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A constitucionalização das relações privadas

A constitucionalização das relações privadas

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A preocupação do direito sai das barras do patrimonialismo e ingressa na figura do ser humano e suas necessidades vitais. A ideia de “repersonalização” permanece contida nas relações particulares, agora com substrato fundamental na construção de uma sociedade justa e solidária.

1.1. INTRÓITO HISTÓRICO E A VISÃO JUSRACIONALISTA

As relações privadas impulsionadas inicialmente pelos ideais romanos e num segundo momento pela visão liberal que perdurou no Século XVIII trazia em suas raízes um plano do Direito onde se buscava distinguir pontualmente as relações decorrentes entre Estado e Cidadão daquelas oriundas exclusivamente dos particulares. A pretensa dicotomia entre Direito Público e Direito Privado era latente no conceito romano com o objetivo de se distinguir e não permitir qualquer submissão de uma disciplina sobre a outra.

Os estudos do Direito decorrente do período romano produziram nitidamente uma tendência a isolar as relações privadas dos conceitos estruturantes que seriam derivados do Direito Público, sendo acolhido em certo grau no campo filosófico, com a colaboração decisiva das idéias de Aristóteles no tocante a definição de justiça e a busca de decisões cada vez mais justas.[1]  Não se pode passar despercebido nesse escorço histórico do Direito Romano, o contexto que levou o próprio direito em Roma a produzir uma certa institucionalização de suas expectativas, passando a produzir um sistema em que prevaleceria a cidadania e a institucionalização funcional, mecanismo que desaguou na dicotomia acima mencionada.[2] Houve uma mudança substancial de um padrão arcaico dominante nas sociedades de até então e a nova roupagem que se desenvolveu com a criação da polis e da civitas dentro do período romano onde decorreu uma íntima ligação do indivíduo com o Estado colaborando no distanciamento das relações eminentemente privadas e as relações públicas que se formavam.

No período romano, nascedouro dos conceitos e regras normatizadoras do Direito Civil, a predominância do homem sobre aquilo que é decorrente de sua propriedade, da família e das relações contratuais, impediria que no âmbito das relações entre particulares ou mesmo nas relações do Estado com a pessoa, se impusesse qualquer limitação a atividade negocial ou de utilização da coisa pelo indivíduo. O homem seria senhor absoluto de tudo que lhe pertencesse sem submissão a qualquer vontade estatal ou interesse outro que não decorrente do próprio negociante ou proprietário. Aos chefes de famílias, eram dirigidos poderes absolutos sobre a propriedade, sobre a família e sobre os contratos.[3]

A concepção trazida pelo Direito Romano acerca das relações com a coisa, com a família e com o contrato teve ligação e influência direta em várias culturas jurídicas da Idade Média. Houve verdadeira recepção dos ensinamentos provenientes da época romana pelas novas culturas que se formariam, ocasionados por fatores culturais, econômicos, políticos, sociológicos e epistemológicos.[4]

A cultura jurídica germânica recebeu parcialmente a recepção dos ensinamentos decorrentes do Direito Romano na perspectiva criada sobre o Direito Privado, suprindo as lacunas que até então existam com os próprios conteúdos peculiares a visão germanizada, alterando ao final muito da base contida no Direito Romano.[5] Todo o arcabouço que fora objeto desta recepção, serviu como base fundamental ao desenvolvimento no futuro de idéias que seriam inseridos no bojo do que se convencionou chamar de usus modernus. [6] No tocante as relações obrigacionais e os modelos contratuais, a recepção germânica ao ordenamento do Direito Romano sofreu sua máxima influência. Com a visão prática que decorreria da práxis romana, o direito privado alemão incorporou as distinções entre contrato e quase contrato, a aquisição da propriedade de bens móveis decorrentes da tradição e a teoria geral das obrigações, encontrando nesse momento uma forma pragmática que ainda não se apresentava tão profundo no período romano.

Ainda na evolução decorrente da própria estrutura do direito e que influenciou sobremaneira as relações entre privados, a idéia jusracionalista impera momentaneamente com um espírito voltado a justificação direta das posturas a serem tomadas pela sociedade e pelo Estado.[7] Foi um sistema que dominou durante largo período no contexto e no sentido que se dava aos Códigos e Sistemas Jurídicos, onde se podia encontrar as soluções estampadas para cada caso concreto, retirando do aplicador do direito qualquer espírito de operabilidade. [8] A idéia de harmonização dos textos e a possibilidade da utilização de mecanismos interpretativos focados no contexto social e na sua possibilidade de mudança eram consideravelmente diminuídos diante da idéia central de que na norma e no exercício de sua razão, o homem encontraria a resposta para todos os seus atos. A construção do Direito partia exclusivamente de uma análise racional do homem sem qualquer preocupação empírica, extraindo por completo o aprofundamento no campo epistemológico que serviria de base as lições de Bachelard e de Karl Popper.[9][10] [11] Na mesma linha de pensamento e crítica sobre o conhecimento e a cientificidade decorrente dessa visão racionalista, Theodor W. Adorno, traça um profundo estudo em que informa o equívoco do método racional desatendo ao próprio espírito da sociedade que se revelaria mutável, impossibilitando a aplicação de regras absolutas de conduta.[12]

Essa visão jusracionalista criou nas comunidades européias da época uma verdadeira reviravolta filosófico-histórica, desaguando com força no movimento burguês francês do iluminismo e na criação da escola pandectista alemã.

Na França, a idéia racional empregada tornou-se a mola principal para o advento do Iluminismo e do novo Estado Moderno que adviria não apenas de uma postura isolacionista de um grupo, mas de diversas camadas da sociedade que pretendiam acabar de vez com o absolutismo monárquico que se fazia presente na época medieval. A visão racional apresentava-se como a “luz” no fim do túnel, que encamparia todo um movimento pela liberdade da população burguesa francesa e que teve como momento genial a edição do Código Napoleônico que reuniu as diversas leis civis do Estado Francês e influenciou tantas outras codificações no Direito Moderno. Orientava-se a conduta dos particulares por uma moral racional e prática, dotado de claro preceito liberal pleno em que não era dado ao Estado a possibilidade de intervir nas relações dos particulares. Toda a legislação seria conduzida pela razão e pela liberdade plena. A visão manifestamente liberal dominaria as relações intrínsecas ao meio social, seja na relação estado-cidadão ou relação cidadão-cidadão. Conjuntamente com o perfil liberal que perduraria nesse momento histórico-filosófico, junta-se a idéia de um sistema fechado de regras de conduta, partindo-se de toda uma construção conceitual presente na própria norma, através de uma fórmula cartesiana que decorreria do próprio conteúdo normativo para sua aplicabilidade ao caso que se apresentaria. No âmbito contratual, a autonomia da vontade e o pacta sunt servanda encontravam seu campo fértil sem sofrer qualquer ingerência.

Essa liberdade plena que fora empregada pelos ideais racionalistas iluministas logo vieram a sofrer ferrenha crítica. E num momento de efervescência filosófica, Imannuel Kant traz a tona verdadeira divergência a essa ampla gerência sobre a vontade, traduzindo seu conceito sobre o que se estabeleceu como “compartilhamento de liberdades” e os imperativos categóricos e hipotéticos, partindo-se do ideário que qualquer ação seria justa se fosse capaz de coexistir com a liberdade da dos outros de acordo com uma lei universal.[13] Seria o caminho necessário para iniciar a quebra de paradigma com a escola racionalista iluminista e o começo da chamada teoria histórica do direito. A teoria histórica adotaria os axiomas, os sistemas e os conceitos traduzidos no jusracionalismo sempre que compatíveis com a idéia Kantiana da lei universal e do compartilhamento de liberdades.[14] Aplicaria também a maior parte de sua força no que se convencionaria chamar de “pandectismo”.

Com clara orientação formalista, o pandectismo alemão trazia os conceitos já abordados no racionalismo, com a visão cartesiana na aplicação do Direito e a adoção dos costumes (pandectas) para a aplicabilidade do Direito. Estaria baseado na perspectiva de dedução lógica das normas jurídicas e aplicação do Direito sem qualquer nível de valoração ou objetivos extra-jurídicos, a partir exclusivamente do que estaria posto no sistema, nos conceitos e nos princípios doutrinários.[15] Uma das principais vozes dessa ciência dos “pandectas” é Savigny.

Nesse momento de codificação que seria tão próximo da idéia racional, cumpre registrar o Código Civil Alemão que tanto influenciou o primeiro Código Civil Brasileiro e que servirá como modelo da visão pandectista, pela inexpressiva presença de cláusulas gerais denotando assim sua pouca operabilidade, princípio que depois se faz presente no direito pós-social e na nova normatização do Direito Civil Brasileiro. Buscava-se assegurar a segurança jurídica e a previsibilidade de suas relações.

