, por imposição constitucional, em requisito para a própria existência do direito.

Reside aí, pois, a justificativa para a concessão de licenças compulsórias. [56] Se, de um lado, a existência do sistema de patentes constitui evidente incentivo à pesquisa, de outro, estando a patente em vigor, qualquer uso não autorizado de seu objeto constitui violação do direito do titular, ainda que implique sua melhoria. Desse modo, sobressai a necessidade de instrumentos que permitam, mesmo durante a vigência da patente, o avanço da tecnologia e, em face do interesse social a ela inerente, o atendimento das necessidades da população.

A licença compulsória constitui alternativa legal que, concretizando o princípio constitucional da livre concorrência, permite que terceiros com capacidade técnica e econômica possam concorrer diretamente com o titular da patente, suprindo sua inércia, coibindo seus abusos e preservando o núcleo do direito que lhe é conferido, uma vez que, salvo exceções, ela será remunerada.[57]

É justamente na área de medicamentos essenciais que o interesse social apresenta-se de forma evidente. Em sendo os processos e produtos farmacêuticos de interesse público manifesto, porquanto visam à preservação da saúde e do bem estar social, nada mais justo do que garantir substancialmente o seu fornecimento no mercado. Assim, não se pode permitir que haja restrições à produção de medicamentos, sob pena de provocar-se sérios danos à população.[58] Frise-se, aliás, que no campo dos remédios existem alguns produtos que chegam a ser insubstituíveis, exigindo soluções jurídicas para as circunstâncias de falta ou insuficiência de exploração, bem como para os casos em que há abuso do detentor do privilégio.[59] E a realidade tem demonstrado, de forma inequívoca, a urgência dessas soluções.

 Contando com o monopólio permitido pelas patentes de medicamentos, as multinacionais praticam uma política de altos preços, ainda que, em razão das variações nos índices sociais, tal fenômeno possa diferir de país para país. Como conseqüência, o privilégio conferido à indústria farmacêutica para medicamentos inovadores, sob o pretexto de retribuição aos dispêndios em estudos e pesquisa, acaba servindo de barreira ao acesso à saúde pelas populações vulneráveis.[60]

Acresça-se, ainda, o fato de que doenças típicas de países pobres, tais como leishmaniose, malária, tuberculose e doença de Chagas, continuam sem tratamento, porquanto não se beneficiam com os avanços tecnológicos do setor farmacêutico. De fato, o desenvolvimento de alternativas no combate dessas enfermidades não condiz com o lucro a que objetivam aqueles que teriam condições de fazê-lo.[61]

Exsurge, portanto, a necessidade de atuação do Estado no sentido de assegurar o acesso aos fármacos imprescindíveis à promoção do bem-estar de sua população. Se o alto custo de medicamentos ditos essenciais inibe ou dificulta sua prestação gratuita aos cidadãos, faz-se necessário que o Poder Público valha-se de instrumentos como a licença compulsória, a fim de otimizar a efetivação do direito fundamental à saúde. Sob este prisma, a quebra de patentes é um meio eficaz para que haja economia nos gastos públicos com a compra dos medicamentos e, por conseguinte, para que reste garantido um tratamento de qualidade à população, passando, necessariamente, pelo estímulo à produção nacional[62].

Com efeito, cumpre ao Poder Público proporcionar o acesso irrestrito aos medicamentos de caráter essencial, vinculados à noção de mínimo existencial, indispensáveis à manutenção das condições de vida condigna do indivíduo. Nos limites deste patamar mínimo, a disponibilização ou não do medicamento deixa de ser matéria discricionária. Aqui, ganha relevo a participação dos laboratórios estatais, tendo em vista possuírem eles a nobre função de produzir os medicamentos de maior importância para a saúde publica e, ainda, os fármacos necessários para uma camada de população com nível de renda muito baixo.[63]

Sob os ditames da licença involuntária está o exemplo dos medicamentos genéricos. Uma vez que a sociedade não tem acesso a determinados tipos de remédios, em razão dos preços abusivos cobrados pelos laboratórios – inventores das fórmulas e titulares dos direitos de patente –, o Estado pode entender pela obrigatoriedade do licenciamento a quem esteja apto a fornecer o produto por valores proporcionais ao poder aquisitivo da população, de forma a tornar sua comercialização condizente com os anseios sociais.[64]

