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Julgar é calcular?

Reflexões sobre a inadequação da razão calculadora como critério preponderante das decisões judiciais

Julgar é calcular? Reflexões sobre a inadequação da razão calculadora como critério preponderante das decisões judiciais

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Dada a teleologia da justiça (voltada para o homem), e a natureza do objeto (as relações humanas), a intuição intelectual, a razão global e hermenêutica e seu desdobramento natural num critério humanístico de julgamento são meios imprescindíveis para que se alcance uma decisão justa.

Resumo: Buscam-se respostas à pergunta universal “como julgar bem?” a partir de reflexões focadas não em critérios extrínsecos de julgamento, mas na chamada “vida mental solitária” do juiz. A partir de um diagnóstico acerca da realidade judiciária, em que não vige uma ética da autenticidade tal qual identificada por TAYLOR nas sociedades ocidentais contemporâneas - em que cada um seria livre para adotar seus próprios critérios de julgamento -, mas uma falsa neutralidade que oculta um conflito entre os discursos tecnocientífico e humanístico, afirma-se que ocorre uma atrofia progressiva da visão humanística do processo, com perda na qualidade de julgamento. Com base na teleologia da justiça, na necessidade de adequação método-objeto e na dúplice estrutura intuitiva-discursiva da razão humana, conclui-se pela necessidade das seguintes posturas por parte do juiz: utilização de sua razão em sua plenitude funcional; assunção de sua própria humanidade;  busca da sabedoria em sentido husserliano.

Palavras-chave: Julgamento. Critérios Intrínsecos. Ética da Autenticidade. Discurso Tecnocientífico. Discurso Humanístico. Intuição Intelectual. Razão Discursiva. Racionalidade Teleológica. Racionalidade Instrumental. Método. Humanidade. Sabedoria.


1 INTRODUÇÃO

Em pleno século XXI, a atemporal questão da justiça continua a soar nos ouvidos das pessoas: afinal, como julgar bem?

Neste artigo, pretendo apresentar algumas reflexões sobre como se situam hoje no ambiente judiciário os critérios da decisão judicial, e quais as conseqüências dessa realidade sobre a busca pela justiça caso a caso. Quanto a esse aspecto, ressalto que o foco não serão os critérios normativos, ou extrínsecos (aqueles colocados pelo legislador para balizar e orientar o julgamento pelo magistrado). Serão focados os critérios intrínsecos, os ecos éticos da sociedade nas posturas e caminhos adotados internamente pelo julgador, na chamada “vida mental solitária”[2], para alcançar a decisão do caso concreto. Em suma, alguns fundamentos dos processos intelectuais e lógicos através dos quais o indivíduo-juiz chega a uma decisão.

No primeiro tópico, apresentarei o mundo judiciário como um tabuleiro de discursos no qual as duas figuras principais são o discurso tecnocientífico e o discurso humanístico.

Num segundo momento, após apresentar a noção de “Ética de Autenticidade” de Taylor[3], segundo o qual viveríamos hoje numa sociedade em que cada um tem plena liberdade de decidir como bem-viver, apresentarei uma reflexão sobre a neutralidade do ambiente judicial quanto aos critérios de julgamento adotados por cada indivíduo-juiz, ou seja, a liberdade de adotar o melhor processo interior possível de acordo com sua percepção – liberdade no “bem julgar”.

Examinando mais de perto a questão, veremos que essa “Ética da Autenticidade” identificada por TAYLOR no meio social comum não vige no meio jurídico. E isso porque se trata de um mundo permeado por discursos racionais, com protagonismo de dois discursos que acabam por colidir: o tecnocientífico e o humanístico. Trata-se, portanto, de uma falsa neutralidade.

Essa aparência de neutralidade acaba por ter efeitos negativos na busca pela justiça, pois os atores desse palco judicial não são chamados a refletir sobre seus critérios de julgamento. Esses efeitos da falta de reflexão são mais gravosos para o juiz de critério humanístico, já que o juiz que se vale predominantemente de critério tecnocientífico tem à sua disposição o discurso de seu tempo, que é o discurso da ciência, da “razão calculadora”. O resultado disso é o enfraquecimento da aproximação humanística do caso sob apreciação judicial e, em última instância, do Direito como um todo (posto que seu referencial e base é o ser humano).

Mas esse enfraquecimento da aproximação humanística seria bom ou ruim?

A resposta a essa pergunta será buscada numa reflexão sobre o instrumento utilizado pelo juiz para julgar: a inteligência. Em primeiro lugar, com foco na razão instrumental e na razão teleológica, buscando saber qual seria a mais adequada para a apreciação de relações jurídicas.

Numa outra aproximação, examinaremos a questão a partir de uma retomada histórica efetuada por MacDowell, que reflete sobre a capacidade intelectual do homem e revela como, a partir de Descartes e da “geometrização do conhecimento”, uma razão que sempre fora considerada em seus aspectos intuitivo e discursivo passa a sofrer um processo de estreitamento, até se confundir estritamente com a racionalidade discursiva e calculadora, ao extremo, científica.

Discorreremos sobre como o Direito assimilou esse movimento de geometrização do conhecimento e internalizou, em busca de estabilidade e segurança, nuances de inspiração cartesiana.

Explicitados os critérios instrumental e teleológico e a estrutura da razão humana como intuitiva e discursiva, afirmaremos que não é possível alcançar uma decisão justa perdendo o foco teleológico da justiça e, principalmente, abrindo mão de uma dimensão estrutural da estrutura humana, que é a chamada “intuição intelectual”.

Por fim, afirmaremos a necessidade de que o magistrado julgue utilizando sua intuição intelectual global, orientado pela busca de uma justiça assentada em alteridade, humanização e sabedoria em sentido husserliano.

