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A dimensão da garantia do acesso à justiça na jurisdição coletiva

A dimensão da garantia do acesso à justiça na jurisdição coletiva

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É fato indubitável que o direito processual civil, em nível mundial, passou por enormes transformações até alcançar sua forma atual.

Desde os primórdios da civilização organizada, até os dias atuais, os povos têm tido como preocupação constante a busca de um instrumento efetivo para a pacificação social.

Nesse sentido, as diversas sociedades evoluíram de modo a encontrar a melhor maneira de solucionar seus conflitos.

Nesse caminho percorrido [1], desde a época do Código de Hamurabi, podemos identificar essas formas de solução de litígios, conhecidas hoje como substitutos (ou equivalentes) jurisdicionais, a saber, autodefesa, auto-composição e mediação.

Essa busca encerra-se, de certo modo, com a adoção da jurisdição, que, a partir de meados do século XIV, torna-se a forma predominante de solução dos litígios [2].

Desde então, a jurisdição passa às atribuições do Estado. O Poder Estatal passa a ser enxergado como um todo que é exercido em três vertentes distintas, conforme sua área de atuação.

A partir daí, delineiam-se as três funções do Estado: administrar, legislar e julgar. É nesse contexto que o Estado-Juiz assume a responsabilidade de exercer a jurisdição, compondo de forma imperiosa e definitiva os litígios [3].

A Jurisdição apresenta, portanto, como vantagens, a imparcialidade, a defesa dos direitos da sociedade e a autoridade e capacidade de impor a decisão tomada. Seus elementos básicos são a lide [4] (existência de uma demanda ajuizada, ou seja, um autor que vem a juízo a fim de deduzir sua pretensão e obter a prestação jurisdicional do Estado-Juiz), a inércia [5] (o fato de o juiz não agir de ofício, mas somente quando provocado pelas partes), a substitutividade [6] (o monopólio da função jurisdicional) e a definitividade [7] (caber ao Judiciário dar a palavra final nos conflitos e questões jurisdicionalmente suscitados).

Essas quatro características traduzem a própria jurisdição exercida pelo Estado-Juiz, através de um instrumento denominado processo. Assim, o Juiz irá adequar aquele caso concreto que lhe é submetido à "moldura legal" [8], aplicando o dispositivo legal pertinente à questão, e solucionando o conflito de forma a garantir seja proporcionada aos membros da sociedade a justiça por eles esperada quando elegeram o Estado-Juiz como "único solucionador" de seus conflitos.

Esta é a realidade que prepondera hoje de forma quase absoluta na ordem processual mundial.

Ocorre que, a jurisdição, com o passar do tempo, tem se mostrado ineficaz em diversas situações, pelos mais variados motivos.

Tal situação, confrontada com a crescente modificação da sociedade, vem ensejando uma busca por novos instrumentos jurisdicionais [9].

Nessa esteira, na ordem jurídica processual foram inseridos dispositivos que procuravam diminuir o nível de obstrução das vias jurisdicionais.

No Brasil foram adotadas basicamente duas formas de atuação.

Numa primeira linha foram criados e desenvolvidos mecanismos de tutela de interesses metaindividuais, tais como a ação popular, a ação civil pública, o mandado de segurança coletivo e outras ações coletivas, previstas não só na Lei nº 7.347/85, mas também no Código de Defesa do Consumidor e no Estatuto da Criança e do Adolescente, entre outros.

Numa segunda linha, a ação foi diversificada; numa primeira vertente, os procedimentos tradicionais foram abreviados, suprimindo-se fases desnecessárias ou aperfeiçoando-se a redação dos dispositivos legais, evitando-se assim maiores delongas processuais em razão de divergência de interpretação acerca dos mesmos [10]. Numa segunda vertente, procurou-se simplificar alguns procedimentos, (principalmente aqueles que versavam sobre pequenas disputas, na área cível, e infrações de menor potencial ofensivo, na área criminal) através da adoção de princípios como a oralidade, imediatidade, concentração e informalização, todos envoltos numa atmosfera conciliatória.

Seguindo a primeira linha de atuação, foi editada no Brasil a Lei nº 7.347/85, que disciplinou a ação civil pública [11].

Contudo, o aparelho judiciário, apesar de inúmeras tentativas de melhora, tem se mostrado lento na compreensão das questões coletivas [12], o que desperta, cada vez mais, a atenção dos doutrinadores para a questão do acesso à justiça, sobretudo na jurisdição coletiva.

O acesso à justiça é sem dúvida o tema mais em voga nos dias atuais. Não apenas por sua estreita relação com a viabilidade política de um Estado Democrático de Direito, mas principalmente ante os recentes episódios que se passaram em nosso país e que acabaram por culminar num grande Projeto de Reforma do Poder Judiciário.

Ocorre que, como adverte Kazuo Watanabe [13], esta questão é bastante complexa, pois é necessária uma nova mentalidade a fim de que se assegure o acesso à ordem jurídica justa.

Ampliando essa ótica, e trazendo novas luzes, J.J. Calmon de Passos afirma ser necessário conceber o processo como instrumento de realização efetiva dos direitos individuais e coletivos, sendo então, em última análise um instrumento político de participação social [14].

Essa perspectiva é suficiente para que se tenha uma idéia do que seja o acesso à justiça e de sua importância.

De se ressaltar, contudo, ter tal importância alçado, há muito, foros internacionais, por intermédio das obras do insuperável Mauro Cappelletti [15].

