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A nota promissória e os seus requisitos essenciais à luz da Lei Uniforme

A nota promissória e os seus requisitos essenciais à luz da Lei Uniforme

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Os requisitos do título de crédito do tipo nota promissória, notadamente aqueles que referem a sua essenciabilidade, é questão de relevante interesse, seja na esfera prática, seja na esfera teórica, pois que, segundo o Código de Processo Civil [1], "é nula a execução se o título executivo não for líquido, certo e exigível", sendo que a questão pode importar na própria extinção do processo executório, ante a eventual ineficácia dos títulos que não tragam os ditos requisitos essenciais.

O tema tem levado inúmeros profissionais da advocacia a se depararem com uma situação inusitada e inesperada quando, ao proporem execuções deste tipo de título de crédito, são surpreendidos por uma sentença, geralmente em sede de embargos, dando a execução como nula e o exeqüente como carecedor da execução aforada, em face da ausência de requisitos essenciais ao título de crédito.

A questão torna-se crucial ao patrono da causa, pois terá que informar ao seu cliente que ele fora condenado ao pagamento, além das custas processuais, numa verba honorária de, no mínimo, 10% sobre o valor da execução [2], quando o que ele mais queria naquele momento era receber o seu crédito que julgava líquido, certo e exigível. Ademais, difícil explicar, a despeito da extinção da execução, que o cliente encontra-se impossibilitado de intentar nova ação para satisfação de seu crédito sem que antes comprove o pagamento ou depósito das custas e dos honorários advocatícios [3] a que, certamente, fora condenado na execução extinta.

Diante disso, a divergência da essenciabilidade dos requisitos surge quando se analisa dois deles – a indicação da data e do lugar onde a nota promissória é emitida – que, à mingua de maiores luzes esclarecedoras, ora se mostram essenciais, ora se mostram secundários.

Entretanto, a questão deveria ser melhor esclarecida, pois, como acima exposto, tais requisitos, essenciais, ou não, podem acarretar a nulidade da execução, com conseqüências drásticas, como, vale repetir, a condenação em honorários de advogado, pagamento de custas processuais e outras cominações legais, com a ressalva, sempre oportuna, que tais ônus serão sempre suportados pelo credor, que, mal orientado, acaba por embasar uma execução com notas promissórias desvestidas dos indigitados requisitos essenciais.

A questão levantada não vem pacificada na doutrina e tampouco na jurisprudência, exatamente as searas culturais que poderiam por um fim na celeuma, ante o impacto social que, muitas vezes, o desfecho acarreta.

Alguns autores argumentam pela dispensabilidade de tais requisitos, entre eles Eunápio Borges [4] afirmando que a data de emissão é mero requisito acidental, "cuja falta não tem, porém, a grave conseqüência de invalidar o título"; Whitaker [5] preconizando que "toda obrigação tem, necessariamente, uma data, que é aquela em que se constitui, mas a declaração desta data não é indispensável à validade da letra de câmbio"; Saraiva [6], para quem a data da emissão "é útil, mas não essencial" e, Magarinos Torres [7], classificando a data da emissão como "indicação secundária". No mesmo sentido, ainda, a doutrina de Theodoro Junior [8] e Paes de Almeida [9].

Neste trilhar, não é diferente o posicionamento de uma parte das decisões jurisprudênciais, como:- "Cambial – Nota Promissória – Data de emissão omitida – Irrelevância – Validade do título [10]" ou "Nota Promissória – Ausência da data de Emissão – Exeqüibilidade. A falta de data de emissão na nota promissória, quando essa omissão nenhuma importância tem para o desfecho da lide, caracteriza mera irregularidade, insuficiente para retirar a liquidez e a certeza do título e impossibilitar a execução [11]". Vários julgados neste sentido [12]

Entretanto, exercendo-se uma exigível, porém humilde, ginástica de raciocínio, entendemos que a solução, em que pese o brilho e dinamismo daqueles que lecionam no sentido supra citado, aponta para o caminho inverso, ou seja, a indicação da data em que a nota promissória é passada é requisito essencial, sem o que o título não será hábil a embasar execução.

É que, segundo a Lei Uniforme [13], são requisitos da nota promissória "a indicação da data em que e do lugar onde é passada", trazendo à tona duas orientações legais:- uma quanto a data de emissão da cártula e outra quanto ao lugar em que é passada.

Entretanto, a própria Lei Uniforme, ao reportar sobre o lugar da emissão, diz ser facultativo, estabelecendo que, "na omissão tem-se o lugar como sendo aquele designado ao lado do nome do subscritor" [14]. Não se pode, porém, perder de vista que referida disposição uniforme nada reza quanto a convalidação da data de EMISSÃO da cártula; apenas diz quanto ao lugar de emissão.

A uniformidade de referida lei levou Rubens Requião [15], com a maestria de sempre, a lecionar que "são requisitos essenciais, sem o que o título não será cambiário, os seguintes, exigidos pela Lei Uniforme (art. 75):... d) a indicação da data em que a nota promissória é emitida;... A Lei Uniforme inclui entre os elementos que a Nota Promissória deve conter, mais os seguintes: a época do pagamento e a indicação do lugar em que foi passada. Mas estes não são requisitos essenciais... (Destacamos).

