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As patentes de medicamentos e a dignidade da pessoa humana como limite ao direito fundamental à propriedade industrial

As patentes de medicamentos e a dignidade da pessoa humana como limite ao direito fundamental à propriedade industrial

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Para efetivar o direito de acesso a medicamentos, não é necessário harmonizá-lo com o princípio da proteção à propriedade industrial. Tendo sido este condicionado ao cumprimento de uma função social, basta que se utilize o instituto do licenciamento compulsório da patente em razão do interesse nacional.

Sumário:1. INTRODUÇÃO 2. O SISTEMA JURÍDICO DE PROTEÇÃO À PROPRIEDADE INDUSTRIAL 2.1 A propriedade industrial como direito fundamental 2.2 A regulamentação da propriedade industrial pela lei ordinária 3. TRATADOS INTERNACIONAIS EM MATÉRIA DE PROTEÇÃO ÀS PATENTES 3.1 O Acordo TRIPS/ADPIC e as patentes de medicamentos 3.2 A Declaração de Doha 4. DIREITO SOCIAL À SAÚDE E DIREITO À PROPRIEDADE INDUSTRIAL 5. CONCLUSÃO 6. REFERÊNCIAS bibliográficas. 


  1.    Introdução

A Constituição da República Federativa do Brasil consagrou a propriedade industrial como um direito fundamental do indivíduo, conferindo-lhe inegável importância no direito brasileiro. Entretanto, na mesma redação do art. 5º, inciso XXIX da Constituição Federal, percebe-se claramente que essa proteção diferenciada, verdadeiro privilégio conferido aos inventos industriais e aos nomes e sinais distintivos do empresário, tem como objetivo o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

No mesmo texto constitucional, desta feita no capítulo que trata dos princípios gerais da atividade econômica, há clara reiteração à consagração do direito à propriedade privada, o que dá à propriedade industrial, uma das espécies daquela, a dúplice importância de direito fundamental e de princípio geral da atividade econômica.

Ao erigir esse direito ao status de norma constitucional, o constituinte brasileiro seguiu a mesma ideologia adotada por quase todos os países capitalistas em suas constituições, partindo da premissa de que a proteção aos bens da propriedade industrial se afigura em importante mecanismo de fomento ao progresso econômico e social do País, uma vez que somente se alcança o investimento necessário à pesquisa e ao desenvolvimento de novas tecnologias mediante o estímulo representado pela concessão de privilégios temporários de utilização exclusiva do bem havido dos esforços intelectivos de seus criadores, indispensáveis à sua exploração econômica sem concorrência, de forma a recompensar financeiramente tais esforços.

Contudo, a apropriação do conhecimento sempre foi motivo de acirrada controvérsia entre estudiosos das diversas ciências sociais. Se para a maior parte da doutrina as ideias criativas do intelecto humano devem ser protegidas como uma forma de estímulo e incentivo material ao criador, recompensando-o pelos seus esforços e pelo seu talento, para outros, a limitação de seu uso dificulta o desenvolvimento da cultura e da tecnologia, prejudicando o aproveitamento social e coletivo da criação em prol do interesse comum, aumentando ainda mais as diferenças sociais, econômicas e tecnológicas entre as nações ricas e pobres.

Dentre todos os bens imateriais que surgem a partir da capacidade intelectiva do homem, aqueles definidos como bens da propriedade industrial são os que despertam maiores e mais frequentes divergências entre nações de diferentes níveis de desenvolvimento, uma vez que neste tipo de discussão é bastante aparente o interesse econômico de grandes grupos empresariais transnacionais, sempre apoiados por seus estados de origem.

Essa situação se torna ainda mais evidente quando o objeto da divergência diz respeito a patentes de medicamentos, haja vista a enorme dificuldade de se conciliar os interesses econômicos das nações mais ricas do mundo, dispostas a proteger sua indústria farmacêutica e, muitas vezes, sua posição dominante de mercado, e as necessidades de assistência à saúde das nações de pouco ou quase nenhum desenvolvimento econômico, carentes dos recursos financeiros necessários à promoção da saúde de seu povo.

Ao mesmo tempo em que a proteção aos bens da propriedade industrial constitui-se em eficiente método de incentivo à inovação tecnológica e de fomento ao desenvolvimento de novos produtos, necessários ao desenvolvimento e ao bem-estar de toda a sociedade, também cria uma subordinação tecnológica dos países economicamente menos favorecidos em relação àqueles mais abastados de recursos financeiros, aprofundando, desta forma, ainda mais, as desigualdades tecnológicas, econômicas e sociais.

Nessa difícil harmonia entre interesses aparentemente inconciliáveis, nem sempre é levado em consideração que não existem direitos absolutos, nem mesmo aqueles considerados fundamentais, como é a propriedade. Para elas, o cumprimento de uma função social é condição de sua legitimação e validade, o que é expressamente previsto no texto constitucional e na legislação ordinária regulamentadora da matéria.

Inclusive, sob a ótica do poder conformador do princípio da dignidade da pessoa humana sobre todos os outros princípios constitucionais, fundamento republicano do Estado brasileiro, o direito fundamental à propriedade industrial não pode ser exercido de forma a permitir que políticas públicas de saúde deixem de ser implementadas, haja vista que a tensão permanente entre o interesse econômico do titular da propriedade e o direito à vida e à saúde das pessoas deve resolver-se, sempre, em favor destas últimas.


2.    O sistema jurídico de proteção à propriedade industrial

A compreensão do complexo sistema de normas jurídicas que compõem a proteção às patentes exige o estudo de diversos acordos e tratados internacionais, dotados de um caráter supra-estatal, e da legislação brasileira, em especial do texto constitucional e da lei ordinária que regulamenta a matéria, elementos do que se convencionou chamar atualmente de Sistema Internacional da Propriedade Industrial.

O Brasil ocupa posição de destaque na comunidade internacional em razão de ter subscrito, desde o primeiro momento, a Convenção União de Paris (CUP) de 1883 juntamente com outros treze países. Esse tratado internacional assentou as bases do sistema de proteção legal às patentes de invenção e a outros bens da propriedade industrial, servindo de parâmetro obrigatório para a elaboração dos textos legais dos países signatários.

Carla Eugênia Caldas Barros explica a mudança de paradigmas inaugurada com o advento da Convenção União de Paris:

Até a segunda metade do século XIX, o assunto era tratado pelas regras de Direito Privado de cada Estado, estendidas às questões internacionais e que não se especificavam, expressamente, na propriedade intelectual, fato que veio a modificar-se quando, por iniciativa francesa, em 20 de maio de 1883, foi assinada a Convenção União de Paris – CUP.[1]

Ao vaticinar que “os países aos quais se aplica a Convenção constituem uma União para a proteção da propriedade industrial”[2], o texto normativo da Convenção União de Paris assevera o caráter de impositividade de suas disposições aos países membros, inclusive com a expressa disposição de que haja uniformidade de tratamento entre as pessoas provenientes de países unionistas[3]:

(1) Os nacionais de qualquer país da União deverão, no que diz respeito à proteção da propriedade industrial, gozar, em todos os outros países da União as vantagens que as respectivas legislações já concedem, ou poderão conceder a seguir, aos nacionais, tudo sem prejuízo especialmente aos direitos previstos pela presente Convenção. Conseqüentemente, eles devem ter a mesma proteção que estes últimos, o mesmo recurso legal contra qualquer violação de seus direitos, desde que as condições e formalidades impostas aos nacionais sejam respeitadas.[4]

No item 2, da alínea “a” do art. 5º, o texto da Convenção União de Paris já previa a utilização abusiva do exercício do direito de exploração exclusiva das patentes, inclusive dispondo acerca da adoção de medidas legislativas para o seu licenciamento compulsório:

(2) Cada país da União terá o direito de tomar medidas legislativas prevendo a concessão de licenças obrigatórias para prevenir os abusos que podem resultar do exercício dos direitos de exclusividade conferidos pela patente, por exemplo, a incapacidade de produção.[5]

A disposição contida em norma legal de natureza supra-estatal serviu como baliza para que o legislador nacional regulamentasse a matéria da proteção à propriedade industrial, o que se efetivou em quase todas as constituições brasileiras (1824, 1891, 1934, 1946, 1967 e 1988), adquirindo, nesta última, o status de direito fundamental.