Na mesma linha, o caso dos medicamentos para pacientes portadores de HIV evidencia que, além dos benefícios sociais decorrentes da garantia de acesso a esses fármacos para a população, vultuosos são também os benefícios econômicos da quebra de patentes para os países periféricos, quer para aqueles que não têm condição de pagar o preço de sua defasagem tecnológica, quer para as nações que ainda podem investir na própria capacitação, a fim de minimizar sua dependência da ciência e tecnologia produzida nos países desenvolvidos.[65]

Ora, o interesse coletivo é a própria função social que legitima a concessão de patentes. Por esta razão, não pode ser outra a conclusão senão a de que, no confronto entre direitos igualmente fundamentais, como é o caso do direito à saúde frente às limitações que o direito à propriedade industrial pode conferir-lhe, há de se dar prioridade à efetivação daquele. O estado atual das coisas demonstra que às patentes de medicamentos, independentemente de estarem elas legalmente constituídas, não se pode dar uma interpretação meramente econômica, porque, em última análise, está em jogo a saúde pública da população.[66] A solução passa, pois, pela parceria completa e definitiva entre governo e indústria privada, e não somente pela definição de linhas de financiamento nem pela produção exclusiva dos medicamentos que dão muito lucro.

À luz da proporcionalidade, o direito de patente cede, em razão do interesse social, para que se otimize a prestação positiva do Estado, o qual, a seu turno, tem o dever de assegurar a saúde de todos, incluindo aí o fornecimento de medicamentos. Com efeito, se há um valor que indubitavelmente parece pairar acima de qualquer questionamento, pelo menos diante da quase totalidade de circunstâncias fáticas que se pode imaginar, este é a vida. E o direito à saúde é, em última análise, a própria proteção da vida, devendo buscar-se, por conseguinte, instrumentos para sua efetivação.


5. Considerações Finais

Os direitos fundamentais, é sabido, carecem mais de efetivação que de discussão, vez que já não se admite, sob um regime constitucional como o brasileiro, cogitar-se de um Estado que não proporcione pleno acesso à saúde. Questão pertinente à efetivação do direito à saúde diz respeito ao fornecimento de medicamentos, amplamente discutido em virtude de ser a propriedade destes protegida pelo sistema de patentes.

Em decorrência das mudanças trazidas pelo que se convencionou chamar pós-modernidade, o conceito tradicional de propriedade – antes inviolável e absoluta – adquiriu novo conteúdo, haja vista a imperativa necessidade de cumprimento de sua função social. Esta é requisito essencial, por força do disposto na Constituição Federal, para que seja a propriedade industrial merecedora de tutela.

Ganha relevância, assim, a discussão acerca dos limites da proteção patentária, por ser questão diretamente ligada à divulgação de novas tecnologias. O necessário enfoque constitucional no que tange às patentes de medicamentos exige, em razão do interesse coletivo, sejam também levados em consideração interesses outros que não os do proprietário-inventor, impondo limitações aos direitos deste em prol dos interesses sociais.

De fato, não se pode privilegiar uma concepção individualista do sistema patentário; é preciso encará-lo como mecanismo necessário ao desenvolvimento do país, de relevante interesse coletivo, que tem sua proteção condicionada ao atendimento de sua função social. Sendo a patente um instrumento garantidor do retorno dos investimentos realizados pela indústria - sem tal incentivo financeiro não há investimento em novos produtos farmacêuticos - tem ela um preponderante papel social e desenvolvimentista. Afigura-se a patente, portanto, como propriedade digna de proteção, desde que não haja prejuízo no acesso ao direito à saúde.

A realidade, porém, mostra que o direito à saúde ainda está distante de superar a mera consagração formal no texto constitucional. Não se olvida que tal direito, juntamente com o próprio direito à vida e à dignidade da pessoa humana, em uma ponderação de valores, sempre deverão prevalecer. Entretanto, não basta que esta prevalência dê-se no âmbito das idéias; urge sejam buscados meios para sua garantia.

