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O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal

O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal

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Analisa-se a adequação das restrições que são postas cotidianamente ao livre porte de arma pelo policial federal, como a proibição de ingresso em casa noturnas, eventos e até órgãos públicos.

Resumo:O presente trabalho tem por objetivo estabelecer, sob a luz do ordenamento jurídico vigente, os limites do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal. Desenvolve-se com discurso argumentativo a partir de literatura, do ordenamento jurídico e da experiência prática profissional vivida por policiais federais. Na parte teórica, analisam-se conceitos doutrinários e as principais legislações pertinentes à atuação policial, como a Constituição Federal e o Código de Processo Penal, bem como as diversas funções atribuídas ao policial federal no campo da segurança pública, como polícia judiciária e administrativa. Nessa esteira, destacam-se o Estatuto do Desarmamento e o Decreto que regulamenta a carteira funcional do policial federal, os quais garantem a este o livre porte de arma em o território nacional. Na parte prática encontra-se a exposição detalhada das principais atividades desempenhadas pelos policiais federais em seu trabalho cotidiano, com ênfase nas dificuldades enfrentadas e nos deveres a eles impostos por lei. Colocado o problema, ou seja, se há alguma restrição ao livre porte de arma, citam-se eventos em que, por vezes, o policial federal é impedido de ingressar em determinado local portando arma de fogo, como casas noturnas. Estuda-se, ainda, o caso de uma portaria expedida pela Justiça Federal de Minas Gerais que restringiu o acesso de pessoas armadas – incluindo policiais – em suas dependências. Diante desse ato administrativo, o sindicato dos policiais federais ajuizou uma ação no Conselho Nacional de Justiça, pugnando pela ilegalidade do ato. A decisão do aludido órgão judicial, favorável à manutenção da portaria, é parte integrante desta dissertação e tem seu conteúdo discutido. O resultado obtido é que direitos estabelecidos por lei não podem ser limitados por espécie normativa que não tenha passado pelo crivo do Poder Legislativo, podendo, assim, o policial federal livremente portar arma de fogo em todo o território nacional, salvo exceções previstas em lei ou quando houver manifesto desvio de finalidade na conduta do agente público.

Sumário:INTRODUÇÃO. 1 – SEGURANÇA PÚBLICA. 1.1 – CONCEITUAÇÃO. 1.2 – ATIVIDADE POLICIAL. 1.3 – SEGURANÇA PÚBLICA. 1.4 – DEVER CONSTANTE E INCONTINENTI DE AÇÃO. 1.5 – NOVO PAPEL DA POLÍCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA. 1.6 – SEGURANÇA NACIONAL. 2 – POLÍCIA JUDICIÁRIA. 2.1 – DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA. 2.2 – DO DEVER LEGAL. 3 – POLÍCIA ADMINISTRATIVA. 4 – LEGISLAÇÃO SOBRE PORTE DE ARMA. 5 – DO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA NORMATIVA E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO. 6 – DA AÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. 6.1 – DA DECISÃO. 6.2 – DAS FUNÇÕES DA POLÍCIA FEDERAL. 6.3 – DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA. 6.4 – DO PODER DE POLÍCIA. 6.5 – DA ARMA COMO INSTRUMENTO NECESSÁRIO. 6.6 – DA NULIDADE DO ATO. 7 – PORTE EM OUTROS LOCAIS. 7.1 – ESTÁDIOS DE FUTEBOL E SIMILARES. 7.2 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. 8 – EVENTUAIS RESTRIÇÕES AO DIREITO AO PORTE DE ARMA. 8.1 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA. 8.2 – SALA DE AUDIÊNCIA. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS. ANEXOS


INTRODUÇÃO

Todo Estado democrático de direito, baseado em uma sociedade civilizada, procura dar paz e segurança à sua população. O Brasil, país protetor de direitos humanos, não foge à regra. Consignada em alguns artigos na Constituição Federal, a segurança pública é, além de dever do Estado brasileiro, direito subjetivo de qualquer cidadão que tenha sua integridade física ameaçada.

Seria difícil imaginar, em um país com tantos contrastes sociais como o nosso, com tanta violência nas ruas, as forças de segurança não portarem arma de fogo. É claro que todos gostariam de viver em um lugar onde ninguém – ninguém mesmo – precisasse se socorrer de pistolas e revólveres. Mas isso é, convenha-se, uma utopia.

A própria Lei Maior estabelece quais os órgãos responsáveis pela segurança pública nacional. Entre eles está o Departamento de Polícia Federal. Em nível infraconstitucional há algumas legislações que regulam a carreira do policial federal e seu porte de arma de fogo. Todas essas normas jurídicas conciliam-se e complementam-se, de modo a dar eficácia ao trabalho do policial federal, garantindo a ele o direito ao livre porte de arma em todo o território nacional.

Entretanto, sempre que se estabelecem direitos, é necessário também fixar seus limites, para que o uso não se transforme em abuso. Qual seria o limite para o policial federal portar sua arma de fogo? Seria sempre que ele entendesse útil? A subjetividade é fator determinante? Haveria restrições? Em caso afirmativo, em que condições?

Uma questão polêmica é saber se o policial está ou não em serviço 24 horas por dia. Mas mesmo estando descaracterizado, sem farda, o policial federal, como membro de órgão de segurança, tem o dever permanente de zelar pela preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas[1]. Como, então, deverá proceder o policial nas suas horas de folga? Tem ele o dever de agir? Poderá andar armado?

Mesmo em serviço, o policial se depara, não raro, com situações obstativas ao seu direito de portar arma de fogo.

Em determinadas casas noturnas há instrução para que o policial que lá ingresse armado deixe sua arma com a equipe de segurança. Estariam agindo corretamente os proprietários de bares e boates? É possível que eles editem suas normas em seus estabelecimentos comerciais?

Na sede da Justiça Federal de Minas Gerais, restringiu-se o acesso de policiais federais portando arma de fogo[2], permitindo-se-lhes o porte somente em poucos eventos. Igualmente, há também outros lugares, como estádios de futebol, em que o policial federal enfrenta o mesmo problema. Em todos os casos, o argumento para a restrição é sempre “dar segurança ao local”, ocorrendo, portanto, inversão de valores quanto à figura e ao dever do policial federal.

Um aspecto para solucionar essa discussão gira em torno da hierarquização de normas. Direitos estabelecidos constitucionalmente devem se harmonizar, não havendo prevalência entre eles. No entanto, conflitantes normas de diferentes hierarquias, a superior deve prevalecer, restando prejudicada a inferior na parte que lhe for contrária. Toda a análise do problema deve ser feita, então, sob a ótica do princípio da legalidade. Assim, uma norma – portaria - editada pelo diretor do fórum poderia balizar o direito que possui o policial federal de portar sua arma de fogo, direito este lhe atribuído por lei?

Outro aspecto da polêmica diz respeito ao desconhecimento das leis por parte das pessoas.

Dessarte o cerne do presente trabalho é estabelecer o alcance do direito do policial federal ao porte de arma de fogo, fazendo-se a análise a partir de suas atividades policiais, da legislação vigente e das situações restritivas impostas por casas noturnas, pela Justiça Federal de Minas Gerais e por outros locais. Para se conseguir o pretendido, dividir-se-ão os tópicos do desenvolvimento em capítulos.

No primeiro, busca-se compreender o conceito de segurança pública e a respectiva atuação da Polícia Federal, baseada nas atribuições previstas em lei e em seu regulamento. Destacam-se o dever constante de agir do policial e seu novo papel na segurança pública.

No segundo, mostra-se a função constitucional de polícia judiciária exercida pelos policiais federais, de modo a ressaltar novamente o dever legal de agir em situações de flagrante delito.

No terceiro, enfatiza-se a atividade da Polícia Federal como órgão fiscalizador da segurança privada, estabelecendo-se uma relação entre os policiais federais e os vigilantes de estabelecimentos públicos e privados.

No quarto, estudam-se as normas legais que tratam do porte de arma e a inserção da Polícia Federal nessa legislação.

No quinto, disserta-se sobre hierarquia normativa e o conflito de normas no espaço, confrontando-se o ato administrativo com a lei. A intenção é analisar e estudar a legalidade da portaria expedida pela Justiça Federal que limitou o acesso de policiais armados a alguns eventos.

No sexto, mostra-se a decisão do Conselho Nacional de Justiça tomada em face da ação de impugnação de ato ilegal, ajuizada pelo sindicado dos policiais federais em Minas Gerais. O objetivo é ponderar a fundamentação argüida pelo aludido órgão judicial, favorável à manutenção da portaria, sob o enfoque da importância do porte da arma de fogo pelo policial federal como instrumento de segurança à sociedade.

No sétimo, citam-se alguns locais em que por vezes o policial federal é tolhido em seu direito de portar arma de fogo. Procura-se encontrar razões que não legitimariam o acesso do policial armado.

Por fim, no último capítulo, encontram-se as exceções ao livre porte de arma garantido ao policial federal.

O estabelecimento de um direito e a eventual restrição a ele devem estar bem delineados para afastar qualquer dúvida quanto ao seu exercício. Assim, é importante o tema ora apresentado para que a sociedade compreenda a responsabilidade que o policial federal carrega na defesa da ordem pública, de modo a não haver dúvida se ele tem ou não direito ao pleno porte de arma de fogo, sine ira et studio.


1 – SEGURANÇA PÚBLICA

1.1 – CONCEITUAÇÃO

Todo Estado democrático baseado em uma sociedade minimamente organizada procura fornecer aos seus cidadãos segurança e liberdade para o pleno exercício de seus direitos. O Estado social, ao mesmo tempo em que assegura a cada um direitos individuais fundamentais, também atua de forma a proteger toda a coletividade, conciliando direitos sociais e individuais. A tranqüilidade, a paz, o respeito às leis e a sensação de justiça garantem à população um bem-estar que se pode chamar de ordem. É a ordem pública.

De Plácido e Silva (2004; 988) assim define:

ORDEM PÚBLICA. Entende-se a situação e o estado de legitimidade normal, em que as autoridades exercem suas precípuas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam, sem constrangimento ou protesto. Não se confunde com a ordem jurídica, embora seja uma conseqüência desta e tenha sua existência formal justamente dela derivada.

Depreende-se então que ordem pública é uma situação de fato em que não haja agitações ou desordem na sociedade, preservando-se a incolumidade das pessoas e do patrimônio.

Na doutrina de Álvaro Lazzarini (1999), a ordem pública se divide em três vertentes: a) segurança; b) salubridade; c) tranqüilidade.

A segurança pública é uma espécie do gênero ordem pública. Quanto ao seu conceito, novamente recorre-se a De Plácido e Silva (2004; 1268):

SEGURANÇA PÚBLICA. É o afastamento por meio de organizações próprias, de todo perigo, ou de todo mal, que possa afetar a ordem pública, em prejuízo da vida, da liberdade, ou dos direitos de propriedade do cidadão. [...]

A Constituição Federal de 1988, no art. 144, disciplina a matéria, elencando os órgãos competentes para atuação.

Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos:

I - polícia federal;

II - polícia rodoviária federal;

III - polícia ferroviária federal;

IV - polícias civis;

V - polícias militares e corpos de bombeiros militares

Antes de aprofundar nesse tema, uma rápida abordagem será feita sobre atividade policial, permitindo-se compreender as diversas funções exercidas pela Polícia Federal. Após será retomada a questão da segurança pública.

1.2 – ATIVIDADE POLICIAL

A Administração Pública possui prerrogativas que a colocam em posição de superioridade em relação aos administrados, em nome da supremacia do interesse público. A isso se dá o nome de regime jurídico-administrativo. Essas prerrogativas são consubstanciadas nos Poderes: Hierárquico, Disciplinar, Regulamentar, Vinculado, Discricionário e de Polícia.

O poder de polícia é conceituado como:

[...] a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado. (MEIRELLES, 2009; 133)

Diversos órgãos da Administração Pública, como IBAMA, Vigilância Sanitária, Secretaria da Receita Federal do Brasil, especialistas por área de atividade econômica ou área de saúde, educação ou trabalho, possuem poder de polícia. Eles, por exemplo, exercem fiscalização em estabelecimentos, expedem regulamentos, portarias e emitem autuações. Nesse exercício tais órgãos atuam como polícia administrativa, de forma preventiva, assegurando a estabilidade da ordem pública.