É de importância crucial destacar que as visões formalistas empreendida pelos iluministas e pelo pandectismo rompiam com a tradição jurídica de solucionar e buscar nas decisões judiciais a resposta para os casos que lhes seriam apresentados. A resposta já estaria presente no texto legal, criando o que Canaris chama de irrealismo metodológico. [16] Empreende sua crítica ainda nas condições a priore que gera completa desatenção com a sociedade que a circunscreve e suas necessidades.[17]

Importa frisar ainda, que a oponibilidade dos direitos fundamentais no momento liberal só seria possível na visão adstrita entre cidadão e o Estado no entendimento perpassado de que a aplicabilidade destes se configuraria como uma limitação do poder estatal gerando uma interpretação exclusivamente restritiva dos termos legais. No âmbito das relações privadas o que perduraria seria a liberdade plena de forma e conteúdo sem qualquer ingerência estatal.


1.2. MUDANÇA DE PARADIGMA DO DIREITO PRIVADO

Estando o Direito em permanente modificação e atendendo de modo constante a evolução que lhe impunha a sociedade, inicia-se como contraponto ao pensamento racional insculpido no iluminismo e no pandectismo um movimento de socialização do Direito que teve grande impacto nas relações privadas. O impacto liberal com clara feição burguesa que dominou o Século XIX perde espaço para a instituição de um momento socializante-modificador que devolveria ao aplicador do Direito a possibilidade de criação e alteração do status social.[18] Não se pode desmerecer que o momento histórico vivido pelos literatos jurídicos da época, levou a produção de ensinamento que primavam pela racionalidade e pela liberdade, objetivando se desfazer de todo a força absolutista vivida. Todavia, agora a realidade havia mudado, os objetivos traçados pelos ideários liberais não estavam sendo completamente alcançados e as ciências jurídicas haveriam de mudar conjuntamente a ela para preencher as lacunas sociais que se impunham.[19] Com o viés cientificista que lhe seria dado, o Direito buscaria alternativas que se desprenderia da certeza buscada nas visões racionalistas e tentaria a partir de novos conhecimentos e movimentos decorrentes do próprio contexto social[20], uma visão que acompanhasse o momento histórico e as refutações então infirmadas ao movimento racional.[21]  No mesmo perfil filosófico, Bachelard informava que a ciência deveria instruir a razão e não o contrário. A razão é que deveria obediência a ciência, a ciência mais evoluída.[22] Marcelo Neves ao iniciar o primeiro capítulo de sua obra “Entre Têmis e Leviatã”, procede a crítica ao postulado firmado pelo positivismo moderno e a falta de atenção com a evolução social.[23] Ainda no mesmo sentido, Canaris trata da necessidade de evolução da ciência do Direito e sua visão sistemática, criticando a forma estática tangenciada pelo Direito Privado jusracionalista e trazendo parâmetros dialéticos e históricos para a compreensão das ciências jurídicas.[24] Niklas Luhman faz uma análise parecida do perfil da sociedade e dos sistemas sociais para a compatibilização do direito, diferente da estabilização racional.[25]

Impulsionado em grande parte pelos textos marxistas, pelo socialismo utópico, pela doutrina social da igreja e num segundo momento pelo advento de duas guerras mundiais, o início da guerra fria e o sentido que se deu sobre o “Welfare State”, levariam a uma reformulação e uma releitura dos fundamentos e textos clássicos do Direito Privado. Inicia-se a fase do Direito Social. Nesse momento o Estado passa a intervir diretamente nas relações privadas dirigindo a conduta a ser empreendida pelos agentes econômicos. Fora impulsionada em grande parte pela definitiva superação que decorreu do modelo liberal, cujo ápice evidenciou-se com a quebra da bolsa de Nova York, o advento do “New Deal” e a instituição do “Estado de Bem-Estar Social”. As normas cogentes são cada vez mais verificáveis no âmbito privado e sua iderrogabilidade pela vontade particular não se mostra aceitável. Busca-se a liberdade do particular em conformidade com a igualdade social conduzindo-se a uma intervenção direta do Estado, na figura conhecida como “dirigismo contratual”. Seguindo a mesma linha, ocorre verdadeira positivação dos direitos sociais e econômicos com o advento de prestações positivas a serem cumpridas pelo Estado e a institucionalização do que se definiu como “normas de caráter programático”.[26] [27]

Ganha força o constitucionalismo que vem a penetrar profundamente em diversas áreas das ciências jurídicas transformando-se em verdadeiro “Estatuto Fundamental do Estado e da Sociedade”.[28] Inicia-se de forma permanente uma publicização das relações privadas, rompendo com a dicotomia outrora apresentada pelos primórdios do Direito Romano e que fora seguida pelo racionalismo, aproximando definitivamente o ramo privatista do direito com as instruções dirigentes da Constituição. O movimento que buscava a implementação dessa visão social sofreu ao final do século XX sua grande prova de fogo.[29] Proliferaram críticas sobre a forma que o Estado garantiria a consecução das prestações contidas no texto constitucional, vez que nesse novo momento, como menciona Daniel Sarmento, ele se tornou extremamente burocrático e obeso.  Assim, verifica-se uma tentativa histórica de repetir a visão liberal do Século XVIII, numa corrente denominada “Neoliberalismo”. Todavia, os efeitos sociais que já estariam presentes na própria sociedade e em grande parte dos textos constitucionais, refutam essa nova visão, mas permitem que se amadureça o próprio sentido do “Estado de Bem-Estar Social” com uma preocupação cada vez mais crescente na obtenção dos recursos que serão empregados e com uma flexibilidade na conduta, induzindo-se o que se convenciona agora chamar, Estado Pós-Social.  

A crise do Estado Social vem a gerar um verdadeiro Estado Subsidiário.[30] Busca-se a modificação de sua forma de atuação, estimulando e induzindo os atores da produção e utilizando de técnicas consensuais de administração o que torna o direito mais flexível. Advêm um perfil socializante e que estimula uma aproximação do Direito Civil com os institutos de Direito Público, trazendo em seu bojo uma mudança de paradigma, com o início da inclusão de clausulas gerais e a permissão em transformar o julgador não apenas em operador do direito mas em verdadeiro construtor das ciências jurídicas. Fica patente a aproximação do Direito Privado com preceitos constitucionais e a inclusão do estudo do Direito Civil no bojo de um sistema de valores que precisaria de valoração quando do momento de sua aplicabilidade.  Foge-se do sistema fechado de soluções para um sistema aberto em que se compatibilizaria as soluções com os problemas enfrentados a luz de princípios éticos, sociais e dotados de intensa operabilidade.[31] Tal comportamento do Direito Privado deriva de uma alteração que está intrinsecamente ligada e  influenciada pelas alterações ocasionadas no seio social, acompanhando o desenrolar constitucional que se descortinava. O sistema fechado proveniente das relações liberais perde espaço agora para um sistema aberto[32] com verdadeira interpenetração dos ramos públicos e privado em processo intenso de publicização.[33]  Neste estágio, mantém-se a figura do estado interventor, que se preocupa com uma justiça social, mas que, não despreza as atividades mercantis, recuperando todavia a noção de solidariedade e a preocupação constante com o ser humano, trazendo-o agora para o centro das relações entre privados.[34]

Esse momento pleno de aproximação do Direito Privado com o texto constitucional levará ao reconhecimento dos atores particulares como objetos finalísticos de direitos fundamentais, trazendo na conduta negocial entre particulares o atendimento a preceitos que estariam insculpidos no texto constitucional na busca de se atender uma justiça social.[35] O direito civil que prezava em suas raízes mais liberais por uma preocupação excessiva com a propriedade, o contrato e as obrigações, transforma-se e ocupa-se agora com o ser humano como centro irradiador de suas decisões. É a “repersonalização” do Direito Privado, que leva consigo o núcleo essencial do patrimônio mínimo. [36] Cresce sem dúvida uma nova linha valorativa do Direito Privado primando pelo condão existencial do próprio Direito na satisfação dos interesses humanos, valorado pelo norte constitucional. Ganha espaço a necessidade de uma abordagem axiológica do direito. Nesse novo caminho a ser perpassado caberia ao novo construtor do Direito trilhar um caminho que buscasse uma riqueza de valores jurídicos que atendesse as expectativas do ser humano e da comunidade ao qual ele estaria inserido.[37] Essa nova visão traz o incremento fundamental da dignidade da pessoa humana, a solidariedade, a construção de uma sociedade livre e justa, sob uma óptica distinta da pensada anteriormente em relação ao homem e suas relações privadas. Para Daniel Sarmento, essa nova perspectiva provoca a necessidade de redefinição dos próprios direitos patrimoniais e institutos que lhes são correlatos, como a propriedade, a posse e o contrato, cuja tutela passará a sujeitar-se a novos condicionamentos, ligados a valores extrapatrimoniais sediados na Constituição.[38]