Não se pode negar na atualidade a essencialidade da proteção à propriedade intelectual na ordem jurídica internacional, uma vez que o conhecimento é fator determinante de desenvolvimento econômico, social e tecnológico na moderna sociedade em que os valores materiais vêm sendo gradativamente substituídos pela informação. Ricardo Sichel observa que:

O domínio do conhecimento tecnológico, de sua formação, não somente de sua utilização, constitui-se, nos tempos hodiernos, grande diferenciador entre as nações. Cada vez mais se torna imperioso ter-se o controle sobre esse procedimento, na medida em que, ter tecnologia, significa deter plena soberania, isto é não depender da vontade de terceiros, no estabelecimento de metas de desenvolvimento capazes de formação de riquezas e, inclusive, de geração de empregos.[6]

Não obstante a importância do conhecimento para o desenvolvimento das nações, e a consequente necessidade de protegê-lo, os juristas alertam que essa espécie de privilégio temporário conferido pelo estado não pode servir de instrumento para o aumento das diferenças estruturais entre países ricos e pobres:

É inegável, nos tempos atuais, a grande transformação que sofre o processo de desenvolvimento tecnológico, em face da globalização da economia mundial. Urge pensar em uma nova ordem econômica, decorrente da queda de barreiras, em especial no que se refere à da facilidade de circulação de ativos, através do mundo virtual. Por outro lado, deve-se envidar esforços, visando evitar que aumente a barreira que separa os Estados pobres dos ricos, separação esta que pode ser resumida em outra fórmula: os detentores da tecnologia e do conhecimento e os importadores destes.[7]

Em razão deste delicado equilíbrio exigido na conjugação de dois valores universalmente consagrados – o direito à propriedade e o direito ao desenvolvimento – tornou-se necessária a elaboração de um sistema flexível de normas que tivessem a proteção aos bens da propriedade intelectual como regra, mas que podia ser excepcionada nas hipóteses em que o exercício deste direito não estivesse condicionado ao atendimento do interesse público, o que consagra a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana frente aos demais princípios fundamentais do indivíduo.

2.1.  A propriedade industrial como direito fundamental

A constatação de que o constituinte originário deu à proteção aos direitos industriais o status de direito fundamental causa certa espécie em razão de sua atipicidade como regra integrante do núcleo de proteção da dignidade da pessoa humana.

Os direitos fundamentais do homem, expressão utilizada por José Afonso da Silva para definir com maior exatidão os princípios que resumem a concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento jurídico[8], devem referir-se às situações jurídicas indispensáveis à realização, à convivência ou à sobrevivência da pessoa humana. Assim, o ponto característico que serviria para definir um direito fundamental seria a intenção de explicitar o princípio da dignidade da pessoa humana[9].

Contra esse raciocínio de que os direitos fundamentais seriam somente aqueles através dos quais se consagraria o princípio da dignidade da pessoa humana, é importante conhecer a crítica de Canotilho, segundo a qual esse raciocínio retira do catálogo material dos direitos todos aqueles que não pressuponham a ideia princípio da dignidade da pessoa humana[10].

Parece-nos, entretanto, que a observação crítica do renomado constitucionalista português reflete com exatidão o verdadeiro sentido que se busca dar ao núcleo fundamental das regras que consagram a dignidade do homem. Segundo observação criteriosa de Pietro de Sanchis, “historicamente, os direitos humanos têm a ver com a vida, a dignidade, a liberdade, a igualdade e a participação política e, por conseguinte, somente estaremos em presença de um direito fundamental quando se possa razoavelmente sustentar que o direito ou instituição serve a algum desses valores.”[11]

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, mesmo sem se aprofundar nessa discussão, chega a afirmar que “os direitos fundamentais referentes à propriedade estão num plano intermediário entre os que concernem à liberdade e os que dizem respeito à segurança, já que ela ao mesmo tempo toca a uma e outra” [12]. Segundo o constitucionalista, os direitos à propriedade são instrumentos da liberdade e garantia de segurança, tendo em vista que possibilitam ao indivíduo realizar o que quer, além de resguardá-lo contra a necessidade e a incerteza do amanhã.[13]

Não obstante a classificação dada à proteção dos direitos à propriedade industrial, o mesmo doutrinador reconhece a sua importância para a estrutura econômica sobre a qual se ergue a nossa Constituição, afirmando, finalmente, ser um “indiscutível exagero, porém, incluí-los no rol dos direitos fundamentais.”[14]

É possível afirmar que uma das prováveis causas para que a proteção à propriedade industrial tenha sido tratada na Constituição Federal como direito fundamental do indivíduo tenha sido a influência da ideia absolutista de propriedade consagrada ao longo do tempo, inspirada na visão jusnaturalista que entende ser a propriedade um direito divino, historicamente anterior ao homem, inerente à sua própria condição humana.

Segundo essa concepção individualista da propriedade, que realça a natureza egoística do homem e a sua tendência ao apego material, um dos meios de afirmação de seu poder e de seu prestígio na vida em sociedade era a acumulação de bens, o que lhe permitia alcançar riqueza pela detenção de maiores e mais numerosos meios de produção. Nasciam, ali, as raízes históricas e os fundamentos do abuso de poder econômico.

Sobre a evolução da compreensão de propriedade e sua inter-relação com o conceito de riqueza e com as estruturas de prestígio e de poder ao longo do tempo, é importante conhecer a digressão histórica feita por Gladston Mamede:

Mais do que isso, essa relação entre a terra e a riqueza reflete-se na própria estrutura política da sociedade ao longo do tempo, intimamente ligada à propriedade ou posse da terra; são exemplos o clero (χ??ρ?σ, ou seja, kleros) grego, lotes de terras entregues aos cidadãos, como em Esparta, onde a sua exploração por escravos e servos garante a sobrevivência do espartíata, ou seja, do cidadão guerreiro, ocupado com seu treinamento. A mesma estrutura que antes se verificara entre os babilônios e, depois, entre os hititas e assírios. Em Roma, temos o ager; na Idade Média, o feudo. No Brasil, temos as sesmarias e, depois, os engenhos e as fazendas, definindo o domínio econômico e político, identificado com a cana-de-açúcar, o café, a borracha, o gado etc. Somem-se, querendo, as minas.[15]

Não se pode negar, também, que a visão absolutista da propriedade, e que lhe elevou à categoria de direito fundamental do indivíduo, sofreu influência marcante do Código Civil francês, fruto da positivação dos valores burgueses que inauguraram o capitalismo e o liberalismo econômico, tratando a propriedade como um direito absoluto e perpétuo de usar, de gozar e de dispor da coisa.