Assim, a proposta não é, de forma alguma, a exclusão dos fármacos do regime de proteção patentária de forma geral e absoluta, mas a utilização de alternativas que possibilitem, conforme o caso, sobreponha-se o direito à saúde ao direito de propriedade. Faz-se necessária, para tanto, uma ponderação criteriosa, à luz da proporcionalidade, a fim de eleger a medida mais adequada a cada demanda. É, em última análise, a opção pelo interesse social, preferindo-o em detrimento daquele meramente individual do inventor.

Exsurge, portanto, o instituto da licença compulsória como meio otimizador do direito à saúde. Mais do que instrumento para coibir o abuso do poder econômico, como punição, é possível valer-se do licenciamento involuntário em razão do interesse público. O direito de patente cede, em razão do interesse social, para que se efetive a prestação positiva do Estado, que, ao fornecer medicamento, cumpre seu dever de assegurar a todos uma saúde condizente com o disposto na Constituição Federal.


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Notas

[1] A função social da propriedade privada é um dos princípios constitucionais da ordem econômica (art. 170, III CF), a qual se funda na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tendo por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social.

[2] FURTADO, Lucas Rocha. Sistema de Propriedade Industrial no Direito Brasileiro: comentários à nova legislação sobre Marcas e Patentes – Lei nº 9.279/96. Brasília: Brasília Jurídica, 1996. p. 25.

[3] Ibidem, p. 33.

[4] Ibidem, p. 41 et seq. Sobre os conceitos de propriedade industrial, v. os comentários de SOARES, José Carlos Tinoco. Lei de Patentes, marcas e direitos conexos. Lei 9.279 – 14.05.1996. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.

[5] Embora a questão fuja ao escopo deste trabalho, cumpre mencionar que há diversas teorias que buscam justificar o privilégio da exploração exclusiva. Segundo a Teoria do Direito Natural, um invento novo deve pertencer a seu inventor porque este o trouxe ao mundo, e, portanto, ao conceder-lhe o direito exclusivo não se tira nada dos outros. Pela Teoria da Recompensa, é justo conceder a exploração exclusiva de um produto por certo período ao indivíduo que dispendeu tempo e recursos para criá-lo. A Teoria do Estímulo entende que é necessário que se vislumbre lucro quando da realização de uma pesquisa; caso contrário, não haveria mais investimentos e tampouco progresso científico. Para a Teoria do Contrato, há uma espécie de acordo entre o indivíduo e o Estado: aquele torna público seu invento, permitindo que outros o conheçam e impedindo gastos desnecessários em pesquisas buscando criar técnicas ou produtos já existentes, enquanto este garante ao inventor o direito exclusivo de exploração econômica sobre sua criação por certo tempo. Sobre o assunto, cf. HAMMES, Bruno Jorge. Reflexões Sobre a Privilegiabilidade dos Inventos de Medicamentos e de Gêneros Alimentícios. Estudos Jurídicos, São Leopoldo, Unisinos, v. 21, n. 53, set. –dez. 1988, p. 51 et seq.

[6] Art. 5º, XXIX, da CF: “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país.”

[7] Art. 2º, I, da Lei nº 9.279/96: “A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país, se efetua mediante: I – concessão de patentes de invenção e modelos de utilidade.”

[8] OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A Proteção Jurídica das Invenções de Medicamentos e de Gêneros Alimentícios. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 163.

[9] Em uma sociedade como a atual, torna-se difícil individuar um interesse particular que seja completamente autônomo, independente, isolado do interesse dito público. A distinção, hoje, não é mais qualitativa, mas quantitativa. Para um novo olhar sobre o direito privado, v. PERLINGIERI, Pietro. Perfis do Direito Civil: introdução ao direito civil constitucional. 2. ed. São Paulo: Renovar, 2002.

[10] FURTADO, Lucas Rocha. Op. cit. p. 23.

[11] BENJAMIN, Antonio Herman V. Proteção do consumidor e patentes: o caso dos medicamentos. Revista de Direito do Consumidor, nº 10, abr.-jun. 1994. p. 26.