Dessa forma, Mauro Cappelletti introduz e apresenta ao mundo suas "Ondas Renovatórias do Direito Processual" que vêm sendo estudadas como a base do moderno direito processual, não mais cegamente vinculado a regras formais, mas sim comprometido com as novas necessidades sociais, e atento às modificações em todos os ramos da vida humana.

Isto se dá como verdadeira necessidade de sobrevivência de qualquer disciplina jurídica.

Assim, se o direito é necessário para regulamentar a vida em sociedade e se é certo que essa sociedade está em permanente evolução, a ciência jurídica encontra-se, inexoravelmente, no seguinte dilema: ou acompanha a evolução, fornecendo as soluções adequadas e necessárias a se manter a ordem no Estado Democrático de Direito, evitando de um lado o autoritarismo e de outro a anarquia, ou torna-se obsoleta e desprovida de qualquer serventia, o que acarretará sua mais perfeita falta de efetividade, utilizando-se aqui o termo no contexto proposto por Luis Roberto Barroso [16], para quem isto significa "a realização do Direito, o desempenho concreto de sua função social", bem como "a materialização, no mundo dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximação, tão íntima quanto possível, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social".

Tendo em vista todas as considerações acima aduzidas, não fica difícil perceber a grande importância de um estudo mais aprofundado do direito processual, o que, indubitavelmente, só pode ser feito dentro de uma perspectiva voltada ao acesso à justiça.

Entretanto, tal estudo torna-se mais específico na medida em que este acesso à justiça deve ser garantido numa ordem civil constitucional, e não apenas nas demandas individuais, mas também, e principalmente, nas coletivas, pois aí residem as grandes carências e necessidades da sociedade de massa.

É nesse contexto que voltamos ao pensamento de Cappelletti para concluir que o direito, tanto material como processual, não pode ficar estagnado, sob pena de cair em desuso ou, ou que é pior, deixar de atender aos anseios sociais, perdendo assim sua razão de ser [17].

Destarte, torna-se imperioso nos dias de hoje, quando estamos imersos numa ordem coletiva, investigar qual é o meio mais eficaz para a proteção dos direitos transindividuais [18].

Isto porque vivemos em uma sociedade de produção em massa; temos relações de troca e de consumo em massa, bem como conflitos de massa.

Desta forma, não mais procurar-se-á a Justiça apenas para dirimir-se conflitos de caráter meramente individual, mas também para a solução doutros de natureza eminentemente coletiva, já que envolvem grupos, classes e coletividades. Em outras palavras, trata-se de "violações de massa" [19].

Na realidade, a complexidade da sociedade moderna, com intrincado desenvolvimento das relações econômicas, dá lugar a situações nas quais determinadas atividades podem trazer prejuízos aos interesses de um grande número de pessoas, fazendo surgir problemas desconhecidos às lides meramente individuais. Assim, os direitos e os deveres não se apresentam mais, como nos Códigos tradicionais, de inspiração liberal-individualística, como direitos e deveres essencialmente individuais, mas meta-individuais e coletivos.

Portanto, continuar, conforme a tradição individualística, a atribuir direitos exclusivamente a pessoas individuais significaria tornar impossível uma efetiva proteção jurídica dos direitos coletivos, exatamente na ocasião em que surgem como elementos cada vez mais essenciais para a vida civil (direito ao meio-ambiente, à saúde, segurança social em sentido lato, etc.). Em suma, os direitos transindividuais pertencem, em última análise, à coletividade.

A tutela dos direitos coletivos traz em si uma grande dificuldade. Se esses direitos pertencem a todos, quem vai tutelá-los? É verdade que cada cidadão possui uma "cota-parte" desse direito. Entretanto, a fim de ser ele bem defendido, é necessária a fixação de uma instituição que o titularize e tenha reais condições de desempenhar um bom trabalho.

De nada adiantaria criar um direito coletivo sem que uma pessoa processual recebesse a incumbência de defendê-lo, uma vez que os interesses dessa magnitude são bastante amplos, o que torna inviável sua defesa por apenas uma pessoa.

A questão passa a ser então qual seria o ente mais adequado para formular tal defesa?

A resposta é automática no ordenamento brasileiro: o Ministério Público.

Não se está aqui defendendo que o Parquet tenha a titularidade privativa para a defesa desse direito. No entanto, é muito difícil combater o fato de que o Ministério Público é parte prioritária ou a pessoa processual mais bem preparada para tanto [20], como, aliás, foi constatado cabalmente pela pesquisa de campo levada a efeito recentemente na Uerj, sob a coordenação do Professor Paulo Cezar Pinheiro Carneiro [21].

Essa mesma pesquisa apontou ainda um baixo número de ações propostas por associações civis, o que denota o tímido grau de organização da sociedade brasileira, e que vem ao encontro da posição acima sustentada no sentido de que deve o Ministério Público suprir esta deficiência até que ela seja sanada, através de uma conscientização social.

Por outro lado, é de se frisar que em determinados casos, há um grande poder econômico ou político em jogo, que reflete de forma negativa no autor da ação.

Eis mais uma razão para o acerto da solução em se reconhecer sempre a legitimação do Parquet, pois enquanto instituição autônoma, independente frente às três funções do Poder Público, e dotada de estrutura organizada, tem maiores e melhores condições de obter um resultado processual positivo.

Todas essas considerações devem ser colocadas num ambiente processual renovado; em outras palavras, as velhas regras e estruturas processuais em questão de legitimação e interesse de agir, de representação e substituição processual e de limites subjetivos e objetivos da coisa julgada precisam ser urgentemente revistas e alteradas em prol da defesa da sociedade.