A propriedade, segundo a ideologia dos Estados liberais, era vista como uma forma de proteger o indivíduo e sua família contra as necessidades materiais, o que inegavelmente lhe emprestava a importante função de meio de subsistência e de promoção da dignidade da pessoa humana. No entanto, contemporaneamente, a propriedade deixou de ser o único, ou o mais eficiente, meio de garantir a subsistência do indivíduo e de sua família, tendo surgido, em seu lugar, outros valores e outras garantias que tornam a garantia de subsistência mais efetiva, a exemplo da garantia de um emprego e de um salário justo, além das prestações sociais devidas ou garantidas pelo Estado, como a educação, a formação profissional, a saúde, a habitação e o lazer.[16]

Percebe-se, então, que as razões que levaram o legislador a adjetivar a proteção à propriedade industrial como direito fundamental do indivíduo não mais subsistem, ou melhor, sequer subsistiam à época da elaboração do texto constitucional vigente, uma vez que já naquela fase histórica (há pouco mais de 20 anos), as mudanças experimentadas pela sociedade brasileira já indicavam a superação do conceito de propriedade como paradigma de garantia do sustento próprio e familiar do indivíduo.

Na Itália, desde 1º de janeiro de 1948, quando passou a vigorar a atual Constituição, as disposições relativas à propriedade foram deslocadas do núcleo dos direitos fundamentais para o título que trata das relações econômicas[17]. Abandonou-se, naquele País, a concepção jusnaturalista do direito de propriedade como expressão do direito de personalidade, passando a ser tratado, então, como fato econômico[18].

Não obstante a observação crítica de que não faz muito sentido dar à propriedade industrial o tratamento de direito fundamental, o fato é que, na forma como foi positivada na Constituição Federal, a garantia de proteção à propriedade industrial se deu como norma constitucional de eficácia limitada, uma vez que depende de legislação infraconstitucional ulterior. Hoje, a norma que garante esse direito fundamental é a Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996, conhecida como Lei da Propriedade Industrial, que regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial.

 2.2 A regulamentação da propriedade industrial pela lei ordinária

Equiparando os direitos da propriedade industrial a bens móveis[19], o legislador ordinário assegurou ao titular desses direitos (patente de invenção e de modelo de utilidade, registro de marca, de desenho industrial e indicação geográfica) o privilégio de exploração exclusiva por determinado período de tempo, conferindo-lhe, ainda, o direito de impedir que terceiros, sem o seu consentimento, violem essa exclusividade[20]. Na hipótese de que essa violação já tenha sido consumada, a Lei da Propriedade Industrial confere ao titular da patente o direito de exigir indenização pela exploração indevida de seu objeto[21].

Como se não fosse suficiente assegurar ao titular de direitos da propriedade industrial a exclusividade de uso de sua propriedade e o direito de exigir uma indenização daquele que a tiver utilizado sem o seu consentimento, o legislador criminalizou uma série de condutas, definindo como crime contra patente de invenção ou de modelo de utilidade: (a) fabricar produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade, sem autorização do titular; (b) usar meio ou processo que seja objeto de patente de invenção, sem autorização do titular; (c) exportar, vender, expor ou oferecer à venda, ter em estoque, ocultar ou receber, para utilização com fins econômicos, produto fabricado com violação de patente de invenção ou de modelo de utilidade, ou obtido por meio ou processo patenteado; (d) importar produto que seja objeto de patente de invenção ou de modelo de utilidade ou obtido por meio ou processo patenteado no País, para os fins previstos no inciso anterior, e que não tenha sido colocado no mercado externo diretamente pelo titular da patente ou com seu consentimento; (e) Fornecer componente de um produto patenteado, ou material ou equipamento para realizar um processo patenteado, desde que a aplicação final do componente, material ou equipamento induza, necessariamente, à exploração do objeto da patente[22].

Como se observa, não são poucas as normas jurídicas que têm como finalidade regular os interesses dos titulares de direitos da propriedade industrial, o que lhes assegura, pelo menos em abstrato, o privilégio de exploração exclusiva desses bens originários de sua criação.

Entretanto, em observância ao comando do inciso XXIX, do art. 5º da Constituição Federal, que expressamente dispõe que os privilégios temporários a que faz referência devem ter em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, como, também, o comando genérico[23] do inciso XXII do mesmo dispositivo constitucional, que impõe à propriedade o dever de cumprir uma função social[24], o legislador infraconstitucional estabeleceu as situações em que se justifica a intervenção do Estado na esfera da propriedade particular do indivíduo para licenciar compulsoriamente a patente de invenção. São elas: (a) o exercício dos direitos conferidos pela patente de forma abusiva; (b) o abuso do poder econômico por meio da patente; (c) a não exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de fabricação ou fabricação incompleta do produto; (d) a falta de uso integral do processo patenteado, ressalvados os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; (e) a comercialização insatisfatória, que não atende as necessidades do mercado[25]; e, por último, (f) nos casos de emergência nacional ou interesse público, assim declarados em ato do Poder Executivo Federal[26].


3.    Tratados internacionais em matéria de proteção às patentes

Signatário de vários tratados internacionais em matéria de proteção à propriedade intelectual, o Brasil integrou o grupo de países que constituiu a Convenção União de Paris em 1883, instalando um regime jurídico uniforme de regras[27]. Alem dessa importante convenção internacional de proteção a todos os bens da propriedade industrial, o País também é signatário do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados ao Comércio (ADPIC/TRIPS), firmado em 1994, que tem como objetivo, “reduzir distorções e obstáculos ao comércio internacional e levando em consideração a necessidade de promover uma proteção eficaz e adequada dos direitos de propriedade intelectual e assegurar que as medidas e procedimentos destinados a fazê-los respeitar não se tornem, por sua vez, obstáculos ao comércio legítimo.[28]

Especificamente no que diz respeito às patentes de medicamentos, o Brasil também é signatário da Declaração de Doha, firmada em 2001 no Catar, durante a IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Tendo em vista a natureza jurídica dos referidos tratados, importa nesta ocasião conhecer a evolução do entendimento do Supremo Tribunal Federal brasileiro quanto a definição do status normativo dos tratados internacionais em matéria de direitos humanos que tem o País como signatário.

O Supremo Tribunal Federal brasileiro, a quem compete a função institucional precípua de guardar a Constituição Federal[29], interpretando seu texto e garantindo-lhe a integridade e o respeito, adotou a tese da legalidade ordinária dos tratados internacionais há mais de trinta e dois anos, quando, no julgamento de Recurso Extraordinário[30] que versava sobre a aplicabilidade de dispositivos da Convenção de Genebra sobre letras de câmbio e notas promissória, declarou, à unanimidade, acompanhando voto de vistas do Ministro Cunha Peixoto, que os tratados internacionais, para que tivessem vigência no Brasil, precisavam ser convertidos em leis ordinárias através de ratificação.

É preciso que se diga que, à época da decisão paradigmática, vigorava a Constituição Federal de 1967, e que a Convenção de Genebra (lei uniforme cambial) não tratava de matéria relacionada a direitos humanos.

 Já sob a vigência da Constituição Federal de 1988, em novembro de 1995 o Supremo Tribunal Federal reafirmou essa mesma posição ao julgar pedido de habeas corpus[31] que invocava como fundamento as determinações do Pacto de São José da Costa Rica quanto à impossibilidade de prisão civil por dívida, neste caso específico, em contrato de alienação fiduciária em garantia, em que o devedor não pagava as obrigações vencidas e nem devolvia o bem cuja posse precária lhe fora confiada, complementando que, havendo antinomia entre o tratado internacional e a lei ordinária, esse conflito resolver-se-ia pelo critério lex posterior derrogat legi priori, o que mostra a paridade hierárquica com que eram tratados.

Desta feita, a reafirmação do entendimento sustentado pelo Supremo Tribunal Federal de que os tratados internacionais ratificados no Brasil tinham força de lei ordinária revelou-se de maior significância, uma vez que o Pacto de São José da Costa Rica tratava sobre a Convenção Americana de Direitos Humanos, um importante documento internacional voltado à proteção das liberdades pessoais e da justiça social que, como o próprio nome afirma, trata de direitos humanos fundamentais.

