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Vitimização do menor infrator

Vitimização do menor infrator

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Este trabalho expõe a situação de agressão do menor infrator e do menor em situação de rua, que constitui abuso de poder em face do princípio-base da Proteção Integral, presente no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Notas Introdutórias

“O bedel Ranulfo, que o tinha ido buscar na polícia, o levou a presença do diretor. Pedro Bala sentia o corpo todo doer das pancadas do dia anterior. Mas ia satisfeito, por que nada tinha dito, porque não revelara o lugar onde os Capitães da Areia viviam. Lembram-se da canção que os presos cantavam na madrugada que nascia. Dizia que a liberdade é o bem maior do mundo Que nas ruas havia sol e luz e nas células havia uma eterna escuridão porque ali a liberdade era desconhecida.

(…)

Pela janela Pedro Bala via o sol. A  estrada passa adiante do grande portão do reformatório. Aqui dentro é como se fosse uma eterna escuridão. Lá fora é a liberdade e a vida. E a vingança, pensa Pedro Bala.

O diretor entra. O bedel Ranulfo o cumprimenta e mostra Bala uns minutos:

-- Afinal… Faz bastante tempo que espero este pássaro, Ranulfo.

O bedel sorri aprovando as palavras do diretor.

-- É o chefe dos Capitães de Areia. Veja… O tipo do criminoso nato. É verdade que você não leu Lombroso… Mas se lesse, conheceria. Traz todos os estigmas do crime na face. Com essa idade já tem uma cicatriz. Espie os olhos… Não pode ser tratado como um qualquer. Vamos lhe dar honras especiais…[2]

Neste trecho da clássica obra de Jorge Amado, escritor baiano, vê-se um tratamento muito cruel para um preso. Sabendo que Pedro Bala é uma criança a crueldade torna-se muito maior. Não bastando a agressão de policiais a um menor, ainda há o reformatório, instituição pública de cunho educacional, que, neste caso, mais se parece com uma prisão. É, inclusive, comparada a uma, por ser escura e não haver liberdade.

Essa história é ambientada em Salvador, anos 1930. Não é aceitável, mas, se se pensar na época, é compreensível. Entretanto, situações como essas não acabaram por completo.

Menores infratores (adolescentes que cometem ato infracional – conduta tipificada no Código Penal como crime ou na Lei das Contravenções como contravenção penal) continuam sofrendo na mão de agentes do Estado. E, se for pensar do lado de fora do instituto de cumprimento de medida socioeducativa, há, ainda, a agressão e repressão de possíveis menores infratores; os menores abandonados ou em situação de rua. É, também, o caso da obra de Amado, pois os Capitães da Areia vivem no Trapiche, por si sós, ajudando uns aos outros, com um sistema hierárquico bem definido.

É o presente trabalho para expor a situação atual do abuso de poder (desvio e excesso) pela agressão do menor infrator em função do princípio-base do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Proteção Integral; e analisar a sua gênese, perante o menor em situação de rua.


2.A gênese sociológica da Delinquência Juvenil

Trindade classifica, em seu livro Delinquência Juvenil, criminalidade como conduta desviada, isto é, a criminalidade vai além da conduta normativa, vai além do saber das normas legais e judiciais sobre a punibilidade. A par desta definição, pode-se definir o contexto das relações humanas pelo modelo sociológico da gênese da delinqüência; o contexto seria definido pelos fatores exógenos, a saber, as circunstâncias ambientais e o elemento situacional da conduta. Adolphe Jacques Quètelet formulou (dentre várias) uma regra de probabilidade chamada “Lei Térmica da Criminalidade”; na qual a criminalidade é influenciada, principalmente, pelo meio geográfico, fatores como clima, temperatura e latitude[3] [o que se vê nesta teoria é um exagero, extensão, do naturalismo – como pode ser analisado muito bem na obra de Aluízio Azevedo, O Cortiço].

Entretanto, quando Enrico Ferri inaugura a sociologia criminal, seu “determinismo” não se prende a fatores estritamente sociais. Ao contrário do que comumente se diz, abarca uma vasta e heterogênea gama de fatores que influenciam o crime, até porque nem todos que passam por uma rua escura cometem delito (circunstância apropriada para tal ato). Deve-se pensar nas características particulares de uma sociedade e considerar também os fatores biológicos e psicológicos. O delito é fenômeno exclusivo da vida do homem-em-relação, isto é, da sociedade humana. E o que, também, explica a delinqüência é a desorganização, a desintegração social analisada por Durkheim, a ineficácia dos controles sociais. Em Merton, encontra-se a teoria da anomia social, a estrutura social estimula aspirações em comum ao mesmo tempo em que limita os meios legítimos para alcançá-las; resumidamente, a televisão mostra produtos que muitos não podem comprar. As crianças são tão vulneráveis às propagandas (veiculadas por todos os meios de comunicação) que merecem proteção especial – inclusive no âmbito do Código de Defesa do Consumidor; exemplifica-se assim: uma criança, ao ver um produto que lhe chama a atenção, pede aos pais (ou a um deles) que sane o problema da vontade comprando o produto; se o pai ou mãe possui recursos suficiente, o desejo fica saciado; se não há recursos (ou não há pais), a criança pode deixar, é claro, de desejar o produto, ou contentar-se em não o ter. O que, também, pode acontecer nesta última ocasião, entretanto, é a criança – leia-se, aqui, criança ou adolescente – obter sua satisfação por meio ilegítimo. A frase encontrada em Trindade pode resumir melhor, “a conduta delinqüencial se produz não só por falta de regulação dos objetivos e metas culturais, mas sobretudo pela dissociação entre esses objetivos e os canais que lhe dão acesso.”[4] (sic) (grifo nosso).