O movimento de constitucionalização do direito civil também se mostrou crescente no estudo das ciências jurídicas do Estado Brasileiro. Partindo-se originariamente do Código Civil de 1916 que teve a clara influência do pandectismo e do Código Civil Alemão com inclinações ao formalismo e a segurança jurídica através de um sistema fechado, alteramos completamente o paradigma a partir do advento da Constituição Federal de 1988 e a edição do novo Código Civil de 2002, trazendo como princípios a eticidade, a sociabilidade e a operabilidade. A segurança jurídica e o formalismo de fortes tendências a proteção patrimonial, tão próxima e presentes no Código Civil de 16, perde espaço para um novo direito civil mais preocupado com os direitos de personalidade como corolário da dignidade da pessoa humana, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária como objetivo fundamental e a valorização do contexto social em detrimento do interesse exclusivamente individual.[39]

Algumas alterações substanciais ocorreram no texto do novo Código Civil, com a valorização dos direitos de personalidade, a inclusão da função social do contrato como mecanismo limitador e finalistico da autonomia da vontade, a necessidade de respeito a boa-fé e a probidade na relação contratual, a possibilidade de resolução contratual por onerosidade excessiva, privilegiando a justiça contratual e outras mudanças encampadas no direito à propriedade e à família. A visão do Direito Civil a partir do advento de sua nova codificação aproximou-se dos fundamentos e objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que estavam insculpidos no texto constitucional de 1988. A interpretação que se deve perseguir no Direito Privado seguirá como mecanismo finalístico os mesmos mecanismos que a Constituição Federal almeja alcançar, atendendo o espírito social que lhe foi emprestado, em detrimento de um individualismo despreocupado com a igualdade real e com a solidariedade. No âmbito dos direitos fundamentais, o ordenamento brasileiro passa a analisar seus efeitos sobre um prisma horizontal, aplicando-o as relações entre particulares, o que romperia com sua tradição vertical onde a preocupação seria estampado exclusivamente a prestações positivas e negativas do Estado para o cidadão.       


1.3. EFICÁCIA HORIZONTAL DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os parâmetros normativos primordiais dos direitos fundamentais do homem estão apresentados na Magna Carta de 1215 do Rei João Sem-Terra ao assegurar privilégios feudais aos nobres, sendo acompanhado no Direito Anglo-Saxão pelo Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1628 e o Bill of Rights de 1689, estabelecendo-se direitos adotáveis pelos particulares contra o Estado. Todavia, a mola mestra sobre a criação e importância na sociedade moderna dos direitos fundamentais, decorreu do advento da Declaração de Direitos da Virginia de 1776 e a Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão de 1789.[40] É bem verdade que num conceito filosófico, as origens decorrentes de direitos humanos precedem a ordem normativa apresentada nos textos anglo-saxões, sendo num primeiro momento classificáveis como direitos imanentes ao ser humano e de caráter absoluto.

O estudo científico dos direitos humanos coincidirá com o próprio constitucionalismo e a visão de liberalismo político que se apresentava na virada do período medieval para o Estado Moderno, incorporando-se ao texto constitucional a visão adstrita dos direitos fundamentais ao homem e que ganhará força nas leis fundamentais positivadas, passando a se tornar juridicamente válidos. Em seu primeiro estágio jurídico se resumiu a uma aplicabilidade exclusiva na relação que existia entre o Estado e o homem e tinha como finalidade precípua conservar as liberdades individuais contra as interferências do Poder Público, impondo um dever de abstenção do Estado em que se respeitaria um ambiente absolutamente liberal sendo o ente público mero expectador das relações privadas então desenvolvidas. Haveria nesse momento o reconhecimento de que o particular era detentor de direitos subjetivos que constituiria o núcleo essencial de sua existência e o posterior enquadramento de deveres gerais de abstenção do Estado para a consecução desse espaço ontológico do homem. A preocupação com os direitos fundamentais ao homem tinha como viés a percepção da atuação estatal numa concepção exclusivamente individualista sem se ater de forma categórica ao contexto coletivo-social, firmando as diretrizes primordiais de uma dimensão subjetiva dos direitos fundamentais onde se revelava a preocupação pontual com a limitação jurídica estatal. Denota-se o conceito de liberdades públicas como centro irradiador dessa relação do Estado com os direitos essenciais ao homem.[41] A relação expressar-se-ia tão somente num viés vertical, impondo uma abstenção estatal na sua relação com o ser humano, primando-se sobre a idéia do ser humano como um elemento isolado sem a devida preocupação com suas relações com os outros particulares.

No mundo ocidental, as Constituições Mexicanas de 1917 e a Lei Fundamental da República Alemã de 1919 iniciaram uma alteração na visão de ação do Estado para buscar a efetivação dos direitos fundamentais, deixando seu perfil absenteísta e passando a adotar mecanismo ativos para conseguir implementar os novos conceitos inseridos no texto normativo.[42] Passa-se ao estágio do Estado-ator e não mais mero espectador inerte. Criam-se verdadeiros programas de governo almejando o alcance finalístico dos direitos positivados do homem. Além das limitações públicas que já se encontravam presentes nos textos liberais, incorporou-se novos direitos e as finalidades sociais que passam a ganhar corpo em detrimento de um antropocentrismo tão próprio das Constituições que a precederam. Temos nesse novo contexto a idéia de normas programáticas e que mereceriam posteriormente um melhor destaque quanto a sua força normativa.

    Com o advento do Estado Social, fortaleceu-se e ganhou espaço o perfil estatal de intervenção nas relações privadas mudando o paradigma de sua atuação na busca de uma igualdade material. Leva-se o Estado, portanto, a alterar os parâmetros adotáveis de atuação frente aos direitos fundamentais do homem. Sendo expressão direta de uma ordem jurídica constitucional e expoentes de seu núcleo essencial, os direitos fundamentais não se resumirão mais a uma medida de abstenção e de previsão de ação, mas efetivamente o Estado passará a agir na busca de concretizar preceitos que estariam encartados na norma constitucional, chamando agora toda a coletividade a agir em prol da consecução dos ideários do homem.[43] Impera agora um mecanismo positivo de obtenção dos alcances fundamentais contidos na norma constitucional caracterizando-se na concepção finalistica do próprio Estado.[44] É o advento da dimensão objetiva dos direitos fundamentais. A preocupação nesse atual estágio manterá a visão do homem como centro irradiador das decisões estatais, todavia inserindo-o dentro de um contexto social-coletivo, gerando contundo o reconhecimento de que o respeito a tais direitos não é um problema exclusivo do Estado, mas de toda a sociedade. [45] Boaventura de Souza Santos, analisando o perfil coletivo português, demonstra que naquele país mesmo diante de uma Estado não-providente a coletividade supriria essa ausência, preenchendo as lacunas e caracterizando-se como uma sociedade-providente.[46] Atribui-se nesse novo momento, efeitos jurídicos concretos a toda a normatização sobre os direitos fundamentais.[47] Willis Santiago Guerra Filho citando Canotilho coloca as normas que tratam acerca dos direitos fundamentais do homem como cânones de máxima efetividade, eficiência ou de interpretação efetiva.[48] Como assevera Sarmento, ganha destaque um movimento de irradiação dos direitos fundamentais espraiando-se por todo o ordenamento jurídico, condicionando a atuação e interpretação das normas constitucionais e infra-constitucionais como impulsos e diretrizes para a administração, o legislador e o judiciário, ensejando a humanização da ordem jurídica.[49]

No ambiente constitucional em que decorre uma imposição de abstenção e ação de toda a coletividade para a perfeita consecução dos direitos fundamentais não poderemos mais atribuir uma eficácia estritamente vertical, com suas “garras” exclusivas a atividade do Estado, mas o dever de exigir de todos os cidadãos a responsabilidade com o respeito e implementação a direitos do homem. Paulo Freire narra em sua obra “Pedagogia da indignação”, a necessidade do homem ter consciência do seu papel e intervir diretamente no mundo em que vive para alçar as mudanças que toda a coletividade almeja.[50] A eficácia poderá ser vista agora com um viés horizontal de aplicabilidade direta entre as pessoas e as entidades privadas. Decorre dessa nova interpretação um aumento cada vez mais intenso de normas de conteúdo indeterminado e aberto nas relações privadas, onde sua interpretação e construção pelo jurista decorrerão de uma compreensão extensiva dos fundamentos constitucionais e seus objetivos fundamentais.[51] No âmbito do Direito Constitucional Brasileiro e toda a construção normativa que se faz presente, a eficácia dos direitos fundamentais se valerá em reconhecer a dignidade da pessoa humana como norte constitucional a ser seguido, caracterizado como vetor axiológico dos direitos fundamentais e a busca na construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Para alcançar tais diretrizes, não basta que o Estado e seus órgãos venham a agir, mas, a partir da irradiação da eficácia dos direitos fundamentais, toda a coletividade possa visualizar em suas condutas o modo de atingir tais mandamentos constitucionais na construção de um direito mais social.