Por último, em julgamento de medida cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade[32] movida pela Confederação Nacional do Transporte (CNT) e a Confederação Nacional da Indústria (CNI) contra Decreto Legislativo que aprovou a Convenção n.° 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acompanhando de forma unânime o voto do Ministro Celso de Mello, o Supremo Tribunal Federal tornou a reconhecer a paridade normativa dos tratados internacionais com a legislação ordinária.

Em três manifestações distintas, cada uma delas proferida em ação própria que versava sobre diferentes valores jurídicos (capital, liberdade e trabalho), o Supremo Tribunal Federal manteve-se firme em seu entendimento de reconhecer nos tratados internacionais ratificados no Brasil a natureza jurídica de lei ordinária.

Em dezembro de 2008 o Supremo Tribunal Federal pôs fim a essa antiga controvérsia doutrinária e jurisprudencial ao proferir histórica decisão em Recurso Extraordinário[33] que inaugurou nova classificação hierárquica das normas no ordenamento jurídico brasileiro.

A discussão travada naqueles autos processuais dizia respeito à admissão da prisão civil do depositário infiel no contrato de alienação fiduciária em garantia. Duas teses divergentes foram apresentadas para discussão em plenário, sendo que ambas entendiam pela impossibilidade da medida de força: a primeira, defendida pelo Ministro Celso de Mello, reconhecia nos tratados internacionais que versavam sobre direitos humanos status de norma constitucional, e a segunda, defendida pelo Ministro Gilmar Mendes, entendia que o valor desses tratados, conquanto não aprovados pelo quorum qualificado descrito na Constituição Federal brasileira, era de normas “supralegais”, posicionando-se logo acima da legislação ordinária, mas devendo obediência às regras constitucionais. Prevaleceu a última.

Encerrava-se o ciclo de mais de trinta anos em que vigorou a tese da legalidade ordinária dos tratados internacionais. Reconhecia-se, finalmente, que os tratados internacionais, principalmente aqueles que versam sobre direitos humanos, têm posição hierárquica superior em relação à legislação ordinária.

3.1 O Acordo TRIPS/ADPIC e as patentes de medicamentos

Em razão da aceleração do processo de globalização da economia e dos cada vez mais frequentes e significativos avanços tecnológicos experimentados nas últimas décadas, aliados a uma maior facilidade no acesso aos meios de produção, o mundo passou a experimentar um aumento considerável das violações aos bens tutelados pelo Direito da Propriedade Industrial. Este fenômeno provocou, em consequência, um aumento nos conflitos de interesse econômico entre os países mais desenvolvidos econômica e financeiramente e aqueles de economia emergente. A pirataria transformou-se, rapidamente, num fenômeno de massas experimentado em praticamente todos os países, desenvolvidos ou não.

Nascia daí a necessidade de uma adequação das regras de proteção à propriedade industrial, o que se efetivou com a elaboração, em 1994, do Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS/ADPIC). Em sua parte introdutória, o texto reconhece “a importância de reduzir tensões mediante a obtenção de compromissos firmes para a solução de controvérsias sobre questões de propriedade intelectual relacionadas ao comércio, por meio de procedimentos multilaterais”, numa clara alusão à motivação que levou ao aumento do nível de proteção da propriedade industrial em todos os estados-membros.

Logo no Capítulo I do referido acordo internacional, no artigo que trata dos princípios inaugurados com a norma supra-estatal, o texto reafirma, de maneira clara, a superioridade de suas regras em relação aos ordenamentos jurídicos internos dos estados-membros, em que pese ter sido coerente com a Convenção União de Paris que já previa, desde o seu texto original, o licenciamento compulsório de patentes:

1. Os Membros, ao formular ou emendar suas leis e regulamentos, podem adotar medidas necessárias para proteger a saúde e nutrição públicas e para promover o interesse público em setores de importância vital para seu desenvolvimento sócio-econômico e tecnológico, desde que estas medidas sejam compatíveis com o disposto neste Acordo.

2. Desde que compatíveis com o disposto neste Acordo, poderão ser necessárias medidas apropriadas para evitar o abuso dos direitos de propriedade intelectual por seus titulares ou para evitar o recurso a práticas que limitem de maneira injustificável o comércio ou que afetem adversamente a transferência internacional de tecnologia.[34]

Não obstante a imposição de regras que condicionam os estados-membros à elevação do nível de proteção aos bens da propriedade industrial, o texto do referido acordo internacional admite, em seu art. 31, o uso da patente sem a autorização de seu titular, desde que sejam respeitadas algumas condições, dentre as quais a de que se tenha buscado obter a autorização do titular em termos e condições comerciais razoáveis, sem que se tenha conseguido sucesso num prazo razoável:

Artigo 31

Outro Uso sem Autorização do Titular

Quando a legislação de um Membro permite outro uso do objeto da patente sem a autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros autorizados pelo governo, as seguintes disposições serão respeitadas:

[...]

(b) esse uso só poderá ser permitido se o usuário proposto tiver previamente buscado obter autorização do titular, em termos e condições comerciais razoáveis, e que esses esforços não tenham sido bem sucedidos num prazo razoável. Essa condição pode ser dispensada por um Membro em caso de emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência ou em casos de uso público não-comercial. No caso de uso público não-comercial, quando o Governo ou o contratante sabe ou tem base demonstrável para saber, sem proceder a uma busca, que uma patente vigente é ou será usada pelo ou para o Governo, o titular será prontamente informado;[35]

[...]

Observa-se que a segunda parte da alínea “b” do art. 31 do Acordo TRIPS/ADPIC dispensa o estado-membro dessa obrigação em caso de “emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência”, como, também, em “casos de uso público não comercial”, cabendo ao Governo, neste último caso, informar imediatamente ao titular da patente.

Por fim, merece destaque o reconhecimento de que os estados-membros de menor desenvolvimento econômico-financeiro estarão desobrigados a cumprir as regras estabelecidas naquele acordo pelo prazo de dez anos, a contar de um ano após a sua vigência[36], à exceção dos artigos que dispõem sobre o tratamento nacional, o tratamento de nação mais favorecida e os acordos multilaterais sobre obtenção ou manutenção da proteção[37].

A preocupação dos estados-membros em desenvolvimento em conseguir superar a condição de dependência tecnológica em relação aos países mais desenvolvidos, considerada um entrave para o progresso e o bem-estar de sua população, ruiu frente a um sem número de acordos bilaterais firmados quase sempre entre estados detentores e estados dependentes de tecnologia, que dificultavam, ou até mesmo impediam, a utilização da patente sem a autorização de seu titular.

O problema ético da proteção aos interesses econômicos dos titulares das patentes de medicamentos em detrimento do direito à saúde não passou despercebido, como se vê das observações de Fábio Konder Comparato:

O litígio referente à exploração das patentes de medicamentos retrovirais, no combate à síndrome da imunodeficiência adquirida, é uma boa ilustração dos notáveis malefícios que pode causar ao gênero humano o reconhecimento do caráter absoluto da propriedade privada. Ficou nítida, no episódio, a necessidade de se optar entre, de um lado, a proteção do interesse empresarial e, de outro, o dever ético de preservação da vida humana em qualquer circunstância. Em tais casos, constitui, sem exagero, um atentado contra a humanidade impedir, como fez a Organização Mundial do Comércio, em 1994, pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual (TRIPs), que as autoridades públicas dos diferentes países decidam não respeitar as patentes detidas por grandes empresas multinacionais, a fim de proteger um bem de valor incomparavelmente mais elevado: o direito à preservação da saúde e da vida de suas populações.[38]

Com a finalidade de harmonizar as relações comerciais entre diferentes países, o Acordo TRIPS/ADPIC criou uma nítida insatisfação dos estados menos desenvolvidos em relação aos obstáculos criados com o acesso aos medicamentos considerados necessários, uma vez que a proteção patentária elevada somente atendia aos interesses daquelas nações que já tinham desenvolvimento tecnológico mais acentuado.