Importante ressaltar, enfim, que não se questiona aqui a validade da razão técnica, mas apenas sua hipertrofia. Além do mais, cânones consagrados, como a necessidade de fundamentação das decisões judiciais e a conformidade à ordem normativa não são postos em questão. O problema real dos abusos do poder de decidir também não escapa à visada global; contudo, por situar-se mais no âmbito das conseqüências possíveis de adoção de tal ou qual critério de julgamento (assim como o outro extremo possível, que é a passividade judicial completa do juiz “boca da lei”), não será abordado na presente reflexão, que em seu exíguo espaço foca no âmbito das causas e dos critérios em si.


2 MUNDO JUDICIÁRIO: TABULEIRO DE DISCURSOS

Sentenças, decisões, julgamentos colegiados, artigos jurídicos, palestras, debates, congressos, conversas em intervalos de sessões, boletins de jurisprudência: tais são as peças do tabuleiro em que se joga a busca pela justiça. Nesse tabuleiro formado pelo processo e seu entorno vivo, o ato de julgar expresso na decisão judicial é exposto à luz da reflexão intersubjetiva, seus fundamentos são revelados e analisados, posições são confrontadas, julgadores mudam de opinião, doutrina e jurisprudência avançam ou recuam, influindo na formação da atual e da próxima geração de julgadores.

O julgamento, esse ato de encontrar e dar sentido a uma situação problemática, é a cabeça de ponte de um jogo dinâmico e circular de interpretações e visões do mundo de legisladores, técnicos jurídicos, doutrinadores, professores e juízes.

Portanto, se estamos de acordo com a afirmação tradicional de que cada juiz é uma ilha, podemos também afirmar que, flutuando nesse oceano de fatores entrelaçados, o julgador afeta e se deixa afetar pelas marés, correntes e ventos do tabuleiro judiciário no caminho interno de sua inteligência rumo à decisão judicial.

Dessa forma, a decisão judicial, alcançada e assumida em seu momento definidor na chamada "vida solitária da alma" do indivíduo-juiz, recebe também influência formadora no horizonte de existência externa do julgador. Por essa razão, vale a pena refletir sobre essa dinâmica e seus desdobramentos na postura e orientação dos julgadores em relação a seus pares e ao "tabuleiro" judiciário.

No caso deste artigo, a reflexão recairá mais especificamente sobre questões que emergem da coexistência dos dois critérios de julgamento mais proeminentes na atualidade dos fóruns: o tecnocientífico e o humanístico.

Para esse fim, é preciso inicialmente esboçar um quadro do ambiente judicial e das condições de formação de convicção nele existentes. 


3 A APARENTE NEUTRALIDADE DO LEBENSWELT (MUNDO DA VIDA) JURÍDICO

Pesquisando e refletindo sobre o modo de vida de sociedades ocidentais a partir da década de 1960, Taylor percebeu que o já notório fenômeno do relativismo desaguou numa forma de ética hoje disseminada: ninguém tem o direito de questionar os valores de outras pessoas. Em suas palavras, “Isso é um assunto apenas delas, sua opção de vida, e deve ser respeitada.”[4]. Segundo o filósofo canadense, essa ética é reflexo do individualismo contemporâneo, que leva as pessoas a se centrarem em si mesmas, fechando-se a questões mais amplas, sejam elas religiosas, políticas ou históricas.

Essa postura ética gerada pelo relativismo é formulada por TAYLOR nos seguintes termos: “Cada um tem o direito de desenvolver sua própria forma de vida, com base em sua própria percepção do que tem realmente importância ou valor. O que se demanda das pessoas é que sejam autênticas consigo mesmas e que busquem sua própria autorrealização. No que esta consiste, cada um precisa, em última instância, determinar por si mesmo - ou mesma. Ninguém pode ou deveria tentar ditar seu conteúdo.”[5] .

A esse fenômeno ético Taylor dá o nome de “Ideal de Autenticidade”. Vivemos, portanto, numa “cultura da autenticidade”, e

Ao adotar esse ideal, pessoas na cultura da autenticidade ... dão suporte a um certo tipo de liberalismo, esposado também por muitos outros. Trata-se do liberalismo da neutralidade. Um de seus principais dogmas é o de que uma sociedade liberal precisa ser neutra em questões sobre o que constitui o bem-viver[6]

Retornando ao mundo jurídico, à primeira vista seria razoável afirmar que nele vige essa ética da autenticidade com a mesma força e difusão que ocorrem na sociedade em geral; afinal, ele faz parte dessa sociedade contemporânea imersa no liberalismo da neutralidade. Portanto, tratar-se-ia de um universo neutro em relação ao que constitui o bem-viver do juiz enquanto juiz, i.e., o “bem-julgar”: cada julgador[7] teria direito a construir e seguir seu próprio critério consciente de decisão, sem que outros integrantes do tabuleiro pudessem ou devessem ditar o conteúdo desse critério. Não existiria, portanto, situação problemática.

Essa neutralidade do tabuleiro judicial, contudo, é apenas aparente, como veremos a seguir.


4 IMPOSSÍVEL NEUTRALIDADE NUM MUNDO QUE VIVE DE DISCURSOS

Pelo que foi exposto acerca da neutralidade vigente na sociedade, um olhar superficial sobre o tabuleiro jurídico poderia levar à afirmação da vigência, também ali, de uma ética da autenticidade. Nesse ambiente seria permitido a cada julgador construir interiormente seus critérios de ação decisória de forma autônoma e livre de questionamentos, da mesma maneira que os indivíduos numa sociedade marcada pelo ideal de autenticidade têm espaço para fundamentar e orientar seu modo de vida. À neutralidade do bem-viver corresponderia uma neutralidade do bem-julgar.[8]

Contudo, há um fato que distingue profundamente a realidade do indivíduo julgador da realidade do indivíduo em sua vida social comum: o tabuleiro jurídico é um mundo movido essencialmente pelos discursos. E esse fato é crucial.