Com a mesma autoridade é o magistério de Fran Martins [16], para quem "a semelhança da Letra de Câmbio, a Nota Promissória deve trazer, obrigatoriamente, segundo a Lei Uniforme, a indicação da data em que é passada, SOB PENA DE NÃO TER EFEITO COMO PROMISSÓRIA o título que não há contiver, já que a Lei de Genebra, ao contrário do que acontecia com a brasileira (Lei nº 2.044, art. 54, § 1º), não deu ao portador mandato presumido para, à falta de data, inseri-la no título" (Destacamos).

Ulderico Pires dos Santos [17], também comunga de tal entendimento, lecionando que "a Nota Promissória é, como se sabe, um título formal e abstrato mas que pode circular despida de alguns de seus requisitos indispensáveis, como por exemplo, sem a data de emissão e sem o nome do beneficiário; essas omissões DEVEM ser supridas, todavia, ANTES DE O CREDOR ACIONAR O PEDIDO DE EXECUÇÃO. Quer dizer: antes de ingressar com o pedido judicial para sua cobrança, o portador do título cambiário terá de inserir nele ditos dados, ou seja: Terá de atender à sua perfeição formal, o que importa afirmar que esses requisitos só são rigorosamente indispensáveis no momento de sua exigibilidade" (Destacamos).

Esclarecedora, também, são as lições do não menos ilustre Wilson Campos Batalha [18] que, derramando luzes sobre o tema, diz que"a omissão da época do pagamento indica tratar-se de cambial à vista. A omissão da data de emissão era no direito anterior considerada irrelevante, salvo hipóteses de má-fé (por exemplo, as promissórias, sem data à época, em que se impunha o registro dentro de certo prazo, contado da data de emissão). Em regra, a cambial não seria prejudicada pela omissão, falsidade ou mesmo inverossimilhança de data (Whitaker, p. 65). Face à Lei Uniforme, entretanto, diverso é o entendimento:- é REQUISITO ESSENCIAL para validade do título a indicação DA DATA EM QUE A LETRA, OU A PROMISSÓRIA SÃO EMITIDAS" (Destacamos).

Verifica-se, assim, conforme já frisado, que o item 6, do artigo 75, da Lei Uniforme, contém em si dois requisitos, um essencial (data de emissão) e outro facultativo (lugar de emissão), e, uma vez faltando a data de emissão (essencial), a omissão não se convalida nem mesmo com a regra do § 4º do Artigo 76 da L.U. já citada.

Como uma luva é o magistério de Humberto Theodoro Junior [19] que, embora reticente na questão, é taxativo ao afirmar que "propor execução sem base no conteúdo do título, é o mesmo que propô-la sem título. A inicial é inepta e deve ser liminarmente indeferida. Se isso não for feito, o processo estará nulo".

A inteligência do posicionamento supra, que entendemos o mais correto, também vem alicerçado pelo Supremo Tribunal Federal [20] que, sumulando a questão, afirmou que "a cambial emitida ou aceita com omissões, ou em branco, pode ser completada pelo credor de boa-fé ANTES DA COBRANÇA ou do protesto. (Destacamos).

Bem por isso que é reiterado e amplamente majoritário o entendimento jurisprudencial no seguinte sentido:- "Execução por Título Extrajudicial.Cambial – Nota Promissória – Ausência da data da emissão, ao ensejo do ajuizamento da cobrança – Descaracterização – Requisito essencial, na forma da Lei Uniforme, nesse ponto não objeto de qualquer reserva" [21] (... ) "a promissória que não traz a data de sua emissão,... até o momento do ajuizamento da execução, não se mostra hábil como título cambial exeqüível por lhe faltarem requisitos essenciais" [22]. No mesmo diapasão, inúmeros julgados [23].

A matéria, aliás, já chegou ao Superior Tribunal de Justiça desta forma "o título (Nota Promissória) sem a data da emissão desveste-se de sua natureza cambial. Nada obsta a que o portador da cártula, de boa-fé, eis que munido de presumível mandato tácito do devedor, pudesse completar a omissão existente no título, no que pertine à data em que foi passada, desde que o fizesse até o ajuizamento da execução, sem o que ficou ele desvertido de cambiaridade a embasar execução" [24] (... ) "a promissória que não consta com data de emissão até o momento do ajuizamento da ação não se mostra hábil como título cambial exeqüível" [25].

O posicionamento encontra respaldo amplo, também, no Excelso Pretório. "Nota promissória sem data de emissão – Ineficácia como título executivo enquanto não preenchida nesse ponto – Artigo 75, nº 6, da Lei Uniforme" [26] (... ) "Execução – Nota Promissória – Data de emissão – Sua ausência importa em descaracterização do título – Portador do título pode preencher o claro, mas há de fazê-lo, até o ajuizamento da ação; de contrário, ocorre carência da execução, por falta de título executivo regular" [27].