3.2 A Declaração de Doha

A elaboração do acordo TRIPS/ADPIC e o inegável favorecimento aos países mais desenvolvidos, detentores da maior parte do conhecimento protegido pelo direito, trouxe, como efeitos, uma concentração do poder econômico das grandes empresas transnacionais e um consequente atraso no desenvolvimento científico dos países emergentes.

Esses efeitos foram sentidos de forma mais significativa na área da saúde pública, o que refletia, inevitavelmente, na qualidade de vida das populações destes países. Neste clima de insatisfação, organizações não-governamentais e governos de países em desenvolvimento pressionaram legitimamente a Organização Mundial do Comércio (OMC) a promover mudanças nas regras outrora estabelecidas.

Em 2001, em reunião na cidade de Doha, Catar, realizou-se a IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), ocasião em que fora elaborado um importante documento que trata da relação entre o interesse econômico tutelado pelo Sistema internacional da Propriedade Intelectual e as necessidades de saúde pública: a Declaração de Doha sobre o Acordo TRIPS e a Saúde Pública.

Em um documento que ressalta de maneira franca e direta a preocupação dos países menos desenvolvidos economicamente com a saúde de suas populações, a mencionada conferência ministerial transformou-se em um verdadeiro ato de insurgência contra a proteção aos interesses financeiros dos países ricos.

Em uma explicitação necessária do caráter fundamental e humano do direito à saúde, universal e de aceitação histórico-naturalística, os países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC) declararam que a proteção à propriedade industrial é importante para a produção de novos medicamentos, mas que a saúde pública é um valor maior e que deve ser protegido[39]. Inaugurou-se, no âmbito das discussões da Organização Mundial do Comércio (OMC), um novo paradigma: a supremacia inquestionável dos direitos humanos, em especial do princípio da dignidade da pessoa humana, em relação aos direitos da propriedade privada.

Reafirmou-se, naquele documento, o direito que têm os estados-membros de fazer uso da “flexibilidade implícita” prevista no acordo TRIPS/ADPIC para a proteção à saúde pública. Finalmente, decidiu-se que:

Na aplicação das tradicionais regras de interpretação da legislação internacional pública, cada cláusula do Acordo TRIPS deverá ser entendida à luz do objeto e da finalidade do Acordo, na forma expressa em seus objetivos e princípios.

Cada membro tem o direito de conceder licenças compulsórias, bem como liberdade para determinar as bases em que tais licenças são concedidas.

Cada membro tem o direito de determinar o que constitui emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema urgência, subentendendo-se que crises de saúde pública, inclusive as relacionadas com o HIV/AIDS, malária e outras epidemias, são passíveis de constituir emergência nacional ou circunstâncias de extrema urgência.

O propósito dos dispositivos do Acordo TRIPS que sejam relevantes para a prescrição dos direitos de propriedade intelectual é o de permitir que cada Membro seja livre para fixar suas próprias diretrizes quanto à referida prescrição, sem qualquer interferência, em consonância com o que dispõem os Artigos 3 e 4 sobre nação mais favorecida e tratamento nacional.[40]

Nos exatos termos do que se declarou, os estados-membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), reconhecendo a preocupante situação dos países mais pobres com epidemias de doenças, como o HIV/AIDS, a malária e a tuberculose, concordaram em flexibilizar o rigor do Acordo TRIPS/ADPIC para suprir as necessidades de medicamentos dos países de menor desenvolvimento econômico, inclusive reafirmando o que deveria ser óbvio: a sua autonomia de decidir quais as situações que caracterizam emergência nacional ou circunstância de extrema urgência para fins de aplicação do instituto do licenciamento compulsório da patente de medicamentos.

Como mostra o recente estudo realizado por um pesquisador da Faculdade de Direito da University of New South Wales, na Austrália, a preocupação dos países menos desenvolvidos encontra fundamento em dados estatísticos:

Ao longo da última década, a saúde pública e o desenvolvimento tornaram-se temas de grande preocupação internacional. A saúde pública em muitas partes do mundo chegou a níveis de crise: mais de 14 milhões de pessoas são mortas anualmente por doenças infecciosas (90% dos quais estão no mundo em desenvolvimento); globalmente mais de 40 milhões de pessoas estão infectadas com HIV/AIDS (90% dos quais estão no mundo em desenvolvimento) e a doença mata mais de três milhões de pessoas anualmente, e mais de 500 milhões de pessoas são infectadas com malária a cada ano e a doença mata mais de dois milhões de pessoas anualmente, mais de oito milhões de pessoas desenvolvem tuberculose ativa (TB) e a cada ano a doença mata mais de dois milhões de pessoas anualmente (95% das pessoas atingidas e 99% das mortes decorrentes de tuberculose são encontrados no mundo em desenvolvimento). Centenas de milhares mais pessoas morrem a cada ano por outras, menos conhecidas, doenças que afetam principalmente os países em desenvolvimento.[41]

Diante deste quadro diagnóstico devastador, a Declaração de Doha serviu de alerta para a insatisfação dos países membros da Organização Mundial do Comércio (OMC), uma vez que não há justificativa razoável para o cumprimento de regras internacionais de mercado em detrimento da dizimação de milhões de pessoas, em sua esmagadora maioria provenientes de países pobres, em face da dificuldade de acesso ou do alto preço dos medicamentos.


4.    Direito Social à Saúde e Direito à Propriedade Industrial

A Constituição Federal de 1998 representou o marco inicial da institucionalização dos direitos fundamentais no Brasil[42]. Representando um conjunto de valores orientadores da organização jurídico-social do país, a Constituição Federal valorou a “dignidade da pessoa humana” como o princípio orientador do próprio Estado Democrático de Direito[43], irradiador de seus efeitos em todo o sistema constitucional e infraconstitucional.

Importa observar que, em seu preâmbulo, o texto constitucional vigente assevera que a finalidade da constituição de um Estado Democrático é o de assegurar a todos “o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos[44]”. Logo em seguida, no inciso IV de seu art. 3º, o texto constitucional erige o bem-estar coletivo como um objetivo fundamental republicano[45].

No que diz respeito aos princípios fundamentais que orientam a República em suas relações internacionais, escolheu, a Assembleia Nacional Constituinte, reconhecer desde logo a “prevalência dos direitos humanos” em relação a todos os outros[46], numa clara demonstração de sintonia com os paradigmas constitucionais surgidos com o período pós-guerra.

Sobre a importância dada pelo texto constitucional à proteção dos direitos humanos, com especial enfoque ao valor da dignidade da pessoa humana, inclusive com o reconhecimento dos direitos sociais nesta categoria de direitos, importa conhecer o pensamento de Flávia Piovesan e Patrícia Luciane de Carvalho:

A Constituição de 1988 acolhe a idéia da universalidade dos direitos humanos, na medida em que consagra o valor da dignidade humana, como princípio fundamental do constitucionalismo inaugurado em 1988. O texto constitucional ainda realça que os direitos humanos são temas do legítimo interesse da comunidade internacional, ao ineditamente prever, dentre os princípios a reger o Brasil nas relações internacionais, o princípio da prevalência dos direitos humanos. Trata-se, ademais, da primeira Constituição Brasileira a incluir os direitos internacionais no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos.[47]

No art. 6º da Constituição Federal, o constituinte originário elencou, dentre vários outros, a “saúde” como um direito social do indivíduo[48], ainda tendo disposto, de forma enunciativa, no título que trata da “ordem social”, que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”[49].

