Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/25894
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

O Direito Internacional Humanitário: a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária

O Direito Internacional Humanitário: a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária

Publicado em . Elaborado em .

O presente trabalho tem o escopo de elaborar um breve estudo sobre a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária. É demonstrada a imprescindibilidade das organizações não governamentais para as vítimas, através do caso do desastre que houve no Haiti em janeiro de 2010.

Resumo: O presente trabalho tem o escopo de elaborar um breve estudo sobre a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária. Para tanto, iremos, primeiramente, elencar as bases jurídicas do Direito Internacional Humanitário, demonstrando a sua evolução normativa. Exemplificando as nossas críticas ao novo tipo de pensar o humanitarismo, iremos abordar o caso do Haiti e a nova forma de proteção de pessoas: as que sofreram algum tipo de desastre natural. A procura por uma forma válida de assistência humanitária neste caso tem sido estudada pela Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas e acreditamos que tal ato seja de suma importância, pois, através da definição do âmbito e objeto, seria mais possível assistir as pessoas que tanto necessitam de ajuda.

Palavras-chave: Direito Internacional Humanitário – Assistência humanitária – Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas.


Introdução

A evolução do Direito Internacional relativo à proteção das vítimas da guerra e à condução da guerra foi profundamente afetada pela elaboração de normas de proteção jurídica em matéria de direitos humanos após a Segunda Guerra Mundial. A adoção de importantes instrumentos internacionais em matéria de direitos humanos – tais como a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948), a Convenção Europeia dos Direitos do Homem (1950) e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos – contribuiu para a consagração da ideia de que todos têm o direito a usufruir os direitos humanos, tanto em tempo de paz como em tempo de guerra.

Entretanto, em tempo de guerra ou nos casos de perigo público excepcional, o gozo de certos direitos humanos pode ser limitado em circunstâncias especiais. O artigo 4º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos autoriza os Estados a adotar medidas a título temporário que derroguem as obrigações previstas nos Pactos, em tempo de uma emergência pública que ameace a existência da nação, mas unicamente na estrita medida em que a situação o exigir.

Já o artigo 15º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem contém uma disposição similar. Todos os anos a Sub-Comissão de Luta contra as Medidas Discriminatórias e Proteção das Minorias[2] examina os estados de exceção e o respeito pelos direitos humanos durante este tipo de situações. Contudo, a necessidade de proteger os direitos humanos mesmo em tempo de guerra foi plenamente reconhecida, prevendo o artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra de Direito Internacional Humanitário de 1949 que, em caso de conflitos armados, as pessoas protegidas pelas Convenções serão em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de caráter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer critério análogo.

O presente trabalho irá demonstrar a importância das Organizações não governamentais para definir e executar medidas de proteção a pessoas vítimas de desastres, tendo em vista que as relações internacionais foram edificadas a partir de grandes princípios do Direito Internacional como a igualdade soberana dos Estados, a reciprocidade nos seus compromissos mútuos, a não ingerência e a proibição do recurso à força.

Neste sentido, ainda há uma vertente humanitária cuja aplicação e reações à respectiva violação escapam aos princípios relacionais, uma vez que se situa entre a ordem nacional e a internacional, merecendo deste modo, um tratamento diferenciado.

Os Estados, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, as Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho, ou seja, todas estas Organizações Humanitárias não governamentais sentiram-se impotentes perante a intransigência dos Estados em que se desenvolviam situações extremas de sofrimento humano.

Com o intuito de superar a paralisia imposta pela barreira da soberania, as Organizações não governamentais criaram uma ética de urgência, transpondo essa barreira prática.

Espera-se que haja uma tendência maior a afirmar o direito de assistência humanitária nos casos em que ela seja necessária, respeitando-se a ordem jurídica.

Através deste trabalho tentarei demonstrar a imprescindibilidade das Organizações não governamentais para as vítimas, através de um caso concreto, o desastre que houve no Haiti em janeiro de 2010.

Entretanto, não tenho a pretensão de finalizar a discussão acerca da problemática do tema, mas de tentar começar uma reflexão acerca deste, tendo em vista que há aproximadamente 30 textos internacionais em matéria de Direito Internacional Humanitário, contudo, deve haver ver uma “humanização” dos envolvidos em conflitos armados ou em catástrofes naturais para que seja realmente efetivado.


Parte I: Direito Internacional Humanitário e sua evolução normativa

Inscrita em Convenções Internacionais, a assistência humanitária e, em geral, os direitos mínimos à vida e à integridade física do ser humano, deixaram de fazer parte do domínio de competência nacional dos Estados, que aceitam a sua internacionalização. Assim, o respeito devido às normas internacionais deveria ser suficiente para garantir a sua eficácia.[3]

Como tal não corresponde ao que se passa na realidade, foi preciso que o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral implementassem o direito de assistência humanitária, fazendo-o passar pelos mecanismos políticos de decisão que relevam suas competências no domínio da manutenção e do restabelecimento da paz.[4]


1. Bases jurídicas

A proteção do ser humano constitui o nexo entre ambos direitos, sendo que o Direito Internacional Humanitário pode ser compreendido como um âmbito especializado do Direito Internacional dos Direitos Humanos.[5]

O Direito Internacional dos Direitos Humanos busca proteger o indivíduo em qualquer tempo, lugar ou situação, enquanto o Direito Internacional Humanitário orienta-se essencialmente para o amparo da pessoa humana atingida em situações de graves hostilidades, como nos embates armados, incluindo, portanto, a população civil, feridos, doentes, prisioneiros de guerra ou detidos civis; médicos, religiosos, e os membros da Cruz Vermelha.

O reconhecimento de um direito à assistência humanitária[6] encontra-se presente no artigo 28º da Declaração Universal dos Direitos do Homem: Toda pessoa tem direito a que reine no plano social e no plano internacional uma ordem capaz de tornar plenamente efetivos os direitos e as liberdades enunciados na presente Declaração.[7]

Neste mesmo sentido, o preâmbulo da Carta das Nações Unidas e o seu primeiro artigo indicam a assistência humanitária: Nós, os povos das Nações Unidas, decidimos (...) a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana (...) resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objetivos. E, no mesmo entendimento, o artigo 1º da Organização das Nações Unidas enumera: Realizar a cooperação internacional resolvendo os problemas internacionais de ordem (...) humanitária.