Num mundo de discursos públicos e necessariamente lançados à reflexão intersubjetiva[9], a neutralidade que encontra espaço na vida ética individual não é possível, pois o que se coloca em primeiro plano nesse campo dialógico não são mais apenas os modos de vida individuais dos jogadores, mas os discursos que sustentam seus critérios de julgamento. 

Ora, tratando-se de um ambiente em que se relacionam discursos racionais, a situação torna-se problemática quando se constata que um dos discursos presentes no tabuleiro é o tecnocientífico, impulsionado que é pela chamada racionalidade técnica, que é essencialmente dominadora e não vocacionada à convivência pacífica com outras “racionalidades”.

Podemos delinear uma primeira noção do que seja o discurso tecnocientífico apresentando-o como herdeiro direto do ideal de razão formulado por Descartes, que postulou a aplicação universal de um modelo de inspiração geométrica e matemática como o mais propriamente racional. Ocorre que, segundo Ladrière,

Hoje em dia, a ciência não é mais simplesmente um método de conhecimento nem mesmo somente um corpo de saberes, é um fenômeno sociocultural de imensa amplitude, que domina todo o destino das sociedades modernas e que começa a colocar problemas absolutamente cruciais, pois, desde já, alguns limites parecem ter sido atingidos.[10]

Para o filósofo francês, a ciência, movida por uma “vontade obstinada de tudo conquistar”[11], marca profundamente a vida social contemporânea, e através da tecnologia influencia diretamente os modos de vida e, indiretamente, os sistemas de valores[12].

Ora, o mundo jurídico é essencialmente axiológico, e não escapa à força da ciência e de sua formulação discursiva, que é o discurso tecnocientífico. 

Uma reflexão mais aprofundada sobre as características desse discurso será feita adiante. Por ora basta registrar, enfim, que a razão tecnocientífica não traz em sua natureza a vocação para conviver pacificamente com outras racionalidades. Por tudo isso, afirmamos que a ética de autenticidade existente no mundo da vida comum não vigora no Lebenswelt judiciário. Onde se poderia num primeiro momento vislumbrar uma situação de neutralidade marcada pelo hermetismo do ideal de autenticidade de Taylor, o que existe realmente é uma área de atrito entre discursos radicalmente opostos: o tecnocientífico e o humanístico.


5 CONSEQUÊNCIAS DA NÃO PERCEPÇÃO DA FALSA NEUTRALIDADE DISCURSIVA NO AMBIENTE JUDICIÁRIO

Existe, portanto, no mundo dos julgadores uma colisão entre discursos que passa em grande parte despercebida. Essa desatenção a uma realidade tão fundamental terá graves consequências sobre o tabuleiro judiciário: vivendo sob a frágil aparência de neutralidade discursiva, em que cada juiz teria direito a seu próprio critério interior sem que outros quisessem - ou pudessem - interferir ou influenciar em suas opções individuais, os julgadores sintonizados com cada um dos critérios de julgamento não são chamados a desdobrar discursivamente seu processo formação de convicção e expor no tabuleiro judiciário a coerência racional interna de seu modo de julgar.

O consectário imediato dessa desatenção é o prejuízo que evidentemente decorre da falta de reflexão intersubjetiva dos juízes que adotam prevalentemente tanto o critério tecnocientífico quanto o critério humanístico de julgamento.

Entretanto, é possível afirmar que os efeitos negativos dessa falsa neutralidade pesam mais sobre o julgador que adota o critério humanístico como eixo central de sua reflexão reiterada. Isso porque, se nenhum dos dois “lados" é chamado à autorreflexão e ao desdobramento discursivo sobre seu critério, o julgador tecnocientífico ao menos já tem à sua disposição um discurso pronto: afinal, apoia-se nos ombros da racionalidade dominante, que é a tecnocientífica com desdobramento instrumental. Por outro lado, o juiz que adota prevalentemente o critério humanístico, obnubilado pela fumaça da falsa neutralidade, não organiza discursivamente a defesa[13] de seu método.

Tratando-se de discursos ativamente opostos, o resultado desse processo é que nesse tabuleiro jurídico um dos contendores – o juiz de critério humanístico - entra no jogo em franca desvantagem discursiva.  Num sistema em que se busca alcançar uma conclusão racional equilibrada com base na força do melhor argumento, trata-se de uma situação no mínimo inadequada.

Na prática, o que ocorre é que o julgador de critério prevalentemente tecnocientífico, empunhando o discurso recebido pronto da cultura pós-moderna, é alçado ao status de juiz técnico - e, no mundo pós-moderno, tudo o que é técnico é bom.

Quanto ao juiz de critério humanístico, sem escudo discursivo pronto e acreditando na desnecessidade de elaborá-lo em razão de uma neutralidade proclamada, mas irreal, é alocado sob a tarja de juiz sem critério. Juiz que não tem critério não é técnico; se não é técnico, não é bom.


6 CIRCULARIDADE DO ETHOS E PROPAGAÇÃO DAS DISTORÇÕES TECNICISTAS

Detenho-me nesse ponto para me valer das lições de LIMA VAZ e trazer à reflexão a dinâmica que denomina de “circularidade do ethos”[14], essencial para que se alcance uma noção da gravidade social do desequilíbrio em questão.