Feitas estas observações preliminares do que consta no próprio texto constitucional, é possível definir o cenário em que se desenvolve a discussão acerca da tensão entre a obediência às regras internacionais de proteção às patentes de medicamentos frente às necessidades de saúde da população, principalmente no que diz respeito ao direito de acesso dos países menos desenvolvidos aos medicamentos protegidos e ao controle de seus preços.

Como já demonstrado em linhas anteriores, o Acordo TRIPS/ADPIC reconhece a possibilidade de que os estados-membros possam, respeitadas determinadas disposições utilizar-se do objeto da patente sem a autorização de seu titular, o que caracteriza o seu licenciamento compulsório. Estabelecida a referida premissa genérica, coube aos próprios estados regulamentar as condições em que se pode licenciar compulsoriamente a patente, exercitando livremente a sua autonomia legislativa[50].

No Brasil, segundo as disposições da Lei n.º 9.279/96, o licenciamento compulsório da patente tem lugar nos casos em que há uma conduta abusiva de seu titular, assim reconhecida por decisão administrativa ou judicial, nos termos da lei[51], ou quando a situação que reclama a medida extrema for tão grave que caracterize “emergência nacional ou interesse público”, desde que se atendam os seguintes requisitos: (a) a situação seja declarada por ato do Poder Executivo Federal, e (b) o titular da patente ou o seu licenciado não atenda essa necessidade.

Como o Brasil, todos os países unionistas, desenvolvidos ou não, previram em seus ordenamentos jurídicos internos regras que possibilitam o licenciamento compulsório de patentes. No entanto, a despeito de uma frequente utilização desse instituto em outros países como forma de controle de preços de medicamentos, a exemplo das experiências dos Estados Unidos da América e do Canadá[52], no Brasil essa possibilidade vem sendo utilizada de forma ainda bastante acanhada, tendo existido um único caso em toda a nossa história: o licenciamento compulsório da patente do medicamento “efavirenz”, fabricado pelo laboratório Merck Sharp & Dome, por força do Decreto n.º 6.108, de 4 de maio de 2007[53], um dos mais importantes remédios na terapia antiretroviral do HIV/AIDS.

Em situações como a brasileira, em que há o indiscutível interesse público de efetivar o direito à saúde da população de ter tratamento adequado da doença, o que implica, necessariamente, no acesso aos medicamentos mais eficazes, o licenciamento compulsório não deve ser considerado uma violação dos tratados e acordos internacionais em matéria de proteção aos direitos da propriedade industrial, uma vez que a hipótese, nos exatos termos do que fora convencionado na Declaração de Doha, afigura-se na reafirmação do princípio da dignidade da pessoa humana frente aos interesses econômico-patrimoniais dos titulares das patentes de medicamentos, quase sempre empresas transnacionais de grande porte financeiro.

Em um primeiro momento é possível afirmar que a hipótese em discussão – conflito entre dois direitos fundamentais (saúde x propriedade industrial) – revelaria uma aparente antinomia entre normas constitucionais no direito brasileiro. No entanto, é preciso observar que os direitos conferidos ao titular de uma patente não são absolutos, como não o são quaisquer direitos, na medida em que estão condicionados ao atendimento do interesse público. Por outro lado, o princípio da dignidade da pessoa humana, como disposto logo no art. 3º da Constituição Federal, revela-se em fundamento do Estado Democrático de Direito republicano, sobrepondo-se, portanto, ao direito à propriedade.

E em tempos de neoconstitucionalismo e de interpretação conforme a Constituição, é preciso atentar para o fato de que a constitucionalização dos direitos é um fenômeno que implica na harmonização de todo o ordenamento jurídico ao texto constitucional, não sendo mais admitida a visão puramente conceitual e programática das disposições constitucionais. Neste sentido, interessa conhecer a teoria de Alfonso Garcia Figueroa[54]:

O caráter vinculativo da Constituição sugere essencialmente uma característica da cultura jurídica de referência da ideologia dos juristas. Quando a ordem jurídica está constitucionalizada, os juristas consideraram a Constituição como uma verdadeira norma jurídica e não como uma mera declaração programática. O novo paradigma jurídico do constitucionalismo parece ser uma conseqüência dessa circunstância; os juristas aceitam a normatividade da Constituição; a dogmática desenvolve uma teoria do Direito atenta a este fenômeno, e a teoria do Direito influencia um ponto de vista interno (o do jurista) para um novo conceito de direito.[55]

Já que o valor constitucional conformador da proteção à dignidade da pessoa humana é de natureza fundamental, por se tratar de princípio jurídico historicamente objetivado e progressivamente introduzido na consciência jurídica e que encontra recepção expressa no texto constitucional[56], não há que se lhe exigir a mitigação frente ao princípio da proteção aos bens da propriedade industrial, uma vez que esta interpretação contrariaria a correta hermenêutica constitucional proposta pelo constitucionalismo moderno.

Ademais, importa observar, também, que somente se pode falar em cumprimento da função social da propriedade quando o bem material tutelado, neste caso a patente de medicamentos, atenda ao interesse social e ao desenvolvimento tecnológico e econômico do País, na forma do que dispõe o inciso XXIX, do art. 5º da Constituição Federal.

Seguindo este raciocínio, a patente de medicamento de interesse público que dificulta o acesso da população aos seus benefícios, em favor da saúde pública, não cumpre sua função social e não atende ao interesse social, violando flagrantemente o princípio que protege a dignidade da pessoa humana, estando, pois, legitimado sob o prisma normativo o seu licenciamento compulsório, nos termos do art. 71 da Lei n.º 9.279/96.


5.    Conclusão

O conflito entre os interesses dos titulares de patentes de medicamentos, em geral empresas transnacionais provenientes de países desenvolvidos tecnologicamente, e os estados subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, carentes de recursos financeiros e envoltos em problemas de saúde pública que acometem parte considerável de sua população, revela uma colisão de valores que pode ser facilmente solucionada através da correta interpretação hermenêutica dos tratados e convenções internacionais em matéria de proteção à propriedade industrial e as disposições constitucionais vigentes.

O ajustamento de condutas entre os estados-membros que subscreveram a Convenção União de Paris, reforçado e ampliado num passado próximo pelo Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio (TRIPS/ADPIC), revelou um protecionismo exacerbado aos interesses dos países desenvolvidos, ainda que tenham sido ajustados nos referidos tratados internacionais cláusulas de salvaguarda que visavam excepcionar aquelas imposições em casos especiais em que houvesse emergência nacional ou indiscutível interesse público do estado-membro.

A efetividade dessas exigências frente ao legítimo interesse dos estados-membros em ter acesso aos medicamentos considerados essenciais para a saúde pública fez com que os países menos desenvolvidos, incapazes de adquirir tais produtos a preços de mercado, ou até mesmo de licenciá-los diretamente dos titulares de suas patentes, discutissem as exigências do Acordo TRIPS/ADPIC na IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), quando se elaborou um dos mais importantes documentos internacionais em matéria de patentes de medicamentos: a Declaração de Doha.

Questionava-se, naquele encontro, se era justo, ou quem sabe até mesmo ético, negar às pessoas portadoras de doenças graves, como o HIV/AIDS, por exemplo, o acesso ao medicamento adequado à sua cura sob o argumento de que impasses econômicos na negociação entre estado e proprietário da patente impediriam o seu fornecimento.

Ao final daquele encontro, um inegável avanço para a efetivação de programas de saúde pública para os povos de países em desenvolvimento, não se alterou em absolutamente nada as disposições contidas no Acordo TRIPS/ADIPC, mas, tão somente, lhe foi dada a interpretação adequada à luz do princípio universal da dignidade da pessoa humana, reafirmando a possibilidade de utilização da salvaguarda prevista naquele mesmo tratado internacional.