Nesse sentido, Paulo Cezar Pinheiro Carneiro [22], propõe um re-estudo da garantia constitucional do acesso à justiça, a partir de quatro grandes princípios, a saber: acessibilidade, operosidade, utilidade e proporcionalidade.

A acessibilidade significa a existência de sujeitos de direito, capazes de estar em juízo, sem obstáculos de qualquer natureza, utilizando adequadamente o instrumental jurídico, e possibilitando a efetivação de direitos individuais e coletivos.

Isto se dá através do direito à informação, da garantia de uma legitimidade adequada e da gratuidade da justiça para os necessitados.

Operosidade, a seu turno, significa que todos os envolvidos na atividade judicial devem atuar de forma a obter o máximo de sua produção, para que se atinja o efetivo acesso à justiça.

Este princípio se aplica no campo subjetivo a partir de uma atuação ética de todos os sujeitos do processo, os quais devem sempre zelar pela efetividade da atividade processual. No campo objetivo, pode ser instrumentalizado através da utilização correta dos meios processuais, priorizando sempre a busca da verdade real e a índole conciliatória.

Por utilidade entende-se que o processo deve assegurar ao vencedor tudo aquilo a que ele tem direito a receber, da forma mais rápida e proveitosa, garantindo-se, contudo, o menor sacrifício para o vencido. Isto é instrumentalizado através dos seguintes fatores: a) superação da dicotomia segurança versus celeridade, binômio que deve ser aquilatado caso a caso, no curso do feito; b) utilização das espécies de tutela de urgência; c) concretização da execução específica como regra, adotando-se a genérica apenas excepcionalmente; d) fungibilidade da execução, especificamente no campo dos direitos do consumidor (art. 6º, inciso V do C.D.C.), propondo o autor, o aumento da incidência dessa regra para outros campos do direito; e) alcance subjetivo da coisa julgada, sobretudo nas ações coletivas; e f) limitação da incidência das nulidades, como corolário do princípio da instrumentalidade do processo.

Por fim, o princípio da proporcionalidade, que se traduz pela escolha a ser feita pelo julgador quando existem dois interesses em conflito. Deve ele se orientar por privilegiar aquele mais valioso, ou seja, o que satisfaz um maior número de pessoas.

Dessa forma, um direito coletivo deve ter "mais valor" [23] do que um individual. Esse princípio deve se manifestar tanto no que pertine à legitimidade, concessão de medidas de urgência, ônus da prova (inversão), utilização de prova ilícita, fungibilidade de execução e coisa julgada.

Toda essa concepção deve ser compatibilizada, ou melhor dizendo, deve ser adotada pelo Poder Judiciário, hoje tão em voga nos noticiários.

A bem da verdade, talvez entre todos os sujeitos processuais, seja o Juiz aquele que mais necessite modificar sua mentalidade [24], a fim de adequá-la aos modernos postulados do direito processual coletivo.

Não nos cabe aqui exemplificar ou especificar esta afirmação. Contudo, é certo que não raros autores vêm se dedicando a esse mister, não com intuito destrutivo ou de atacar a magistratura enquanto instituição, mas no intuito de contribuir para a adoção de uma nova postura [25].

Para contribuir na execução desta tarefa [26], em 1992 foi encaminhado ao Congresso Nacional o Projeto de Emenda Constitucional nº 96, hoje transformado em 96-A, acrescido de diversos substitutivos, de autoria original do Deputado Hélio Bicudo.

Posteriormente, foi publicado o Relatório Final do referido Projeto [27], cuja relatoria coube, inicialmente ao Deputado Aloysio Nunes Ferreira, e, posteriormente, à Deputada Zulaiê Cobra. A votação já foi iniciada, mas tem se prolongado em razão da complexidade da matéria [28]- (29).

Dentre as principais soluções apontadas no Projeto de Emenda Constitucional em referência, exsurge a instituição do Controle Externo do Poder Judiciário, através de um órgão denominado Conselho Nacional da Justiça, previsto e regulamentado na nova redação do artigo 103-A [30].

Entretanto, pensamos que o Projeto de Emenda à Constituição poderia ter avançado um pouco mais no que tange à proteção dos direitos coletivos.

Soluções mais práticas como a utilização dos juizados especiais cíveis e da arbitragem em sede de ação coletiva poderiam ser implementadas sem um esforço muito grande e, em determinados casos, poderiam surtir excelente efeito [31].

Por outro lado, o próprio direito processual tradicional deve se reciclar, a exemplo do que vem sendo feito pelo direito civil, a fim de ganhar fôlego para enfrentar o próximo milênio, onde uma sociedade de massa, cada vez mais globalizada, recorrerá ao Poder Judiciário deduzindo pretensões coletivas e de extensão social.

Novamente aqui a questão se põe em foco; ou o direito processual civil se renova e se adequa às novas necessidades sociais, ou perderá em grande parte sua efetividade e contribuirá para elevar o nível de tensão social, na medida em que estará falhando em seu objetivo de promover a paz e o bem comum na sociedade [32].

Para que isso se implemente, é necessário mudar o enfoque das relações processuais do âmbito individual e patrimonial para o eixo da indisponibilidade, quando se tratar de uma demanda coletiva.

Em outras palavras, se há alguns anos atrás o mestre Cândido Dinamarco [33] revolucionou o direito processual através do postulado da instrumentalidade do processo, faz-se necessário agora um novo avanço – dar mais um passo – qual seja promover a despatrimonialização do direito processual, até mesmo para manter esse sentido de instrumentalidade atualizado.