Se, por um lado, há a polícia administrativa, por outro existe a polícia de segurança, voltada propriamente para a segurança pública. Nota-se que está se falando de polícia como atividade, função. Na melhor doutrina, José Afonso da Silva (2006; 778), estabelece a seguinte classificação:

A atividade de polícia realiza-se de vários modos, pelo que a polícia se distingue em administrativa e de segurança, esta compreende a polícia ostensiva e a polícia judiciária. A polícia administrativa tem por objeto as limitações impostas a bens jurídicos individuais (liberdade e propriedade). A polícia de segurança que, em sentido estrito, é a polícia ostensiva tem por objetivo a preservação da ordem pública e, pois, as medidas preventivas que em sua prudência julga necessárias para evitar o dano ou o perigo para as pessoas.

A polícia de segurança divide-se em: a) polícia ostensiva; b) polícia judiciária.

A polícia ostensiva é atividade exercida principalmente pelos órgãos Polícia Militar, Polícia Rodoviária Federal e Polícia Ferroviária Federal. Já a polícia judiciária, pela Polícia Federal e Polícia Civil.

Na classificação acima, há distinção entre polícia administrativa e polícia de segurança. Contudo esse posicionamento não é unânime na doutrina. Há quem sustente que a polícia de segurança é parte da polícia administrativa, não se confundindo com polícia judiciária[3].

Para ilustrar esses conceitos, é de bom alvitre fazer um breve comentário sobre a Polícia Militar.

A Polícia Militar executa especialmente a função de polícia de segurança. Além de sua atuação na segurança pública (espécie), exerce também o papel de mantenedor de toda a ordem pública (gênero)[4]. Por isso é que se deve reforçar a ideia de manter permanentemente policiais militares nas ruas, o que ajudará a prevenir situações que podem abalar a ordem social.

Embora atue de forma preventiva, a Polícia Militar não executa propriamente uma atividade administrativa, pois, em regra, não possui poder de polícia com força de restringir uma atividade ou bem que não se relacione com a segurança. A função precípua por ela exercida é polícia de segurança, ostensiva. Isso não impede, contudo, que, em determinadas circunstâncias, aja como polícia administrativa quando, por exemplo, cumpre-lhe a fiscalização de trânsito, podendo aplicar penalidades por infração às leis de trânsito.

Com efeito, dentre as suas atribuições, não pode a Polícia Militar fechar um açougue que vende carne deteriorada, papel que caberá a agentes da vigilância sanitária. Deve sim, como órgão responsável pela manutenção da ordem pública, dar apoio, garantia a tais agentes para que estes realizem seu trabalho de maneira incólume.  

Não se confundem, portanto, as características de polícia administrativa e polícia de segurança, embora, já dito, a classificação das atividades policiais seja tema ainda bem polêmico e o objetivo aqui não é esgotar esse assunto.

Deixando de lado a Polícia Militar, concentram-se doravante as atenções na Polícia Federal, peça central deste trabalho.

O Departamento de Polícia Federal é um órgão previsto constitucionalmente no Capítulo “Da Segurança Pública” para cumprir o papel de polícia de segurança, mais expressivamente como polícia judiciária, como se verá adiante. Entretanto, por força legal[5], também tem atuação como polícia administrativa, na qualidade de órgão responsável pela fiscalização de atividades privadas como instituições bancárias e empresas de vigilância. Assim, não é o rótulo do órgão policial que qualifica a atividade por ele desempenhada.

Essas funções executadas pela Polícia Federal – polícias judiciária e administrativa - serão tratadas em tópicos próprios.

1.3 – SEGURANÇA PÚBLICA

A segurança pública pode ser considerada como uma atividade estatal voltada à preservação da ordem pública, garantindo tanto a convivência pacífica e harmoniosa entre as pessoas quanto a incolumidade do patrimônio. É a segurança pública um instrumento do Estado para atingir a finalidade “ordem pública”.

Nesse escopo, a atual Constituição brasileira estabeleceu o tópico “DA SEGURANÇA PÚBLICA” no Capítulo III, dentro do Título V denominado “DA DEFESA DO ESTADO E DAS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS”, elencando quais os órgãos policiais seriam responsáveis por garantir a segurança pública. È bom registrar que essa construção constitucional remonta a 1988, época em que o Brasil estava saindo de um longo período de ditadura militar, e indica a concepção da segurança pública voltada mais à proteção do Estado, de suas instituições, do que em defesa da coletividade. Essa percepção, contudo, encontra-se relativamente ultrapassada na medida em que se enxerga hodiernamente a população como a principal destinatária da segurança pública.  

Assim, quando surgem comportamentos adversos que possam abalar o equilíbrio estatal, apresenta o Estado duas formas de enfrentamento: a) prevenção; b) repressão. E ambas, no Brasil, estão fincadas na estrutura policial.

O patrulhamento ostensivo nas ruas, a manutenção da ordem pública, o combate à violência e a repressão criminal contribuem com a tese de que segurança pública é sinônimo de polícia. Quando se fala em prevenção, em assunto de segurança pública, costuma-se reduzir o tema a “prevenção policial”, atribuindo-se sempre o dever de segurança aos órgãos policiais.

Baseando-se nesse pensamento – disseminado entre muitos brasileiros –, o policial é sempre exigido pela população, não importando se ele é federal, civil, militar ou rodoviário.

Na prática, como os policiais civis e federais, na rotina de trabalho, não costumam portar os uniformes de suas instituições, as pessoas, sem os identificarem, não exigem deles o comportamento esperado. Mas isso não exime o policial de cumprir seu dever que lhe é atribuído pela Carta Maior, devendo ser responsabilizado com as sanções legais caso não aja ante o cometimento de um crime.

Por isso, a Polícia Federal, como polícia de segurança, tem o dever constitucional de assegurar tranqüilidade e paz à coletividade. E é nesse ponto que torna relevante o assunto porte de arma. Como exercer o papel de agente de segurança pública sem portar arma de fogo?

Como dito, ante uma situação lesiva, do policial federal o cidadão espera uma resposta breve e eficaz na defesa de sua vida, de seu patrimônio ou de terceiros. E a arma será o instrumento de que dispõe o agente público para intimidar ou mesmo reagir a essas situações lesivas. Considerando o poderio bélico cada vez maior usado por meliantes, constantes infratores da lei, como exigir do policial uma reação à altura se não estiver portando arma de fogo?

1.4 – DEVER CONSTANTE E INCONTINENTI DE AÇÃO

Uma questão não raramente discutida é se o policial está permanentemente em serviço. A União investe alto para formar um policial federal, desde a fase do processo seletivo até o curso de formação. Depois de efetivado, o policial continua em constante treinamento, principalmente de tiro e de defesa pessoal. Será que o Estado quer que suas forças de segurança não ajam quando não estão escaladas para o serviço?

Evidentemente que o policial federal também é ser humano e, da mesma forma que qualquer outro, necessita usufruir descanso, lazer e família. Mas o fato de não estar em serviço ou trabalhando não afasta sua responsabilidade de perene vigilância e atuação na manutenção da segurança pública.

Não se confunde a noção de serviço/trabalho com o dever permanente de protetor da sociedade.

Por isso é que os policiais federais têm o direito de portar arma de fogo ainda quando não estão em serviço. Estão sujeitos a um regime especial de trabalho, de dedicação integral[6].

Com acerto disciplinou o Estatuto do Desarmamento – Lei n° 10.826/03:

Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:

[...]

II – os integrantes de órgãos referidos nos incisos do caput do art. 144 da Constituição Federal (grifos nossos);

[...]

§ 1º  As pessoas previstas nos incisos I, II, III, V e VI do caput deste artigo terão direito de portar arma de fogo de propriedade particular ou fornecida pela respectiva corporação ou instituição, mesmo fora de serviço, nos termos do regulamento desta Lei, com validade em âmbito nacional para aquelas constantes dos incisos I, II, V e VI. (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008) (grifos nossos).

Na mesma linha, o art. 33 do Decreto nº 5123/2004, que estabelece:

O Porte de Arma de Fogo é deferido aos militares das Forças Armadas, aos policiais federais e estaduais e do Distrito Federal, civis e militares, aos Corpos de Bombeiros Militares, bem como aos policiais da Câmara dos Deputados e do Senado Federal em razão do desempenho de suas funções institucionais. (grifos nossos).

Importa destacar que “em razão” não significa necessariamente “em atividade”.

A título de comparação, aos integrantes das Carreiras de Auditoria da Receita Federal do Brasil só se permite portar arma de fogo quando em serviço[7]. Certamente a razão para isso se deve à questão de segurança pessoal. O auditor, quando em trabalho fiscalizatório em empresas, poderá sofrer algum tipo de violência, justificando assim o porte de arma. Contudo, fora do seu trabalho, o motivo não subsiste.

1.5 – NOVO PAPEL DA POLÍCIA NA SEGURANÇA PÚBLICA

Muito se debate atualmente sobre o novo papel da polícia na segurança pública. Acredita-se que as ações concentradas na lei penal, no aparato policial, na atividade de polícia judiciária e na repressão deveriam ceder espaço para outras voltadas ao elemento humano como figura central.

A valorização da pessoa, a integração entre as comunidades carentes e políticas públicas governamentais direcionadas à coletividade reforçam o preceito constitucional segundo o qual a segurança pública é direito e responsabilidade de todos[8]. Ou seja, é também dever dos cidadãos zelar pala convivência pacífica, ao mesmo tempo em que é um direito deles cobrar das autoridades o estabelecimento do bem-estar social.

Esse novo modelo proposto, mais preventivo que repressivo, mais proativo que reativo, aumentaria ainda mais a participação do policial federal na segurança pública.

Graças ao concurso público, forma democrática de provimento nos cargos estatais, integrantes de várias camadas sociais da sociedade brasileira ingressam nos quadros do Departamento de Polícia Federal, formando no órgão um retrato do Brasil.

Assim, em distintos bairros de uma grande cidade, é possível encontrar um morador que seja policial federal. Sua presença naquela área torna-se ponto importante na pacificação social, pois o criminoso poderia sentir-se intimidado sabendo que há um policial federal armado na região. Por isso a relevância de se portar arma de fogo, que é, simultaneamente, um elemento intimidador do crime e protetor da comunidade.

Não se pode, então, deixar de considerar a importância que possui o policial federal em atuação na segurança pública, como instrumento de defesa da cidadania e não apenas do Estado. A segurança pública, atualmente, pode ser vista como garantia em favor dos indivíduos contra o que pode oferecer perigo ao seu progresso e à sua existência. E essa atuação do policial pró-sociedade só será eficaz se ele portar arma de fogo, causando equilíbrio de forças entre criminosos e forças de segurança.

1.6 – SEGURANÇA NACIONAL

Outro aspecto sobre segurança que merece destaque não se relaciona propriamente com violência nem com criminalidade. É a segurança nacional.

A Polícia Federal tem em suas atribuições, entre outras, a função de: a) executar os serviços de polícia marítima, aérea e de fronteiras; b) executar medidas assecuratórias da incolumidade física de diplomatas estrangeiros no território nacional e, quando necessário, de representantes dos Poderes da República[9].

São atuações de extrema relevância para o país, pois se trata de questão de soberania nacional, controle imigratório e proteção de chefes de Estados estrangeiros. Novamente coloca-se a importância de o policial federal estar sempre portando arma de fogo.

Considere-se uma situação hipotética. Um policial federal, trabalhando em região de fronteira, está em seu dia de repouso quando vê um estrangeiro tentando ingressar clandestinamente no Brasil. O que fará esse policial? Dirá que não está em serviço e, assim, não tem dever de agir? Ou tentará ele impedir o ingresso do clandestino?

É evidente que a segunda solução é a exigível nessa imaginária situação. Mas como o policial federal logrará êxito se não estiver armado? Será que bastará apresentar sua carteira de identificação ou partir para uma ação corpo a corpo para que o estrangeiro desista de sua empreitada? A resposta é negativa.

Sem um elemento inibidor, como a arma de fogo, certamente o policial não obstará a ação do clandestino. Mais ainda, poderá o agente público vir a sofrer agressão física, se estiver em desvantagem numérica, ou até mesmo pôr sua vida em perigo, caso o estrangeiro esteja armado, o que demonstra ser a arma também um mecanismo de defesa pessoal.

Dessa forma fica patente a necessidade de o policial federal manter sempre consigo uma arma de fogo, na defesa própria e no interesse da coletividade, pois, quando menos se espera, surge o dever de agir, fundado nas atribuições de polícia de segurança e na função de agente de segurança nacional.