Em meio a essa discussão que envolve interesses econômicos e questões ligadas à bioética, a possibilidade de utilização não autorizada da patente expressamente prevista nos acordos, o licenciamento compulsório, precisa ser analisada sob a ótica da nova ordem constitucional inaugurada com o advento da Constituição Federal de 1988.

  Mesmo diante da ausência de uma configuração dogmática mais firme acerca do conceito de função social da propriedade, o que provoca, muitas vezes, uma subutilização ou utilização equivocada deste instituto, no que diz respeito à propriedade industrial, não há tanta controvérsia, haja vista a redação expressa da parte final do inciso XXIX, do art. 5º da Constituição Federal, que condiciona a efetividade do privilégio temporário ao atendimento do interesse social e do desenvolvimento tecnológico e econômico do País.

Ademais, mesmo que esteja muito clara a definição de função social da propriedade industrial, ainda assim não se deve cometer o equívoco de interpretá-la de forma isolada dos demais dispositivos constitucionais, pois, como já explicado anteriormente, o fundamento republicano da proteção à dignidade da pessoa humana, como princípio normativo balizador de todo o ordenamento jurídico, exerce força de atração em relação aos demais princípios fundamentais. Esse é o pensamento de Ingo Wolfgang Sarlet:

Com efeito, sendo correta a premissa de que os direitos fundamentais constituem – ainda que com intensidade variável – explicitações da dignidade da pessoa, por via de conseqüência e, ao menos em princípio, em cada direito fundamental se faz presente um conteúdo ou, pelo menos, alguma proteção da dignidade da pessoa.

Em suma, o que se pretende sustentar de modo mais enfático é que a dignidade da pessoa humana, na condição de valor (e princípio normativo) fundamental que “atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais”, exige e pressupõe o reconhecimento e proteção dos direitos fundamentais de todas as dimensões (ou gerações, se assim preferirmos). Assim, sem que se reconheçam à pessoa humana os direitos fundamentais que lhe são inerentes, em verdade estar-se-á lhe negando a própria dignidade.[57]

Não pode haver dúvidas de que, na ordem constitucional vigente, o princípio estruturante e conformador da proteção à dignidade da pessoa humana, nitidamente de interesse público e de alcance ilimitado, não pode sofrer mitigação em razão da proteção constitucional conferida aos bens da propriedade industrial, ainda que este também se trate de um princípio constitucional tratado como direito fundamental na Constituição Federal.

Neste aspecto, há de ser observado, também, que para que se possa efetivar o direito de acesso a medicamentos como princípio derivado do direito social e fundamental à saúde, não é necessário harmonizá-lo com o princípio da proteção à propriedade industrial, uma vez que, tendo sido este condicionado ao cumprimento de uma função social - a de atender ao interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País - basta que se utilize o instituto do licenciamento compulsório da patente em razão do interesse nacional, como expressamente previsto no art. 31 do Acordo TRIPS/ADPIC e nos exatos termos do art. 71 da Lei n.º 9.279/96, quando o titular da patente não atender aos reclamos nacionais de interesse social e que envolvam a própria proteção à vida.

Obviamente, não se deve considerar a utilização da patente sem autorização de seu titular como uma regra, até mesmo porque não são todas as situações de saúde pública que caracterizam “emergência nacional ou interesse público”. A utilização indiscriminada da licença compulsória de patentes de medicamentos pode levar o Brasil a sofrer retaliações externas de ordem econômica, o que não ajuda em absolutamente nada o desenvolvimento econômico e tecnológico do País, vez que afetaria todos os demais setores da economia.

Contudo, nos casos em que a situação de saúde do povo brasileiro esteja a mercê de uma doença epidemiológica, ou ate mesmo caracterize um estado de interesse nacional em razão da necessária proteção à vida e à saúde como fundamentos estruturantes do próprio Estado de Direito Democrático, é preciso que não haja tergiversação na utilização da salvaguarda prevista nos tratados internacionais, até mesmo porque, diante de uma colisão de valores constitucionais, a vida, bem jurídico maior de qualquer ordenamento jurídico, jamais poderia ser relegada a um papel secundário em detrimento do interesse patrimonial de um ou de alguns indivíduos ou nações que já usufruem dos benefícios do desenvolvimento.


6.    Referências bibliográficas

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Notas

[1] BARROS, Carla Eugênia Caldas. Manual de Direito da Propriedade Intelectual. Aracajú: Evocati, 2007, p.78.

[2] CONVENÇÃO UNIÃO DE PARIS (1883). Texto original em inglês. Genebra: World Intellectual Property Organization. Article 1. (1) The countries to which this Convention applies constitute a Union for the protection of industrial property. Disponível em: <http://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/trtdocs_wo020.html>. Acesso em: 1º.08.2009.

[3] Expressão utilizada para identificar os países membros da Convenção União de Paris.

[4] CONVENÇÃO UNIÃO DE PARIS (1883). Texto original em inglês. Genebra: World Intellectual Property Organization. Article 2. (1) Nationals of any country of the Union shall, as regards the protection of industrial property, enjoy in all the other countries of the Union the advantages that their respective laws now grant, or may hereafter grant, to nationals; all without prejudice to the rights specially provided for by this Convention. Consequently, they shall have the same protection as the latter, and the same legal remedy against any infringement of their rights, provided that the conditions and formalities imposed upon nationals are complied with. Disponível em: <http://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/trtdocs_wo020.html>. Acesso em: 1º.08.2009.

[5] CONVENÇÃO UNIÃO DE PARIS (1883). Texto original em inglês. Genebra: World Intellectual Property Organization. Article 5. (2) Each country of the Union shall have the right to take legislative measures providing for the grant of compulsory licenses to prevent the abuses which might result from the exercise of the exclusive rights conferred by the patent, for example, failure to work. Disponível em: <http://www.wipo.int/treaties/en/ip/paris/trtdocs_wo020.html>. Acesso em: 1º.08.2009.

[6] SICHEL, Ricardo. O direito europeu de patentes e outros estudos de propriedade industrial. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 70.

[7] Idem, ibidem.

[8] SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. 3ª edição. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 56

[9] ANDRADE, Vieira apud MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 2ª edição ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 236

[10] CANOTILHO, J. J. Gomes apud op. cit., p. 236

[11] SANCHIS, Pietro apud MENDES, Gilmar Ferreira et al. Curso de Direito Constitucional. 2ª ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 237

[12] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 305

[13] Idem, Ibidem.

[14] FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 31ª ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005,, p. 310

[15] MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro: Empresa e Atuação Empresarial. 2ª ed.. São Paulo: Atlas, 2007, p.228.

[16] COMPARATO, Fábio Konder apud GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 10ª ed. ver. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 234 e 235.

[17] ITÁLIA. Constituição da República Italiana. Roma: Senado da República, 1948. Texto original: Art. 42. La proprietà è pubblica o privata. I beni economici appartengono allo Stato, ad enti o a privati. La proprietà privata è riconosciuta e garantita dalla legge, che ne determina i modi di acquisto, di godimento e i limiti allo scopo di assicurarne la funzione sociale e di renderla accessibile a tutti [44, 472]. La proprietà privata può essere, nei casi preveduti dalla legge, e salvo indennizzo, espropriata per motivi d’interesse generale. La legge stabilisce le norme ed i limiti della successione legittima e testamentaria e i diritti dello Stato sulle eredità. Disponível em: <http://www.senato.it/documenti/repository/costituzione.pdf>. Acesso em: 1º.08. 2009.

[18] Sobre o tema, MORAES, José Diniz de. A Função Social da Propriedade e a Constituição Federal de 1988. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 34.

[19] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Art. 5º Consideram-se bens móveis, para os efeitos legais, os direitos de propriedade industrial. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 1º.08.2009.