Os convênios seguintes foram a Convenção de S. Petersburgo de 1868, proscrevendo, em tempo de guerra, o uso de projéteis explosivos ou inflamáveis; o Convênio de Haia de 1899 e o de 1907, referentes às leis e usos de guerra terrestre e a aplicação à guerra marítima dos princípios da Convenção de Genebra. Esta, revisada em 1906, passou a estender sua proteção também aos embates marítimos. A proteção aos civis permanecia muito limitada porque os métodos de ofensiva empregados em guerra ainda eram bastante restritos, não atingindo grande parcela da população civil.[8]

1.2 Convenção de Genebra de 1949

As Convenções de Genebra[9] de 1949 que fazem parte 168 Estados e os respectivos Protocolos Adicionais I e II, de 1977, reconhecem o direito a assistência comunitária atribuído ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha e qualquer outro organismo humanitário que seja imparcial aos conflitos armados internacionais ou não internacionais, como mesmo disciplina o artigo 3º, que é comum à todas as Convenções.

As Convenções de Genebra e seus Protocolos Adicionais são a essência do Direito Internacional Humanitário (DIH), o conjunto de leis que rege a conduta dos conflitos armados e busca limitar seus efeitos. Eles protegem especificamente as pessoas que não participam dos conflitos (civis, profissionais de saúde e de socorro) e os que não mais participam das hostilidades (soldados feridos, doentes, náufragos e prisioneiros de guerra).[10]

A Convenção I Convenção de Genebra para Melhorar a Situação dos Feridos e Doentes das Forças Armadas em Campanha foi adotada em 12 de Agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra, que reuniu em Genebra de 21 de Abril a 12 de Agosto de 1949 e teve sua entrada em vigor na ordem internacional no dia 21 de Outubro de 1950.

A Convenção I de Genebra trata no seu Capítulo I: das disposições gerais; no Capítulo II: dos feridos e dos doentes; no Capítulo III: das formações e estabelecimentos sanitários; no Capítulo IV: do pessoal; no Capítulo V: dos edifícios e material; no Capítulo VI dos transportes sanitários; no Capítulo VII: do sinal distintivo, no Capítulo VIII, da execução da Convenção, no Capítulo IX: da repressão dos abusos e das infrações.

No que tange à Convenção II, Convenção de Genebra para melhorar a Situação dos Feridos, Doentes e Náufragos Das Forças Armadas no Mar, de 12 de Agosto de 1949, foi adotada a 12 de Agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra, que se reuniu em Genebra de 21 de Abril a 12 de Agosto de 1949 e teve sua entrada em vigor na ordem internacional no dia 21 de Outubro de 1950.

Em seu Capítulo I, encontram-se suas disposições gerais; no Capítulo II: dos feridos e doentes e dos náufragos; Capítulo III: dos navios-hospitais; Capítulo IV: do pessoal; Capítulo V: dos transportes sanitários; Capítulo VI: do sinal distintivo; Capítulo VII: da execução da convenção; Capítulo VIII: da repressão dos abusos e das infrações.

Já a Convenção III, Convenção de Genebra Relativa ao Tratamento dos Prisioneiros de Guerra de 12 de Agosto de 1949, adotada em 12 de Agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra, que se reuniu em Genebra de 21 de Abril a 12 de Agosto de 1949, teve sua entrada em vigor na ordem internacional no dia 21 de Outubro de 1950.

No Título I, trata das disposições gerais, no Título II: proteção geral aos prisioneiros de guerra, o Título III: Cativeiro divida em IV Seções (Início do cativeiro, internamento dos prisioneiros de guerra, trabalho dos prisioneiros de guerra, recursos pecuniários dos prisioneiros de guerra, relação dos prisioneiros de guerra com o exterior e relação dos prisioneiros de guerra com as autoridades). O Título IV diz respeito ao fim do cativeiro e é dividido em III Seções (repatriamento direto e concessão de hospitalidade em países neutros, libertação e repatriamento dos prisioneiros de guerra no fim das hostilidades e morte aos prisioneiros de guerra). Já no Título V: departamento de informações e sociedades de auxílio respeitantes aos prisioneiros de guerra. No Título VI: execução da Convenção, que é dividida em II Seções (Disposições gerais e disposições finais). Há também V anexos (acordo-tipo relativo ao repatriamento direito e concessão de hospitalidade em país neutro aos prisioneiros de guerra feridos e doentes, regulamento relativo às comissões médicas mistas, regulamento relativo aos auxílios coletivos aos prisioneiros de guerra e regulamento-tipo relativo aos pagamentos enviados pelos prisioneiros de guerra para o seu próprio país.

A Convenção IV, Convenção de Genebra Relativa à Proteção das Pessoas Civis em Tempo de Guerra, de 12 de Agosto de 1949 foi adotada a 12 de Agosto de 1949 pela Conferência Diplomática destinada a Elaborar as Convenções Internacionais para a Proteção das Vítimas da Guerra, que se reuniu em Genebra de 21 de Abril a 12 de Agosto de 1949. A sua entrada em vigor na ordem internacional no dia 21 de Outubro de 1950.

No Título I, há as disposições gerais; no Título II: proteção geral das populações contra determinadas consequências da guerra; no Título III: estatuto e tratamento das pessoas protegidas que foi dividido em V Seções (disposições comuns nos territórios das partes no conflito e aos territórios ocupados, estrangeiros no território de uma Parte no conflito, territórios ocupados, regras relativas ao tratamento de internados e departamentos e agência central de informações); Título IV: execução da Convenção e foi dividido em II Seções (disposições gerais e disposições finais).

Há também 3 Protocolos Adicionais de 1977 e mais um artigo 3º, comum a todas as Convenções de Genebra.[11]

1.3 Assembleia Geral das Nações Unidas

Durante a preparação dos Protocolos Adicionais de 1977, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha apresentou um projeto de artigos. Somente em 1987, Paris acolheu o pedido e convocou diversas personalidades, bem como representantes de Organizações não governamentais e Organizações Intergovernamentais para refletir a respeito do direito que cada homem tem de receber assistência humanitária.