Segundo o filósofo, o termo grego ethike procede do substantivo ethos, que receberá duas grafias distintas para representar faces da mesma realidade:

Ethos (com [a letra] eta inicial) designa o conjunto de costumes normativos da vida de um grupo social, ao passo que ethos (com [a letra] épsilon) refere-se à constância do comportamento do indivíduo cuja vida é regida pelo ethos-costume. É, pois, a realidade histórico-social dos costumes e sua presença no comportamento dos indivíduos que é designada pelas duas grafias do termo ethos.[15] (grifamos)

O ethos, portanto, é o mundo da cultura, a casa simbólica do ser humano, “espaço habitável do mundo onde a comunidade humana pode lançar raízes e crescer”, e também sua presença no comportamento individual.[16]

Numa síntese do que constitui a “circularidade do ethos”, na concepção do brilhante filósofo o ethos humano se constitui e renova numa eterna circularidade. Nesse círculo, o indivíduo já nasce e cresce sob determinados valores que recebe prontos do ambiente social; esses valores ele aplicará no seu agir do dia-a-dia na sociedade. A sociedade, por sua vez, também será influenciada de volta pelas práticas desse indivíduo; assimilados pela sociedade, esses hábitos do indivíduo em certa medida retornam ao mundo da cultura, passam a integrar o horizonte ético global, sendo passados então a um novo indivíduo, e assim por diante.

Examine-se, então, o problema central deste artigo tendo em vista a dinâmica da circularidade do ethos: partindo das decisões dos juízes como epicentro do mundo judicial, a tendência é que a distorção tecnicista apresentada no ponto de irradiação que é o confronto entre os discursos se propague para os círculos mais exteriores do sistema que gira em torno dessas decisões, como o âmbito doutrinário e o escolar. Nesses círculos mais exteriores será formado um estudante de Direito com ênfase tecnocientífica, que ingressará como juiz no epicentro do sistema, e essa circularidade se perpetuará, gerando uma atrofia difusa da interpretação humanística do conflito judicializado e a configuração de um ethos judiciário desumanizado.

Adotada essa postura, o resultado será uma justiça menos humana e, portanto, menos justa.

E porque afirmamos que tal justiça será menos humana e menos justa?

Em primeiro lugar, porque a racionalidade tecnocientífica, que é predominantemente instrumental e altamente suscetível a critérios econômicos e estatísticos, tende a perder o foco teleológico da justiça estabelecido pelas constituições democráticas: o ser humano.

Em segundo lugar, porque essa prevalência da razão tecnocientífica desconsidera a própria estrutura da razão humana, que é dúplice: intuitiva e discursiva.

Deparamo-nos, portanto, com uma reflexão sobre critérios de racionalidade. Dessa forma, antes de elaborar mais os fundamentos as conclusões já alcançadas, é importante pensar de forma mais cuidadosa a razão humana. Afinal, é ela a ferramenta que possibilita ao indivíduo-juiz julgar, adotar um critério e mesmo justificar esse critério.


7 RACIONALIDADE INSTRUMENTAL OBJETIVANTE VERSUS  RACIONALIDADE TELEOLÓGICA

A primeira elaboração da questão da razão focará em duas “racionalidades”, ou processos racionais, associados aos critérios tecnocientífico e humanístico, respectivamente: a racionalidade instrumental e a racionalidade teleológica.

Podemos afirmar que a racionalidade instrumental é um dos mais influentes desdobramentos da racionalidade tecnocientífica. Ela consiste, segundo TAYLOR, “no tipo de racionalidade obtida quando calculamos a aplicação mais econômica de meios para alcançar um determinado fim. Eficiência máxima, melhor razão custo-resultado, é sua medida de sucesso”.[17]

Segundo OLIVEIRA,

Na era das metas estatísticas, o outro lado da moeda do sucesso numérico é a objetivação dos processos. Cada processo passa a ser apenas mais um número – assim como os pedidos ali encartados. Atualmente, o próprio juiz passa a ser fiscalizado como um agente de eficiência operacional atrelado a metas insuperáveis (geralmente quantitativas), e mesmo suas questões pessoais (férias, licenças para estudo, etc) são decididas por técnicos de visão estritamente financeira ou operacional, sem qualquer preparo acerca do caráter teleológico da Justiça. E, logicamente, as pessoas cujos pedidos são transformados em meros dados também são transformadas em números, parâmetros objetivos à mercê das secretarias de orçamento ou de estatística, despreparadas para questões éticas e desprovidas do telos moral. [18]

A consequência disso, para TAYLOR, é a seguinte: “Uma vez que as criaturas que nos cercam tenham perdido o significado que derivava de seu lugar na cadeia do ser, abre-se o caminho para que sejam tratadas como matérias-primas ou instrumentos de nossos projetos”.[19]

Já a racionalidade teleológica se define exatamente por pautar sua caminhada tendo em vista um alvo fixo, ou telos: no caso da justiça, esse alvo fixo é o ser humano. Quem estabelece esse telos são as próprias ordens constitucionais. No caso da Constituição da República Federativa do Brasil, o objetivo último da atividade judicial (posto que inserido no contexto maior dos objetivos últimos da própria República) é desenhado com detalhes no preâmbulo:

Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social... [20]

Poderíamos desdobrar o trecho acima, revelando o discurso implícito auto-evidente, da seguinte forma (redundante, mas relevante):

Nós, seres humanos representantes do povo brasileiro formado também por seres humanos, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais dos seres humanos, a liberdade humana, a segurança humana, o bem-estar humano, o desenvolvimento humano, a igualdade humana e a justiça humana como valores supremos de uma sociedade humana fraterna, pluralista e sem preconceitos, atributos humanos fundada na harmonia social entre humanos...

Portanto, parece evidente que, em se tratando da atividade de julgamento de seres e realidades humanas, a utilização preponderante de critérios tecnocientíficos será insuficiente para avaliar em toda sua densidade o fenômeno sob investigação, que é o conflito jurídico, à luz de sua referência fundamental, que é o ser humano.