 1.3.1. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS RELAÇÕES PRIVADAS

Ao se iniciar a discussão sobre os direitos e garantias fundamentais do homem, a primeira pergunta que se faz é: qual a razão jurídica de se garantir e incentivar que o ser humano possua direitos fundamentais? Sobre esse prisma inicial, deveríamos encampar a busca no próprio texto constitucional, sem desmerecer o contexto filosófico, quais seriam os parâmetros valorativos que o Estado almeja alcançar. Nessa interpretação axiológica, os cumprimentos aos fundamentos constitucionais implícitos e explícitos da ordem jurídica servirão de base para a resposta do questionamento acima apontado. No ordenamento jurídico brasileiro, o Constituinte originário em momento de lucidez, inseriu como fundamento do Estado Democrático de Direito a proteção a dignidade da pessoa humana, dando-lhe a característica de princípio-mor de toda a discussão sobre os direitos fundamentais do homem.  

Numa visão historicista/pragmática da dignidade da pessoa humana, encontramos seus primórdios fundamentais ainda na concepção cristã ao trazer menções da criação do homem à imagem e a semelhança de Deus, dotando-lhe de um valor próprio que lhe é intrínseco, não podendo ser transformado em mero objeto.[52] Já na antiguidade clássica, a dignidade da pessoa humana na visão filosófica dos sofistas passou a ser visto como as funções ou atividades exercidas por aquele homem no seio da sociedade, criando-se a partir dessa função social, o que os gregos caracterizaram como “prosópon”, e que foi traduzido posteriormente pelos romanos no sentido de “persona”, sentido próprio de rosto, máscara de teatro que individualizava a pessoa.[53] Percebia-se daí a caracterização de pessoas consideradas mais ou menos dignas, a depender da função que exercia na sociedade e da posição social que ocupava. Em outro viés, para a filosofia estóica, trouxe um aprofundamento da idéia de “personalidade” analisando-o sobre a visão da unidade moral no contexto da dignidade do homem, pois todos seriam filhos de um mesmo Deus.

No contexto filosófico, a grande ruptura entre a tradição anterior amarrada as concepções religiosas e uma formulação tipicamente racional foi empreendido por Samuel Pufendorf, fundamentando-se na liberdade moral como característica fundamental do ser humano.[54] Pufendorf considerava a dignidade da pessoa humana como a liberdade do ser humano optar de acordo com sua razão e agir conforme seu entendimento e sua opção. Seria a base da liberdade eticamente vinculada e da igualdade dos homens.[55] O amadurecimento metafísico ocorreu nas leituras de Immanuel Kant que construiu suas bases filosóficas a partir da natureza racional do ser humano, assinalando que a autonomia da vontade seria entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com certas leis, atributo encontrado apenas nos seres humanos e que se constituiria em fundamento da dignidade da pessoa humana, visualizando na pessoa o reconhecimento de que ela seria considerada como um fim, insuscetível de coisificação ou instrumentalização.[56] A dignidade seria uma qualidade a ser conquistada.[57] Se caracterizaria como uma nota distintiva do ser humano.[58]

A incorporação da dignidade da pessoa humana aos textos normativos, vez que nos momentos prefaciais originava-se exclusivamente de apanhados religiosos e éticos, ocorreu após a Segunda Grande Guerra Mundial, passando a figurar em diversos textos normativos internacionais, com destaque para a Declaração Universal da ONU de 1948, e no centro valorativo de diversas constituições pós-modernas. No Estado Brasileiro com o advento da Constituição Federal de 1988, ganha contorno de fundamento do Estado Democrático de Direito e efetivo princípio constitucional de direito fundamental, representando o núcleo essencial e irradiador de todos os demais direitos humanos. Em que pese originalmente uma visão subjetiva de seu termo, ganha contornos objetivos a partir do instante em que permite ao aplicador do direito a construção das decisões judiciais a partir de sua análise axiológica, sendo caracterizado como vetor valorativo dos direitos fundamentais.[59] Nas palavras de Luis Roberto Barroso o princípio da dignidade da pessoa humana se expressa num conjunto de valores civilizatórios, extraindo dele o sentido mais nuclear dos direitos fundamentais.[60] Willis Santiago Guerra Filho utilizando-se da classificação empregada por Karl Larez, classifica a dignidade da pessoa humana como princípio constitucional geral, encontrando-se num patamar superior aos princípios constitucionais especiais, onde se extrairia os direitos fundamentais do homem e de onde sairiam os mecanismos de concretização do respeito à dignidade da pessoa humana.[61]

Estando a justiça como uma das finalidade do direito, aquela não poderia vir a existir sem a necessária compreensão e aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana como seu alicerce para alcança-la.[62] Nesse contexto faz-se importante considerar a aplicação da dignidade da pessoa humana em todos os momentos da vida em sociedade e não apenas na relação protetiva e ativa do Estado com o cidadão. Como já fora objeto de explicitação no sub-tópico antecedente desta pesquisa, os direitos fundamentais do homem se irradiam no âmbito de todo o ordenamento jurídico, e com mais ênfase na sua base valorativa encartado na dignidade da pessoa humana, elemento necessário para se alcançar a pretensa justiça social incorporada no bojo normativo constitucional. Nas relações entre particulares, o respeito aos direitos fundamentais se mostrará indispensável diante da necessidade de se atender a dignidade da pessoa humana como fundamento de toda a ordem normativa dos direitos fundamentais dos homens. A interpretação dos negócios jurídicos, o conceito de boa-fé contratual, a definição de função social do contrato, a garantia de igualdade material nos contratos, a idéia de patrimônio mínimo[63], entre outras, encontrará seu norte de solução no sentido primordial de garantir ao ser humano uma vida digna, levando o homem a ser o centro das relações privadas. [64] As normas do Direito Civil perpassam ao texto constitucional e encontram seu plexo de validade num campo fértil onde empregam para o complemento de seus conceitos abertos valores sociais como fundamento axiológico e que tem por base a garantia ao ser humano de uma vida digna, mantendo-o em uma posição nuclear do ordenamento jurídico.[65]

1.3.2. A CONSTRUÇÃO DE UMA SOCIEDADE LIVRE, JUSTA E SOLIDÁRIA E AS RELAÇÕES ENTRE PARTICULARES 

O ideário republicano francês criou a perspectiva dos Direitos Fundamentais sobre a tríade da liberdade, igualdade e fraternidade. Para Fábio Konder Comparato seria o núcleo axiológico supremo.[66]  É bem verdade que no campo das idéias o pensamento francês/burguês se preocupou de modo muito mais intenso em preservar a manifestação livre de vontade, como se tal liberdade pudesse ser considerado o mecanismo único para se chegar as demais bandeiras da Revolução Francesa em detrimento da igualdade e da solidariedade. A igualdade e a fraternidade não receberam a atenção que lhes seriam devidas no primeiro estágio, principalmente quando se faz necessário a análise conjunta de todas as diretrizes do tripé fundamental para o bom desempenho social. A justificativa se reportava muito no modo de pensar individual sem a preocupação com o contexto coletivo.

Na perspectiva do Estado Social, passa-se a mudar o foco de preocupação garantindo-se nesse novo estágio e com base ainda nos 3 elementos liberais, uma conduta mais próxima da igualdade real, ocupando-se o Estado na garantia de efetivar uma igualdade não apenas formal, mas efetiva entre os cidadãos e na visão de solidariedade, como centro irradiador das decisões estatais e da conjunta entre iguais. Decorre o advento dos direitos sociais, crescendo o fundamento ético/filosófico da justiça distributiva.[67]

Seguindo a tríade francesa, o Estado Brasileiro elege como objetivo da República Federativa do Brasil a construção de uma sociedade livre, justa e solidária. Tais diretrizes são incorporados ao ordenamento normativo como um caminho que o Estado e os particulares em suas relações deverão seguir. Não deverão se afastar do contexto geral de interpretação das normas e condutas, mais umbilicalmente ligadas como um objetivo a ser preenchido. Logicamente, não se poderá imaginar a presença desses objetivos sociais sem fazer menção a dignidade da pessoa humana, corolário fundamental dos direitos fundamentais do homem. Ter como objetivo a construção de uma sociedade livre, justa e solidária é garantir que os caminhos que o estado e a sociedade percorrerá o levará ao final ao atendimento do ser humano numa vida com dignidade, lhe sendo preservados os diversos direitos sociais do texto constitucional. E como mencionamos nessa pesquisa, a dignidade da pessoa humana estaria umbilicalmente ligado a justiça social, pois é o vetor valorativo dos direitos fundamentais.[68]