Este colóquio teve como resultado material uma resolução sur la reconnaissance du devoir d’assistance humanitaire et du droit à cette assistance, adotada por unanimidade. Era o princípio de um movimento político e diplomático de defesa da ideia. Foi, aliás, o que o então Presidente da República François Mitterrand fez em Outubro de 1987, aderindo publicamente ao direito das vítimas, nas situações de extrema urgência, de serem socorridos por voluntários que sejam profissionalmente neutros.[12]

Houve, desta forma, um crescente movimento para a preparação de um projeto de resolução que foi adotado pela Assembleia Geral em 8 de dezembro de 1988.[13] Esta resolução consagrou o princípio do livre acesso às vítimas, o papel das Organizações não-governamentais de caráter imparcial e humanitário ao lado dos Estados e das Organizações Intergovernamentais, em casos em que a urgência reclame a necessidade de uma assistência humanitária; não somente reduzindo seu âmbito de atuação em conflitos armados, mas igualmente em situações de catástrofe natural e outras situações de emergência da mesma ordem.

Leva-se em conta que as condições para a sua implementação são: a urgência, a gravidade, a abstenção em relação às vítimas por parte do Estado em cujo território a situação esteja acontecendo. Todavia, a resolução não diz concretamente a respeito da exigência do consentimento do Estado afetado.[14]

2.4 A Comissão de Direito Internacional e o Direito Internacional Humanitário

A assistência humanitária foi sendo inscrita em convenções internacionais ao longo dos anos com o intuito de garantir direitos mínimos à vida e à integridade física do ser humano. Entretanto, como na realidade os Estados não aceitaram a sua internacionalização, o que não deu ensejo à sua eficácia plena, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral tiveram que implementar a assistência humanitária através de resoluções.

In general terms, non-governmental organizations are not granted privileges and immunities under international law and the extension of such privileges and immunities by a State to a foreign non-governmental organization remains an exceptional occurrence. However, the relevant provisions of some international instruments on disaster  relief have been interpreted in such a way as to include non-governmental organizations among the beneficiaries of privileges, immunities and facilities.[15]

Nesse sentido, a Comissão de Direito Internacional realizou um estudo acerca da problemática que envolve as pessoas que passaram por algum tipo de desastre e necessitam de ajuda humanitária.[16]

De acordo com estudos sobre o tema, algumas situações que se pode invocar a ratione temporis, como forma de aplicabilidade do Direito Internacional Humanitário. A primeira diz respeito ao começo da sua aplicabilidade que se inicia com as hostilidades entre as partes em embate e estende-se até o término da ocupação militar. Na segunda categoria das regras aplicáveis, encontram-se as normas que não possuem, por vontade dos próprios Estados acordantes desses tratados, uma temporalidade limitada. São aquelas regras aplicáveis permanentemente desde a entrada em vigor dos convênios.[17] Já a terceira categoria das regras impõe que em virtude de sua finalidade jurídica, ou seja, da ratio legis, devem surtir efeitos até que seus propósitos sejam alcançados.

No que diz respeito à aplicabilidade pessoal, a ratione personae, os destinatários das normas de Direito Humanitário Internacional são, como em todos os tratados internacionais, os próprios Estados Partes e, neste caso específico, também o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.  Já os beneficiários destas disposições são as vítimas, que infelizmente não gozam da possibilidade de acionar seus mecanismos de proteção, salvo em raras circunstâncias muito particulares.

A ratione materiae traz a concepção de que as pessoas vítimas de desastres têm necessidades específicas e precisam de resposta, alívio e assistência. Tal proteção deve ser estendida à propriedade e ao meio ambiente, com igual grau de especificidade.

O Comitê Internacional da Cruz Vermelha já vinha apoiando a Cruz Vermelha Haitiana há muitos anos[18], motivo pelo qual quando o terremoto atingiu o país, o Comitê e a Cruz Vermelha Haitiana tiveram a vantagem de já estar no local, o que permitiu que as duas organizações agissem rapidamente. Em conjunto com outros membros do Movimento Internacional da Cruz Vermelha Internacional e do Crescente Vermelho, foram distribuídos comida, água e outros artigos essenciais, prestaram primeiros socorros, apoiaram estabelecimentos médicos e possibilitaram que pessoas contatassem suas famílias por meio de telefones via satélite ou da internet.


Parte II: O âmbito e o objeto da assistência

O humanitarismo se insere no Direito como uma atividade que presta assistência humanitária e trabalha em prol dos direitos humanos e sua proteção. Assim, a vítima da assistência não deve ser considerada como mero objeto de caridade, mas sujeito portador de direitos.

Trata-se do direito à assistência humanitária, que é reconhecido desde 1949 pelas Convenções de Genebra, mas que, na ausência de uma aplicação regular e obrigatória, renasceu recentemente nas consciências dos Estados e das organizações internacionais, como se se tratasse de algo novo. A Assembléia Geral das Nações Unidas adoptou resoluções declarando princípios de acção humanitária e prevendo corredores de urgência humanitária, o Conselho de Segurança aplicou-a em situações específicas, a doutrina e a jurisprudência manifestam-se a seu favor.[19]

O Direito Internacional Humanitário é altamente operacional e deve receber a ajuda das Organizações não governamentais, entre outras Organizações Internacionais para conseguir chegar até esta operacionalidade protegendo assim, as vítimas de um conflito armado ou um desastre natural.


3.Pessoas protegidas em caso de conflito armado ou outros desastres[20]

O papel do Direito Humanitário deve ser inserido no contexto da reconstrução de sociedades que foram destruídas, seja por um conflito armado ou por algum desastre natural. Sendo que, deve-se levar em consideração que o Humanitarismo foi inicialmente concebido dentro da “teoria da guerra”. Sobretudo após a Guerra Fria, passou a ser inserida em projetos de reconstrução, adentrando nas agendas políticas dos governos.

O conceito mais amplo e atualizado, empregado por diversos autores, é o que concebe esse direito como um conjunto de normas internacionais, convencionais ou consuetudinárias, vale dizer, fruto de um hábito não normalizado, que regulam o comportamento dos beligerantes, partes em um embate armado, quer seja uma disputa internacional ou interna, com o propósito de salvaguardar os direitos das pessoas que não participaram das hostilidades e mitigar, na medida do possível, seus sofrimentos, restringindo os meios e métodos de guerra. Dir-se-á que se trata de um conjunto de normas centradas na proteção e dignidade do ser humano, frente a uma luta armada. Normas estas inspiradas em um sentimento humano de rechaço a atos brutos e cruéis e de solidariedade a pessoas que sofram com os conflitos armados.[21]

Assim, as razões pelas quais as Organizações não governamentais e as Organizações locais ganharam espaço depois da resolução 43/431 da Assembleia Geral foi pela possibilidade de dar mais rapidez e eficácia ao atendimento às vítimas.