Entretanto, existe uma razão mais profunda para que o critério humanístico não padeça sob o jugo do critério tecnocientífico. Essa razão encontra fundamento na própria constituição estrutural da razão humana.


8 A ESTRUTURA DA RAZÃO HUMANA

É comum entre os atores do tabuleiro judiciário afirmar que o juiz, já na primeira leitura das razões apresentadas num caso para julgamento, “primeiro decide, e depois apenas recolhe na lei e na jurisprudência as razões para fundamentar a impressão inicial.”.

Já é também disseminada a reflexão etimológica acerca do termo sentença, com raízes nos termo latinos sensus (faculdade ou sentimento, percepção, sensação, sentido; emoção) e sententia, (opinião, sentimento).[21]

Em nossa opinião, tais noções, à primeira vista superficiais, encerram em si a profunda razoabilidade que sustenta todo senso comum. Na verdade, carregam a noção básica de que a inteligência humana é capaz de compreensão e exposição de sentido, e que se trata de duas funções distintas.

É precisamente sobre essa noção que MACDOWELL (2013) se volta para afirmar que a razão humana possui duas funções distintas, mas intimamente conectadas, como as duas pás de uma mesma hélice: intuição e discurso. [22]

Explicitando a noção filosófica de “intuição”, MACDOWELL escreve que

Apesar dos mal-entendidos que pode gerar o uso do termo, pelos múltiplos significados que lhe são atribuídos por diferentes pensadores, empregamos ‘intuição` para designar o compreender (entender), i.e., no significado de qualquer apreensão imediata do sentido. [23]

A compreensão implícita de qualquer coisa dá-se necessariamente no horizonte global do mundo. O mundo de cada um e tudo aquilo que o constitui como articulação dos significados intramundanos está sempre compreendido, mas de maneira implícita. No nível da compreensão intuitiva a articulação do sentido é percebida implicitamente na própria experiência existencial... Mesmo que não consigamos exprimi-lo corretamente, compreendemos também implicitamente o significado das dimensões constitutivas da própria existência humana. Sabemos p.ex. por uma experiência natural e espontânea o que é compreender, viver, dentro/fora, etc., independentemente do aprendizado de uma língua, pois, sem tal experiência, não poderíamos distinguir, como fazemos, entre compreender e não-compreender, etc., nem mesmo aprender o significado de tais termos.[24]

A intuição intelectual, portanto, seria essa capacidade inerente ao ser humano que lhe possibilita compreender globalmente a realidade e os fatos que chegam a seu conhecimento, e de dar-lhes um sentido global, sem necessidade de “processar” e dissecar numa lógica esse conhecimento apreendido.

Segundo o filósofo, essa dupla estrutura da razão humana foi percebida pela tradição filosófica ocidental desde seu início:

Vai nesta direção a distinção noesis/dianoia, estabelecida por Platão no contexto da dialética do conhecimento das ideias, reformulada por Aristóteles como nous/logos, e retomada e aprofundada por Tomás de Aquino com os termos intellectus/ratio. Pascal ainda a reconhece na célebre contraposição coeur/raison.[25]

Já em Tomás de Aquino a distinção/relação entre intelecto e razão se faria da seguinte maneira: a apreensão global do intelecto estaria no início do processo discursivo; a razão seria uma reflexão fundada em algo previamente compreendido. No mesmo sentido, refletindo sobre a famosa sentença de PASCAL (“o coração tem razões que a própria razão desconhece”), MACDOWELL afirma que “coração” corresponde aproximadamente à razão intuitiva, ao passo que a “razão” corresponde à razão discursiva. “Nesse contexto os termos ‘sentir` e ‘sentimento` não designam um mero estado afetivo, mas um tipo de conhecimento...”.[26]

Fato histórico registrado por MACDOWELL (2013) é que, a partir de Descartes, esse elemento intuitivo da razão humana foi cada vez mais perdendo importância, até que se chegou num determinado momento à rejeição dessa capacidade do homem. Afinal, somente se poderia chamar de “racional” àquela capacidade mental humana de pensar dedutivamente, geometricamente. É o fenômeno da geometrização ao absurdo.

Em um processo histórico crescente e ainda em curso, o Direito também incorporou esse “ideal de geometrização” como forma de alcançar decisões mais previsíveis e seguras, e essa geometrização, de início meramente instrumental, passou a interferir profundamente no próprio sistema de valores tutelados pelo Direito e na forma de julgar dos juízes.

Ocorre, contudo, que a dimensão intuitiva da razão humana vem sendo recuperada por alguns autores, em diferentes graus e nuances.

Com efeito, Paul RICOEUR, ao refletir sobre a intuição intelectual, fala de uma primazia da percepção em relação às outras capacidades intelectuais do homem. A consciência humana, ao se dirigir a algo, o faz “de múltiplas formas, das quais a objetividade lógica não é mais do que uma modalidade de segundo grau e a percepção a modalidade mais fundamental”. [27]  Segundo aquele filósofo, “a primeira verdade do mundo não é a da física matemática, mas sim a da percepção; mais ainda, a verdade da ciência se constitui como uma superestrutura sobre uma primeira assentada de presença e de existência que é a do mundo vivido perceptivamente”[28]

Como anotado por MACDOWELL, SARTRE chega a afirmar que “Não há outro conhecimento a não ser o intuitivo. A dedução e o discurso, impropriamente chamados de conhecimento, não são mais do que instrumentos que conduzem à intuição. Quando ela se alcança, os meios utilizados para alcançá-la se dissolvem diante dela; nos casos em que ela não pode ser atingida, o raciocínio e o discurso permanecem como placas indicativas, que apontam para uma intuição fora de alcance”[29]

O que se percebe, portanto, no processo histórico descrito por MACDOWELL, é que houve um "enfraquecimento da razão", que já não consegue mais enxergar o fenômeno humano em toda sua amplitude. E, sendo o domínio da razão tecnocientífica a expressão dessa miopia da razão, sua adoção pura e simples como critério de julgamento alcançará resultados insuficientes quando o que se busca é alcançar uma decisão plenamente racional - ou, num desdobramento discursivo mais minucioso, o uso da razão humana em sua plenitude funcional e estrutural. Decisão plenamente racional é aquela em que o indivíduo usa a razão humana em sua plenitude estrutural e funcional, ou seja, usa tanto a razão discursiva quanto a intuição intelectual.