Isto implica, diretamente, na adoção de uma mentalidade que privilegie o caráter indisponível dos direitos tutelados por meio da ação coletiva, dada a sua clara extensão social.

Não basta, pois, a existência de um direito civil constitucionalizado; há que haver também um direito processual civil efetivamente dotado de carga constitucional, sobretudo em sede de jurisdição coletiva [34].

Somente dessa forma estaremos adequando o direito adjetivo aos modernos avanços da ciência jurídica e promovendo a real e concreta executoriedade do mandamento constitucional do acesso à justiça.

Isto porque, de nada adianta a existência de um dispositivo constitucional amplo e de aplicação imediata e abstrata se os operadores do direito buscam desculpas ou às vezes brechas no sistema legal para, por intermédio de uma interpretação literal, forçar um retrocesso histórico que só atende a alguns poucos interesses individuais, em detrimento do amplo e predominante interesse público.

Por outro lado, é forçoso reconhecer que a jurisdição coletiva apresenta-se como uma das grandes soluções para o crônico problema da obstrução das vias jurisdicionais [35].

Tem ela a capacidade de fazer convergir, em uma única relação processual, uma enorme gama de interesses.

Isso é benéfico à sociedade, pois haverá um processo mais consistente, onde as chances de vitória do autor são maiores, e à própria administração da Justiça, já que um processo coletivo evita o ajuizamento de dezenas, centenas, ou, até mesmo, milhares de ações individuais.

Finalmente, essa evolução no direito material e no direito processual só se tornará plenamente efetiva com a própria evolução da atuação do Ministério Público como órgão agente nas demandas coletivas.

É necessário, destarte, adotar uma nova mentalidade na concepção das questões processuais em sede de jurisdição coletiva.

Não é possível a cega utilização dos institutos tradicionais do direito processual civil, tais como legitimidade, litisconsórcio, condições para o regular exercício do direito de ação e coisa julgada, às novas questões sociais que surgem, eis que presenciamos hoje o surgimento de um direito processual eminentemente coletivo.

Esta é a tarefa para qual todos somos chamados nos dias atuais. Cabe a nós aceitar o desafio e ajudar a manter e efetividade do direito processual ou rejeitar a oferta, contribuindo, assim, voluntária ou involuntariamente, para o desuso da jurisdição como instrumento de solução de conflitos, e aumento do nível de tensão social.


Notas

1..Conferir a linha evolutória traçada por José Eduardo Carreira Alvim, in Elementos de Teoria Geral do Processo, 6ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1997, p.10 e ss..

2..Ressalvando-se, contudo, que desde a época da Roma antiga já havia um sistema jurisdicional, onde o poder de julgar era exercido, em última instância, pelos Imperadores.

3..A chamada tripartição dos poderes estatais foi proposta, ainda de forma embrionária, por Aristóteles, sendo desenvolvida e finalmente sistematizada por Montesquieu, e imortalizada em sua obra "De L`Esprit des Lois". (in OS PENSADORES – MONTESQUIEU [tradução sob supervisão da Editora Bertrand Brasil]. O Espírito das Leis, São Paulo: Nova Cultural, 1997). A propósito de tal evolução, é de se conferir BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição, 2ª edição, Rio de Janeiro: Saraiva, 1998, p. 161, nota nº 42.

4..Modernamente a doutrina processual vem entendendo não ser a lide um elemento essencial da jurisdição, mas acidental, na medida em que é possível a instauração de uma relação jurídico-processual independentemente da existência de contraposição de interesses. Nesse sentido, a questão assume contornos de maior relevância quando se discute a natureza da chamada "jurisdição voluntária". Acerca da controvérsia, bem como dos fundamentos adotados, veja-se FREITAS CÂMARA, Alexandre. Lições de Direito Processual Civil, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1998, p. 80 e ss. Lembre-se ainda que no direito pátrio foi Afrânio Silva Jardim um dos autores que primeiro se posicionou acerca do papel exercido pela lide na moderna estrutura jurisdicional. O mestre, de quem tive a honra de ser monitor ainda na Graduação da Faculdade de Direito da Uerj, sempre enfatizou ser a pretensão o real elemento necessário da jurisdição, e não a lide. Cf. a respeito JARDIM, Afrânio Silva. Direito Processual Penal, 4ª edição, Rio de Janeiro: Forense, 1991, p. 237 e ss..

5..Este princípio encontra-se consubstanciado nos artigos 2º, 128 e 262 do Código de Processo Civil, e é conhecido em doutrina como princípio dispositivo ou da demanda.

6..É em razão da substitutividade que se impede, em regra, exercitem as partes diretamente seus direitos quando os mesmos são violados ou ameaçados. A fim de reforçar ainda mais este postulado, o legislador houve por bem caracterizar como ilícito penal, tipificado no artigo 345 do Código Penal Brasileiro, esta conduta, que recebeu o nomen iuris de "exercício arbitrário das próprias razões".

7..Esta característica é responsável pelo importante papel exercido pelo Poder Judiciário no mecanismo de controle recíproco entre os Poderes da República, denominado "checks and balances".

8..Esta expressão era, e ainda é, freqüentemente utilizada por Paulo Cezar Pinheiro Carneiro em suas aulas na Graduação da Faculdade de Direito da Uerj. Apesar de aparentemente simples, consegue, com perfeição, definir o procedimento de suma relevância, mas que por vezes transcorre de forma imperceptível, onde o julgador concretiza, com eficácia inter partes ou erga omnes, dependendo do caso, o comando abstrato e genérico previsto pelo legislador.