2 – POLÍCIA JUDICIÁRIA

2.1 – DA ATIVIDADE DE POLÍCIA JUDICIÁRIA

A Constituição Federal prevê, no art. 144, as atribuições da Polícia Federal:

§ 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei;

II - prevenir e reprimir o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência;

III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras;

IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União.

Da leitura, percebe-se que a função marcante exercida pela Polícia Federal é a de polícia judiciária, relacionada com apuração e repressão de infrações penais. Significa a atividade policial desenvolvida após a ocorrência do delito penal, com vistas a auxiliar a Justiça Criminal na aplicação da lei penal. É nela que se destaca na prática a maioria do efetivo policial.

A função de polícia judiciária incide sobre pessoas e é regida, além da Constituição Federal, pelas normas de Direito Processual Penal.

Assim grande parte da estrutura do Departamento de Polícia Federal é voltada para a persecução penal. Caracterizar o fato criminoso e apontar indícios de sua autoria é o objeto do inquérito policial.

Entretanto, para se atingir o resultado desejado, inúmeras ações são praticadas pelos policiais – principalmente pelos investigadores (Agente de Polícia Federal): cumprir mandados de intimação, realizar condução coercitiva, fazer diligências de campo, apanhar inquéritos na sede da Justiça etc. Pergunta-se: deve-se fazer tudo isso estando armado?

Em um primeiro olhar, a indagação pode parecer inocente e a resposta, óbvia, afirmativa. Mas se todas essas ações acima descritas tiverem de ser realizadas no fórum de um Tribunal, poderá o policial federal ali portar arma ou não?

O questionamento agora se justifica ao se analisar o teor de regulamentos internos que disciplinam o ingresso de pessoas armadas em um local. A Portaria nº 10-124 – DIREF – Justiça Federal/MG, expedida em 15/12/2008, em seu artigo 3º, estatuiu que policiais – incluindo obviamente os federais – só poderão adentrar aquela sede de Justiça, portando arma de fogo, em situações específicas como escolta de preso e proteção à testemunha. E então, como solucionar o caso?

Sem dúvida, dir-se-á de pronto que a solução é a manutenção, por parte dos policiais federais, do seu direito permanente de portar arma de fogo.

Dentro de um Tribunal, além das pessoas que o freqüentam de forma transitória, existem muitas outras que desempenham suas atividades profissionais como escreventes, estagiários, juízes e assessores. Será que nenhuma delas pode ter cometido um crime? Nenhuma delas pode ser investigada? É certo que sim. Tendo em vista que qualquer pessoa pode adentrar em um fórum, desarmados ou não, criminosos também percorrerão os corredores do Judiciário.

Imagine por exemplo uma situação de vazamento de dados de uma operação policial[10]. A primeira medida a ser tomada pelo delegado é instaurar um procedimento administrativo com vistas à apuração do fato e à indicação da autoria. É natural, então, que todas as pessoas que estiveram envolvidas na operação – ou com ela tiveram algum contato – devam ser ouvidas pela autoridade policial. Assim mandados de intimação serão entregues, entre outros, aos funcionários da vara criminal onde corre o processo.

Por que nesse caso não poderá o policial cumprir sua tarefa portando arma de fogo? Do ponto de vista dele, qual a diferença entre entregar uma Intimação dentro do edifício da Justiça ou na padaria ao lado?

Poderão dizer que em um local o risco é menor do que noutro. Porém quem deve avaliar o risco é o próprio policial. Compete a ele aferir se o lugar onde se cumprirá a diligência é menos ou mais perigoso, se deverá ir com mais um ou dois colegas, ou se precisará levar consigo uma arma de alcance maior.

Os riscos da atividade policial são responsabilidade do agente policial e não de terceiros, mesmo que envolvidos no processo.

Outro lado da atividade de polícia judiciária, regida por normas processuais penais, diz respeito a situações flagranciais, conforme exposto a seguir.

2.2 – DO DEVER LEGAL

No Código de Processo Penal, art. 301, encontra-se uma disposição importantíssima para todos os policiais: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito”.

Nesse ponto, ensinam GOMES e OLIVIERA (2002; 172) ao analisar o referido artigo 301.

Trata-se (no caso de policiais) daquilo que a doutrina denominou “flagrante compulsório“. O dever de realizar a detenção, segundo o entendimento majoritário, é permanente, esteja ou não o policial no exercício de suas funções, e por tal enfoque o agente público, mesmo fora do horário de trabalho e do local onde habitualmente exerce seu ofício, deve intervir para evitar o delito ou para deter o seu autor.

Nessa linha de raciocínio, a condição de agente do poder de polícia não se aparta da pessoa ao final da jornada. Os deveres permanecem, e com eles todas as prerrogativas atinentes, entre elas o porte de arma. (grifos nossos)

Enquanto ao cidadão comum é dada autorização, aos policiais é preceituado um dever.

Dessarte, diante de um crime que está sendo cometido, tem o policial federal o dever de agir. Nessa hora não se questiona se está em serviço. Não há para ele escolha, pois é norma cogente à qual se sujeita. Se omisso, responderá, nos termos do art. 13, § 2º, a, do Código Penal, pelo crime na qualidade de garantidor.

E para agir é fundamental que se porte arma de fogo. Caso esteja desarmado, não será razoável exigir do policial nenhuma atitude, pois, apesar de receber um treinamento – superficial - de defesa pessoal no curso de formação que ocorre na Academia Nacional de Polícia, não mais se cobra do policial federal, durante toda a sua carreira, nenhuma prática de arte marcial. Aliás, mesmo se cobrasse, seria temerário ver um policial se digladiando no chão com um criminoso, correndo o risco de ter sua integridade física ameaçada. Nesse caso, não sendo exigível do policial a ação – por estar desarmado -, sua obrigação de agir – imposta em lei – se transformaria em mera faculdade, contrariando o disposto no Código de Processo Penal.     

Voltando ao fórum da Justiça Federal, caso um homicídio ali tenha acabado de ocorrer, em nítida situação de flagrante, poderão os policiais federais ingressar armados ou não?

A resposta é negativa, pela leitura da Portaria nº 10-124, segundo a qual polícia armada apenas em caso de escolta de preso e proteção à testemunha. Está claro, portanto, que o conteúdo da aludida portaria encontra-se em descompasso com o ordenamento jurídico.

Para robustecer o direito dos policiais ao permanente porte de arma, será conveniente mencionar sobre o que se compreende, em matéria criminal, a respeito de um local a princípio inviolável: as embaixadas.

Entende-se que as embaixadas não fazem parte do território do país acreditante. Conforme leciona MIRABETE (2010; 68), “as sedes diplomáticas (embaixadas, sedes de organismos internacionais etc.) já não são consideradas extensão de território estrangeiro, embora sejam invioláveis como garantia aos representantes alienígenas”.

Essa proteção é prevista na Convenção de Viena Sobre Relações Diplomáticas[11], em vigor no Brasil[12], que determina, em seu artigo 22, que os locais das missões diplomáticas são invioláveis, não podendo ser objeto de busca, requisição, embargo ou medida de execução. Mesmo assim, a inviolabilidade não é absoluta.

Nesse sentido, NUCCI (2010; 84) assinala:

Há muito não mais se consideram as sedes diplomáticas extensões do território alienígena. Portanto, a área de embaixada é território nacional, embora seja inviolável. A Convenção de Viena, no entanto, estabelece que a inviolabilidade da residência diplomática não deve estender-se além dos limites necessário ao fim a que se destina. Isso significa que utilizar suas dependências para a prática de crimes ou dar abrigo a criminosos comuns faz cessar a inviolabilidade.

Se alguma embaixada em Brasília estiver sendo usada para prática de delitos, deverá a Polícia Federal nela ingressar para cumprir sua função de polícia judiciária. E os policiais adentrarão o recinto portando o armamento necessário para cessar a infração penal.

Percebe-se que se trata de direitos distintos que não se cruzam. Violabilidade de domicílio/lugar relaciona-se ao direito de entrar em um local, apresenta ideia de espaço. Porte de arma se conecta ao direito subjetivo de uma determinada classe profissional.

Se em embaixadas, cessada a inviolabilidade, um policial federal poderá ingressar portando arma de fogo, por qual razão em um prédio público, de livre acesso, terá ele seu direito ao porte de arma restrito somente às hipóteses de escolta de preso e proteção à testemunha? E se houver flagrante delito, um roubo, com criminosos aparelhados e o policial desarmado, como este irá agir?

O Estado brasileiro é marcado pela separação dos poderes públicos na aplicação da lei penal. Há um poder investigador, um denunciador e outro julgador. Qualquer interferência de um sobre o outro prejudica o processo final, cuja característica maior é a imparcialidade. O Poder Judiciário deve cuidar de normas que concernem ao melhor funcionamento de sua estrutura, não podendo imiscuir-se na esfera de atribuição e de direito das outras pessoas integrantes do processo penal.


3 – POLÍCIA ADMINISTRATIVA

O Departamento de Polícia Federal, órgão de segurança pública, destaca a maior parte de seu efetivo na atividade de polícia judiciária. No entanto, compete a ele outras funções, de caráter eminentemente administrativo, como fiscalização de portos, aeroportos, bancos e empresas de segurança privada.

Neste tópico será dispensado tratamento especial a essa função administrativa, perpassando por legislações que regulam a profissão de vigilante e o direito dele ao porte de arma. O objetivo agora é apresentar solução a um fato corriqueiro que sempre causa polêmica: alguns proprietários de casas noturnas querem obrigar os policiais federais que adentram seus estabelecimentos a deixarem suas armas com os vigilantes.

A atividade privada de vigilante, para efeitos legais, é conceituada pela Lei nº 8863/94, que modificou o texto original da Lei nº 7.102/83: “Art. 15. Vigilante, para os efeitos desta lei, é o empregado contratado para a execução das atividades definidas nos incisos I e II do caput e §§ 2º, 3º e 4º do art. 10”.

O citado art. 10 define as atividades de segurança privada como sendo aquelas desenvolvidas em prestação de serviços com a finalidade, entre outras, de proceder à vigilância patrimonial de estabelecimentos privados comerciais[13].

Um restaurante, bar ou boate, por exemplo, se desejarem, podem contratar vigilantes para ajudarem na segurança do lugar.

Mas não é qualquer pessoa que está habilitada a exercer tal profissão. Há regulamentação em portaria expedida pelo Departamento de Polícia Federal exigindo o preenchimento de certos requisitos[14].

Entre os requisitos, o principal é a aprovação em curso de formação de vigilante, realizado por empresa devidamente autorizada[15].

É nesse curso de formação que o pretenso vigilante tem contato com arma de fogo. Há uma disciplina denominada Armamento e Tiro[16], em que o candidato se habilita a manejar e usar com eficiência armamento empregado na atividade de vigilância, como último recurso de defesa pessoal ou de terceiros.

Em regra, a arma utilizada por um vigilante é um revólver calibre 38 e, somente em situações especiais, poderão ser usados outros armamentos: em caso de transporte de valores e de escolta armada, espingarda calibre 12 e pistola 380; em segurança pessoal, pistola 380[17]. Todas essas armas são classificadas como de uso permitido[18].

Volta-se à questão polêmica deste tópico. É no mínimo incoerente exigir que um policial federal, treinado e preparado com os mais modernos armamentos existentes, deixe sua arma com um vigilante, formado em curso autorizado pela própria Polícia Federal. Seria inversão do princípio QUI POTEST MAIUS, POTEST ET MINUS (no caso, o menos podendo o mais).

Além disso, há um empecilho legal. O vigilante é formado e habilitado para manusear apenas armas específicas de uso permitido. E os policiais federais utilizam em sua atividade pistola 9 mm, considerada de uso restrito[19]. Se o policial deixar essa pistola nas mãos do vigilante, este incorrerá em crime, sujeito a prisão, conforme dispõe o Estatuto do Desarmamento:

Posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito

Art. 16. Possuir, deter, portar, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob sua guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição de uso proibido ou restrito, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar (grifos nossos):

 Pena – reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.

Outras vezes, o proprietário da casa noturna solicita ao policial que guarde sua arma em um cofre dentro de seu estabelecimento comercial. Não parece razoável permitir que um vigilante permaneça armado dentro de uma boate e, ao mesmo tempo, negar esse direito ao policial federal, mais qualificado e mais habilitado do que aquele.