Limitando, porém, às limitações de conflito armado (internacional e não internacional), pois que nascido de um campo de batalha – a Batalha de Solferino –, o Direito Internacional Humanitário não oferece respostas suficientes àquelas situações que não chegam a ser qualificadas como conflitos armados – nomeadamente os distúrbios internos e situações de violência generalizada. A mudança da natureza dos conflitos armados desde o fim da Guerra Fria, as guerras da descolonização, os novos conflitos étnico-culturais, e até mesmo o avanço tecnológico dos armamentos de guerra, desafiam o conceito clássico de Direito Internacional Humanitário, construído na ideia da guerra tradicional.[22]

De acordo com o código de conduta de socorro em caso de desastres para o Movimento do Crescente Vermelho e as Organizações não governamentais, as Organizações não governamentais são: “todas as organizações, tanto nacionais quanto internacionais, construídas separadamente do governo do país que tenham sido fundadas.”

Já as Organizações não governamentais Humanitárias podem ser conceituadas como sendo “as de caráter humanitário e seus componentes do movimento internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho que são: o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Federação Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e as Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho.”

E os desastres são: “acontecimentos externos que provocam mortes humanas, além de grande sofrimento, angústia e grande prejuízo material.”

Com relação ao controle feito pelas Organizações não governamentais Humanitárias, o Comitê Humanitário Internacional que deve fazer este controle.

Entretanto, deve-se deixar claro que a finalidade dessa ação empreendedora é estritamente humanitária e deve respeitar os princípios do Direito Internacional Humanitário[23]. Tais princípios são: neutralidade, distinção, responsabilidade, igualdade entre os beligerantes ou da não discriminação e inalienabilidade.[24]


4.O caso apresentado como exemplo da importância da assistência humanitária

A Federação Internacional das Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho[25] foram fundadas em 1919 por iniciativa de Henry Davison (presidente do Comitê de Guerra da Cruz Vermelha Americana). Trata-se de uma Organização não governamental Internacional[26] cuja missão genérica é de facilitar e fazer progredir a ação humanitária das Sociedades Nacionais, nomeadamente em favor das populações mais vulneráveis.

A implementação do Direito Internacional Humanitário é um objetivo essencial do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e as Sociedades Nacionais encontram-se particularmente bem situadas para promover esta questão no interior dos seus próprios países. Os Estatutos do Movimento reconhecem o papel que elas desempenham, cooperando com os respectivos governos no sentido de garantir o cumprimento do Direito Internacional Humanitário e de proteger os emblemas da cruz vermelha e do crescente vermelho. Os contactos das Sociedades Nacionais com as autoridades nacionais e com outras entidades interessadas e ainda, em muitos casos, a sua própria competência em Direito nacional e internacional, proporcionam-lhes um papel chave a desempenhar nesta área. Dispõem igualmente da possibilidade de utilizar, ou fornecer, conselhos e apoio no seio do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Encoraja-se as Sociedades Nacionais a utilizarem estes recursos o mais largamente possível para promover a implementação do Direito Humanitário a nível nacional.[27]

Através de um acordo celebrado a 20 de Outubro de 1989 entre o Comitê Internacional da Cruz Vermelha e a Federação, as competências de ambas as instituições foram definidas da seguinte forma: a Federação coordena as ações internacionais de socorro às vítimas de catástrofes naturais aos refugiados e às pessoas deslocadas fora das zonas de conflitos. Por seu lado o Comitê assegura a direção geral da ação internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho dentro das zonas de conflito.[28]

Apesar disso, dada a sua crescente intervenção nos palcos internacionais (facto que, de resto, se vem exaltando através de um, quiçá, exagerado luzimento mediático...) – o que propicia um cada vez mais estreito relacionamento com os restantes sujeitos de Direito Internacional –, não mais se pode contestar serem, actualmente as ONG titulares de uma gama de capacidades jurídicas, direitos e obrigações que, não cabe dúvida, comprovam a existência de uma personalidade jurídica internacional, posto que derivada, limitada e funcional.[29]

Como exemplo desta ajuda humanitária das Organizações não governamentais Internacionais do Comitê Internacional da Cruz Vermelha o terremoto que ocorreu em 12 de janeiro de 2010 no Haiti que matou centenas de milhares de pessoas e deixou 1,5 milhões de pessoas desabrigadas. Deve-se ressaltar que a delegação regional do Haiti cobre o Haiti e a República Dominicana e dedica seus esforços para ajudar as pessoas, vítimas deste desastre.


Parte III: A procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária

A assistência humanitária foi sendo inscrita em Convenções Internacionais ao longo dos anos com o intuito de garantir direitos mínimos à vida e à integridade física do ser humano.[30] Entretanto, como na realidade os Estados não aceitaram a sua internacionalização, o que não deu ensejo à sua eficácia plena, o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral tiveram que implementar a assistência humanitária através de resoluções.

Longe da “pureza apolítica” originária, as actividades de assistência humanitária são gradualmente impregnadas pelo político (as próprias resoluções do Conselho de Segurança da ONU neste sentido são inegáveis decisões políticas, às quais o Direito Internacional Público empresta-lhes legitimidade jurídica; o “novo” humanitarismo com vertente amada (intervenção militares humanitárias); o apoio financeiro público às organizações humanitárias não-governamentais; o budget de origem governamental do ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados). Nesta esteira de pensamento, com um humanitarismo “ingênuo” (fincado nos princípios da neutralidade, imparcialidade e humanidade), como fazer face aos novos problemas de nossos tempos, nomeadamente aos “senhores da guerra”, que não pensam duas vezes ao cometer atrocidades e violações maciças e sistemáticas de direitos humanos sem um programa político sólido, eficaz, e juridicamente legítimo para a assistência humanitária? [31]

Neste mesmo sentido, entende-se que a segurança humana atualmente não passa tão somente pela boa vontade em ajudar, mas sim, em um humanitarismo inserido em um projeto de construção de sociedades estáveis e de desenvolvimento sustentável.


5. Repensar o humanitarismo

O sentimento de compaixão ao sofrimento humano é um sentimento universal que é encontrado em todas as civilizações. Inicialmente contornado apenas por esse “sentimento primitivo” do homem comum, mais tarde ganhou racionalidade e maturidade e passou, assim, para o campo jurídico, ganhando autonomia.