Dentro e para a atividade particular, o que se busca é que as pessoas possam nas suas relações intersubjetivas primar pela construção de uma sociedade solidária em seu contexto finalístico. Para o intérprete das normas, almeja-se que ao julgar determinado conflito ou dirimir questões que necessitem de uma ponderação de interesses o façam também na busca de preservar os objetivos solidários da República Brasileira.[69] Mostra-se com isso que cada vez mais a preocupação sai das barras do patrimonialismo e ingressa na figura do ser humano e suas necessidades vitais. A idéia de “repersonalização” permanece contida nas relações particulares, agora com substrato fundamental na construção de uma sociedade justa e solidária. Nas colmatação das lacunas, no decifrar dos conceitos abertos e na solução pontual das questões civis em geral, deverá o aplicador do direito partir das premissas de que o homem está no centro destas relações, conformando o sistema que se encontra aberto com os princípios e valores fundantes da solidariedade social e da dignidade da pessoa humana.[70]


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Notas

[1] Michel Villey, “ A formação do pensamento jurídico moderno”, p. 71: “ Os juristas romanos conhecem e tem o cuidado de pôr em destaque a definição da justiça- e de seu objeto especifico- formulada por Aristóteles: a justiça é a virtude que tem por objeto próprio atribuir a cada um a parte que lhe corresponde; jus suum cuique tribuere. Aceitaram a doutrina de que o direito deriva da justiça, que a jurisprudência é a ciência do justo e do injusto; e mais precisamente, que o direito é “aquilo que é justo”

[2] Claúdio de Cicco, “ História do pensamento jurídico e da filosofia do Direito”, p. 52 “ Se Roma desenvolveu tal espírito belicoso, o direito romano se estruturou de modo a não deixar as expectativas dos cidadãos fraudadas pelo comportamento discordante, criando a instituicionalização das expectativas. Vale dizer, a civitas rompeu com o sistema arcaico, em que predominava o parentesco, a diferenciação segmentária e as expectativas concretas, da Roma primitiva, e passou para o sistema social pré-moderno, em que prevalecem a cidadania e a diferenciação funcional, ainda que imperfeita, rumo a institucionalização das expectativas.”

[3] Michel Villey, “Direito Romano”, p. 46: “ Roma foi fundada originalmente pela reunião de tribos, é um agregado de diferentes famílias, que se submetem à disciplina comum, mas não abdicarão por isso de todas as suas liberdades no altar do Estado, e em primeiro lugar não renunciaram aos seus bens. Sobre o seu pequeno domínio agrícola, sobre todas as coisas de que é proprietário, o pater famílias possui uma autoridade completa e exclusiva, que o comparava  por vezes à soberania dum Estado sobre o seu território e do qual se tem procurado a origem na soberania das antigas tribos sobre as suas terras” E continua mais a frente: “  Mas do ponto de vista do direito civil, perante o pretor, e em justiça, ele é o senhor- senhor para usar mal da sua coisa, porque é o único responsável, senhor para a alienar como quer, de a transmitir e partilhar entre os herdeiros e legatários da sua escolha. O próprio Estado não poderia violar, por exemplo aplicar um imposto, a propriedade exclusiva do pai de família. Se alguém atenta contra o seu domínio, basta ao proprietário elevar nas fórmulas rituais esta pretensão muito simples e sem variações; rem meam esse ex jure quiritum- que a coisa é sua em virtude do direito quiritário.”

[4] Wolkmer, Antônio Carlos. “Fundamentos de História do Direito”. 2006. p. 151

[5] Franz Wieacker, “História do Direito Privado Moderno”. (1967) p. 144 “ Já o direito privado justinianeu foi recebido numa extensão mais vasta, ainda que, como nas restantes matérias, na aplicação essencialmente modificada pelos estatutos e influências do direito comum europeu, que dele era feita pelos consiliadores. No entanto, mesmo esta recepção não se processou sem lacunas: os institutos de direito pátrio mantiveram-se ou irromperam de novo no usus modernus ; a recepção foi, muitas vezes, germanizada até se tornar irreconhecível. “

[6] Franz Wieacker, ob. cit., p. 237.

[7] Franz Wieacker, “ História do Direito Privado Moderno”, p. 306: “ A primeira influência directa desta idéia foia justificação racional de todas as posições político-constitucionais da época moderna. Soberania monárquica e soberania popular, direto do soberano e liberdade das ordens e das comunidades religiosas, a pretensão de totalidades das modernas nações e a reivindicação de liberdade do indivíduo moderno- tudo isto pode obter um ponto de partida na argumentação jusnaturalista e fundar nela a sua pretensão de validade.” 

[8] Wieacker, Franz, op. Cit., p. 310. “ Com o sistema do jusracionalismo, a ciência jurídica positiva adoptou também a sua construção conceitual. Numa teoria que tinha de se comprovar perante o fórum da razão através da exatidão matemática das suas premissas, o conceito geral adquiriu uma nova dignidade metodológica. Agora, ele não era já apenas um apoio tópico, um artifício na exegese e harmonização dos textos, mas o símbolo central que exprimia a pretensão de ordenação lógica da ciência jurídica.”

[9] Bachelard, Gastón. “ Epistemologia”. P. 114. “Deve-se ter em conta, não obstante, que o racionalismo, numa perspectiva razoavelmente imprecisa, aplica os seus princípios racionais à experiência comum. Dos confins do idealismo, o racionalismo passa de imediato ao realismo não recenseado, ao realismo quê se baseia numa realidade não estudada. Finalmente, para o racionalismo fixista, os princípios da mais hospitaleira conservação, os princípios da razão. Este racionalismo fixista formula as condições de um consenso dos homens de todos os países e de todos os tempos perante toda e qualquer experiência. Isto equivale a estudar o movimento do espírito no ponto morto, resignado de inércia que se opõe a mudança”.

[10] Popper, Karl. “ A lógica da pesquisa científica”. P. 55. “  Assim, rejeito a concepção naturalista. Ela não é crítica. Seus defensores não chegam a perceber que, sempre que julgam ter descoberto um fato, eles propõe uma convenção. Consequentemente, a convenção pode converter-se num dogma. Essa crítica por mim dirigida contra a concepção naturalista diz respeito não apenas ao critério de significação por ela admitido, mas também à sua concepção de ciência e , portanto, à sua concepção de método empírico”.

[11] Segundo, Hugo de Brito Machado. “ Porque dogmática jurídica?”. P. 14. “ A propósito, a epistemologia contemporrânea não mais considera como características do conhecimento científico a objetividade, a neutralidade, a clareza e a certeza. De fato, hoje se entende que a ciência é essencialmente provisória, composta de teorias e enunciados considerados verdadeiros até que se demonstre o contrário.”

[12] Adorno, Theodor W. “ Epistemologia y ciências sociales”.  P. 28. “ Este carácter contradictorio es La razón por la que El objeto de la sociologia, La sociedad y sus fenómenos, no posee el tipo de homogeneidad com la que pudo contar la denominada ciência natural clássica. Em sociologia no es posible ascender a enunciados particulares sobre hechos sociales em la misma medida em que, por ejemplo, de La observación de las propriedades de um trozo de plomo se acostumbraba a concluir las del plomo em general. La generalidad de las leyes de La ciência social no puede entenderse em absoluto como La de un universo conceptual em El que sus partes se integran armónicamente, sino que se refiere siempre, y esencialmente, a La relación de lo universal y lo particular em su concreción histórica.”

[13] Kant, Imannuel. “ Metafísica dos Costumes”. p. 76/77. 

[14] Wieacker, Franz. Op. Cit. P. 425.

[15] Wieacker, Franz. Op. Cit. p. 492. “ Esta ciência jurídica estava baseada na perspectiva do direito do positivismo científico, o qual deduzia as normas jurídicas e a sua aplicação exclusivamente a partir do sistema, dos conceitos e dos princípios doutrinais da ciência jurídica, sem conceder a valores ou objectivos extra-jurídicos a possibilidade de confirmar ou infirmar as soluções jurídicas.”

[16] Canaris, Claus Wilhelm. “ Pensamento sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito”. P. 27. “ O irrealiso metodológico, enquanto fenômeno histórico-cultural devidamente situado, emerge duma complexidade causal de análise difícil. Como foi dito, ele tem, na base, a incapacidade demonstrada pelos esquemas formalistas tradicionais e pelo juspositivismo em acompanhar as novas necessidades enfrentadas pelo Direito.”