[12] Trata-se de um dos objetivos fundamentais da República, por força do art. 3º, I, da CF.

[13] Segundo dados do INPI, até 1996, já tendo transcorrido 20 anos de vigência do Código de Propriedade Industrial, somente foram concedidas duas únicas licenças, ambas a uma única empresa nacional, Nortox Agroquímica S/A, de patentes pertencentes à empresa norte-americana Monsanto. Sobre o assunto, cf. FURTADO, Lucas Rocha. Op. Cit., p. 64.

[14]  Os princípios da ordem econômica, embora estabeleçam a liberdade do mercado como regra, exigem que se reprima o abuso de poder econômico, coibindo, deste modo, práticas que visem à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. Sobre o assunto, v. excelente artigo de BENJAMIN, Antonio Herman V. Op. Cit., e FURTADO, Lucas Rocha. Op. cit, p. 65.

[15] CUNHA, Rodrigo. A quebra de patente de medicamentos anti-Aids: benefícios sociais e econômicos para países periféricos. Revista Com Ciência, reportagem especial, ago. 2001. Disponível em: <http://www.comciencia.br/especial/pataids/pataids01.htm>. Acesso em: 24 jun. 2004.

[16] Há casos em que a licença compulsória é utilizada como um instrumento de barganha, como ocorreu quando da redução no preço de medicamentos anti-Aids, em que esta possibilidade serviu como forma de pressão aos grandes laboratórios. Para economizar nos gastos e garantir um tratamento de qualidade à população, o Ministério da Saúde iniciou, em 2001, um processo para pedir a quebra de patentes dos medicamentos que integram tal coquetel. Com a ameaça de ver seus lucros reduzidos, grandes laboratórios como Roche, Merck e GlaxoSmithKlein negociaram a redução de preços com o governo, evitando desta forma a quebra de suas patentes. Sobre o tema, v. CUNHA, Rodrigo. Op. cit. e ESCUDERO, Camila e BARTIÈ, Elisa. A quebra de patentes e o papel do Brasil. Disponível em: <http://dolexplica.dgabc.com.br/1601remedio_patente.asp>. Acesso em: 25. jun. 2004.

[17] OLIVEIRA, Op. cit., p 40.

[18] SCHWARTZ, Germano A. e GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. A tutela antecipada no direito à saúde: a aplicabilidade da teoria sistêmica. Porto Alegre: Fabris, 2003. p. 85 et. seq.

[19] Trata-se, em sua conceituação, de direitos a prestações em sentido estrito. Sobre o tema, v. ALEXY, Robert. Teoría de los Derechos Fundamentales. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1997. p. 482.

[20] PERLINGIERI, Pietro. Op. cit., p. 54 et. seq.

[21] ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito da Saúde: direito sanitário na perspectiva dos interesses difusos e coletivos. São Paulo: LTr, 1999. p. 43.

[22] SOUZA, Mauro Luís Silva de. A saúde como garantia fundamental. São Leopoldo: [ ], 2002. No original. 

[23] Não se aceita, e nem se poderia, esta restrição. A Constituição Federal estabeleceu que a saúde é uma "política social" (art. 6º), “direito de todos e dever do Estado” (Art. 196). É política de "relevância pública" (Art. 197) parte integrante da "Seguridade Social" (Art. 194), devendo ser "financiada por toda a sociedade", de forma direta e indireta, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Art. 195, e, §§ 1º e 2º, I, II e III do Art. 198), além de contribuições sociais (I, II e III, do art. 195) e outras fontes (§ 1º, art. 198), jamais podendo ser reservada apenas e na quantidade que alguém possa individualmente financiar, e sim na medida da necessidade dos indivíduos e das coletividades (II do Art. 198). É, ainda, direito de todos os brasileiros e estrangeiros que vivem no Brasil; logo, em sendo "direito fundamental", tem aplicação imediata (§ 1º, do art. 5º). Para uma ampla conceituação do direito à saúde, v. SCHWARTZ, Germano A. e GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Op. cit., principalmente o Cap. III. Sobre as atribuições do pode público na prestação do direito à saúde, mormente no que tange às atribuições do Sistema Único de Saúde, confira TAVARES, Lúcia Léa Guimarães. O fornecimento de medicamentos pelo Estado, Revista de Direito da Procuradoria-Geral do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v. 55, 2002, p. 103.