Temos, então, que a data de emissão da Nota Promissória é requisito essencial à sua cambiariedade, orientação essa, inclusive, que buscamos incutir, com a devida modéstia, nos meios acadêmicos e entre os colegas da lida advocatícia, ante as inúmeras decisões inesperadas e injustificáveis para o cliente e que coloca o advogado numa situação extremamente incômoda, mesmo porque haveria de ser de seu conhecimento a vigência da súmula 387 do STF que autoriza a complementação da omissão antes da execução do título, evitando-se que, à mingua de maior clareza jurídica, o credor, ao tentar receber o seu crédito, seja surpreendido com uma situação inusitada, ou seja, além de não receber o que lhe é devido, se vê devedor de custas e honorários advocatícios que, aliás, passa a preceder o seu primitivo crédito,colocando-o em posição processual de extremo desconforto, vez que é obrigado a solver a sua "responsabilidade" para somente então exercitar o seu direito creditício.

Pode-se falar, mesmo, em um verdadeiro enriquecimento sem causa no direito cambial, que o ilustre Colombo Arnoldi [28] sem o aprofundamento que lhe é peculiar, trazendo à baila Pontes de Miranda, se reporta dizendo que "cada pessoa tem o seu patrimônio, que é a soma dos bens da vida, de valor econômico, que lhe pertencem. Se uma retira, por ato seu ou não, do patrimônio da outra, para o seu ou para de terceiro, ou do seu próprio para o de outrem, algum bem da vida, ou parte dele, há de haver justificação para isso, ou o enriquecimento é INJUSTIFICADO."


Notas

1..Artigo 618 do Código de Processo Civil.

2..Artigo 20, § 3º, do Código de Processo Civil.

3..Artigo 268, caput, do Código de Processo Civil.

4..BORGES, João Eunápio. Títulos de Crédito. São Paulo: Forense, 1989, pp. 16 e 168.

5..WHITAKER, José Maria. Letra de Câmbio. São Paulo: Saraiva, 1928.

6..SARAIVA, José A. A cambial. Rio de Janeiro: José Konfino, 1947, v. 3.

7..TORRES, Antonio Magarinos. Nota Promissória.Rio de Janeiro: Forense, p. 239.

8..JUNIOR, Humberto Theodoro. Títulos de Crédito.Saraiva, 1ª Ed., pág. 101.

9..ALMEIDA, Amador Paes de. Teoria e Prática dos Títulos de Crédito. Saraiva, 10ª Ed. – 1986, p. 54/56.

10..1º TACivSP, in RT. 582/102.

11..TAMG, in Repertório de Jurisprudência IOB nº 4/98.

12..in RT. 653/138; JTACSP-RT 117/82; JTACSP-RT 113/289 e 111/164.

13..Dec. 57.663/66, artigo 75, item 6.

14..Artigo 76, § 4º.

15..in Curso de Direito Comercial, 2º vol. Saraiva, 19ª Ed., pág. 381.

16..in Títulos de Crédito, Vol. I, Forense, 10ª Ed. – 1985, pág. 385.

17..in O Processo de Execução, págs. 99/100.

18..in Títulos de Crédito, Forense, 1989, pp. 16 e 168.

19..in Processo de Execução, Ed. Universitária de Direito, 1990, pág. 200.

20..Súmula 387 do Supremo Tribunal Federal.

21..1º TACivSP – Rel. José Roberto Bedram, JTACSP – RT. 124/105.

22..1º TACivSP – Rel. Antonio de Pádua F. Nogueira – RT. 681/123.

23..JTACSP-RT 122/71 (rel. Donaldo Armelin); Julgados TAC-Saraiva 74/84, 79/85; RT 711/183, 676/163, 637/157, 627/200, 617/95, 611/272 (STF), 605/100; RTJ. (STF) 121/189, 82/601; 1º TACivSP, Ap. 339.133/85, 345.694/85, 407.282-8/89.

24..STJ – Rel. Min. Waldemar Zveiter. – RT. 690/170.

25..STJ – Rel. Min. Sálvio de Figueiredo, - RT. 664/175.

26..STF – 1ª Turma – j. 22.4.86 – Rel. Min. Sydney Sanches, RE 104.458-6-GO, DJU de 20.6.86.

27..STF – 1ª Turma – Rel. Min. Sydney Sanches, RE 100.828, DJU de 23.8.85.

28..in A ação de enriquecimento sem causa no direito cambiário. SP. Universitária de Direito, 1987, p. 5.


Autor

  • Renato Alves Pereira

    Renato Alves Pereira

    advogado em São José do Rio Preto (SP), mestrando em Direito Processual Civil pela Universidade Paulista (UNIP), professor de Direito e coordenador do Escritório de Assistência Judiciária e do Estágio Profissional da Universidade Paulista (UNIP)

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PEREIRA, Renato Alves. A nota promissória e os seus requisitos essenciais à luz da Lei Uniforme. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 56, 1 abr. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/2846. Acesso em: 28 mar. 2024.