Tampouco se pode olvidar da perene função de polícia de segurança exercida pelos agentes federais, justificando a manutenção da arma.

Não se deve enlear o direito de o policial federal portar arma de fogo com sua conduta dentro da casa noturna. Todo desvio de comportamento tem de ser apurado nas esferas administrativa, cível e criminal[20].

Uma pergunta usualmente feita por vigilantes - e que não faz sentido - é se o policial está ou não em serviço. Primeiro, porque compete à chefia hierárquica – e não ao vigilante – saber se o agente público está trabalhando naquele momento. Segundo, como já explicado, não se confundem as noções de serviço/trabalho com dever constante de protetor da sociedade, o que garante ao policial federal portar arma de fogo permanentemente.

A título de ilustração, cita-se o ocorrido em uma boate no Rio de Janeiro, quando dois policiais federais foram impedidos de entrar armados por um delegado de Polícia Civil que exercia, irregularmente, função de vigilante. Esse episódio gerou a Ação Penal nº 2008.51.01.815339-0, em trâmite na 7ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária daquele estado[21].

Desconsideram-se aqui as infrações praticadas pela autoridade policial. Ressalta-se apenas um trecho da denúncia apresentada pelo membro do Ministério Público Federal no tocante ao direito dos policiais federais portarem arma de fogo.

Assim agindo, o acusado sobrepôs o interesse particular dos donos da boate – que ali representava, apesar da absoluta incompatibilidade com a qualidade de autoridade policial por ele a todo tempo invocada –, ao direito legalmente garantido aos policiais federais de portar arma em qualquer lugar público, ainda que fora da função (ver art. 34 da Lei nº 10.826/03; art. 33 e seguintes do Decreto nº 5.123/04, que a regulamentou; e art. 27 da Instrução Normativa nº 23/05 do Departamento de Polícia Federal; nos quais não se vislumbra qualquer restrição ao porte de arma por policiais federais em casas noturnas).  (grifos nossos)

Em vez de dificultar o acesso de policiais federais armados, uma atitude contributiva com o serviço público consistiria na anotação, em uma lista própria, do nome e matrícula do policial ingressante no estabelecimento. A cada período de tempo – por exemplo, mês -, esta lista seria enviada à unidade da Polícia Federal da respectiva localidade. Essa medida ajudaria a detectar se há alguém que eventualmente estivesse usurpando a função de policial federal.

Por fim, não se deve esquecer que, não raro, estabelecimentos comerciais utilizam vigilância irregular, pessoas sem qualificação para ser vigilantes, conforme determina a lei. É uma situação mais absurda ainda, pois se o vigilante formado não possui autorização para portar pistola 9 mm, muito menos aquele desautorizado a carregar qualquer tipo de arma de fogo.

Os empresários deveriam ter em mente que o policial é mais um elemento de segurança ao seu comércio.


4 – LEGISLAÇÃO SOBRE PORTE DE ARMA

Conforme preceituava o disposto no art. 81, III e V, da antiga Constituição Federal de 1969, era competência privativa do Presidente da República: i) sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, expedir decretos e regulamentos para a sua fiel execução; ii) dispor sobre a estruturação, atribuições e funcionamento dos órgãos da administração federal.

Assim, no exercício do poder regulamentar, em 1973, o então Presidente da República expediu o Decreto nº 73.332/73 que, entre outras providências, regulou a estrutura do Departamento de Polícia Federal, cuja organização já era prevista no art. 8º, VIII, da CF/69. Tal decreto, naquilo que não contrariou a atual Constituição em seu aspecto material, foi recepcionado, inserindo-se no ordenamento jurídico vigente, em especial seu art. 9º:

Art 9º - A carteira de identidade policial, expedida pelo Instituto Nacional de Identificação do Departamento de Polícia Federal, confere ao seu portador livre porte de arma, franco acesso aos locais sob fiscalização da polícia e tem fé pública em todo o território nacional. (grifos nossos)

Na atual Carta Magna, a aludida competência presidencial de estruturar órgãos da administração federal não foi alterada, consoante leitura do art. 84, IV, VI, a.

Em 1989, editou-se outro Decreto, nº 98.380/89, que dispõe, entre outros, sobre a identificação de servidores do Departamento de Polícia Federal.

Art. 4º - A carteira de identificação policial, expedida pelo Instituto Nacional de Identificação do Departamento de Polícia Federal, confere ao seu portador livre porte de arma, franco acesso aos locais sob fiscalização policial e tem fé pública em todo território nacional. (grifos nossos)

Percebe-se, ante o exposto, a manutenção da liberdade dada aos policiais federais, mesmo na mudança de um regime ditatorial a um democrático, para portar livremente sua arma, sem ressalva alguma em território nacional.

É mister ressaltar que, na redação dos artigos acima mencionados, existem três autorizações distintas entre si, conferidas ao policial federal e consignadas em sua carteira profissional:

(...) CONFERE AO SEU PORTADOR:

a)  livre porte de arma;

b) franco acesso aos locais sob fiscalização policial;

c) tem fé pública em todo território nacional.

Cada autorização é desvinculada da outra. Prova disso é o emprego da vírgula, usada para separar termos assindéticos coordenados de mesma função, ou seja, separa expressões independentes entre si. Se o legislador quisesse unir dois elementos, recursos diversos ele teria, tal como na construção gramatical “livre porte de arma NOS locais sob fiscalização policial”. Não o fez por uma simples razão. “Livre porte de arma” é um direito; “franco acesso aos locais sob fiscalização policial” é outro completamente independente.

A independência dessas expressões se revela bem nítida quando se analisam os direitos envolvidos.

“Franco acesso aos locais sob fiscalização policial” relaciona-se ao direito de ir e vir, possui uma conotação territorial, espacial. Apresenta limites na própria Constituição Federal, no art. 5º, XI, que trata da inviolabilidade do domicílio.

Já “livre porte de arma” refere-se ao direito subjetivo de uma classe para defesa e proteção da sociedade. Não há em lei condicionantes ao seu exercício.

O Estatuto do Desarmamento[22] manteve a natureza do porte de arma conferido por decreto ao policial federal. Ratificou a liberdade de o agente policial portar livremente a arma de fogo, mesmo quando não está em serviço[23].

Conclui-se que não há restrição ao livre porte de arma em território brasileiro, por parte dos policiais federais, por não haver previsão legal. Apenas a lei tem o poder de balizar um direito, em consonância com o princípio da legalidade[24].

Legislação sobre Armas de Fogo[25]

Observações: As normas grafadas em azul foram publicadas após a Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento).

Vale ressaltar que parte da legislação anterior a Lei acima, encontra-se parcialmente em vigor.

Normas

Ementa

LEIS

LEI 10.826/03Estatuto do Desarmamento

Dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas – Sinarm, define crimes e dá outras providências.

Lei 10834/03

Crias as taxas de fiscalização de Produtos Controlados.

LEI 10867/04

Altera a LEI 10.826/03 - Estatuto do Desarmamento.

LEI 10884/04

Prorroga prazo dos art. 29, 30 e 32 do Estatuto do Desarmamento.

LEI 11.191/05

Prorroga prazos da Lei 10.826/03

LEI 11.501/07

Altera o Inciso X do artigo 6º da Lei 10.826/03. Porte do Auditor da Receita e do Trabalho.

LEI 11.706/08

Altera a Lei 10.826/03, prorroga o prazo de recadastramento de armas e dá outras providências.

LEI 11.922/09

Altera a Lei 10.826/03, prorroga o prazo de recadastramento de armas para 31.12.09.

DECRETOS

Decreto 3.665/00 - R - 105 

Decreto 3.665/2000 - Define conceitos sobre armas permitidas, restritas, etc.

Decreto 5.123/04

Regulamenta o Estatuto do Desarmamento. (Alterado pelo Decreto nº 6.146de 03.07.07)

Decreto 6.146/07

Altera o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

Decreto 6.715/08

Altera o Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004, que regulamenta a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003.

PORTARIAS E INSTRUÇÕES NORMATIVAS DA POLÍCIA FEDERAL

Portaria 364/04-DG/DPF

Define valores de indenização de armas recolhidas à Polícia Federal.

Portaria 613/05-DPF  (PDF)

Aprova os padrões de aferição de capacidade técnica para o manuseio de armas de fogo dos integrantes das instituições descritas nos incisos V, VI e VII do art. 6º da Lei 10.826.

Portaria 315/06-DPF

Dispõe sobre o porte de arma de fogo para os integrantes do quadro efetivo de Agentes Penitenciários.

I.N. 023/05-DG/DPF

Normatiza, no âmbito do DPF, a Lei 10.826/03 e o Decreto 5.123/05.

Portaria 365/06-DPF

Regulamenta o porte de arma para a Guarda Municipal.

PORTARIAS E INSTRUÇÕES DO EXÉRCITO e  Ministério da Defesa

Portaria 616/92-MEx.

Autoriza a venda de armas para Policiais, diretamente da indústria.

Portaria 008/97-DMB

Concessão de Certificado de Registro para Colecionadores, Atiradores e Caçadores.

Portaria 019/97-DMB

Autoriza o apostilamento de Instrutor de tiro

Portaria 1024/97-MEx.

Normas para Recarga de Munição

Portaria 767/98-MEx.

Dispõe sobre a regulamentação do SINARM e dá outras providências

Portaria 25/98-DMB

Revogada pela Portaria nº 020/05- DLog.

Portaria 36/99-DMB

Aprova as normas que regulam o comércio de armas e munições.

ITA 019/99-DMB

Dirime dúvidas sobre Estande de Tiro.

Portaria 029/99-DMB

Revogada pela Portaria nº 019/2005-DLog.

Portaria 24/00-DMB

Aprova as Normas que Regulam as Atividades dos Colecionadores de Armas, Munição, etc. 

Portaria 04/01-DLog

Aprova as Normas que Regulam as Atividades dos Atiradores.

OF. 050-DLog

Define os Calibres Permitidos para o TIRO PRÁTICO

Portaria 05/01-DLog

Aprova as Normas que Regulam as Atividades dos Caçadores

Portaria 013/02-DLog

Normas sobre Blindagem de Veículos.

Portaria 21/02-DLog

Dispõe sobre a aquisição de Armas cal. .40 S&W para membros da Magistratura e Ministério Público, estadual e federal.

ITA 024/02-DFPC  (PDF)

Utilização de arma de fogo obsoleta em apresentação folclórica. (bacarmateiros)

Portaria 05/05-DLog

Normatiza a concessão e a revalidação de registros, apostilamentos, etc.

Portaria 020/05-DLog

Regulamenta a aquisição de armas cal. .40 para policiais federais do DPF.

Portaria 021/05-DLog

Regulamenta a aquisição de armas cal. .40 para policiais da PRF, Civis e PM´s.

Portaria 239/2006 - Exército

Autoriza a aquisição de armas de uso restrito, cal. .40, por Auditores-Fiscais e Técnicos da Receita Federal.

Portaria 1811/06-MD

Regulamenta a aquisição de munição.

Portaria 18/06-DLog

Dispõe sobre coletes à prova de balas - aquisição, controle, etc.

Portaria 05/07-DLog

REVOGADA - Envio de armas pelos correios

Portaria 06/07-DLog

Dispõe armas de pressão, simulacros, réplicas, etc.

Portaria 03/08-DLog

Altera a relação de Produtos Controlados

Portaria 04/08-DLog

REVOGADA - Sobre cartuchos, cartuchos de munição e recarga

Portaria 05/08-DLog

Firma de Instrução de Tiro, instrutores, etc.

Portaria 012/09-COLOG

Sobre cartuchos, cartuchos de munição e recarga

Portaria 015/09-COLOG

Envio de armas pelos correios - SEDEX.

LEGISLAÇÃO CORRELATA

Código Penal

Art. 253 - Fabrico, fornecimento, aquisição posse ou transporte de explosivos ou gás tóxico, 

Contravenção Penal

Fabrico e porte de arma.

Lei da Magistratura

Dispõe sobre a organização da Magistratura Nacional.

Lei do Ministério Público

Dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências.

Código de Menores

Fornecimento de armas e munições a menores.