[24] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 3. ed. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003. p. 314 et seq.

[25] A concepção atual de saúde, pela OMS, está assim enunciada: “Saúde é o completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doenças.” Direito à Saúde, então, seria o direito assegurado a todas as pessoas de exigirem do Estado condições para gozar de boa saúde. O seu desdobramento constitui o Direito da Saúde, que se pode conceituar como o conjunto de normas jurídicas que definem os meios de concretizá-lo. Por fim, por Direito Sanitário entende-se o estudo interdisciplinar que objetiva aproximar conhecimentos jurídicos e sanitários. Sobre o assunto, veja TORRES-FERNANDES, Marília de Castro. Ministério Público em São Paulo: Eficácia da função institucional  de zelar pelo direito à saúde. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 1999.         

[26] Art. 2º e § 1º da Lei 8.080/90 (Lei Orgânica da Saúde - LOS) e Art. 196 da Constituição da República Federativa do Brasil. 1998.

[27] CANOTILHO, José Joaquim Gomes e MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra, 1991. p. 197.

[28] Saliente-se, aqui, que, pela sua inequívoca relevância, haja vista tratar-se de garantia do próprio direito à vida, poder-se-á ter como certo que o direito à saúde, ainda que não tivesse sido reconhecido expressamente pela Constituição, assumiria a feição de direito fundamental implícito, a exemplo, aliás, do que ocorre em outras ordens constitucionais, como é o caso da Argentina, ao menos segundo parte da doutrina, e da Alemanha.

[29] TORRES-FERNANDES, Marília de Castro. Ministério Público em São Paulo: Eficácia da função institucional de zelar pelo direito à saúde. Dissertação de mestrado. Universidade de São Paulo, 1999. Fl. 9.        

[30] RANG, H.P, DALE, M. M., & RITTER, J. M. Farmacologia. 3. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1997. p. 4.

[31] Ibidem.

[32] CAVALIERI FILHO, Sergio. Apud LICKS, Otto. Registro de Medicamentos genéricos na ANVS e infrações de patentes. Revista da ABPI, nº 45, mar.-abr.2000. p. 28.

[33] Art. 6°, I, d, da Lei nº 8.089/90.

[34] GOUVÊA, Marcos Maselli. O Direito ao Fornecimento Estatal de Medicamentos. No original.

[35] TAVARES, Lúcia Léa Guimarães. Op. cit., p. 103.

[36] Neste sentido, RESP 83.800/RS, 1ª T., maioria, Rel. Min. Gomes de Barros, vencido o Relator originário, Min. Demócrito Reinaldo (medicamentos para fenilcetonúria); AGA nº 253938/RS, 1ª T., unânime, Rel. Min. José Delgado (medicamentos para AIDS); ROMS 11.183/PR, 1ª T., unânime, Rel. Min. José Delgado (medicamentos para esclerose lateral amiotrófica).

[37] V. RE 257.109 (Rel. Min. Maurício Corrêa, 2ª T.), RE 242.859 (Rel. Min. Ilmar Galvão, 1ª T., publ. DJ 17/09/99), 247.900 (Rel. Min. Marco Aurélio, julg. 20/09/99), RE 267.612 (Rel. Min. Celso de Mello, j. em 02/08/2000, com Agravo Regimental 271.286 j. unânime pela 2ª T. em 12/09/2000), RE 279.519 (Rel. Min. Nelson Jobim, j.em 22/09/2000) e RE 273834 (Rel. Min. Celso de Mello, j. em 23/08/2000). Todos estes recursos são oriundos do Rio Grande do Sul.

[38] In verbis: “O problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema não filosófico, mas político.” BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 14. ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 24. Grifos no original.

[39] Como lembra GOUVÊA, “em sede de normas atributivas de direitos negativos, oponíveis a abstenções, é mais fácil reconhecer seu caráter impositivo, porque, para sua implementação, não demandam gastos ostensivos.” Em contrapartida, cumpre lembrar que o argumento da ausência de recursos orçamentários não pode servir de obstáculo à promoção da saúde e à garantia da própria vida do cidadão, dever do Estado e direito de todos...