9..A propósito, veja-se a minuciosa radiografia elaborada por Ada Pellegrini Grinover: "Todavia, é preciso reconhecer o grande descompasso entre a doutrina e a legislação de um lado, e a prática judiciária de outro. Ao extraordinário progresso científico da disciplina não correspondeu o aperfeiçoamento do aparelho judiciário e da administração da Justiça. A sobrecarga dos tribunais, a morosidade dos processos, seu custo, a burocratização da Justiça, certa complicação procedimental; a mentalidade do juiz, que deixa de fazer uso dos poderes que o Código lhe atribui; a falta de informação e de orientação para os detentores dos interesses em conflito; as deficiências do patrocínio gratuito, tudo leva à insuperável obstrução das vias de acesso à Justiça, e ao distanciamento cada vez maior entre o Judiciário e seus usuários". (GRINOVER, Ada Pellegrini. Novas Tendências do Direito Processual, 2ª edição, São Paulo: Forense Universitária, 1990, p. 177).

10..Nesse sentido foi efetivada a chamada Reforma Processual, consubstanciada nas Leis nº 8.455/92, 8.950/94, 8.951/94, 8.952/94, 8.953/94, 9.139/95 e 9.756/98, entre outras. Registre-se que tramitam ainda no Congresso Nacional mais três Projetos de Reforma do Código de Processual Civil, identificados como Projetos 13, 14 e 15, disponíveis na Internet no "site" do Ministério da Justiça, em http://www.redegoverno.gov.br, consultado em 20 de novembro de 2000.

11..Esta Lei foi posteriormente alterada pelo Código de Defesa do Consumidor, que não só expandiu este instituto, como também fez a previsão da ação coletiva, enquanto instrumento hábil à defesa do direito individual homogêneo, o que será estudado no curso desta parte do trabalho.

12..Ada Pellegrini Grinover mais uma vez analisa com exatidão as falhas na conjuntura processual: "A análise macroscópica da sociedade contemporânea revela alguns dados extremamente preocupantes na administração da Justiça. Não última, certamente, é a verificação da existência de um número cada vez maior de conflitos de interesses, não adequadamente solucionados, ou nem mesmo submetidos à apreciação jurisdicional. De um lado, a sociedade de massa gera conflitos de natureza coletiva ou difusa, dificilmente tratáveis segundo os esquemas clássicos da processualística de caráter individualista; do outro lado, a lentidão e o custo do processo, a complicação e a burocracia da Justiça, afastam o detentor de interesses indevidamente considerados ‘menores’, contribuindo para aumentar a distância entre o cidadão e o Poder Público, exacerbando a litigiosidade latente e desacreditando a Justiça, com conseqüências sempre perigosas e freqüentemente desastrosas". (GRINOVER, Ada Pellegrini, op. cit.. p. 205/206).

13..Sustenta o autor que: "a problemática do acesso à Justiça não pode ser estudada nos acanhados limites do acesso aos órgãos judiciais já existentes. Não se trata apenas de possibilitar o acesso à Justiça enquanto instituição estatal, e sim de viabilizar o acesso à ordem jurídica justa. Uma empreitada assim ambiciosa requer, antes de mais nada, uma nova postura mental. Deve-se pensar na ordem jurídica e nas respectivas instituições, pela perspectiva do consumidor, ou seja do destinatário das norma jurídicas, que é o povo, de sorte que o problema do acesso à Justiça traz à tona não apenas um programa de reforma como também um método de pensamento, como com acerto acentua Mauro Cappelletti". (WATANABE, Kazuo. Acesso à Justiça e Sociedade Moderna, in Participação e Processo, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1988, p. 128).

14.."Acredito estejamos caminhando para o processo como instrumento político de participação. A democratização do Estado alçou o processo à condição de garantia constitucional; a democratização da sociedade fá-lo-á instrumento de atuação política. Não se cuida de retirar do processo sua feição de garantia constitucional, e sim fazê-lo ultrapassar os limites da tutela dos direitos individuais, como hoje conceituados. Cumpre proteger-se o indivíduo e as coletividades não só do agir contra legem do Estado e dos particulares, mas de atribuir a ambos o poder de provocar o agir do Estado e dos particulares no sentido de se efetivarem os objetivos politicamente definidos pela comunidade. Despe-se o processo de sua condição de meio para realização de direitos já formulados e transforma-se ele em instrumento de formulação e realização dos direitos. Misto de atividade criadora e aplicadora do direito, ao mesmo tempo". (CALMON DE PASSOS, J.J.. Democracia, participação e processo, in Participação e Processo, Rio de Janeiro: Revista dos Tribunais, 1988, p. 95).

15..Em uma de suas mais felizes passagens, pontifica o Mestre: "o recente despertar de interesse em torno do acesso efetivo à Justiça levou a três posições básicas, pelo menos nos países do mundo Ocidental. Tendo início em 1965, estes posicionamentos emergiram mais ou menos em seqüência cronológica. Podemos afirmar que a primeira solução para o acesso - a primeira ‘onda’ desse movimento novo - foi a assistência judiciária; a segunda dizia respeito às reformas tendentes a proporcionar representação jurídica para os interesses ‘difusos’, especialmente nas áreas da proteção ambiental e do consumidor; e o terceiro - e mais recente - é o que nos propomos a chamar simplesmente "enfoque de acesso à justiça" porque inclui os posicionamentos anteriores, mas vai muito além deles, representando, dessa forma, uma tentativa de atacar as barreiras ao acesso de modo mais articulado e compreensivo". (CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 31 e ss.).