5 – DO PRINCÍPIO DA HIERARQUIA NORMATIVA E O CONFLITO DE NORMAS NO ESPAÇO

Ao editar a Portaria nº 10-124 – DIREF –, o diretor do fórum da Justiça Federal/MG restringiu naquele local o porte de arma de fogo pelo policial federal às hipóteses específicas de escolta de preso e proteção à testemunha.

Formou-se desse modo um confronto de normas. De um lado a referida portaria; de outro um decreto[26] e uma lei[27], permissivos ao livre porte de arma pelo policial federal em todo território nacional.

A respeito leciona o doutrinador BANDEIRA DE MELLO (2007; 421) sobre portaria:

É fórmula pela qual autoridades de nível inferior ao de Chefe do Executivo, sejam de qualquer escalão de comandos que forem, dirigem-se a seus subordinados, transmitindo decisões de efeito interno, quer com relação ao andamento das atividades que lhes são afetas, quer com relação à vida funcional de servidores, ou, até mesmo, por via delas, abrem-se inquéritos, sindicâncias, processos administrativos. Como se vê, trata-se de ato formal de conteúdo muito fluido e amplo.

O magistrado não estava em seu poder judicante, mas sim praticando um ato administrativo – edição de portaria - com conteúdo normativo. Não poderia suprimir direitos outorgados por lei. Nesse exercício, todo ato deve estar em consonância com o ordenamento jurídico, respeitando-se a hierarquia das normas.

A estrutura normativa no Brasil encontra-se concentrada em três grandes grupos de natureza legislativa, que são: a) normas constitucionais; b) normas infraconstitucionais; c) normas infralegais.

Estas últimas buscam a realização do direito infraconstitucional, ou seja, as leis em geral. São normas secundárias que não têm o poder de gerar direitos tampouco impor obrigações.

Assim, as denominadas normas infralegais, onde se inserem as portarias, não podem inovar no mundo jurídico, ou seja, não podem criar regra jurídica nova que leve a obrigações ou gerem direitos a quem quer que seja; quem, em caráter de exclusividade e em atenção ao princípio da legalidade (art. 5°, inc. II, da CF), tem essa função são as normas infraconstitucionais, que encontram nas leis seu maior expoente.

Destarte, a norma infralegal, como uma portaria, que extrapolar os limites da lei deve ser tida por ilegal; quando não houver lei sobre o tema tratado pela norma infralegal, a sua atuação na lacuna da lei gera inconstitucionalidade por afronta ao princípio da legalidade (art. 5°, inc. II, da CF). É NULA DE PLENO DIREITO.

Ainda sobre o tema, Hely Lopes Meirelles (1997; 180):

No Direito Público o que há de menos relevante é a vontade do administrador. Seus desejos, suas ambições, seus programas, seus atos não têm eficácia administrativa, nem validade jurídica, se não estiverem alicerçados no Direito e na Lei. Não é a chancela da autoridade que valida o ato e o torna respeitável e obrigatório. É a legalidade a pedra de toque de todo ato administrativo. (grifos nossos)

No caso, o juiz, ao restringir, nas dependências da Justiça Federal, o livre porte de arma atribuído em lei aos policiais federais, extrapolou o conteúdo da portaria, inovando na ordem jurídica vigente, criando/delimitando situações em que o policial federal não poderá portar sua arma. Tal atitude é claramente ilegal, na medida em que estabelece condições constritivas de direito para uma determinada categoria, o que, evidentemente, só poderia ser feito mediante lei propriamente dita.

Sobre o tema, confere-se o julgado sobre uma portaria que extrapolou a regulamentação legal.[28]

APELAÇÃO CIVEL AC 310690 2000.50.01.010121-0 (TRF2)

PROCESSUAL CIVIL -EXECUÇÃO FISCAL -EXIGÊNCIA IMPOSTA AO EXEQUENTE PARA QUE INDIQUE O NÚMERO DO CPF DO EXECUTADO - PORTARIA 235/2000 DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO ESPÍRITO SANTO -REQUISITO DA PETIÇÃO INCIAL -ELEMENTO NÃO ESSENCIAL PARA A PROPOSITURA DA AÇÃO.

I - A exigência da indicação de CPF da parte não constitui requisito essencial da petição inicial, eis que não prevista nas leis que regulam o procedimento processual (arts,. 6, da Lei 6830/80, e 282, do CPC), razão pela qual a expedição de portaria, ato administrativo interno, não pode criar obstáculos que dificultem o acesso a Justiça.

 II - O Juiz Federal, Diretor do Foro, não pode obrigar terceiro a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, através de portaria, que é, ordinariamente, ato administrativo interno, sob pena de querer se transformar em legislador positivo, competência e legitimidade que não lhe cabe exercer. (grifos nossos)

III - Apelação e Remessa Necessária providas, prejudicado o Agravo Retido

TRF2 - 16 de Junho de 2004

O Brasil, alicerçado em uma Constituição que estabelece um Estado Democrático de Direito, deve coibir qualquer ingerência de um Poder sobre o outro e a função legiferante, por excelência, cabe ao Poder Legislativo.


6 – DA AÇÃO NO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

6.1 – DA DECISÃO

Inconformado com a Portaria nº 10-124 – DIREF, o Sindicato dos Policiais Federais em Minas Gerais ajuizou, no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um Pedido de Impugnação de ato administrativo ilegal[29].

Pela similitude de objeto, a este se apensou outro processo, uma consulta formulada por cidadão[30], em que se perguntou se qualquer cidadão poderia entrar em um fórum portando arma de fogo.

Em sua decisão[31], o Conselheiro relator declarou não haver ilegalidade na mencionada portaria, justificando:

A polícia federal é órgão do Executivo, logo não pode praticar, de ofício, poder de polícia sobre instalações administradas pelos outros Poderes da República, Legislativo e Judiciário, por forca do princípio da tripartição dos poderes estabelecido em nosso texto maior. Ainda, em decorrência de tal regramento constitucional, cumpre ao próprio Poder Judiciário, exercer o poder de polícia dentro de suas instalações (pág. 6).

[...] constitucionalmente, as áreas afetas ao Poder Judiciário são controladas pela sua própria administração, a quem incumbe o exercício do poder de polícia local e a garantia da segurança, não só para o exercício da atividade jurisdicional, como também para todos aqueles que circulem no seu interior (pág. 5).

Ao fim, a referida autoridade recomenda a todos os Tribunais de Justiça do país que adotem medidas de segurança no sentido de permitir o ingresso de policiais armados no interior de fóruns apenas quando em serviço, “seja porque requisitados para a segurança do local ou de magistrados ou, ainda, no exercício da escolta armada de presos, vítimas ou testemunhas” [32].

É uma decisão contra a qual há discordância pelos motivos expostos a seguir.

6.2 – DAS FUNÇÕES DA POLÍCIA FEDERAL

Sabe-se que a independência entre os poderes é imprescindível para a sobrevivência de um Estado democrático. Porém não se deve considerar absoluta essa independência. No sistema de pesos e contrapesos, um poder exerce, de alguma forma, controle ou influência sobre o outro.

Nesse diapasão, o Departamento de Polícia Federal, embora ligado ao Poder Executivo, é um órgão cujas atuações se expandem sobre toda a coletividade, causando reflexos em todos os Poderes estatais e em todo o território nacional.

Não se pode visualizar a Polícia Federal como somente polícia do Poder Executivo, até porque exerce com exclusividade a função de polícia judiciária da União[33], ou seja, atua também diretamente com o Poder Judiciário.

Equivoca-se duplamente o Conselheiro ao dizer que a Polícia Federal não pode praticar de ofício poder de polícia nas instalações do Judiciário, sem ter apontado qualquer fundamento legal.

Primeiro, a atividade executada pela Polícia Federal não se relaciona propriamente com poder de polícia - caracterizado como administrativo, fiscalizador e regulamentador -, e sim com polícia de segurança, voltada precipuamente à polícia judiciária. É sua função, seu dever, de ofício, reprimir e apurar infrações penais ocorridas dentro da sede da Justiça Federal.

Segundo, ao dizer que a Polícia Federal não pode agir de ofício dentro de um Tribunal, afirma-se que sua atuação estaria vinculada a uma requisição judicial, o que é absurdo. A atuação do policial federal é vinculada, sim, aos preceitos legais, tendo em vista, sobretudo, a competência constitucional conferida ao Departamento de Polícia Federal.

6.3 – DA ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Confunde-se, igualmente, aquela autoridade judicial ao dizer que a Constituição Federal incumbiu ao próprio Poder Judiciário exercer poder de polícia em suas instalações.

Sobre poder de polícia, ensina DI PIETRO (2006; 128):

O poder de polícia reparte-se entre Legislativo e Executivo. Tomando-se como pressuposto o princípio da legalidade, que impede à Administração impor obrigações ou proibições senão em virtude da lei, é evidente que, quando se diz que o poder de polícia é a faculdade de limitar o exercício de direitos individuais, está-se pressupondo que essa limitação seja prevista em lei. (grifos nossos)

O Poder Legislativo, no exercício do poder de polícia que incumbe ao Estado, cria, por lei, as chamadas limitações administrativas ao exercício das liberdades públicas.

Da leitura, depreende-se que não se autoriza ao Poder Judiciário exercer poder de polícia, ou seja, criar normas jurídicas limitativas de direitos individuais e coletivos. Essa função compete ao Legislativo.

Na verdade o que a Constituição fez foi dotar o Judiciário de autonomia administrativa e financeira[34] - atributo diferente de poder de polícia -, permitindo-lhe: a) eleger seus órgãos diretivos; b) elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes; c) organizar suas secretarias e serviços auxiliares; d) elaborar suas propostas orçamentárias.

Mesmo assim, essa autonomia administrativa não é ilimitada, pois, além das balizas estabelecidas nas alíneas acima mencionadas, há que se registrar o fato de os Tribunais necessitarem do Poder Legislativo para criar suas normas, tendo em vista que a organização judiciária é competência dos entes políticos mediante lei.

 Nos Estados-membros, por exemplo, compete a estes organizar sua Justiça, mediante lei de iniciativa do respectivo Tribunal de Justiça[35]. No Distrito Federal, incumbe à União legislar, organizar e manter o Poder Judiciário[36].

Significa dizer que o Poder Judiciário precisa da apreciação do parlamento para aprovação de sua lei orgânica, sem que se possa falar em afronta ao Princípio da tripartição dos poderes.

Portanto, cabe ao Poder Judiciário, no âmbito de sua autonomia administrativa, disciplinar matérias que lhe são pertinentes, mas sempre obedecendo ao sistema jurídico vigente. Não pode um regimento interno –ato administrativo- contrariar um decreto ou uma lei, como ilustra o adendo feito pelo Procurador Regional Eleitoral, incluído no acórdão nº 305/98, julgado em 29/09/1998, referente à consulta nº 0016/1998, que tramitou no Tribunal Regional Eleitoral em Rondônia:

O SENHOR PROCURADOR REGIONAL ELEITORAL OSNIR BELICE: Senhor Presidente, Eminentes Juízes, só tenho um adendo a fazer ao parecer que ofereci: É que não me apercebi, quando lancei o parecer, que o Regimento Interno deste Egrégio Tribunal tem um dispositivo que diz que "não se conhecerá de consulta em período eleitoral".

Tenho para mim, com o devido respeito, que esse dispositivo contido no Regimento Interno é ilegal. (grifos nossos)

O Código Eleitoral, art. 37, VIII, não faz qualquer ressalva de conhecimento de consulta eleitoral durante o decorrer de pleito eleitoral.

O Egrégio Tribunal Superior Eleitoral tem reiteradamente conhecido de consultas e respondido consultas em pleno período eleitoral.

De sorte que esse dispositivo do Regimento Interno não encontra amparo na Constituição, tampouco na lei. (grifos nossos)

Assim, não pode ser óbice ao conhecimento da consulta.

No mais, a consulta é feita por autoridade pública, é, em tese, sob matéria eleitoral, então teria que ser conhecida e respondida nos termos do parecer.

Uma das limitações do Poder Judiciário em sua autonomia administrativa, ao elaborar seu regimento interno, é observar as normas processuais. Dessa forma, ao se criar barreira, mediante portaria, para o porte de arma de fogo pelo policial federal, ocorre violação ao artigo 301 do Código de Processo Penal, que prevê o dever de agir do policial em situações de flagrante delito.

Como exigir a atuação do policial em caso de flagrante delito e responsabilizá-lo pelo resultado eventualmente ocorrido em caso de omissão se seu instrumento de trabalho – arma de fogo - lhe for retirado?