[17] Canaris, Claus Wilhelm. Ob. cit. P. 21. “O primeiro óbice que se opõe ao formalismo reside na natureza histórico-cultural do direito. Numa conquista de escala histórica contra o jusracionalismo precedente, sabe-se que o direito pertence a uma categoria de realidades dadas por paulatina evolução das sociedades. A sua configuração apresenta-se, pelo menos ao actual estágio dos conhecimentos humanos, como o produto de uma inabarcável complexidade casual que impossibilita, por completo, explicações integralmente lógicas ou racionais. Assim sendo, o Direito deve ser conhecido de modo directo, tal como se apresenta; uma sua apreensão apriorística resulta impossível. O segundo obstáculo reside na incapacidade do formalismo perante a riqueza dos casos concretos. Na verdade, todas as construções formais assentam num discurso de grande abstração e, como tal, marcada pela extrema redução das suas proposições. Quando invocadas para resolver casos concretos, tais proposições mostram-se insuficientes, elas não comportam os elementos que lhe facultam acompanhar a diversidade de ocorrências, e daí, de soluções diferenciadas.”

[18] Canaris, Claus Wilhelm. Op. Cit. P. 80. “ As grandes construções, sabiamente concatenadas, encontram, no Direito, particulares dificuldades: a natureza histórico-cultural das realidades jurídicas desafia, por vezes, as tentativas de redução lógica. Quando isso suceda- e tem sucedido, pelo menos no actual estado de limitação dos conhecimentos humanos- verifica-se uma inoperabilidade das construções em causa para reduzir a realidade do Direito. Esta, sempre necessária em sociedade, terá de prosseguir o seu caminho sem o amparo das construções oferecidas. O jusracionalismo estaria, a essa luz, destinado ao fracasso: a pretensão de intuição racionalista da coisa social e de dedução logicista subseqüente desconhece, por definição assumida, toda a riqueza histórico-cultural pré-dada, que não se pode escamotear.”

[19] Hespanha, Antonio M. “ A História do Direito na História Social”. P. 70. “ Quem escreve um livro ou quem pensa sobre um determinado ramo do saber está diversamente limitado: vive, em primeiro lugar, um certo contexto social, onde pulsam certos anseios e ecoam certos temas ideológicos, insere-se num certo meio profissional, definido por um determinado estatuto social e dominado por um sistema de legis artis, foi educado numa escola com específicas tradições intelectuais e pedagógicas, tem em vista um objecto com uma determinada conformação histórica, e dirige-se a um certo público com características culturais e científicas próprias.”

[20] Fachin, Luiz Edson. “ Teoria Crítica do Direito Civil”. P. 5. “ A crítica ao Direito Civil, sob essa visão, deve ser a introdução diferenciada a estatutos fundamentais, na explicitação de limites e possibilidades que emergem da indisfarçavel crise do Direito Privado. É uma busca de respostas que sai do conforto da armadura jurídica, atravessa o jardim das coisas e dos objetos e alcança a praça que revela dramas e interrogações na cronologia ideológica dos sistemas, uma teoria crítica construindo um novo modo de ver. E aí, sem deixar de ser o que é, se reconhece o “outro” Direito Civil. E, se essas proposta escala montanhas epistemológicas, voa em rotas mal percorridas e mergulha em águas turbulentas, não despreza as planícies, os caminhos bem torneados, muito menos o flúmen tranqüilo da cognição adquirida. “

[21] Reale, Miguel. “ Nova Fase do Direito Moderno”. 2001. p. 131. “ Uma das mais importantes alterações verificadas na Epistemologia Contemporrânea consiste no abandono do projeto positivista da crescente matematização de todas as ciências, por amor ao exato e das verdades irrefutáveis.”

[22] Bachelard. Gastón. Op. Cit. P.  125

[23] Neves, Marcelo. “ Entre Temis e Leviatã- O estado democrático de direito a partir e além de Luhmann e Habermas”. P. 01. “ A concepção sistêmica da positividade do direito moderno é indissociável do modelo de evolução social como ampliação da complexidade, que conduz, na sociedade moderna, à diferenciação funcional”

[24] Canaris, Claus-Wilhelm. “Pensamento Sistemática e conceito de sistema na ciência do Direito”. P. 107/108. “Não é discutível e resulta mesmo evidente, que o Direito positivo, mesmo quando consista numa ordem jurídica assente na idéia de codificação, é, notoriamente, susceptível de aperfeiçoamento, em vários campos. Os valores fundamentais constituintes não podem fazer, a isso, qualquer excepção devendo, assim, mudar também o sistema cujas unidades e adequação eles corporizem. Hoje princípios novos e diferentes dos existentes ainda há poucas décadas, podem ter validade e ser constitutivos para o sistema. Segue-se, daí, finalmente, que o sistema, como unidade de sentido, compartilha de uma ordem jurídica concreta no seu modo de ser, isto é, que tal como esta, não é estático, mas dinâmico, assumido pois a estrutura da historicidade. “

[25] Luhman, Niklas. “ Sociologia do direito”. P. 225. “A diferenciação funcional cria sistemas sociais parciais para resolução de problemas sociais específicos. As colocações de problemas relevantes modificam-se e são apuradas ao longo do desenvolvimento social, possibilitando diferenciações crescentemente abstratas, condicionante e arriscadas em termos estruturais, como por exemplo sistemas não só de obtenção, mas também de distribuição de recursos econômicos não apenas para objetivos obrigatórios como criar filhos e defesa, mas também para objetivos optados como a pesquisa e até a pesquisa da pesquisa; não só para a educação mas também para a pedagogia, não só para o estabelecimento de decisões vinculativas, mas também para sua preparação política, não só para a justiça, mas também para a legislatura.”

[26] Sarmento, Daniel. “ Direitos Fundamentais e Relações Privadas”. P. 19. “ No mesmo diapasão, dá-se a positivação dos direitos sociais e econômicos, fenômeno assente na inquestionável premissa de que, diante da desigualdade de fato existente n meio social, se o Estado não agir para proteger o mais fraco do mais forte, os ideários éticos de liberdade, igualdade e solidariedade em que se lastreia o constitucionalismo seguramente vão se frustar. O advento dessa segunda geração de direitos fundamentais impunha ao Estado o cumprimento de prestações positivas, que tinham de ser asseguradas através de políticas interventivas.”

[27] Barroso, Luis Roberto. “Curso de Direito Constitucional Contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo”. P. 66. “ Ao longo do Século XIX, o liberalismo e o constitucionalismo se difundem e se consolidam na Europa. Já no Século XX, no entanto, sobretudo a partir da Primeira Guerra, o Estado Ocidental torna-se progressivamente intervencionista, sendo rebatizado de Estado social. Dele já não se espera apenas que se abstenha de interferir na esfera individual e privada das pessoas. Ao contrário, o Estado, ao menos idealmente, torna-se instrumento da sociedade para combater a injustiça social, conter o poder abusivo do capital e prestar serviços públicos para a população. Como natural e previsível, o Estado Social rompeu o equilíbrio que o modelo liberal estabelecera entre público e privado. De fato, com ele ampliou-se significativamente o espaço público, tomado pela atividade econômica do Estado e pela intensificação de sua atuação legislativa e regulamentar, bem como pelo planejamento e fomento a segmentos considerados estratégicos.” 

[28] Sarmento, Daniel. Op. Cit. P. 24.

[29] Barroso, Luis Roberto. Ob. cit. P. 67. “ Esse estado da busca do bem-estar social, o Welfare State, chegou ao final do século amplamente questionado na sua eficiência, tanto para gerar e distribuir riquezas como para prestar serviços públicos. A partir do início da década de 80, em diversos países ocidentais, o discurso passou a ser o da volta ao modelo liberal, o Estado mínimo, o neoliberalismo.” 

[30]  Sarmento, Daniel, op. Cit. P. 33.

[31].Canaris, Claus-Wilhelm. “Pensamento Sistemático e conceito de sistema na ciência do Direito”, p. 86. “ Segue-se a proposta aqui feita, a tentativa de entender o sistema como ordem de valores. Também isso seria, evidentemente possível; em última análise, cada Ordem Jurídica se baseia em alguns valores superiores, cuja protecção ela serve. “

[32] Grau, Eros Roberto. “ O direito posto e o direito pressuposto”. P. 22. “ O sistema jurídico é um sistema aberto, não fechado. Aberto no sentido de que é incompleto, evolui e se modifica. A abertura do sistema científico decorre da incompletude e da provisoriedade do conhecimento científico. O sistema objetivo é dinâmico, suscetível de aperfeiçoamento. O direito é produto histórico, cultural, está em contínua evolução”

[33] Fachin, Luiz Edson. “Teoria Crítica do Direito Civil”. P. 77/78. “Essa dicotomia vai gradativamente cedendo espaço. O conjunto das alterações começa a ser operado a partir da Constituição; daí o que se entende por “constitucionalização”, que significa o processo pelo qual a Constituição vai gerar mudança que irá repercutir no Direito Civil. Em outras palavras, menciona-se a funcionalização de certos institutos, como a função social da propriedade, dos contratos e, mais tarde, da empresa. Reconhecem-se essas atividades como legítimas na economia em que elas se inserem, mas também sobre elas estipula-se um conjunto de deveres inerentes ao seu próprio exercício”

[34] Sarmento, Daniel. Ob. cit. P. 35.