  A expressão “humanidade”encerra diversos conteúdos. Por um lado, o sentimento geral empresta-lhe um carácter de filantropia, de caridade, de racionalismo, de rejeição ao sofrimento gratuito e de altruísmo. Por outro lado, alude a um acervo de regras que traduzem uma determinada ordem moral. Por outro lado ainda, a expressão tendo a ser reconhecida como “fonte” do Direito Internacional, com base na interpretação da Declaração de São Petesburgo de 1868.[32]

Tal sentimento deve ser inserido no contexto de reconstrução de sociedades estáveis e de desenvolvimento sustentável.

A questão da segurança humana no mundo actual não passa apenas pelo humanitarismo emergencial e pela mera “boa vontade”. Não se trata apenas de “fazer algo”. Para muito além disso, requer um humanitarismo inserido num projecto de construção de sociedades estáveis e de desenvolvimento sustentável.[33]

Esta resposta deve ser inserida em projetos devidamente pensados e estruturados de desenvolvimento para a paz, ou seja, deve ser seguida de medidas políticas e legislativas eficazes.


6. Considerações finais

Concluindo, o sonho de Dunant era a criação de um tratado internacional vinculativo de caráter universal que tivesse força de lei às suas propostas para garantir a proteção dos feridos de guerra.

Entretanto, nos conflitos armados atuais, o desafio de defender os valores humanitários não se deve à falta de normas, mas sim a falta de respeito às mesmas.

Existe atualmente uma grande quantidade de desafios para o Direito Internacional Humanitário que precisam ser resolvidos pela comunidade internacional em áreas como terrorismo, detenções, conduta de hostilidades, ocupação e sanções.

Apesar do lapso temporal, Ciro que foi rei da Pérsia entre 559 e 530 a. C., e Dunant, no século XIX tinham o mesmo sonho haja vista que Ciro, no século VI a. C. havia colocado na entrada da cidade da Babilônia um cilindro (conhecido por cilindro de Ciro) que diz:

Eu sou Ciro, Rei da Babilônia, Rei da Suméria, Rei da Acádia, Rei de quatro países (…). O meu grandioso exército entrou pacificamente em Babilônia e não deixei que nenhum mal chegasse à terra da Babilônia e ao seu povo. Os modos respeitosos dos babilônios ensinaram-me (…) e eu ordenei que todos devem ser livres de adorar o seu deus sem prejuízo algum. Ordenei que nenhum lar fosse destruído e que nenhuma propriedade fosse tomada.[34]

Posto isto, considero que o sonho da paz é inerente ao ser humano, antigo e necessita de pessoas de boa vontade e de planejamento para ser concretizado.


7. Referências

ALMEIDA. Francisco Ferreira de. Direito Internacional Público. Ed. Coimbra: 2003.

CARESIA, Gislane. ONGs Internacionais: personalidade jurídica, autorização para funcionamento no Brasil e atuação no sistema das Nações Unidas. Copendi.p.3. Disponível em: http://www.conpedi.org.br/ manaus/arquivos/anais/campos/gislaine_caresia.pdf. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

Comitê Internacional da Cruz Vermelha. As Convenções de Genebra. Disponível em: http://www.icrc. org/por/war-and-law/treaties-customary-law/geneva-conventions/index.jsp. Data de acesso: 11 de fevereiro de 2012.

________________________________Artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 Tratado Fonte: Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Disponível em: http://www.icrc.org/por/resources/documents /treaty/treaty-gc-0-art3-5tdlrm.htm. Data de acesso: 11 de fevereiro de 2012.

________________________________As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a implementação do direito internacional humanitário - Diretivas de atuação. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012

_____________________________________O CICV no Haiti. Disponível em: http://www.icrc.org/por/where-we-work/americas/haiti/overview-haiti.htm. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

5 Código de Conduta Relativo ao Auxílio em Casos de Desastre para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e das Organizações Não-Governamentais (NGOs) Disponível em: http://www.ifrc.org/Global/Publications/disasters/code-of-conduct/code-portuguese.pdf. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

Comissão de Direito Internacional. Protection of persons in the event of disaster.s  Memorandum by the Secretariat: Sixtieth session,Geneva, 5 May-6 June and 7 July-8 August 2008. Disponível em: http://www.un.org/law/ilc/. Data de acesso: 21 de fevereiro de 2012.

FARNDON John. Tudo o que precisa saber sobre o Irão. Portugal: 2007.

GUERRA, Sidney César Silva. Direito Internacional Público. 3 edição. Freitas Bastos Editora. Rio de Janeiro: 2007.

LEANDRO. Francisco da Silva. As armas das vítimas: um novo prisma sobre o Direito Internacional Humanitário e dos Conflitos armados. Edições Cosmos. Instituto da Defesa Nacional. Lisboa:2005.

MACHADO. Jonaas E. M. Direito Internacional: do paradigma clássico ao pós 11 de setembro. ed. Coimbra: 2006.

MAIA, Luciano Mariz. Os Direitos das Minorias Étnicas. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lucianomaia/lmaia_minorias.html. Data de acesso: 29 de fevereiro de 2012.

MORIKAWA, Márcia Mieko. Repensar o Direito Internacional Humanitário e o Humanitarismo: da ingenuidade do bem à consciência (humanista) do mal. Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXII. Coimbra: 2006.

MORIKAWA, Márcia Mieko. Da good governance da assistência humanitária : contributo para a fundamentação jurídica do direito humano à assistência humanitária no âmbito jurídico internacional da good governance. Dissertação de doutoramento em Ciências Jurídico-Políticas, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Coimbra: 2010.

PEREIRA. A. G. e Quadros, F. de. Manual de Direito Internacional Público. Portugal: Almedina, 1995.

RAIMUNDO, Isabel. Imperativo Humanitário e não-ingerência: os novos desafios do Direito Internacional. Edições Cosmos Instituto da Defesa Nacional. Lisboa: 1999.

Ramalingam, Ben, Scriven Kim and  Foley, Conor. Innovations in internationalchumanitarian action. Ben Ramalingam, Kim Scriven and Conor Foley. Disponível em: http://www.alnap.org/pool/files/8rhach3.pdf. Data de acesso: 28 de janeiro de 2012.

SALCEOD. Juan Antonio Carrillo. Curso de Derecho Internacional. Madrid: Tecnos, 1991.

SOARES, Guido F.S. As ONGS e o Direito Internacional do Meio Ambiente. Revista de Direito Ambiental. São Paulo. 2000.