Por fim cumpre questionar: se o Poder Judiciário fosse completamente autônomo, ilimitado em seus regramentos, poder-se-ia admitir que se contratassem indivíduos sem porte de arma para fazer a segurança armada da sede judiciária?

É evidente que isso não pode ocorrer. Os vigilantes que trabalham na segurança dos prédios públicos da Justiça são aqueles mesmos treinados e fiscalizados pela Polícia Federal, com porte de arma autorizado em lei[37].

6.4 – DO PODER DE POLÍCIA

No hipotético acolhimento, porém, do argumento do poder de polícia por parte do Judiciário em suas instalações, aceitar-se-ia que direitos individuais ou coletivos pudessem ser limitados em prol de toda coletividade. Mas qual seria a extensão desses limites?

Pontifica BANDEIRA DE MELLO (2007; 794) a respeito dos condicionantes negativos do poder de polícia:

Por outro lado, seriam seus condicionantes negativos:

a) não podem infirmar qualquer direito ou dever, ou seja, não podem contrariar ou restringir, deveres ou obrigações decorrentes de norma (princípio ou regra) de nível constitucional ou legal, nem prevalecer contra a superveniência destes; (grifos nossos)

b)  não podem extravasar, em relação aos abrangidos pela supremacia especial (por suas repercussões), nada, absolutamente nada que supere a intimidade daquela específica relação de supremacia especial;

c) não podem exceder em nada, absolutamente nada, o estritamente necessário para o cumprimento dos fins da relação de supremacia especial em causa; (grifos nossos)

[...]

Nessa esteira, mesmo se tivesse poder de polícia, equivocar-se-ia duplamente o Poder Judiciário ao criar restrição ao ingresso, em suas dependências, de policiais federais portando arma de fogo.

Primeiro, porque contraria frontalmente o ordenamento jurídico, uma vez que tal medida encurta o dever legal de ação do policial federal estabelecido pela ConstituiçãoFederal em apurações de infrações penais – art. 144 – e pelo Código de Processo Penal em situações de flagrante delito – art. 301 -, haja vista que não há como o policial atuar com segurança sem arma de fogo. E o poder de polícia, nas palavras de BANDEIRA DE MELLO, não pode restringir dever decorrente de norma constitucional e infraconstitucional.

Segundo, porque excedeu ao necessário para o cumprimento do objetivo, que é a segurança do prédio público e das pessoas que nele transitam. A constrição a um direito deve cingir-se estritamente ao desígnio desejado.

Se se almeja - e com razão - garantir a segurança nos edifícios administrados pelo Poder Judiciário, onde o rigor deve ser observado, pois nestes locais circulam inúmeras pessoas e há o ingresso e trânsito de detentos, é compreensível reduzir o número de pessoas armadas naquele local. MAS NÃO EM RELAÇÃO À POLÍCIA!

Pois são justamente os órgãos policiais – e aí se encontra o Departamento de Polícia Federal – os responsáveis pela segurança pública no Brasil.

Se a preocupação é o trânsito de detentos, nada melhor do que a polícia, armada, como elemento de proteção.

6.5 – DA ARMA COMO INSTRUMENTO NECESSÁRIO

A arma é um instrumento conferido ao policial para proporcionar segurança a ele e à sociedade. Só se justificaria o impedimento de policial armado em um local – como a sede da Justiça – quando a arma de fogo deixasse de ser, de maneira concreta, evidente, um mecanismo de segurança e de defesa pessoal para se transformar em elemento intimidador. Esta seria a exceção da regra permissiva ao livre ingresso de policiais armados.

Na recomendação do Conselho Nacional de Justiça, contudo, a ordem está invertida. Transforma-se a exceção em regra. Estabelece-se que apenas em poucas situações – condução de preso, por exemplo - poderia o policial federal adentrar um fórum judicial portando arma de fogo. Esquece-se que o policial é agente de segurança pública.

6.6 – DA NULIDADE DO ATO

Mesmo se se atribuísse o poder de polícia ao Judiciário, haveria excesso de constrição, embasada na justificativa de dar maior segurança ao local, ao reduzir, a alguns eventos, o porte de arma pelos policiais federais - agentes de segurança nacional.

Por esse motivo, a Portaria nº 10-124 – DIREF deveria ser anulada por ilegalidade, fundamentada em excesso de poder, como bem ensina MEIRELLES (1997; 187-188):

O conceito de ilegalidade ou ilegitimidade, para fins de anulação de ato administrativo, não se restringe somente à violação frontal da lei. Abrange não só a clara infringência do texto legal como, também, o abuso, por excesso ou desvio de poder, ou por relegação dos princípios gerais do Direito. Em quaisquer dessas hipóteses, quer ocorra atentado flagrante à norma jurídica, quer ocorra inobservância velada dos princípios do Direito, o ato administrativo padece de vício de ilegitimidade e se torna passível de invalidação pela própria Administração ou pelo Judiciário, por meio de anulação. (grifos nossos)

Ademais, ferir-se-ia o princípio da razoabilidade. Lecionam PAULO e ALEXANDRINO (2008; 72):

 [...] ao se analisar uma lei restritiva de direitos, deve-se ter em vista o fim a que ela se destina, os meios adequados e necessários para atingi-lo e o grau de limitação e de promoção que ela acarretará aos princípios constitucionais que estejam envolvidos (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). Se os meios porventura não forem adequados ao fim colimado, ou se sua utilização acarretar cerceamento de direitos em grau maior do que o necessário, ou ainda se as desvantagens da adoção da medida (restrição a princípios constitucionais) suplantarem as vantagens (realização ou promoção de outros princípios constitucionais), deve a lei ser invalidada por ofensa à Constituição, especificamente, por violação ao princípio da razoabilidade ou proporcionalidade. (grifos nossos)

 Seja lei, seja portaria, se houver cerceamento de direito em grau maior do que o necessário, haverá ofensa ao princípio da razoabilidade, devendo, pois, ser o ato anulado.

A finalidade do poder de polícia é a defesa do bem-estar social, a proteção do interesse da coletividade, ou mesmo do Estado.  

Questiona-se, por fim, se os vigilantes de um Tribunal darão ao local maior garantia de tranquilidade do que os policiais federais.

O escopo deste tópico não é travar embate ente os Poderes estatais, muito menos dizer quem pode mais ou menos. Toda medida de segurança será apoiada, principalmente por se tratar de um lugar importante para a democracia, a sede do Poder Judiciário. O que se discute são as razões apresentadas pelo Conselho Nacional de Justiça para explicar a exagerada limitação ao porte de arma de fogo imposta aos policiais que acessam um Tribunal.  


7 – PORTE EM OUTROS LOCAIS

Além de fóruns de Justiça, há outros lugares frequentados por policiais federais em que se costuma haver obstáculo ao seu ingresso portando arma de fogo. Objetiva-se, nesta parte do trabalho, estudar se há legislações que restringem esse direito legal conferido à classe em questão.

7.1 – ESTÁDIOS DE FUTEBOL E SIMILARES

Por se tratar de local de grande aglomeração de indivíduos, é natural a preocupação em controlar o acesso de pessoas portando arma de fogo. Mas todas as medidas de segurança em torno do espetáculo futebolístico devem ser tomadas à luz do ordenamento jurídico vigente.

Reza o Decreto n° 5.123/04 que a Polícia Federal, em normativo interno, estabelecerá os procedimentos relativos às condições para a utilização das armas de fogo, ainda que fora de serviço. E entre esses procedimentos devem ser previstas normas gerais quando se tratar de locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes, públicos e privados[38].

Cumprindo a exigência, o Departamento de Polícia Federal expediu a Instrução Normativa n° 23/05, que, em seu artigo 27, disciplina:

Art. 27 Os policiais federais têm livre porte de arma de fogo, em todo o território nacional, ainda que fora de serviço, devendo portá-la acompanhada do respectivo registro de arma de fogo e da Carteira de Identidade Funcional.

 § 1o. Os policiais federais poderão portar arma de fogo institucional ou particular, em serviço e fora deste. 

§ 2o. Os policiais federais ao portarem arma de fogo institucional ou particular, em locais onde haja aglomeração de pessoas, em virtude de evento de qualquer natureza, tais como no interior de igrejas, escolas, estádios desportivos, clubes públicos e privados, deverão fazê-lo de forma discreta, sempre que possível, visando evitar constrangimento a terceiros. (grifos nossos)

Da leitura acima, resta claro que o policial federal poderá adentrar um estádio de futebol portando arma de fogo, desde que o faça com extrema discrição.

Mesmo diante dessa permissão, como recurso alternativo, em estádios de grande porte, como o Mineirão, existe delegacia policial de plantão, onde é possível deixar o armamento sob custódia da Polícia Civil.

7.2 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

É um local público onde o acesso aos policiais federais, armados, não deveria ser dificultado, pelos motivos já explanados quando se falou da sede da Justiça Federal em Minas Gerais. Mesmo assim, em algumas oportunidades, o policial tem sua entrada proibida por portar arma de fogo.

A Polícia Federal, nos últimos anos, vem obtendo mais notoriedade por investigar pessoas ocupantes de cargos extremamente importantes no cenário político brasileiro, tais como governadores, prefeitos e ministros de cortes superiores de justiça. Aparecem nos noticiários televisivos policiais cumprindo mandados judiciais em residências e escritórios de investigados.

 Nessas ações, a Polícia Federal se faz presente com seus agentes vestindo roupas ostensivas e aparelhados conforme exige a situação. Não se questiona nesses casos o ingresso de policiais armados em gabinetes de deputados.

No entanto, se o mesmo policial, à paisana, quiser entregar um documento a um deputado, não raro é impedido de entrar com arma na sede do Poder Legislativo.

Comparando essas duas ocasiões, depreende-se que o que parece legitimar o acesso na Assembleia de policiais federais portando arma de fogo são dois fatores: i) roupa ostensiva; ii) ordem judicial.

É uma análise absurda feita por quem compete a segurança da Assembléia Legislativa.

Primeiro, na tarefa investigativa, como polícia judiciária, o policial federal deve se portar bem sigiloso, discreto. Não faz sentido ostentar seu uniforme operacional cotidianamente, sob pena de não se conseguirem os resultados desejados. A polícia ostensiva, por excelência, é a Polícia Militar.

Segundo, o que a ordem judicial autoriza – por exemplo, um Mandado de Busca e Apreensão – é entrar em determinado local, como um gabinete de deputado, a fim de se coligirem as provas necessárias para a persecução penal. A ordem não é permissão para ingressar armado na Assembleia Legislativa.

Novamente se confunde o direito espacial, domiciliar, via de regra inviolável – e a ordem do magistrado rompe a inviolabilidade do local –, com o direito da classe policial portar arma de fogo.

Reconhece-se que, mesmo sendo local público, não pode a sede do Poder Legislativo deixar de tomar medidas de segurança. Qualquer um, em tese, poderá acessar as dependências do lugar, desde que se identifique, informe o setor para o qual se dirigirá e não carregue consigo objetos pontiagudos, armas de fogo e outros artefatos que coloquem em risco a integridade física de outrem. Contudo, quando se tratar de policial federal, depois de identificado e informado o setor, deve ser-lhe franqueada a entrada, mesmo portando arma.


8 – EVENTUAIS RESTRIÇÕES AO DIREITO AO PORTE DE ARMA

Direito algum é absoluto. A sua existência não é um fim em si, mas sim a realização de um valor. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal, como mostra trecho de um artigo escrito por Edison Miguel da Silva Júnior.

Aliás, é esse o trabalho do profissional do direito: construir a solução justa para cada caso concreto e não, simplesmente, aplicar a literalidade do texto legal para todos os casos que possam surgir em uma sociedade dinâmica, cada vez mais complexa e sofisticada.

Quando a lei confere ao policial federal o direito de portar permanentemente arma de fogo, é porque se busca proteger a figura do policial, agente de segurança pública, assegurando-lhe um instrumento de defesa para si e para a sociedade.

De fato, um policial que passa tantos anos participando de investigações, prisões e operações coleciona muitos inimigos, combate vários interesses econômicos, de modo que portar arma de fogo torna-se imprescindível à sua segurança pessoal.

Da mesma forma, se desarmado, seria inviável ao policial executar seu dever duradouro de combate ao crime.

Esses são, então, os valores tutelados pelo direito de portar arma de fogo: integridade física do policial e o dever de proteção da coletividade.