[35] Perlingieri, Pietro. “Perfis do Direito Civil- Introdução ao Direito Civil Constitucional”.p. 276. “ O ordenamento não pode formalisticamente igualar a manifestação da liberdade através da qual se assinala, profundamente, a identidade do indivíduo com a liberdade de tentar perseguir o máximo lucro possível: à intuitiva diferença entre a venda de mercadorias- seja ou não especulação profissional- e o consentimento a um transplante corresponde uma diversidade de avaliações no interno da hierarquia dos valores colocados pela Constituição. A prevalência do valor da pessoa impõe a interpretação de cada ato ou atividade dos particulares à luz desse princípio fundamental. Os atos de autonomia têm portanto fundamentos diversificados e não devem ser reconduzidos unicamente à liberdade econômica garantida pelo art. 41 Const. (Italiana)( desde que, como já recordado, seja harmonizado com a utilidade social, a liberdade, a segurança e a dignidade da pessoa humana” 

[36] Fachin., Luiz Edson. Ob. cit. pág. 78. “ Os princípios aparecem em outro movimento que o Direito Privado começa a sofrer, o da “repersonalização”, que significa discutir os valores que o sistema jurídicos colocou em seu centro e em sua periferia. O Código Civil brasileiro, efetivamente teve seu núcleo na noção de patrimônio, o que acaba por promover uma alteração espacial no interior da disciplina jurídica atinente às relações entre as pessoas. Esse movimento coloca no centro as pessoas e suas necessidades fundamentais, tais como habitação minimamente digna”

[37] Lima, Newton de Oliveira. “Teoria dos valores jurídicos- O neokantismo e o pensamento de Gustav Radbruch”. P. 180. “O justo como norteamento discursivo do direito é uma noção fundamental para o esclarecimento da relevância dos valores no direito, pois deixa claro que os valores não são “apêndices” da atividade jurídica e jurisdicional, são ao contrário os norteadores das ações do operadores do Direito e dos fins jurídico-políticos visados pela comunidade”.

[38] Sarmento, Daniel. Ob. cit. P. 91.

[39] De Moraes, Maria Celina Bodin. “ Danos à Pessoa Humana- Uma leitura civil-constitucional dos danos morais”. P. 75. “ Do ponto de vista da ordem civil em sentido  estrito, os resultados são também extensos e relevantes: enquanto o Código dava precedência as situações patrimoniais, no Sistema de Direito Civil fundado pela Constituição a prevalência foi atribuída às situações jurídicas extrapatrimoniais, porque à pessoa humana o ordenamento jurídico deve dar a garantia e a proteção prioritárias.”

[40] Mendes, Gilmar Ferreira/ Coelho, Inocêncio Mártires/ Branco, Paulo Gustavo Gonet. “ Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”. P. 105. “ Essa teoria irá inspirar as Declarações de Vírginia de 1776 e a francesa de 1789. Com efeito, o art. 1º. Da Declaração de Direitos da Vírginia, proclama que todos os homens são por natureza livres e têm direitos inatos, de que não se despojam ao passarem a viver em sociedade. O art. 2º. Da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão aponta que o fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. E o art. 4º. Da mesma Declaração afirma que o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limite senão as restrições necessárias para assegurar aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Esses documentos, embora pontos de virada histórica, não são os pioneiros na referência a direitos do indivíduos. Na Inglaterra, em 1215, os bispos e barões ingleses obtêm do Rei João Sem-Terra a Magna Carta, pacto que assegura alguns privilégios feudais aos nobres, não chegando, entretanto, a alcançar o conjunto da população.” E complementa mais adiante: “ Talvez, por isso, com maior freqüência, situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o Bill of Rights de Vírginia, quando se dá a positivação dos direitos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações políticas e filosóficas do que a normas jurídicas obrigatórias, exigíveis judicialmente.”  

[41] Silva. Virgílio Afonso da. “ Direitos Fundamentais- conteúdo essencial, restrições e eficácia”.  P. 70.

[42] Horta, Raul Machado. “ Direito Constitucional”.  P. 188. “ Essa mutação no conteúdo dos direitos individuais, que se processaria sem abalos radicais na sua versão ocidental, tornou-se responsável pela ampliação dos Direitos Individuais, para introduzir no seu campo as “liberdades concretas”, consoante a terminologia de Georges Burdeau, responsável pela posição ativa e participante do Estado em face da sociedade, do indívíduo e dos grupos sociais. Os textos constitucionais, os programas dos partidos, as proclamações dos homens públicos, diz Burdeau, não se limitam a consagrar as liberdades tradicionais da pessoa humana. Esses documentos passam a revelar a crescente preocupação de ajudar o homem na busca da felicidade e no desenvolvimento de sua personalidade. Trata-se agora de fixar as obrigações positivas do Estado, que não se limitam ao homem abstrato, mas alcançam o homem concreto, submetido às dificuldade da vida real, dificuldades essas que derivam de sua condição social e de sua inferioridade econômica.”

[43]  Mello, Celso Antônio Bandeira de. “ Eficácia das normas constitucionais e direitos sociais”. P. 11. “A Constituição não é um simples ideário. Não é apenas uma expressão de anseios, de aspirações de propósitos. É a transformação de um ideário, é a conversão de anseios e aspirações em regras impositivas. Em comandos. Em preceitos obrigatórios para todos os órgãos: Órgãos do Poder e cidadãos. “

[44] Hesse, Konrad. “ A Força normativa da Constituição”. P. 19. “ Mas, a força normativa da Constituição não reside, tão somente, na adaptação inteligente a uma dada realidade. A Constituição jurídica logra converter-se, ela mesma, em força ativa, que se assenta na natureza singular do presente (individuelle Beschaffenheit der Gegernwart). Embora a Constituição não possa, por si só, realizar nada, ela pode impor tarefas. A Constituição transforma-se em força ativa se essas tarefas forem efetivamente realizadas, se existir a disposição de orientar a própria conduta segundo a ordem nela estabelecida, se, a despeito de todos os questionamentos e reservas provenientes dos juízos de conveniência, se puder identificar a vontade de concretizar essa ordem. “

[45] Sarmento, Daniel. Ob. cit. P. 106. “ A dimensão objetiva decorre do reconhecimento de que os direitos fundamentais condensam os valores mais relevantes para determinada comunidade política. E, como garantia de valores morais coletivos, os direitos fundamentais não são apenas um problema do Estado, mas de toda a sociedade.”

[46] Santos, Boaventura de Souza. “ Pelas mãos de Alice. O social e o político na pós-modernidade. “ p. 64.  “ Mas se Portugal não tem um Estado-Providência, tem, no entanto, uma forte sociedade-providência que colmata em parte as deficiências da providência estatal, uma sociedade organizada informalmente segundo modelos tradicionais de solidariedade social. “

[47] Sarmento, Daniel. Ob. cit. P. 107.

[48] Guerra Filho, Willis Santiago. “Hermenêutica Plural- possibilidades jusfilosóficas em contextos imperfeitos”. P. 405.

[49] Sarmento. Daniel. Ob.cit. p. 124.

[50] Freire, Paulo. “ Pedagogia da indignação- cartas pedagógicas e outros escritos”. P. 40. “ A consciência do mundo, inviabiliza a imutabilidade do mundo. A consciência do mundo e a consciência de mim me fazem um ser não apenas no mundo, mas com o mundo e com os outros. Um ser capaz de intervir no mundo e não só de a ele se adaptar. É neste sentido que mulheres e homens interferem no mundo enquanto os outros animais apenas mexem nele. É por isso que não temos história, mas fazemos a história que igualmente nos fazem e que nos torna portanto históricos”

[51] O autor Ricardo Marcondes Martins em sua obra “ Abuso de Direito e a Constitucionalização do Direito Privado”, p. 75, critica o termo aplicabilidade dos direitos fundamentais às relações privadas, entendendo para evitar equívocos, a utilização de ponderação de princípios nas relações privadas, pois sua aplicação decorreria de uma análise dos princípios fundamentais a serem postos e que mereceriam análise do aplicador do direito.

[52] Sarlet, Ingo Wolfgang. “Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988”. P. 34.

[53] Comparato. Fábio Konder. “A afirmação histórica dos direitos humanos”. P. 15.