SANTOS. Herta Rani Teles. Breve estudo sobre o Direito Internacional Humanitário- A proteção do ser humanos em situações de conflitos armados internacionais. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B3FFFA58C-C558-4195-BF6F-B8926A8E92EB%7D_ Breve_ Estudo_Sobre_o_Direito_I nternacional_Humanitario. doc. Data de acesso: 29 de fevereiro de 2012.

SWINARSKI, Chistophe. Direito Internacional Humanitário como sistema de proteção internacional da pessoa humana (principais noções e institutos). Editora Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 1990.


Notas

[2] O sistema das Nações Unidas tem proporcionado um dos mais amplos sistemas de proteção às minorias, apesar do fato de que, até o presente momento, não estar inteiramente desenvolvido e inobstante o fato de que muitos grupos minoritários e muitos direitos das minorias ainda estão fora do âmbito de proteção das provisões normativas existentes. Esse sistema teve desenvolvimento como herança da atuação sob a Liga das Nações. Com efeito, embora a história registre vários tratados internacionais concluídos, com vistas à proteção das minorias, aqueles não formavam propriamente um conjunto sistemático de proteção efetiva. Foi no pós 1a Guerra Mundial que ganhou consistência. MAIA, Luciano Mariz. Os Direitos das Minorias Étnicas. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lucianomaia/lmaia_minorias.html. Data de acesso: 29 de fevereiro de 2012.

[3] Há também quem diga que: A origem do Direito Internacional Humanitário remonta aos primeiros estudos e debates acerca do Direito Internacional e de suas consequências em relação às situações de guerra. As primeiras análises e propostas são de São Tomas de Aquino, classificando como imprescindível a uma guerra justa, que o beligerante proceda com reta intenção[3]; e de Hugo Groccio, que sublinha a necessidade de introduzir restrições às situações de conflitos, protegendo a vida e a integridade física das pessoas inocentes ou não envolvidas deliberadamente. No século XVIII, Rosseau, ao desenvolver suas análises, aproxima-se mais do princípio da dignidade humana. Segundo ele, “Os Estados só podem ter como inimigos outros estados e não homens”. Sua idéia resumia-se ao fato de que, numa guerra, não se deveria atacar os civis, a não ser que fossem os próprios combatentes. SANTOS. Herta Rani Teles. Breve estudo sobre o Direito Internacional Humanitário- A proteção do ser humanos em situações de conflitos armados internacionais. Disponível em: http://www.juspodivm.com.br/i/a/%7B3FFFA58C-C558-4195-BF6F-B8926A8E92EB%7D_ Breve_ Estudo_Sobre_o_Direito_Internacional_Humanitario.doc. Data de acesso: 29 de fevereiro de 2012.

[4] O Direito Internacional Humanitário como disciplina, ramo do Direito de carácter universal, e instituto jurídico que rege a conduta das partes num conflito armado, tem origem moderna. O seu marco histórico inicial foi a Batalha de Solferino de 1859. Henry Dunant, um jovem suíço, chega a Solferino no dia 24 de junho de 1859 com o intuito de receber ajuda de Napoleão III para investimentos na Argélia. Nesse preciso dia desenrola-se a batalha entre os exércitos austríaco e francês. Dunant presencia os horrores desta batalha e da sua indignação, quando retorna a Genebra, escreve o seu Souvenir de Solferino, cujas propostas são lançadas na Conferência Internacional de Genebra, em 1863, com a participação de representantes governamentais, culminado na Convenção de Genebra para a Protecção das Vítimas da Guerra de 1864. A ideia central de Dunant era a criação de um tratado internacional vinculativo de carácter universal, que desse força de lei às suas propostas para se garantir a protecçao dos feridos de guerra. Posteriormente, a Convenção de 1864 foi revisada em 1906, 1929, 1949 e 1977, fazendo nascer o corpo jurídico do uis in bello: as Quatro Convenções de Genebra de 1949 e seus Protocolos Adicionais (I e II) de 1977. Dentre as grandes inovações, o Protocolo Adicional II torna os grupos insurgentes (governos de facto) – desde que com um determinado grau de organização militar e controlo do território – partes num conflito armado interno, submetendo-se à observância das regras do Direito Internacional Humanitário.  MORIKAWA, Márcia Mieko. Repensar o Direito Internacional Humanitário e o Humanitarismo: da ingenuidade do bem à consciência (humanista) do mal. Boletim da Faculdade de Direito, vol. LXXXII. Coimbra: 2006. p.535-536.

[5] O Direito Internacional Humanitário orienta-se para o amparo da pessoa humana atingida em situações de graves hostilidades, como em embates armadas ou desastres e inclui: a população civil, feridos, doentes, prisioneiros de Guerra ou detidos civis, médicos, religiosos, membros da Cruz Vermelha, entre outros.

[6] Deve-se levar em consideração que o humanitarismo foi inicialmente concebido dentro da “teoria da guerra” e foi, sem dúvidas, fruto da concepção da soberania do Estado da época. Com o fim da Guerra Fria, sobretudo após a queda do muro de Berlim, surge uma nova fase. O humanitarismo deixa de ser concebido apenas como “enfermagem de guerra” e passa a ser inserido em projetos de reconstrução, adentrando nas agendas políticas dos governos. MORIKAWA, Márcia Mieko.op.cit. p.535.

[7] Entre os direitos e liberdades cujo efetivo gozo esta disposição visa assegurar figuram o direito à vida (artigo 3) e à integridade física (artigo 5). RAIMUNDO, Isabel. Imperativo Humanitário e não-ingerência: os novos desafios do Direito Internacional. Edições Cosmos Instituto da Defesa Nacional. Lisboa: 1999.

[8] Duas correntes legais separadas têm, desde 1977, contribuído para a evolução do Direito Internacional Humanitário: o direito de Genebra, basicamente preocupado com a proteção das vítimas de conflitos armados – i.e., os não-combatentes e aqueles não mais envolvidos com as  hostilidades; e o direito de Haia, cujas disposições se relacionam às limitações e proibições de meios e métodos específicos de guerra. Essas duas correntes legais tornaram-se uma só com a adoção dos dois Protocolos Adicionais de 1977.