16..BARROSO, Luis Roberto. O Direito Constitucional e a Efetividade de suas Normas, Rio de Janeiro: Renovar, 1990, p. 76 e ss..

17..A propósito, diz Cappelletti, "não é preciso ser sociólogo de profissão para reconhecer que a sociedade (poderemos usar a ambiciosa palavra: civilização?) na qual vivemos é uma sociedade ou civilização de produção em massa, de troca e de consumo de massa, bem como de conflitos ou conflitualidades de massa. (...) Daí deriva que também as situações de vida, que o Direito deve regular, são tornadas sempre mais complexas, enquanto por sua vez, a tutela jurisdicional – a Justiça será invocada não mais somente contra violações de caráter individual, mas sempre mais freqüente contra violações de caráter essencialmente coletivo, enquanto envolvem grupos, classes e coletividades. Trata-se, em outras palavras, de violações de massa". (CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos Diante da Justiça Civil, in Revista de Processo, vol. 5, separata (sem indicação de tradutor).

18..Nesse sentido, Silva Pacheco afirma que, " após a Carta das Nações Unidas de 1945 e a Declaração Universal dos Direitos de 1948, vem crescentemente se concretizando a tendência de convenções internacionais e processos de integração global e regional, como incremento dos direitos sociais, econômicos, culturais, ecológicos, indispensáveis à dignidade e ao livre desenvolvimento da personalidade humana. A doutrina, cada vez mais intercomunicante, passou a focalizar novas nuances do fenômeno jurídico e os ordenamentos dos países inclusive do nosso, ampliaram a previsão de direitos, com o reconhecimento de todos eles, inclusive dos transindividuais, coletivos ou difuso e de direitos individuais homogêneos, além dos tradicionais. Para a sua defesa, tornou-se preciso permitir o acesso à justiça de legitimados autônomos, alargando, racionalmente, o campo da legitimidade, principalmente na esfera processual e, outrossim, dilatando o conceito de direito subjetivo, para abranger não só o direito que tenha um sujeito determinado como também o sujeito indeterminado, e, ademais, estendendo o próprio conceito de sujeito de direito. Se existem direitos difusos, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato, ou direitos coletivos, de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas vinculadas por uma relação jurídica básica, há de se admitir, necessariamente, que exista quem os defenda. Assim, atualmente, pode-se pleitear a tutela jurisdicional, quando houver ameaça ou lesão a direito de qualquer natureza, quer seja direito subjetivo, no conceito tradicional, de interesse legitimamente protegido de sujeito determinado, quer seja de direito individual homogêneo, direito transindividual, coletivo ou difuso". (PACHECO, Silva. Evolução do Processo Civil brasileiro, 2ª edição, Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 396/397).

19...O próprio Cappelletti, no sentido do texto, registrou inúmeras vezes que "a concepção tradicional do processo civil não deixava espaço para a proteção dos direitos difusos. O processo era visto apenas como um assunto entre duas partes, que se destinava à solução de uma controvérsia entre essas mesmas partes a respeito de seus próprios interesses individuais". (CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant [tradução de Ellen Gracie Northfleet]. Acesso à Justiça, Porto Alegre: Sérgio Antonio Fabris, 1988, p. 49).

20..Anote-se, contudo, que Mauro Cappelletti, no trabalho citado à nota nº 17, sustenta expressamente que o Parquet não seria a instituição mais adequada para essa tutela. Contudo, pensamos que o nobre jurista escreveu o texto voltado para as tradições ministeriais européias, onde a sociedade traz um nível de conscientização bem mais elevado que o nosso. Na verdade, a legitimação do Ministério Público para essa tutela do direito brasileiro justifica-se, principalmente, ante o caráter hipossuficiente de nossa sociedade, numa situação bastante semelhante àquela que faz o Promotor de Justiça ingressar nos autos de uma ação individual quando uma das partes é hipossuficiente, ou mesmo assumir seu pólo ativo, como se dá, v.g. em processo penal nas ações oriundas de crimes sexuais, e no processo civil, através da propositura da ação civil ex delicto, embora quanto a este último exemplo pese grande dissenso doutrinário, que não será aqui abordado por fugir aos limites de nossa proposta.

21..Confira-se a pesquisa em CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à Justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública, tese de cátedra em Teoria Geral do Processo apresentada à Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Forense, 1999.

22...CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. op. cit., p. 55 e ss..

23...Remetemos o leitor à teoria da ponderação de interesses, da qual falamos no capítulo primeiro desta parte. Para maiores esclarecimentos sobre o tema, consulte-se SARMENTO, Daniel. A Ponderação de Interesses na Constituição Federal, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2000.

24...Sobre essa questão específica, consulte-se Kazuo Watanabe, in GRINOVER, Ada Pellegrini et alii. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado, 6ª edição, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 706.