Disso decorre que o julgamento tecnicista não tem a capacidade de, por si só, alcançar a decisão mais justa.


9 DO MÉTODO APROPRIADO AO OBJETO E O “MITO DA CERTEZA DO DIREITO”

Um argumento final pela importância, e mesmo certa prevalência, do critério humanístico encontramo-lo na própria noção auto-evidente de que o método deve ser adequado ao objeto, e não o contrário, conforme lição de HUSSERL, para quem “o verdadeiro método segue a natureza das coisas que precisa investigar, e não nossos preconceitos nem nossas imagens prévias”.[30]

Com propriedade, FRANK afirma que

Mesmo em sociedades relativamente estáticas, o homem nunca foi capaz de construir um conjunto de regras compreensivo e eterno, antecipando todos os possíveis conflitos legais e conciliando-os de antemão. ... Mesmo em campos que não o do direito existe hoje uma tendência a aceitar probabilidades e abrir mão da esperança de encontrar uma certeza absoluta. Mesmo em física e química, onde um alto grau de exatidão quantitativa é possível, expoentes do pensamento atual têm reconhecido que definitividade e precisão final não são atingíveis. [31]

O que é significativo é que do direito, que, como vimos, é inerentemente um dos empreendimentos humanos dotados de menor certeza, é demandado um grau de certeza absurdamente desproporcional; mais certeza é exigida do direito do que da biologia, por exemplo. [32]

A tese de FRANK é interessante: segundo o filósofo, uma das principais causas de tal atitude diante do direito seria uma projeção psicológica da “infalibilidade paterna”:

O Direito – um corpo de regras aparentemente destinadas à infalibilidade em sua função de determinar o que é certo e o que é errado e a decidir que deveria ser punido por desvios de conduta – inevitavelmente se torna um substituto para o Pai-como-Juiz-Infalível. Ou seja, persiste em adultos o desejo de recapturar, através da redescoberta de um pai, um universo infantil completamente controlável, e esse desejo busca satisfação numa antropomorfização parcial e inconsciente do Direito, atribuindo a este algumas das características do Pai-Juiz da criança. Essa aspiração infantil é um elemento importante para explicar a absurdamente irrealística noção de que o direito é, ou pode se tornar, inteiramente certo e definitivamente previsível.[33]

Como defendemos nos tópicos acima, um dos fatores determinantes em nossa opinião para essa exigência de certeza é justamente a herança cientificista, que carrega para as ciências humanas os métodos das ciências naturais e matemáticas. Sem adentrar nos fundamentos psicológicos identificados por FRANK para o grau de certeza exigido do Direito[34], pois escapariam ao foco desta reflexão, com ele concordamos quando afirma que se trata de um grau desproporcional e totalmente inadequado à sua natureza – demonstrando, assim, a incapacidade do método de inspiração científica para avaliar com propriedade o fenômeno humano que o conflito sob julgamento.


9 JULGAMENTO E SABEDORIA: JUIZ HUMANO E BEM FORMADO

A grande questão continua a ser, portanto: como julgar bem?

Com base nas reflexões deste artigo, já é possível apresentar algumas posturas cuja adoção poderá levar ao aprimoramento da atividade de julgar.

Para julgar melhor é preciso que o julgador exerça sua atividade racional em toda amplitude estrutural e teleológica. Para tanto, precisa assumir sua própria humanidade e, com ela, sua capacidade intelectiva integral.

Mas como fazê-lo?

Um primeiro passo seria resistir à “geometrização ao absurdo” do Direito, admitindo que a riqueza do fato humano não pode ser subsumida a regras preestabelecidas e fórmulas tarifadas. Com isso se ergueria também um muro de resistência contra os exageros estatísticos e econômicos que acabam por resultar, conforme registrou TAYLOR, numa transformação das pessoas que buscam a justiça em meros números a ser administrados e equacionados. [35]

Em segundo lugar, pela assunção de sua própria “condição humana, buscando tanto colocar-se no lugar daquele indivíduo (vê-lo não só como um outro, mas como um ‘outro eu-mesmo’, com as mesmas limitações, susceptibilidades, angústias, possibilidades), quanto se inserindo ao máximo no mundo social, tornando-se um juiz do seu tempo.”[36] Em relação ao tema da alteridade, preciosas reflexões poderão ser encontradas em diversos pensadores na história da filosofia, como Ricoeur na busca do “outro como eu mesmo”; Martin Buber, com seu princípio dialógico; Emmanuel Lévinas e a relação ética que se constitui na percepção da face do outro, dentre outros. 

Em terceiro lugar, usando uma expressão husserliana, o juiz precisa ser bem formado, o que quer dizer que precisa tentar alcançar um “estado de sabedoria”. Para compreensão desse conceito, a noção central a ser invocada é a de sabedoria como “visão do mundo”, de HUSSERL, haurida de suas reflexões sobre a experiência humana.