[40] LEGEAIS, Raymond. Le Droit D’Auteur Face aux Nouvelles Technologies. Revue Internationale de Droit Comparé. Paris, Société de Législation Comparée, n.2,  abr.-jun. 1990.

[41] Os medicamentos farmacêuticos têm duas características especiais, que os diferem de outros produtos: a natureza credencial dos medicamentos e os chamados problemas de agência. Pela primeira característica, tem-se que o consumidor, em geral, não é capaz de avaliar diversos aspectos da qualidade dos medicamentos, sendo necessário um profissional especializado para atestá-la. Assim, na ausência de uma certificação pública, reconhecida como confiável, a reputação da marca passa a ser componente relevante na determinação das decisões de compra. Já os problemas de agência decorrem da dissociação entre consumidor e o responsável pelo diagnóstico e receita dos medicamentos (quem prescreve é o médico, mas quem compra é o paciente). Cf. GARCÍA, Jorge, BERMUDO, Vera e COURO, Betovem. Opções estratégicas para a indústria farmacêutica brasileira após a Lei de Patentes e Genéricos. Disponível na internet.

[42] BENJAMIN, Antonio Herman V. Op. cit., p. 26.

[43] Ibidem.

[44] É importante esclarecer a diferença entre produzir o princípio ativo (o insumo) e o produto final (o remédio). Por princípio ativo entende-se a substância que exerce a ação terapêutica. Já o produto final é o princípio ativo agregado de substâncias farmacêuticas que o fazem passível de ser utilizado no organismo humano. Cf. FISCHER-PUHLER, Platão. O acesso a medicamentos. Gazeta Mercantil, caderno A3, 17 nov. 2003.

[45] LOUGUE Doris Lei. Proteção à propriedade intelectual: patentes dos produtos farmacêuticos. Tese de doutoramento. Universidad de Barcelona, 1999.

[46] OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A Proteção Jurídica das Invenções de Medicamentos e de Gêneros Alimentícios. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 96.

[47] Ibidem, p. 154.

[48] Por todos, v. HAMMES, Bruno Jorge, para quem “a idéia de que não se pode fazer negócio da doença dos homens é irreal e ingênua. É absurdo remeter à recompensa divina o tratamento curativo do homem, precisamente em um mundo comercializado, excluindo da proteção da patente as invenções da medicina”. Op. cit., p. 55 et. seq.

[49] Itália, Alemanha, Suíça, França e Japão somente incorporaram essa política na década de 70. Sobre o assunto, v. LOUGUE Doris Lei. Proteção à propriedade intelectual: patentes dos produtos farmacêuticos. Tese de doutoramento. Universidad de Barcelona, 1999. CUNHA, Rodrigo. A quebra de patente de medicamentos anti-Aids: benefícios sociais e econômicos para países periféricos. Revista Com Ciência, reportagem especial, ago. 2001. Disponível em: <http://www.comciencia.br/especial/pataids/pataids01.htm>. Acesso em: 24 jun. 2004.

[50] MARANHÃO, Clayton. Tutela jurisdicional do direito à saúde. São Paulo: RT, 2003. p.256 et seq.

[51] Países periféricos como o Brasil e a Índia, apesar de suas grandes contradições sociais, possuem uma razoável produção científica e um certo acompanhamento dos avanços tecnológicos gerados nos países ricos, podendo, portanto, beneficiarem-se da discussão internacional em torno das patentes.

[52] A quebra de uma patente pode ser meio para possibilitar, por exemplo, a produção local do produto patenteado. Em verdade, a simples possibilidade da utilização dessa prerrogativa tem obrigado muitas multinacionais a reduzir os preços sem que, no entanto, fiquem prejudicados seus lucros. Para coibir abusos, o acordo Trips (Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), do qual o Brasil é signatário, prevê a concessão de licença de uso da patente sem a autorização do seu proprietário.

[53] In verbis: “O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão administrativa ou judicial.”