 Se, no entanto, em determinada conduta, o agente público extrapolar em seu direito - ou utilizá-lo com outra finalidade - não subsiste mais a razão para exercê-lo. É o caso da arma de fogo. Não haverá motivo para portá-la se o escopo não for a segurança própria ou da sociedade.

8.1 – ASSEMBLEIA LEGISLATIVA

Para o presente trabalho cita-se um episódio ocorrido na Assembléia Legislativa de Minas Gerais[39].

[...] Para pressionar os deputados a votar o Projeto de Lei Complementar 60/10, de autoria do Executivo, que altera a estrutura das carreiras da Polícia Civil, cerca de 5 mil delegados e agentes de todo o Estado, de um total de 10 mil, ocuparam nesta segunda-feira (28) os arredores e o interior da Assembleia Legislativa. Pelos cálculos dos representantes da categoria, as 460 unidades da Polícia em Minas contaram nesta segunda (28) apenas com um agente de serviço.

O PLC 60/10 foi aprovado em 1º turno por 59 votos a favor e nenhum contra, na forma do substitutivo número 1, da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), com as emendas de 1 a 5 da Comissão de Administração Pública. Foram ainda rejeitadas as emendas 6 e 7 da mesma comissão. A matéria volta à pauta hoje para votação em 2º turno.

Além das chefias terem colocado o cargo à disposição do governador Antonio Anastasia (PSDB), durante o protesto os policiais cometeram uma série de abusos no entorno do Legislativo Estadual.

O clima de provocação ficou visível, com viaturas estacionadas sobre as calçadas e armas de fogo à mostra. Logo no início da manhã, a categoria começou a se reunir no entorno da Assembleia. Os policiais foram chegando aos poucos. Pouco antes do início da votação do projeto, marcada para as 11 horas, o que se viu foi uma multidão armada e vestida com coletes pretos, com os símbolos da Polícia Civil. Os policiais cercaram todas as entradas e saídas da Assembleia, e lotaram as galerias. A pressão sobre os deputados foi grande [...].

No acontecimento acima, o porte de arma foi claramente usado pelos policiais como intimidação aos deputados, visando à aprovação de uma lei. Não se prestou à defesa do próprio policial nem da coletividade. Em ocasiões assim, devem os seguranças legislativos impedir o ingresso no local dos policiais armados, haja vista o evidente desvio de finalidade na ação daqueles que portavam arma.

8.2 – SALA DE AUDIÊNCIA

O magistrado não pode sofrer pressão de nenhuma pessoa integrante do processo, seja parte, testemunha, policial ou membro do Ministério Público. Deverá ele lançar mão de todos os meios legais que lhe tragam tranquilidade, para que se analise cada prova processual segundo sua consciência.

Nessa esteira preceituam o art. 445 do Código de Processo Civil e o art. 816 da Consolidação das Leis do Trabalho, referindo-se a audiências:

Art. 445. O juiz exerce o poder de polícia, competindo-lhe:

I - manter a ordem e o decoro na audiência;

II - ordenar que se retirem da sala da audiência os que se comportarem inconvenientemente;

III - requisitar, quando necessário, a força policial.

Art. 816 - O juiz ou presidente manterá a ordem nas audiências, podendo mandar retirar do recinto os assistentes que a perturbarem.

A fim de manter a ordem e o ambiente de respeito no desenrolar do processo, a legislação confere ao juiz o poder de polícia na sala de audiência, haja vista sua posição de autoridade judiciária. Através desse poder ele assegura a ordem dos trabalhos forenses, caso haja intromissão perturbadora de quaisquer pessoas ao processo.

Destarte, o juiz pode impedir que um policial, na condição de testemunha, réu ou autor, ingresse armado na sala de audiência – ou em seu gabinete, por extensão -, quando sentir que a presença de uma arma de fogo possa lhe causar ameaça.

De fato, a regra se justifica se se pensar em um policial federal sendo acusado de crimes graves como homicídio e estupro. Nesse caso, para a segurança de todos, o correto é o acusado não comparecer uma audiência de instrução e julgamento portando arma de fogo.

Nesse exemplo, a própria lei – o Código de Processo Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho – autorizou que se limitasse um direito. Percebe-se que essa limitação não se refere ao espaço, ao lugar, ao direito de ir e vir. Afinal, em regra, a audiência é pública[40], podendo qualquer um presenciá-la. A restrição incide realmente sobre o direito ao livre porte de arma de fogo conferido em lei aos policiais federais.


CONCLUSÃO

Este trabalho teve por escopo estabelecer o alcance do direito ao porte de arma atribuído em lei aos policiais federais. Toda vez que se fala em direito, necessário se faz delineá-lo, para que o possuidor possa exercê-lo dentro dos limites legais, evitando – ou punindo – eventuais abusos e excessos.

O Estatuto do Desarmamento – Lei nº 10.826/2003 – concedeu o porte de arma integral aos policiais federais, ou seja, mesmo fora de serviço. Essa norma é consentânea com a ideia de responsabilidade e de dever na segurança pública incumbida pela Constituição Federal ao Departamento de Polícia Federal. Realmente não faria sentido permitir que o policial apenas portasse arma quando estivesse trabalhando, tendo em vista que seu encargo na defesa da ordem pública é perene. Além disso, o dever de agir do policial em qualquer situação de flagrante delito justifica o permanente porte de arma.

As casas noturnas que criam restrições ao ingresso de policial federal armado cometem ilegalidade, pois suas normas internas jamais poderão atingir qualquer lei. Os vigilantes também não possuem a habilidade e a experiência do policial federal no quesito armamento.

Alguns atos administrativos, como uma portaria, podem disciplinar determinado assunto, mas sem extrapolar o conteúdo da lei, sob pena de ilegalidade. Não podem tampouco suprimir direitos outorgados por lei. No caso estudado, o juiz, ao restringir, nas dependências da Justiça Federal em Minas Gerais, o livre porte de arma atribuído em lei aos policiais federais, extrapolou no conteúdo da portaria, inovou na ordem jurídica vigente, criando/delimitando situações em que o policial federal não poderá portar sua arma. Tal atitude é claramente ilegal.   

Se se almeja - e com razão - garantir a segurança nos edifícios administrados pelo Poder Judiciário, onde o rigor deve ser observado, pois nestes locais circulam inúmeras pessoas e há o ingresso e trânsito de detentos, é compreensível reduzir o número de pessoas armadas naquele local. MAS NÃO EM RELAÇÃO À POLÍCIA! Pois são justamente os órgãos policiais – e aí se encontra o Departamento de Polícia Federal – os responsáveis pela segurança pública no Brasil. Se a preocupação é o trânsito de detentos, nada melhor do que a polícia, armada, como elemento de proteção. Por essa razão, a entrada de policiais armados em um tribunal não deve ser dificultada.

O Estatuto do Desarmamento restringiu bem o rol de pessoas que podem portar arma de fogo, concedendo esse direito, como exceção, a poucas categorias funcionais. O objetivo foi diminuir a violência que se alastra pelo Brasil. O legislador entendeu por bem que, entre as classes merecedoras do porte permanente, se encontram os policiais, mesmo quando não estão em serviço, em razão da relevante função que exercem, sobretudo como guardiães da segurança pública. Não compete ao Judiciário, portanto, desarmar o policial federal.

No entanto, nenhum direito é absoluto. A sua existência não é um fim em si, mas sim a realização de um valor. A solução justa não é aquela que simplesmente observa a literalidade do texto legal, mas aquela que melhor realiza o valor que deu origem ao texto legal. Quando a lei confere ao policial federal o direito de portar permanentemente arma de fogo, é porque se busca resguardar a segurança do próprio policial, agente de segurança pública, assegurando-lhe um instrumento de defesa para si e para a sociedade. Esses são, então, os valores tutelados pelo direito de portar arma de fogo: integridade física do policial e o dever de proteção da coletividade. Se, no entanto, em determinada conduta, o agente público extrapolar em seu direito - ou utilizá-lo com outra finalidade - não subsiste mais a razão para exercê-lo. É o caso da arma de fogo. Não haverá motivo para portá-la se, manifestamente, o escopo não for a segurança própria ou da sociedade. Esta é a primeira exceção ao livre porte de arma atribuído aos policiais federais.

A segunda exceção é quando há previsão na própria lei. O Código de Processo Civil e a Consolidação das Leis do Trabalho, por exemplo, conferem ao juiz o poder de polícia na sala de audiência, haja vista sua posição de autoridade judiciária. Através desse poder ele assegura a ordem dos trabalhos forenses, caso haja intromissão perturbadora de quaisquer pessoas ao processo. Dessa forma, poderá o magistrado impedir que um policial, na condição de testemunha, réu ou autor, ingresse armado na sala de audiência – ou em seu gabinete, por extensão -, quando sentir que a presença de uma arma de fogo possa lhe causar ameaça.


REFERÊNCIAS

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ANEXOS 

Conselho Nacional de Justiça

CONSULTA   0005653-61.2010.2.00.0000

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO 0005286-37.2010.2.00.0000

RELATOR

:

CONSELHEIRO FELIPE LOCKE CAVALCANTI

 

REQUERENTES

:

IVAN NIZER GONSALVES

SINDICATO DOS POLICIAIS FEDERAIS EM MINAS GERAIS - SINPEF/MG

 

REQUERIDO

:

CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA

 

ASSUNTO

:

CNJ - ARMA DE FOGO - DEPENDÊNCIA FÓRUM - REGISTRO - PORTE - LEI 10.826/2003

TRF 1ª REGIÃO - PORTARIA 10/124/DIREF - LIMITAÇÃO - ACESSO - POLICIAL FEDERAL - DEPENDÊNCIA - ARMA DE FOGO.

 

A C Ó R D Ã O

CONSULTA E PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO. JULGAMENTO CONJUNTO DIANTE DA IDENTIDADE DE OBJETOS.

CONSULTA ACERCA DA POSSIBILIDADE DO INGRESSO DE PESSOAS ARMADAS NAS DEPENDÊNCIAS DO PODER JUDICIÁRIO.

PROCEDIMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO DO ATO EMANADO DA DIRETORIA DO FORO DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE MINAS GERAIS. PORTARIA 10/124/DIREF IMPUGNADA PELO SINDICATO DOS POLICIAIS FEDERAIS DO ESTADO DE MINAS GERAIS.

CONSULTA RESPONDIDA NO SENTIDO QUE OS TRIBUNAIS PODEM E DEVEM RESTRINGIR O INGRESSO DE PESSOAS ARMADAS EM SUAS INSTALAÇÕES, COM A RECOMENDAÇÃO DE QUE EDITEM NORMAS NESTE SENTIDO.

PERDA DO OBJETO DO PROCEIDMENTO DE CONTROLE ADMINISTRATIVO.

I – A Resolução nº 104, de 06 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça determinou o controle de acesso das pessoas nos Tribunais, bem como a instalação de aparelhos de detecção de metais nas áreas de ingresso aos prédios dos fóruns.

II – A segurança nos prédios públicos administrados pelo Poder Judiciário deve ser rigorosa, pois nestes locais circulam inúmeras pessoas e há o ingresso e trânsito de detentos, muitas vezes elementos perigosos, cuja custódia exige cuidados especiais

III – Consulta respondida no sentido que os Tribunais podem e devem restringir o ingresso de pessoas armadas em suas instalações, com a recomendação de que editem normas neste sentido.

 IV – Cumpre ao próprio Poder Judiciário, exercer o poder de polícia dentro de suas instalações devendo ser observadas as regras estabelecidas, mesmo que importem em restrição ao porte legal de armas.

V – Procedimento de Controle Administrativo que perdeu o objeto em razão da extinção do ato administrativo impugnado.

Vistos, etc.

Trata-se de Consulta formulada por Ivan Nizer Gonsalves no qual questiona sobre a possibilidade do ingresso de “cidadão” portando arma de fogo nos prédios e dependências dos Tribunais brasileiros, solicitando a edição de norma quanto à matéria.

Apenso a estes autos encontra-se o Procedimento de Controle Administrativo no qual o Sindicato dos Policias Federais de Minas Gerais requer seja anulada a Portaria nº 10/124-DIREF, em razão de alegada restrição ilegal quanto ao ingresso de policiais federais portando armas de fogo nas dependências da Justiça Federal do Foro de Belo Horizonte - MG.

Em razão da similitude de objeto foi determinado o apensamento de ambos os processos.