[20] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Art. 42. A patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto obtido diretamente por processo patenteado. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 1º.08.2009.

[21] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Art. 44. Ao titular da patente é assegurado o direito de obter indenização pela exploração indevida de seu objeto, inclusive em relação à exploração ocorrida entre a data da publicação do pedido e a da concessão da patente. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 1º.08.2009.

[22] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Arts. 183, 184 e 185. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 1º.08.2009.

[23] Tendo em vista que se refere a todos bens sujeitos à apropriação pelo indivíduo, e não somente aos bens da propriedade intelectual.

[24] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 5º [...] XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;

[25] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Art. 68, I e II. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 16.05.2009.

[26] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Art. 71. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 16.05.2009.

[27] C.f. RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Curso de Direito Comercial: o novo regime jurídico-empresarial brasileiro. Salvador: Podivm, 2008, p. 179.

[28] ADPIC/TRIPS: Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio/Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights. Texto oficial em português disponível no sítio do Ministério da Cultura brasileiro. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/ac_trips.pdf>. Acesso em: 1º.08.2009.

[29] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.  Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: [...]

[30] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 80.004 /SE. Brasília, 1º de junho de 1977. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 11.08.2009.

[31] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n.º 72.131/RJ. Brasília, 22 de novembro de 1995. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 11.08.2009.

[32] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 1.480-3. Brasília, 4 de setembro de 1997. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 11.08.2009.

[33] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n.º 349.703-1. Brasília, 3 de dezembro de 2008. Disponível em <www.stf.jus.br>. Acesso em 11.08.2009.

[34] ADPIC/TRIPS: Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio/Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights. Texto oficial em português disponível no sítio do Ministério da Cultura brasileiro. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/ac_trips.pdf>. Acesso em: 1º.08.2009.

[35] Idem, Ibidem.

[36] ADPIC/TRIPS: Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio/Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights. Art. 61, 1. Texto oficial em português disponível no sítio do Ministério da Cultura brasileiro. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/ac_trips.pdf>. Acesso em: 1º.08.2009.

[37] ADPIC/TRIPS: Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio/Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights. Art. 66, 1. Texto oficial em português disponível no sítio do Ministério da Cultura brasileiro. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/ac_trips.pdf>. Acesso em: 1º.08.2009.

[38] COMPARATO, Fabio Konder. Ética: direito, moral e religião no mundo moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p. 629

[39] DECLARAÇÃO SOBRE O ACORDO TRIPS E SAÚDE PÚBLICA. Itens 1 a 4. IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em Doha, Catar. Disponível em: <http://www.deolhonaspatentes.org.br/media/file/Patentes/declaracao_doha_sobre_acordo_trips.PDF>. Acesso em: 1º.08.2009.

[40] DECLARAÇÃO SOBRE O ACORDO TRIPS E SAÚDE PÚBLICA. Item 5. IV Conferência Ministerial da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada em Doha, Catar. Disponível em: <http://www.deolhonaspatentes.org.br/media/file/Patentes/declaracao_doha_sobre_acordo_trips.PDF>. Acesso em: 1º.08.2009.

[41] Texto original: Over the last decade, public health and development issues have become topics of great international concern. Public health in many parts of the world has reached crisis level: Over 14 million people are killed by infectious diseases each year (90% of which are in the developing world); over 40 million people globally are infected with HIV/AIDS (90% of which are in the developing world) and the disease kills over three million people annually; over 500 million people are infected with malaria each year and the disease kills upwards of two million people annually; over eight million people develop active tuberculosis (TB) each year and the disease kills over two million people annually (95% of those afflicted and 99% of deaths resulting from TB are found in the developing world)1 Hundreds of thousands more people die each year from other, lesser known, diseases which predominantly affect developing countries Over the last decade, public health and development issues have become topics of great international concern. Public health in many parts of the world has reached crisis level: Over 14 million people are killed by infectious diseases each year (90% of which are in the developing world); over 40 million people globally are infected with HIV/AIDS (90% of which are in the developing world) and the disease kills over three million people annually; over 500 million people are infected with malaria each year and the disease kills upwards of two million people annually; over eight million people develop active tuberculosis (TB) each year and the disease kills over two million people annually (95% of those afflicted and 99% of deaths resulting from TB are found in the developing world). Hundreds of thousands more people die each year from other, lesser known, diseases which predominantly affect developing countries. Disponível em: <http://www.austlii.edu.au/au/journals/UNSWLRS/2007/23.html>. Acesso em: 1º.08.2009.

[42] PIOVESAN, Flávia e CARVALHO, Patrícia Luciane de. Políticas para garantir acesso aos medicamentos no País. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-mar-14/politicas_garantir_acesso_aos_medicamentos_pais>. Acesso em: 1º.08.2009.

[43] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana; [...]

[44] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Preâmbulo

[45] Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

[46] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: [...] II - prevalência dos direitos humanos; [...]

[47] PIOVESAN, Flávia e CARVALHO, Patrícia Luciane de. Políticas para garantir acesso aos medicamentos no País. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-mar-14/politicas_garantir_acesso_aos_medicamentos_pais>. Acesso em: 1º.08.2009.

[48] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

[49] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988. Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

[50] ADPIC/TRIPS: Acordo sobre os Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio/Trade Related Aspects of Intellectual Property Rights. Art. 31. Texto oficial em português disponível no sítio do Ministério da Cultura brasileiro. Disponível em: <http://www.cultura.gov.br/site/wp-content/uploads/2008/02/ac_trips.pdf>. Acesso em: 1º.08.2009.

[51] BRASIL. Lei n.º 9.279, de 14 de maio de 1996. Presidência da República. Art. 68. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9279.htm>. Acesso em: 16.05.2009.

[52] Somente no período compreendido entre 1969 e 1983, foram licenciadas compulsoriamente cerca de vinte patentes de medicamentos, o que possibilitou o barateamento no preço dos medicamentos. Sobre o tema, veja-se PIOVESAN, Flávia e CARVALHO, Patrícia Luciane de. Políticas para garantir acesso aos medicamentos no País. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2008-mar-14/politicas_garantir_acesso_aos_medicamentos_pais>. Acesso em: 1º.08.2009.

[53] BRASIL. Decreto n.º 6.108, de 4 de maio de 2007. Presidência da República. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2007/Decreto/D6108.htm>. Acesso em: 1º.08.2009.

[54] FIGUEROA, Alfonso García. Neoconstitucionalismo(s). La Teoria Del Derecho En Tiempos de constitucionalismo. Madri: Trotta, 2ª Ed., 2005, p. 163. 

[55] Texto Original: La fuerza vinculante de la Constitución sugiere ante todo un rasgo de la cultura jurídica de referencia, de la ideología de los juristas. Cuando el ordenamiento jurídico está constitucionalizado, los juristas consideran la Constitución como una verdadera norma jurídica y no como una simples declaración programática. El novo paradigma jurídico del constitucionalismo parece ser consecuencia de esta circunstancia: los juristas aceptan la normatividad de la Constitución; la dogmática desarrola uma teoria del Derecho atenta a este fenômeno y la teoría del Derecho gesta bajo un ponto de vista interno (el del jurista) un novo concepto de Derecho.

[56] Sobre o tema, veja-se CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. Coimbra: Almedina, 1995, p. 171

[57] SARLET, Ingo Wolfgang apud TEIXEIRA, Elaine Cardoso de Matos Novais. Direitos Fundamentais na Constituição de 1998: estudos comemorativos aos seus vinte anos. Porto Alegre: Núria Fabris, 2008, p. 25.


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FALCÃO, Fernando Antônio Jambo Muniz. As patentes de medicamentos e a dignidade da pessoa humana como limite ao direito fundamental à propriedade industrial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 3878, 12 fev. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/26694. Acesso em: 1 maio 2024.