Para o filósofo nascido na região da Morávia, atual República Checa, o homem está essencialmente condicionado pelo modo como a personalidade se deixa motivar por atos de sua própria experiência e pelas experiências alheias que lhe são transmitidas. Contudo, fato que tem passado despercebido em nosso tempo é que além das experiências intelectuais e teóricas, nosso intelecto também é construído por outras experiências como as artísticas, estéticas e de valores éticos – “seja com base em nosso próprio comportamento ético ou porque penetramos intuitivamente no comportamento dos demais”.[37] Assim, não experimentamos apenas construções teóricas, mas também axiológicas e práticas, vivências mesmo. E

Também sobre tais experiências se levantam conhecimentos empíricos de dignidade superior, lógica. De acordo com isso, quem tem experiências de todas as classes ou, como dizemos, o homem “bem formado”, não apenas tem experiência do mundo, mas também experiência ou “formação” religiosa, estética, ética, política, técnico-prática, etc.[38]

Dessa forma, o juiz precisa ser dotado de sabedoria em sentido husserliano. Nos dizeres de HUSSERL, para quem considere que o termo está “fora de moda”, melhor seria usar a expressão visão do mundo e da vida. Segundo a noção do filósofo, tem visão do mundo aquela pessoa

...experimentada de maneira habitual a respeito de todas as direções possíveis da atitude humana: a cognoscitiva, a estimativa e a volitiva. Porque é evidente que a esse ser experimentado vai unir-se a capacidade, bem formada, de julgar racionalmente (de poder justificar expressamente as próprias atitudes) os objetos de tais atitudes: o mundo ao redor, os valores, os bens, as ações, etc. ... A sabedoria ou visão do mundo, nesse sentido determinado – mas que encerra uma pluralidade de tipos e graus de valor – não é (não necessitamos desenvolver mais esse aspecto) mera conquista da personalidade isolada – que por sua parte, é uma abstração -: pertence à comunidade cultural e à época... [39]

A regra não escrita de que “o que não está nos autos não está no mundo” permanece; contudo, precisa ser captada em toda sua amplitude. Ao pretender trazer para apreciação judicial uma relação humana, os autos carregam para dentro do Judiciário não só os elementos explícitos das palavras ali lançadas. Trazem consigo todo o Lebenswelt, o mundo da vida, tanto de partes quanto do julgador. Além das palavras impressas nas folhas, deverá o julgador se servir também do aspecto das mãos daquele que pede um benefício rural; de suas próprias noções acerca da realidade econômica do país em que vive; de sua própria experiência em suas relações de consumo; de seu conhecimento específico acerca de alguma realidade técnica questionada.


10 CONCLUSÃO

Não se quis afirmar a existência de juízes que adotem critérios puramente tecnocientíficos ou puramente humanísticos; isso seria impossível diante da própria constituição da razão humana, em sua dupla estrutura intuitiva-discursiva. Entretanto, é possível verificar a existência de julgadores que dão peso maior a um ou outro critério, e é sob essa luz que foi examinado o meio ambiente judiciário.

Não se postulou, por outro lado, a imprestabilidade da razão tecnocientífica no processo de tomada da decisão judicial. Apenas se entende que, dada a teleologia da justiça (voltada para o homem), e a natureza do objeto (as relações humanas), a intuição intelectual, a razão global e hermenêutica e seu desdobramento natural num critério humanístico de julgamento são meios imprescindíveis para que se alcance uma decisão justa.

Em suma: na apreciação da causa o juiz deve utilizar não só sua capacidade lógica, mas também sua intuição intelectual global, orientado pela busca de uma justiça assentada em alteridade, humanização e visão do mundo. Afinal, o ato de julgar não pode ser reduzido a um mero calcular.


REFERÊNCIAS

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LADRIÈRE, Jean. Les enjeux da la rationalité – Le défi de la science et de la technologie aux cultures. Paris: Aubier-Montaigne/UNESCO, 1977.

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MAC DOWELL, João A.: Investigação Filosófica sobre Deus – Curso de Filosofia da Religião (apontamentos). Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2013.

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. A erosão do juiz como símbolo nas sociedades contemporâneas e a necessidade de formação ética e crítica do indivíduo-magistrado.  Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 11, p. 6859.

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. O paradoxo do juiz e a necessidade de humanização da justiça. Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 7.

RICOEUR, Paul. A L’École de la Phénoménologie. Paris: Librairie Philosophique J.Vrin, 1987.

SARTRE, Jean Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1943.

TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991.

VAZ, Henrique C. de Lima Vaz. Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica. 4.ed. São Paulo: Loyola, 1999.


Notas

[2] Por alguns também denominada “vida solitária da alma”.

[3] Importante esclarecer que não se trata de uma proposta ética de Taylor, mas de uma realidade comportamental por ele identificada como vigente no ocidente.

[4] TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p.14, tradução nossa.

[5] Id. p. 14.

[6] Id. p. 17.

[7] Evidentemente dentro dos limites constitucionais.

[8] Importante ressaltar que os parâmetros constitucionais e legais, cujo seguimento não se questiona, pertencem ao âmbito externo; aqui se trata da construção autônoma de um critério de julgamento no âmbito da interioridade – ou, em termos filosóficos, da “vida solitária da alma” – do indivíduo-juiz.

[9] V.g.,  o recurso, julgamentos colegiados, publicação, revisão em artigos científicos.

[10] LADRIÈRE, Jean. Les enjeux da la rationalité – Le défi de la science et de la technologie aux cultures. Paris: Aubier-Mon.,  o recurso, julgamentos colegiados, publicação, revisão em artigos científicos.

[10] Id. p.15.

[11]LADRIÈRE, Jean. Les enjeux da la rationalité – Le défi de la science et de la technologie aux cultures. Paris: Aubier-Montaigne/UNESCO, 1977, p.185, tradução nossa.

[12] Id. p. 15.

[13] Estabelecida a premissa de que existe um conflito discursivo, a adoção do termo “defesa” discursiva torna-se apropriada.