No tocante à impugnação da portaria editada pelo Egrégio Tribunal Regional Federal da 1ª Região foram solicitadas informações, sendo certo que a mencionada Corte prontamente as prestou, bem como encaminhou, posteriormente, informações suplementares.

Já no que diz respeito à consulta genérica formulada, tendo em vista a sua relevância e interesse geral, determinou-se a intimação de todos os Tribunais para que encaminhassem seus regramentos internos a respeito do assunto, bem como sugestões para a hipótese de disciplina única do tema.

As informações apresentadas foram analisadas e ordenadas em tabela que figura como anexo da presente decisão.

É, em apertada síntese, o relatório.

A consulta encaminhada ao Conselho Nacional de Justiça pelo senhor Ivan Nizer Gonsalves foi formulada nos seguintes termos:

“É ilegal a entrada de qualquer cidadão no interior de fóruns, portando arma de fogo, desde que possua registro e porte, de acordo com a Lei nº 10.826/2003?”

Além desta questão, o suplicante propõe que o Conselho Nacional de Justiça edite uma Resolução que venha a regular a matéria.

A questão do ingresso pessoas armadas no interior das dependências sob a administração do Poder Judiciário deve ser examinada com extrema cautela.

A Resolução nº 104, de 06 de abril de 2010, do Conselho Nacional de Justiça determinou o controle de acesso das pessoas nos Tribunais, bem como a instalação de aparelhos de detecção de metais nas áreas de ingresso aos prédios dos fóruns.

Esta Resolução consolidou o entendimento do Conselho Nacional de Justiça quanto à necessidade e a possibilidade da implementação de catracas eletrônicas no âmbito do Poder Judiciário.

Na primeira oportunidade em que foi analisada a questão, PCA 09, o voto condutor do acórdão, da baila do Conselheiro Alexandre de Moraes, já salientava a relevância da questão da segurança para os prédios públicos utilizados pelo Poder Judiciário:

“Novamente, reitero a importância de destacar a finalidade desses sistemas de segurança, qual seja, a proteção das pessoas que trabalham permanentemente nas dependências forenses, sem qualquer desvio abusivo ou arbitrário, sem qualquer descriminação aos advogados ou de qualquer outra corporação.

[...]

Repito senhores Conselheiros, “a lei raramente colhe no mesmo comando todos os indivíduos”, pois “quase sempre se distingue conforme a natureza, a utilidade, a raridade, a intensidade de valia que ofereceu a todos”.

A finalidade do provimento do Tribunal de Justiça de São Paulo não é discriminatória ou abusiva e visa – ou nas palavras de San Tiago Dantas, pretende “como valia oferecida a todos” que militam a Justiça Paulista – garantir maior segurança no interior das dependências forenses e, portanto, apresenta justificativa razoável, não ferindo o princípio da igualdade.”

É evidente que medidas como a instalação de detectores de metal nas entradas dos Fóruns e Tribunais, visam coibir o ingresso de pessoas armadas no interior de tais instalações.

Por outro lado, as informações apresentadas pelos Tribunais de Justiça, contidas no documento anexo, demonstram que grande parte destes já regulamentou o assunto, restringindo o ingresso de pessoas armadas no interior das áreas sob a administração da Justiça. Também há disposições no sentido de que os policiais só possam ingressar no interior dos fóruns quando em serviço, em geral quando requisitados para a segurança do local ou no desempenho da escolta de presos e testemunhas. Por fim, muitas cortes determinam que as armas portadas sejam recolhidas e custodiadas momentaneamente, em locais próprios, quando do ingresso de pessoas legalmente armadas nos prédios dos fóruns.

Estas medidas visam, evidentemente, garantir a segurança nos prédios públicos administrados pelo Poder Judiciário, onde o rigor deve ser observado, pois nestes locais circulam inúmeras pessoas e há o ingresso e trânsito de detentos, muitas vezes elementos perigosos, cuja custódia exige cuidados especiais.

As restrições quanto ao ingresso de pessoas armadas nas dependências do Poder Judiciário nada têm de ilegais. Ao contrário, estão no mesmo diapasão da já mencionada resolução editada por este Conselho Nacional de Justiça visando prover e garantir a segurança dos locais administrados pela Justiça.

Além disso, constitucionalmente, as áreas afetas ao Poder Judiciário são controladas pela sua própria administração, a quem incumbe o exercício do poder de polícia local e a garantia da segurança, não só para o exercício da atividade jurisdicional, como também para todos aqueles que circulem no seu interior.

Portanto, podem e devem, os Tribunais e Juízes responsáveis pela administração dos fóruns regular o ingresso e permanência de pessoas às suas instalações, sobretudo restringir a entrada de indivíduos armados nestes locais.

Deste modo, a consulta formulada é respondida no seguinte sentido: o Poder Judiciário pode coibir a entrada de pessoas armadas no interior dos prédios por ele administrados, mesmo que tais pessoas possuam porte de arma.

Além disso, tendo em vista que alguns Tribunais ainda não regulamentaram a matéria é de bom alvitre recomendar que o façam e observem não só a Resolução nº 104, de 06 de abril de 2010, como também a experiência bem sucedida de outras cortes, no sentido de: (a) limitar ao máximo o ingresso de pessoas armadas no interior das dependências administradas pelo Poder Judiciário; (b) permitir o ingresso de policiais armados apenas quando estes estejam no exercício de suas atividades, seja porque requisitados para o exercício da segurança local ou de magistrado, ou, ainda, no exercício da escolta armada de presos, vítimas ou testemunhas; (c) providenciar local seguro e adequado para a guarda e custódia de armas de pessoas que as portem legalmente e pretendam ingressar nos fóruns.

No tocante ao PCA 0005286-37.2010.2.00.0000, que impugna a Portaria nº 10/124 DIREF, de 15 de dezembro de 2008, formulada pelo Sindicato dos Policiais Federais em Minas Gerais, que apenas permitia o ingresso de policiais portando armas de fogo nos prédios dos fóruns quando estes estivessem no desempenho do trabalho de escolta de presos ou testemunhas (art. 3º, § 1º, alínea “d”, do ato impugnado), há que se verificar que inexiste qualquer ilegalidade no ato, eis que elaborado de acordo com o regulamento genérico editado pela Presidência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (PORTARIA/PRESI nº 650-174, de 05 de abril de 2005).

Por outro lado, os mencionados atos administrativos estão de acordo com as orientações deste Conselho Nacional de Justiça, que, inclusive, como já referido, editou a Resolução nº 104, 06 de abril de 2010, disciplinando toda a segurança no âmbito do Poder Judiciário.

Por outro lado é bom que se ressalte que o argumento apresentado pelo Sindicato – de que os agentes policiais tem o direito de ingressar armados em quaisquer lugares onde exerçam seu poder de polícia – evidentemente, não abrange as áreas afetas ao Poder Judiciário. As razões são óbvias. A polícia federal é órgão do executivo, logo não pode praticar, de ofício, poder de polícia sobre instalações administradas pelos outros Poderes da República, Legislativo e Judiciário, por forca do princípio da tripartição dos poderes estabelecido em nosso texto maior. Ainda, em decorrência de tal regramento constitucional, cumpre ao próprio Poder Judiciário, exercer o poder de polícia dentro de suas instalações.

Os policiais federais têm sim a obrigação de colaborar com as medidas adotadas para a segurança dos diversos fóruns administrados pelo Judiciário, de acordo e nos limites dos regramentos por este estabelecidos.

Deste modo, o argumento do sindicato requerente de que o poder de polícia atribuído aos policiais pode ser exercido em todo e qualquer local não é verdadeiro, não sendo, em conseqüência, aplicável, aos prédios e instalações do Poder Judiciário.

Por fim, segundo as informações complementares prestadas, o ato administrativo objeto da presente impugnação, sofreu modificação, pois o Juiz Diretor do Foro Federal de 1º Grau de Minas Gerais, por meio da Portaria nº 10/106 DIREF, de 23 de agosto de 2010, possibilitou o ingresso armado de agentes policiais nas dependências administradas pela Justiça. É evidente que a leitura deste novo dispositivo deve ser interpretada de forma restritiva, ou seja, a permissão só é válida quando os agentes policiais estão em serviço.

De qualquer forma, a modificação apontada, naturalmente levou à perda de objeto do presente procedimento de controle administrativo, uma vez que o ato impugnado não mais subsiste com sua redação original.

Assim, o pedido contido no Procedimento de Controle Administrativo PCA 0005286-37.2010.2.00.0000 não é conhecido, uma vez que se operou a perda de seu objeto.

Quanto a Consulta n° 0005653-61.2010.2.00.0000, esta é respondida no sentido de que os Tribunais podem e devem restringir o ingresso de pessoas armadas em suas instalações, com a recomendação de que editem normas neste sentido.

Conselheiro FELIPE LOCKE CAVALCANTI

                                 Relator


Notas

[1] Art. 144, caput, e § 1º, da Constituição Federal/88.

[2] Portaria nº 10-124 – DIREF – Justiça Federal/MG - 15/12/2008. Ver ANEXOS, pág. 57.

[3] NETO, 2006; 417.

 LAZZARINI, 1999; 55. 

[4] Art. 144, § 5°, Constituição Federal/88.

[5] Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983.

[6] Art. 24 da Lei nº 4.878/65.

[7] Art. 6º, X, da Lei nº 10.826/03.

[8] Art. 144, caput, Constituição Federal/88.

[9] Decreto nº 73.332, de 19 de dezembro de 1973.

[10] Há pelo menos um inquérito policial tramitando na SR/DPF/MG por esse motivo, mas que por segredo de justiça não se pode fornecer nenhum dado.

[11] Celebrada em Viena em 18 de abril de 1961.

[12] Aprovada pelo Decreto Legislativo nº 103, de 1964, e promulgada pelo Decreto-Lei nº 56.435, de 08 de junho de 1965.

[13] Lei nº 7.102, de 20 de junho de 1983.

[14] Portaria nº 387/2006, alterada em alguns dispositivos pela Portaria nº 1.670/2010.

[15] Art. 109, IV, da Portaria nº 387/2006.

[16] Anexo I da Portaria nº 387/2006.

[17] Art. 53-B, §1º e §2º, da Portaria nº 387/2006.

[18] Art. 17 do Decreto nº 3.665/2000.

[19] Art. 16 do Decreto nº 3.665/2000.

[20] Art. 26, § 2º, do Decreto nº 5.123/2004.

[21] Disponível em: <http://mjdpf.blogspot.com/>. Acesso em: 18.nov.2010.

[22] Lei n° 10.826/03, modificada em alguns dispositivos pela Lei nº 11.706/08.

[23] Art. 6º da Lei n° 10.826/03.

[24] Art. 5°, II, da Constituição Federal/88.

[25] Disponível em: <http://www.mariz.eti.br/lei_arma.htm>. Acesso em: 17.nov.2010.

[26] Decreto nº 5.123/04.

[27] Lei n° 10.826/03.

[28] Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/topicos/372172/ato-administrativo-interno>. Acesso em 12.nov.2010.

[29] Procedimento de Controle Administrativo nº 0005286-37.2010.2.00.0000.

[30] Consulta nº 0005653-61.2010.2.00.0000.

[31] Acórdão da decisão da Consulta nº 0005653-61.2010.2.00.0000 e do PCA nº 0005286-37.2010.2.00.0000. Ver ANEXOS, pág. 52.

[32] Pág. 4 do acórdão citado acima – ver ANEXOS, pág. 55.

[33] Art. 144, §1º, IV, da Constituição Federal/88.

[34] Art. 96, I, a, b, e art. 99, da Constituição Federal/88.

[35] Art. 125, caput, e § 1º, da Constituição Federal/88.

[36] Art. 21, XIII, XIV e art. 22, XVII, da Constituição Federal/88.

[37] Art. 6º, VIII, da Lei nº 10.826/03.

[38] Art. 34, caput, e § 2°, do Decreto n° 5.123/04.

[39] Disponível em: <http://www.uae.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=3646:policiais-civis-ocupam-a-assembleia-legislativa&catid=1:centro-oeste-mg&Itemid=338>. Acesso em 22.nov.2010.

[40] Art. 444 do Código de Processo Civil.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MIRANDA, Yuri Amarante de Rodrigues e. O alcance do direito ao porte de arma atribuído ao policial federal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3737, 24 set. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25385. Acesso em: 8 maio 2024.