[54] Sarlet, Ingo Wolfgang. Ob. cit. P. 38. “ Muito embora na obra de Hugo Grócio e Thomas Hobbes, dois dos autores mais destacados do período (em especial no que diz com o pensamento político e jurídico) a dignidade tenha sido objeto de referência, foi apenas em Samuel Pufendorf que se pode constatar um passo efetivo em termos de ruptura com a tradição anterior e a elaboração do que se pode considerar uma primeira formulação tipicamente secular e racional da dignidade da pessoa humana, com fundamento na liberdade moral como característica do ser humano, ainda que elementos de tal concepção, possam ser reconduzidos a desenvolvimentos anteriores”

[55] Sarlet, Ingo Wolfgang. Ob. cit. P. 39

[56] Sarlet, Ingo Wolfgang. Ob. cit. P. 40

[57] Tome-se por base a idéia incorporada por Immanuel Kant sobre os imperativos categóricos na obra “ Metafísica dos Costumes”. p. 65. “ Um imperativo categórico é aquele que representa uma ação como objetivamente necessária e a torna necessária não indiretamente através de representação de algum fim que pode ser atingido pela ação, mas através de mera representação dessa própria ação e, por conseguinte, diretamente.”

[58] Carbonari, Sílvia Regina De Assumpção.” A função social da propriedade territorial urbana e a concretização do direito de moradia digna: o novo papela do direito de superfície.” Tese de Dissertação. 2007. p. 30.  “A dignidade pode ser entendida como a virtude, a honra, a consideração e a qualidade moral que, possuída por uma pessoa, serve de base ao respeito em que é considerada e reside justamente na capacidade de discernimento da vergonha, da humilhação que o ser humano possui e que o distingue dos demais seres da natureza.”

[59] Mendes, Gilmar Ferreira/ Coelho, Inocêncio Mártires/ Branco, Paulo Gustavo Gonet. “ Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais”. P. 116. “ De toda forma, embora haja direitos formalmente consagrados como fundamentais que não apresentam ligação direta com o princípio da dignidade humana, é esse princípio que inspira os típicos direitos fundamentais, atendendo a exigência de respeito à vida, à integridade física e íntima de cada ser humano e à segurança. É o princípio da dignidade da pessoa humana que justifica o postulado da isonomia e que demanda fórmulas de limitação do poder, prevenido arbítrio e a injustiça.” 

[60] Barroso, Luis Roberto. Ob. cit. P. 253.

[61] Filho, Willis Santiago Guerra. Ob. cit. P. 198/199.

[62] Bonavides, Paulo. “Teoria Constitucional da Democracia Participativa: Por um Direito Constitucional de Luta e resistência. Por uma nova hermenêutica. Por uma repolitização da legitimidade.” P. 28. “ Estes amparam a legitimidade do ordenamento constitucional, cujo fim não é, aquela segurança, de todo formal, senão também a justiça substantiva, a justiça material, a justiça que se distribui na sociedade, a justiça em sua dimensão igualitária; portanto, a justiça incorporadora de todas as gerações de direitos fundamentais; da primeira à segunda, da segunda à terceira e desta à quarta, passando pelos direitos civis e políticos, pelos direitos sociais, pelo direito dos povos ao desenvolvimento, até alcançar , com a democracia participativa, onde têm sede os direitos da quarta geração, sobretudo o direito à democracia- um paradigma de juridicidade compendiado na dignidade da pessoa humana. Essa dignidade consubstancia, por inteiro, a ordem axiológica do regime e das instituições; é o supremo valor onde jaz o espírito da Constituição.”

[63] Fachin, Luis Edson. “ Estatuto Jurídico do patrimônio mínimo”. P. 251. “ O pólo nuclear do ordenamento jurídico passa a migrar da propriedade para a pessoa, em seu sentido ontológico. Contudo, a tutela de um patrimônio mínimo nucleado na dignidade da pessoa humana, parece-nos bem representar o novo sentido a ser dado ao patrimônio na perspectiva de um direito civil repersonalizado- o qual tão-só se legitima a partir do momento em que se observam os valores existenciais e primordiais da pessoa, que hoje estão encartados em sede constitucional.”

[64] Sarlet, Ingo Wolfgang. Ob. cit. P. 133. “ Para além desta vinculação (na dimensão positiva e negativa) do Estado, também a ordem comunitária e, portanto, todas as entidades privadas e os particulares encontram-se diretamente vinculados pelo princípio da dignidade da pessoa humana, o que implica a existência de deveres de proteção e respeito também na esfera das relações entre particulares.”

[65] Moraes, Maria Celina Bodin de. Ob. cit. P. 74. “ A transposição das normas diretivas do sistema de Direito Civil do texto do Código Civil para o da Constituição acarretou relevantíssimas conseqüências jurídicas que se delineiam a partir da alteração da tutela, que era oferecida pelo Código ao indivíduo, para a proteção, garantida pela Constituição, à dignidade da pessoa humana, elevada a condição de fundamento da República Federativa do Brasil. O princípio constitucional visa garantir o respeito e a proteção  da dignidade humana não apenas no sentido de assegurar um tratamento humano e não degradante, e não conduz exclusivamente ao oferecimento de garantias à integridade física do ser humano.  Dado o caráter normativo dos princípios constitucionais, princípios que contêm os valores ético-jurídicos fornecidos pela democracia, isto vem a significar a completa transformação do Direito Civil, de um Direito que não mais encontra nos valores individualistas codificados o seu fundamento axiológico.”

[66] Comparato, Fábio Konder. Ob. cit. 60.

[67] Comparato, Fábio Konder. Ob. cit. P. 62. “ A solidariedade prende-se a idéia de responsabilidade de todos pelas carências ou necessidades de qualquer indivíduo ou grupo social. É a transposição, no plano da sociedade política, da obligatio in solidum do direito privado romano. O fundamento ético desse princípio encontra-se na idéia de justiça distributiva, entendida como a necessária compensação de bens e vantagens entre as classes sociais, com a socialização dos riscos normais da existência humana. Com base no princípio da solidariedade, passaram a ser reconhecidos como direitos humanos os chamados direitos sociais, que se realizam pela execução de políticas públicas, destinadas a garantir amparo e proteção social aos mais fracos e mais pobres; ou seja, aqueles que não dispõem de recursos próprios para viver dignamente.”  

[68] Bauman, Zigmund. “ O mal estar da pós-modernidade”. P. 82. “ Não é preciso mencionar que o problema da justiça não pode ser sequer postulado a menos que já haja um regime democrático de tolerância que assegure, em sua constituição e prática política, os “direitos humanos”- ou seja, o direito a conservar a própria identidade e singularidade sem risco de perseguição. Essa tolerância é uma condição necessária a toda justiça. O ponto principal, porém, é que não é sua condição suficiente. Por si mesmo, o regime democrático não promove (e muito menos assegura) a transformação da tolerância em solidariedade- ou seja, o reconhecimento da penúria e sofrimentos de outras pessoas como responsabilidade própria de alguém, e o alívio, assim como, subsequentemente, a eliminação da penúria como a tarefa própria de alguém.”

[69] Sarmento, Daniel. Ob. cit. P. 295. “ No entanto, este modelo é excessivamente simplificado. Existe uma série de razões que justifica, hoje, a concepção de que, ao lado do dever primário do Estado, de garantir os direitos sociais, é possível também visualizar um dever secundário da sociedade de assegurá-los. Em primeiro lugar, porque as relações privadas, que se desenvolvem sob o pálio da Constituição, não estão isentas da incidência dos valores constitucionais, que impõem sua conformação a parâmetros materiais de justiça, nos quais desponta a idéia de solidariedade. Além disto, diante da decantada crise de financiamento do Welfare State, que o impede de atender a todas as demandas sociais relevantes, é importante encontrar outros co-responsavéis que- sem exclusão da obrigação primária do Estado- possam contribuir para amenizar o dramático quadro da miséria hoje existente, assumindo tarefas ligadas à garantia de condições mínimas para os excluídos, não já, agora, por caridade ou filantropia, mas no cumprimento de deveres juridicamente exigíveis.”

[70] Tepedino, Gustavo. “Temas de Direito Civil- Tomo III”. P. 18/19. “ O desafio do jurista de hoje consiste precisamente na harmonização das fontes normativas, a partir dos valores e princípios constitucionais. O Código Civil de 2002 deve contribuir para tal esforço hermenêutico- que em última análise significa a abertura do sistema-, não devendo o intérprete deixar-se levar por eventual solução de nele imaginar um microclima de conceitos e liberdades patrimoniais descomprometidas com a legalidade constitucional. Portanto, as relações jurídicas de direito privado devem ser interpretadas à luz da Constituição, seja em obediência às escolhas político-jurídicas do constituinte, seja em favor da proteção da dignidade, princípio capaz de conformar um novo conceito de ordem pública, fundada na solidariedade social e na plena realização da pessoa humana.”  


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FREITAS, Kelery Dinarte da Páscoa. A constitucionalização das relações privadas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3735, 22 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25376. Acesso em: 19 maio 2024.