[9] A respeito do “Direito de Genebra”, a primeira Convenção multilateral de 1864 foi ampliada em 1906 na forma de uma nova Convenção de Genebra com o mesmo propósito de proteger os feridos militares no campo de batalha adaptando as regras anteriores a certas disposições da codificação de Haia em 1899. Uma nova aplicação teve lugar com a aprovação em 1929 da Convenção a favor da proteção dos feridos e enfermos militares. Também foram aprovadas pela mesma Conferência diplomática, por primeira vez, as regras de proteção a uma nova categoria de vítimas dos conflitos armados, que são os prisioneiros de guerra, sob a forma de uma convenção separada sobre o tratamento destes últimos (frequentemente denominada  “código dos prisioneiros de guerra”). A última codificação completa do Direito Humanitário em seu ramo denominado “de Genebra”, que contém o conjunto de normas da proteção das vitimas dos conflitos bélicos, consta atualmente de quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949. SWINARSKI, Chistophe. Direito Internacional Humanitário como sistema de proteção internacional da pessoa humana (principais noções e institutos). Editora Revista dos Tribunais LTDA. São Paulo: 1990.p. 37.

[10] Comitê Internacional da Cruz Vermelha. As Convenções de Genebra. Disponível em: http://www.icrc. org/por/war-and-law/treaties-customary-law/geneva-conventions/index.jsp. Data de acesso: 11 de fevereiro de 2012.

[11] No que refere-se a conflito armado que não apresente um caráter internacional e que ocorra no território de uma das Altas Partes contratantes, cada uma das Partes no conflito será obrigada aplicar, pelo menos, as seguintes disposições: 1) As pessoas que não tomem parte diretamente nas hostilidades, incluindo os membros das forças armadas que tenham deposto as armas e as pessoas que tenham sido postas fora de combate por doença, ferimentos, detenção, ou por qualquer outra causa, serão, em todas as circunstâncias, tratadas com humanidade, sem nenhuma distinção de caráter desfavorável baseada na raça, cor, religião ou crença, sexo, nascimento ou fortuna, ou qualquer outro critério análogo. Para este efeito, são e manter-se-ão proibidas, em qualquer ocasião e lugar, relativamente às pessoas acima mencionadas: a) As ofensas contra a vida e a integridade física, especialmente o homicídio sob todas as formas, mutilações, tratamentos cruéis, torturas e suplícios; b) A tomada de reféns; c) As ofensas à dignidade das pessoas, especialmente os tratamentos humilhantes e degradantes; d) As condenações proferidas e as execuções efetuadas sem prévio julgamento, realizado por um tribunal regularmente constituído, que ofereça todas as garantias judiciais reconhecidas como indispensáveis pelos povos civilizados. 2) Os feridos e doentes serão recolhidos e tratados. Um organismo humanitário imparcial, como a Comissão Internacional da Cruz Vermelha, poderá oferecer os seus serviços às partes no conflito. As Partes no conflito esforçar-se-ão também por pôr em vigor, por meio de acordos especiais, todas ou parte das restantes disposições da presente Convenção. A aplicação das disposições precedentes não afetará o estatuto jurídico das Partes no conflito.  Comitê Internacional da Cruz Vermelha. Artigo 3º comum às quatro Convenções de Genebra de 12 de agosto de 1949 Tratado Fonte: Gabinete de Documentação e Direito Comparado. Disponível em: http://www.icrc.org/por/resources/documents /treaty/treaty-gc-0-art3-5tdlrm.htm. Data de acesso: 11 de fevereiro de 2012.

[12] RAIMUNDO, Isabel.op.cit..p. 44-45.

[13] Tal Resolução foi chamada de: Assistance aux victimes de catastrophes naturelles et autres situations d’urgence du même ordre- Resolução 43/431.

[14] Neste caso, usa-se o princípio da subsidiariedade no sentido de que quando o Estado não preencher a obrigação, que os outros Estados e as organizações façam de tudo para poder ajudar as vítimas.

[15] Comissão de Direito Internacional. Protection of persons in the event of disasters.  Memorandum by the Secretariat: Sixtieth session,Geneva, 5 May-6 June and 7 July-8 August 2008. Disponível em: http://www.un.org/law/ilc/. Data de acesso: 21 de fevereiro de 2012. p. 96.

[16]   The present study aims to provide an overview of existing legal instruments  and texts applicable to a variety of aspects of disaster prevention and relief  assistance, as well as of the protection of persons in the event of disasters, focusing  primarily on natural disasters. Although no generalized multilateral treaty on the  topic exists, a number of relevant rules  have been codified in some multilateral treaties (mostly sectoral), both at the global and regional levels, as well as in over  150 bilateral treaties and memorandums  of understanding. In addition, over 100  national laws directly concerning the topic, and countless national laws which relate  to a specific aspect of the topic, have been identified. The topic is further  contextualized by a series of significant resolutions including General Assembly  resolution 46/182, which, together with other instruments such as the resolution of  the International Conference of the Red Cross on measures  to expedite international  relief and the Hyogo Framework for Action, constitute the central components of an  expanding regulatory framework. In a significant recent development, the  International Conference of the Red Cross and Red Crescent adopted the Guidelines

for the Domestic Facilitation and Regulation of International Disaster Relief and  Initial Recovery Assistance in 2007. In addition, various non-binding and expository  texts have been formulated by a number of other bodies. Comissão de Direito Internacional. Protection of persons in the event of disasters.op.cit.

[17] Como exemplo destas regras, poder-se-ia citar os compromissos dos Estados em matéria de difusão do direito internacional humanitário, que obriga “... em tempo de paz e de guerra...” a dar a conhecer o conteúdo dos tratados a todos os que possam padecer da ignorância na matéria. Compromissos estes, dificilmente cumpridos.                         

[18] Em 2004, a violência interna ameaçava se transformar em um conflito armado e, em resposta, o Comitê aumentou sua presença. A organização começou a fornecer água potável a 200 mil habitantes na comunidade carente de Cité Soleil, umas das áreas urbanas mais pobres. Desde então, o Comitê tem trabalhado com as autoridades e as agências responsáveis pelo abastecimento de água em obras nas estações de bombeamento e na reforma da gestão da água. Comitê Internacional da Cruz Vermelha. O CICV no Haiti. Disponível em: http://www.icrc.org/por/where-we-work/americas/haiti/overview-haiti.htm. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

[19] RAIMUNDO, Isabel.op.cit.p. 36.