[54] Outrossim, na forma do art. 80 da lei em comento, a licença poderá ser seguida da própria caducidade do privilégio. Cf. OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. A Proteção Jurídica das Invenções de Medicamentos e de Gêneros Alimentícios. Porto Alegre: Síntese, 2000. p. 149.

[55] Mesmo não adotando o termo expressamente, o art. 31 do Acordo permite a “quebra” da patente. Referido dispositivo, apesar de não elencar as razões que podem levar um governo a lançar mão da licença compulsória, determina requisitos que devem ser obedecidos quando for utilizado este recurso. Outrossim, a Declaração de Doha, assinada pelos membros da OMS em 2001 e que pode ser considerada uma soft law sobre a questão e da qual o Brasil também é signatário, dispõe, na alínea b de seu parágrafo 5º, que cada país tem garantido o “direito de conceder licenças compulsórias e a liberdade de determinar os fundamentos para os quais as licenças são concedidas”. Em outros termos, tem-se que obedecidos os requisitos desta norma, o motivo que impele um governo a conceder licenças compulsórias é de sua escolha. Ainda assim, o licenciamento compulsório previsto na legislação brasileira tem sido alvo de contestação por parte dos EUA, país onde se concentra a maior parte dos laboratórios que detém as patentes de medicamentos anti-Aids, por exemplo. Sobre o assunto, v. GARCÍA, Jorge, BERMUDO, Vera e COURO, Betovem. Op. cit., e MORAES, Henrique Choer. O Estado das Discussões sobre patentes de remédios na OMC. Disponível na internet.

[56] OLIVEIRA, Ubirajara Mach de. Op. cit., p. 163. Saliente-se, por oportuno, que ambas as diretrizes guardam consonância com o preceituado na Constituição Federal, porquanto esta as prevê como condição de existência da proteção da propriedade industrial.

[57] FURTADO, Lucas Rocha. Op. cit., p. 68.

[58] SOARES, José Carlos Tinoco. Comentários à Lei de Patentes, Marcas e Direitos Conexos: Lei 9279/96. São Paulo: RT, 1997. p. 117.

[59] Para OLIVEIRA, na hipótese de os particulares não se desincumbirem da tarefa, talvez a expropriação, com base na CF, venha a ser medida impostergável. Op. cit., p. 167.

[60] Médicos sem Fronteiras. Patentes de Medicamentos em Evidência. Informativo 14, 2002.  Disponível na internet.

[61] Segundo dados fornecidos pela ONG Médicos sem fronteiras, apenas 10% dos gastos com pesquisas em saúde são para doenças que representam 90% das enfermidades mundiais, a maioria delas doenças típicas de países pobres. Além disso, a África, por exemplo, representa apenas 1% do mercado mundial de medicamentos e, caso não houvesse proteção de patentes no continente africano, os lucros das grandes indústrias seriam minimamente afetados.

[62] O Brasil tem cerca de 400 patentes de drogas concedidas, a maioria devida ao sistema pipeline, que permitiu o reconhecimento retroativo de patentes. Ao todo, foram depositados apenas cerca de 1200 pedidos - após a nova Lei de patentes - no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que, no Brasil, é o órgão responsável pela concessão de patentes. Saliente-se que o problema do baixo pedido de patentes é decorrente do pouco ou nenhum estímulo, seja do governo, seja da indústria, para que se façam investimentos em pesquisas que gerem produtos patenteáveis.

[63] Nesse cenário, talvez a função das multinacionais seria trazer para o Brasil principalmente medicamentos inovadores, que são comercializados em todo o mundo.

[64] Sobre a licença compulsória no caso dos genéricos e suas conseqüências, em especial na fase de testagens, veja LICKS, Otto. Registro de Medicamentos genéricos na ANVS e infrações de patentes. Revista da ABPI, nº 45, mar.-abr.2000.

[65] CUNHA, Rodrigo. Op. cit.

[66] MÉDICOS SEM FRONTEIRAS. Op. cit.


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WEBER, Aline Machado. A licença compulsória das patentes como instrumento efetivador do acesso a medicamentos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3566, 6 abr. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/24102. Acesso em: 28 mar. 2024.