25...Não podemos deixar de registrar o diagnóstico, dotado de verdadeira precisão cirúrgica, elaborado por Ada Pellegrini Grinover acerca da magistratura brasileira: "O esquema burocrático e verticalizado da magistratura brasileira, a inexistência de controles externos, o próprio método de recrutamento dos juízes, a inocorrência até pouco tempo atrás, de cursos de aperfeiçoamento e especialização para os membros do Judiciário, o distanciamento dos julgadores, que tem reflexos até mesmo na linguagem, tudo isto tem levado, no curso dos tempos, ao excessivo corporativismo dos juízes, encastelados em posições de gabinete que pouco ou nada têm a ver com a realidade de uma sociedade em transformação. Eis a razão pela qual nem todos os magistrados têm se demonstrado sensíveis aos desafios criados pelos novos tempos e nem todos têm sabido dar as necessárias respostas a conflitos diversos dos tradicionais, a serem solucionados por instrumentos processuais antes inexistentes, esboçados pela Constituição de 1988 e, em alguns casos, por leis ainda recentes. Acresça-se a isto a dificuldade de adaptação a uma ordem jurídica profundamente inovadora, traçada pela Constituição, a demandar do juiz a postura de árbitro de controvérsias de dimensões sociais e políticas; e ter-se-á a medida da grande dificuldade de entrosamento entre a mentalidade do juiz brasileiro e as novas funções que institucionalmente se lhe demandam. Não é de admirar, portanto, se as primeiras decisões dos tribunais brasileiros – inclusive do Supremo Tribunal Federal – sobre os novos instrumentos processuais-constitucionais, como o mandado de injunção e o mandado de segurança coletivo, têm freqüentemente correspondido a tornar letra morta a própria norma constitucional. Nem é de estranhar que na solução de conflitos coletivos os juízes nem sempre tenham sabido corresponder ao papel que deles se esperava. Algum tempo haverá de passar, antes que a mentalidade do juiz brasileiro se adapte à nova ordem constitucional, que representou uma verdadeira ruptura em relação ao recente passado político e institucional do país. Aliás, não é somente a postura do juiz que tem se erigido em obstáculo para a plena e imediata efetividade da Constituição. Muitos são os interesses que esta contrariou e significativos os esforços de seus titulares para atenuar o impacto das novas disposições. Por sua vez, a mentalidade conservadora, bastante difusa, também resulta em tendência ao imobilismo. E a preguiça mental, que leva a interpretar princípios e regras como se nada de fundamental houvesse mudado, constitui-se em outra circunstância que embaraça a plena eficácia das recentes disposições. Como reverter esse quadro?" (Grinover, Ada Pellegrini. O Processo em Evolução, 2ª edição, São Paulo: Forense Universitária, 1998, p. 25).

26...Até mesmo porque "não basta haver Judiciário; é necessário haver Judiciário que decida. Não basta haver decisão judicial; é necessário haver decisão judicial justa. Não basta haver decisão judicial justa; é necessário que o povo tenha acesso à decisão judicial justa. O acesso à decisão judicial constitui importante questão política. Não há verdadeiro Estado Democrático de Direito quando o cidadão não consegue, por inúmeras razões, provocar a tutela jurisdicional". (CLÈVE, Clèmerson Merlin. Temas de Direito Constitucional e da Teoria do Direito, São Paulo: Acadêmica, 1993, p. 50/51).

27...PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 96-A, DE 1992, de autoria do Deputado Hélio Bicudo, com relatório da Deputada Zulaiê Cobra que Introduz modificações na estrutura do Poder Judiciário, disponível na Internet, em http://www.amperj.org.br, inclusive com as complementações inseridas pela própria relatora, em outubro de 1999, e pelos destaques apresentados, conforme última versão disponibilizada em maio de 2000.

28...Do texto do relatório, transcrevemos o seguinte excerto que demonstra, à toda evidência, a preocupação do Poder Legislativo com os rumos do Poder Judiciário e principalmente com a questão do acesso à justiça: "Há unanimidade nesta Comissão quanto aos objetivos de nossos trabalhos. Pretendemos todos encontrar soluções para o atual estado de decadência em que se encontra o Poder Judiciário brasileiro, que se revela principalmente na demora da entrega da prestação jurisdicional, no acúmulo de recursos nos tribunais superiores e na dificuldade de acesso do cidadão à justiça. Queremos, portanto, uma justiça célere, sem olvidar a segurança jurídica. Buscamos um Judiciário forte e independente, imprescindível no Estado Democrático de Direito, sem esquecer o controle social dessa Instituição. Estamos certos, portanto, de que o consenso só será alcançado com o encontro de vontades visando a um fim comum".

29...Toda a problemática da Reforma do Poder Judiciário vem sendo enfrentada por diversos autores nacionais. Contudo, profícua, e sobretudo equilibrada, abordagem pode ser vista em recente obra de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, na qual colhemos o seguinte excerto: "É imperioso, portanto, que se discuta o problema do aperfeiçoamento, sempre possível e, por vezes, como agora, necessário, do sistema judiciário, mas com a necessária elevação e, sobretudo, a perfeita consciência de que se está tangendo as fibras mais profundas e sagradas do tecido social, sobre a trama das quais repousa a maravilhosa mas ainda jovem e frágil experiência humana de individualidade, de liberdade e de responsabilidade que são, em suma, o espírito da civilização ocidental. Cuidado para que se não ponha em risco o todo a pretexto de sanar uma parte, pois concessões ao retrocesso costumam cobrar um alto preço: a tirania, a violência, o terror e até a perda do legado civilizatório e o retorno à barbárie. Observados esses limites, todo o esforço, enfim, deve ser envidado para que se possa promover uma reforma da Justiça, que seja mais que uma reforma do Judiciário, para afastar, além da pesada carga de trabalho que vem suportando e lhe está minando a qualidade e a credibilidade, todos esses acabrunhantes problemas que o afligem e que o impedem de ser célere, barato, útil e, tantas vezes, de ser justo, pois só com uma Justiça forte e independente é possível alcançar-se e manter-se o ideal de liberdade em qualquer organização política". (MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. O Sistema Judiciário Brasileiro e a Reforma do Estado, São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, pág. 106).