[20] 2.  While disasters frequently occur entirely within States, in some instances they  lead to large-scale suffering across multiple States. Nowhere was this more evident  than with the tsunami of 26 December 2004, which killed approximately 240,000  people in 12 States and left over 1 million people displaced. In 2006, there were 427  natural disasters affecting approximately 143 million people and resulting in over  23,000 deaths worldwide. 6 Natural disasters have caused an average of $70 billion in damage each year between 1987 and 2006, excluding the significant economic  costs associated with setbacks to development efforts. Comissão de Direito Internacional. Protection of persons in the event of disastes. op.cit.

[21] SANTOS. Herta Rani Teles.op.cit.p. 5.

[22] MORIKAWA, Márcia Mieko.op.cit. p.537-538.

[23] Estes princípios são os mesmos invocados pela Vigésima Conferência Internacional da Cruz Vermelha

[24] De acordo com o princípio da neutralidade, os mecanismos e órgãos de assistência humanitária são imprescindíveis no amparo das vítimas da guerra, portanto seus atos jamais devem ser enxergados como espécies de intromissão na guerra. Em compensação, todas as categorias de indivíduos protegidos devem abster-se de qualquer ato hostil. Já o da distinção enumera que as operações bélicas hão de cingir-se aos alvos militares, ou seja, pessoas e bens estritamente vinculados aos objetivos militares. Assim sendo, faz-se imprescindível distinguir os alvos militares dos sujeitos e os dos bens civis, à margem dos propósitos bélicos. O da responsabilidade indica que o responsável pela sorte dos indivíduos salvaguardados e pela fiel execução das regras convencionais é o Estado preponente, e não o corpo da tropa. O da igualdade entre os beligerantes ou da não-discriminação disciplina que o Direito Internacional Humanitário aplica-se por igual a todas as partes em disputa, sejam elas autoridades governamentais ou não, independentemente das razões e motivos do enfrentamento bélico. Por último, o princípio da inalienabilidade, informa que os indivíduos resguardados não podem, em hipótese alguma, renunciar, parcial ou integralmente, aos benefícios a eles concedidos pelas Convenções e pelos Protocolos Internacionais. Este alcança a todas as normas protetoras das vítimas dos enfrentamentos armados, constituindo, portanto, um elemento essencial deste sistema internacional de proteção.

[25]  Privileges and immunities similar to  those enjoyed by intergovernmental  organizations are sometimes recognized bilaterally, in particular with respect to the  International Federation of Red Cross and Red Crescent Societies (IFRC). The legal  status agreements concluded by the Federation and receiving States usually recognize the former’s status as an international organization in the host country, enjoying privileges and immunities based on the provisions of the 1947 Convention on Privileges and Immunities of Specialized Agencies. For example, the 1997 Agreement on the Legal Status of the International Federation and its Delegation in Nepal grants the Federation facilities, privileges and immunities that include freedom of movement, except as restricted by the Government, inviolability of premises, assets and archives, freedom of financial transactions, exemptions from taxes and customs duties, freedom

of communication and immunities and tax exemptions for members of the delegations and officials of the Federation during the conduct of their official duties.Similar legal status agreements have been concluded by the Federation with various countries in South Asia, Southern Africa and Central America. Comissão de Direito Internacional. Protection of persons in the event of disasters.  op.cit.p.97.

[26] De acordo com o 5 Código de Conduta Relativo ao Auxílio em Casos de Desastre para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e das Organizações Não-Governamentais (NGOs), que foi elaborado em conjunto pela Federação Internacional das Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e pelo Comitê Internacional da Cruz Vermelha, para efeitos deste documento, o termo Organizações Não- Governamentais de Caráter Humanitário (ONGHs) foi criado para designar os membros do Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho - o Comitê Internacional da Cruz Vermelha, a Federação Internacional de Sociedades da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e as Sociedades Nacionais que a constituem - e as ONGs acima definidas. Este Código refere-se em particular às organizações não- governamentais de caráter humanitário que se ocupam da prestação de assistência em situações de desastre. 5 Código de Conduta Relativo ao Auxílio em Casos de Desastre para o Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e das Organizações Não-Governamentais (NGOs) Disponível em: http://www.ifrc.org/Global/Publications/disasters/code-of-conduct/code-portuguese.pdf. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

[27] Comitê Internacional da Cruz Vermelha. As Sociedades Nacionais da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho e a implementação do direito internacional humanitário - Diretivas de atuação. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

[28] Movimento Internacional da Cruz Vermelha e do Crescente Vermelho. Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/dih/dih/03.html. Data de acesso: 14 de fevereiro de 2012.

[29] ALMEIDA. Francisco Ferreira de. Direito Internacional Público. Ed. Coimbra: 2003. p. 354.

[30]   The international law governing disaster response has developed into a complex set of rules governing the initiation of relief, questions of access, issues of status and the provision of relief itself. The process of relief assistance is typically initiated on the basis of a request for assistance issued by the affected State, and is based on the consent of the affected State. Although any “duty” to provide assistance is limited to specific agreements, some recognition exists of the “right” of assisting actors to make unsolicited offers (subject to the consent of the affected State). Numerous instruments cover the question of the entry of disaster relief personnel into the territory of the receiving State, including the facilitation of entry visas for those personnel; the acquisition of work permits, or authorization; and recognition of their professional qualifications. Similarly, a number of instruments provide for the admission of goods for use in disaster relief, as well as for the facilitation of customs clearance procedures, and in some cases, requiring exemption from import duties, taxes and restrictions. The question of freedom of movement within the receiving State is addressed in instruments related to disaster relief, although provisions were identified both facilitating and restricting  such movement. A number of multilateral treaties, bilateral treaties and national laws include a provision to facilitate overflight and landing rights. Comissão de Direito Internacional. Protection of persons in the event of disasters.  op.cit.p.98.

[31] MORIKAWA, Márcia Mieko.op.cit. p.543.

[32] LEANDRO. Francisco da Silva. As armas das vítimas: um novo prisma sobre o Direito Internacional Humanitário e dos Conflitos armados. Edições Cosmos. Instituto da Defesa Nacional. Lisboa:2005. p.55.

[33] MORIKAWA, Márcia Mieko.op.cit.p. 543.

[34] FARNDON John. Tudo o que precisa saber sobre o Irão. Portugal: 2007.p. 33.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

WOYAMES, Catarina. O Direito Internacional Humanitário: a procura por uma alternativa eficaz à prática humanitária. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3795, 21 nov. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/25894. Acesso em: 2 maio 2024.