[14] VAZ, Henrique C. de Lima Vaz. Escritos de Filosofia IV – Introdução à Ética Filosófica. 4.ed. São Paulo: Loyola, 1999, p. 42-43.

[15] Id. p. 13.

[16] Id. p. 39-40.

[17] TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge: Harvard University Press, 1991. p.5, tradução nossa.

[18] OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. A erosão do juiz como símbolo nas sociedades contemporâneas e a necessidade de formação ética e crítica do indivíduo-magistrado.  Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 11, p. 6859.

[19] TAYLOR, Charles. The Ethics of Authenticity. Cambridge:Harvard University Press, 1991. p.5, tradução nossa.

[20] BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2008.

[21] MORWOOD, James (editor). Oxford Latin Desk Dictionary. New York: Oxford University Press, 2005, tradução nossa.

[22] Antes de iniciar a reflexão acerca da estrutura da razão humana - esse instrumento que nos dá a capacidade de proferir os julgamentos -, é preciso fazer um esclarecimento conceitual preliminar. Os versados no vocabulário jurídico já trazem dos bancos das faculdades o respeito pelos termos técnicos estabelecidos e pela importância de sua plena compreensão. Dificilmente se encontrará um jurista que não tenha estremecido ao presenciar filósofos questionarem o crime de "assassinato" ou jornalistas discutindo a última decisão de um tal "Supremo Tribunal de Justiça" brasileiro.Entretanto, não será difícil encontrar dentre os mesmos aqueles que, diante de termos técnicos de outras disciplinas, incorrem no mesmo e compreensível engano de tomar um termo técnico em sua acepção vulgar. É o caso de um termo filosófico relevantíssimo para nosso exame: intuição, ou "compreensão intuitiva". Apesar de vulgarmente entendido com uma acepção fantástica ou mística, o termo "intuição" ou "compreensão intuitiva" carrega uma carga semântica filosófica histórica, já tendo sido chamada de compreensão de sentido global, pré-compreensão, ou intuição intelectual. É dessa compreensão intuitiva e seu lugar na própria estrutura da razão humana que é preciso falar agora, com base na lição de MACDOWELL.

[23] MAC DOWELL, João A.: Investigação Filosófica sobre Deus – Curso de Filosofia da Religião (apontamentos). Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2013, p. 42, nota 111.

[24] Id. p. 44.

[25] MAC DOWELL, João A.: Investigação Filosófica sobre Deus – Curso de Filosofia da Religião (apontamentos). Belo Horizonte, Departamento de Filosofia da Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2013, p. 41.

[26] Id. p. 117.

[27] RICOEUR, Paul. A L’École de la Phénoménologie. Paris: Librairie Philosophique J.Vrin, 1987. p. 190, tradução nossa.

[28] Id. p.191.

[29] SARTRE, Jean Paul. L’être et le néant. Paris: Gallimard, 1943. p. 220.

[30] HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009 . p. 39, tradução nossa.

[31] FRANK, Jerome. Law and the Modern Mind. New Brunswick, N.J.: Transaction Publishers, 2009. p.7, tradução nossa.

[32] Id. p. 21.

[33] Id. p. 19.

[34] Numa reflexão antropológica interessante, HUSSERL menciona “nossa necessidade de conhecimento concludente e unificador que todo conceitue e compreenda...”, in HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009 . p. 66.

[35] OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. A erosão do juiz como símbolo nas sociedades contemporâneas e a necessidade de formação ética e crítica do indivíduo-magistrado.  Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 11, p. 6859.

[36] OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. O paradoxo do juiz e a necessidade de humanização da justiça. Revista do Instituto do Direito Brasileiro da Universidade de Lisboa, Lisboa, ano 1 (2012), nº 7.

[37] HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009 . p. 68.

[38] HUSSERL, Edmund. La Filosofía, ciencia rigurosa. Tradutor Miguel García-Baró. Ediciones Encuentro, S.A., 2009. p. 68.

[39] Id. p. 69.


Abstract: Answers are looked for to the universal question “how do judge well?” departing from thoughts over the so called judge’s “solitary life of the mind” rather than over extrinsic decision-making criteria. Departing from a diagnosis over the judiciary environment, in which it does not exist an ethics of authenticity as identified by Taylor in contemporary western societies – where each person would be free to adopt his own judgment criteria -, but a false neutrality masking a conflict between technoscientific and humanistic speeches, we state that a progressive atrophy of the humanistic vision of the legal process has been taking place, resulting in a loss of quality in the decision-making process. Based on justice’s teleology, on the need of method-object adequacy and on the intuitive-discursive double structure of human reason, we arrive to the need for the adoption by the judge of the following attitudes: use of his reason in its full capacities; assumption of his own humanity; search for wisdom in the husserlian sense.

Keywords: Judgment. Intrinsic criteria. Ethics of Authenticity. Technoscientific speech. Humanistic speech. Intellectual Intuition. Discursive Reason. Teleologic Reason. Instrumental Reason. Method. Humanity. Wisdom.


Autor

  • Bruno Augusto Santos Oliveira

    Juiz Federal. Juiz Auxiliar da Coordenação dos Juizados Especiais Federais da 1ª Região (entre fevereiro de 2003 a outubro de 2004). Responsável pela concepção, implantação e gestão (até setembro de 2004) do Juizado Virtual do TRF da 1ª Região. Mestre em Direito Constitucional Comparado pela Cumberland School of Law (EUA). Mestre em Filosofia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE.

    Textos publicados pelo autor


Informações sobre o texto

Artigo publicado na Revista de Direito Federal da AJUFE.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Bruno Augusto Santos. Julgar é calcular? Reflexões sobre a inadequação da razão calculadora como critério preponderante das decisões judiciais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4092, 14 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/29450. Acesso em: 7 maio 2024.