30...É a seguinte a nova redação do artigo 103-A da Constituição Federal, de acordo com os termos do Projeto: "Seção II-A - DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTICA

Art. 103-A. O Conselho Nacional de Justiça compõe-se de treze membros com mais de trinta e cinco e menos de sessenta anos de idade, com mandato de dois anos, admitida uma recondução, sendo(...)

§ 4º Compete ao Conselho o controle da atuação administrativa e financeira do Poder Judiciário e do cumprimento dos deveres funcionais dos juízes, cabendo-lhe, além de outras atribuições que lhe forem conferidas pelo Estatuto da Magistratura:

I – zelar pela autonomia do Poder Judiciário e pelo cumprimento do Estatuto da Magistratura, podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência, ou recomendar providências;

II – zelar pela observância do art. 37 e apreciar, de ofício ou mediante provocação, a legalidade dos atos administrativos praticados por membros ou órgãos do Poder Judiciário, podendo desconstituí-los, revê-los ou assinar prazo para que se adotem as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, sem prejuízo da competência do Tribunal de Contas da União;

III – receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, inclusive contra seus serviços auxiliares, sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais, podendo avocar processos disciplinares em curso, determinar a perda do cargo, recomendar a remoção, determinar a disponibilidade ou a aposentadoria com subsídios ou proventos proporcionais ao tempo de serviço e aplicar outras sanções administrativas, assegurada ampla defesa;

IV – representar ao Ministério Público, no caso de crime contra a administração pública ou de abuso de autoridade;

V – rever, de ofício ou mediante provocação, os processos disciplinares de juízes e membros de tribunais julgados há menos de um ano;

VI – elaborar relatório anual, propondo as providências que julgar necessárias, sobre a situação do Poder Judiciário no País e as atividades do Conselho, o qual deve integrar mensagem do Presidente do Supremo Tribunal Federal a ser remetida ao Congresso Nacional, por ocasião da abertura da sessão legislativa (...)".

31...Esses instrumentos são citados apenas para ilustrar a necessidade de se implementar uma mentalidade mais voltada aos direitos coletivos. Especificamente quanto aos juizados especiais, veja-se RODRIGUES, Geisa de Assis. Juizados Especiais Cíveis e Ações Coletivas, Rio de Janeiro: Forense, 1997. Quanto à arbitragem, a questão é delicada, já que de um lado há dispositivo expresso vedando, de forma genérica, sua utilização compulsória (artigo 51, inciso VII do C.D.C.) nas relações de consumo, e, por outro, a Lei da Arbitragem dispõe, em seu artigo 4º, § 2º, que "nos contratos de adesão, a cláusula compromissória só terá eficácia se o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula". Nesta hipótese, a fim de evitar um conflito de normas, vem se optando pela tentativa de coadunar ambos os diplomas, de forma que, a Lei de Arbitragem, sendo mais recente, teria excepcionado a regra geral do C.D.C.. Assim sendo, seria possível a utilização de cláusula compromissória apenas nos contratos de adesão, e mesmo assim, se obedecidas as formalidades impostas pelo dispositivo legal.

32...Nessa perspectiva leciona Ada Pellegrini Grinover: "A tutela jurisdicional dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos representa, neste final de milênio, uma das conquistas mais expressivas do Direito brasileiro. Colocados a meio caminho entre os interesses públicos e os privados, próprios de uma sociedade de massa e resultado de conflitos de massa, carregados de relevância política e capazes de transformar conceitos jurídicos estratificados, os interesses transindividuais têm uma clara dimensão social e configuram nova categoria política e jurídica". (GRINOVER, Ada Pellegrini. A Ação Civil Pública Refém do Autoritarismo, in Revista de Processo, vol. 96, p. 28/36, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999).

33...DINAMARCO, Cândido Rangel. A instrumentalidade do processo, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

34...Até mesmo porque, como salienta Ovídio Batista, "não há mais lugar à concepção prviatística do processo, tão ao gosto dos civilistas, ainda que a demanda envolva um conflito exclusivamente de direito privado". (SILVA, Ovídio Batista da. GOMES, Fabio Luiz. Teoria Geral do Processo Civil, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 41).

35...A propósito, Rodolfo de Camargo Mancuso elenca as seguintes vantagens do incremento da jurisdição coletiva: "i) permite o tratamento processual unitário da matéria controvertida, o que constitui a técnica adequada nas demandas que envolvem interesses metaindividuais, pela própria natureza indivisível deste; ii) previne a pulverização dos conflitos de massa em múltiplas ações individuais, as quais tumultuam o ambiente judiciário, retardam a prestação jurisdicional, e, ao cabo, levam ao descrédito social no Poder Judiciário; iii) evita o paroxismo das decisões qualitativamente diversas sobre um mesmo assunto, ocorrência incompatível com a garantia constitucional da isonomia, a qual deve se estender à norma judicada, e não apenas restringir-se à norma legislada; iv) oferece um parâmetro judicial apriorístico, útil para o equacionamento ou mesmo a prevenção de conflitos plurissubjetivos, como aqueles que contrapõem contribuintes e Fisco; aposentados e Previdência Social; poupadores e sistema bancário; servidores públicos e Estado; consumidores e fornecedores; v) viabilizar a uniformização da jurisprudência, permitindo uma resposta judiciária homogênea, cuja eficácia se expande ao longo da extensão e compreensão do interesse metaindividual considerado, estabelecendo, assim, um confiável parâmetro judiciário para as demandas assemelhadas". (MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante, São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 366).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A dimensão da garantia do acesso à justiça na jurisdição coletiva. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 55, 1 mar. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2790. Acesso em: 1 maio 2024.