Com a teoria do controle, de Hirschi, que tem a mesma linha da teoria da contenção (social), de Reiss, Re-ckless e Nye, há a ideia de que a delinquência juvenil é um ato no qual se verifica o rompimento ou fragilização do vínculo com a sociedade.

A contenção social é feita pela pressão dos aparelhos da sociedade, enquanto a contenção interna desenvolve-se por meio de uma socialização adequada. As pressões externas e internas são capazes de controlar as desigualdades sociais e econômicas, a força que provém das subculturas, bem como impulsos agressivos derivados da frustração.

Como notou Empey (1978), todas as versões da teoria do controle pressupõem que os membros da sociedade compartilhem de um mesmo sistema de valores. A delinquência, então é o resultado da refutação da ordem convencional, por causa de uma socialização incompleta ou ineficaz às normas consensuais.[5] (grifo nosso)

Em continuidade, há a teoria ecológica, remontando o que foi dito anteriormente, com referência a circunstâncias ambientais. Esta teoria teve diversos defensores, dentre eles, Robert Ezra Park, que aplicou o ecossistema natural ao urbano. Ele concluiu que a instabilidade, perda do padrão de obediência às normas pelas dificuldades de internalização do contrato social, ou constatação de que a sua quebra não implica castigo (falha dos órgãos de controle), favorecem a delinquência, em zonas predispostas de uma grande cidade. Em metrópoles como São Paulo e Rio de Janeiro, é costume saber as regiões em que há maior probabilidade de ocorrência de um delito, vide gratia.

Encontra-se, ainda nesse prisma, a tese da subcultura da violência, de Marvin Wolfgang e Franco Ferracuti, exposta por Trindade; tese

(…) segundo a qual alguns segmentos da sociedade adotaram valores subculturais violentos. Tais valores fornecem um suporte normativo para o comportamento violento, aumentando a probabilidade de que impulsos de natureza hostil culminem numa interação agressiva. Os membros de uma subcultura da violência aprendem a usar armas, a litigar com mais frequência e a responder de modo mais agressivo aos estímulos do meio, particularmente nos grandes centros urbanos.[6]

Remontando Merton, há, ainda, a teoria da tensão, que parte de pressuposto semelhante à teoria do controle, afirmando que a sociedade é caracterizada por um consenso de valores. Há metas de sucesso, tais quais educação, profissão e independência econômica, para serem perseguidas pelas crianças (de classes baixa, média ou alta). Quando as oportunidades convencionais para atingir as metas são obstaculizadas, ocorre a delinquência (como mostrado sucintamente acima). “A causa da delinquência não está no indivíduo ou na sua família, mas nas barreiras ou nos obstáculos estruturalmente determinados, que precluem as oportunidades legítimas para o sucesso.”[7] Há uma resposta individual de adaptação, a qual Merton – feitor do trabalho em que aparece a teoria da tensão – chamou de “Inovação”; há um sistema social com objetivos – metas culturais – e meios – instituições ou meios institucionais – para obtê-los. Quando o indivíduo está inserido no meio cultural, ao ponto de ter as mesmas metas culturais impostas pelo meio, e não possui recursos suficientes para obtenção dos objetivos, ele [indivíduo] tende a utilizar-se de outros meios que não os institucionalizados, surge aí o crime ou, no caso do adolescente, o ato infracional.

No conflito de funções [ausência de norma clara que guie o comportamento], manifesta-se um cruzamento de normas que geram um profundo conflito humano. A opção depende da importância que o sujeito dá a cada função. Produz-se uma tensão entre desejo e sua satisfação. Se opta por uma, desvia-se da outra, e vice-versa.

Desequilíbrio meios-fins: o sistema social não oferece nenhum meio adequado para resolver a questão. Assim, porá exemplo, a sociedade americana gera anomia ao prescrever o êxito sem proporcionar a todos os meios adequados. O meio é buscado por outros canais. A estrutura social, pois, gera a anomia.[8]

Em bela exposição das ideias de Merton e Durkheim, Trindade fala da sociedade americana como sociedade anômica; sociedade a qual foi tratada por Merton, por ser a da sua nacionalidade. Entretanto, não se pode esquecer que a sociedade brasileira, hoje, segue os mesmos padrões, tendo – em grande parte – os mesmos ídolos e metas, se não semelhantes ou adaptados. A obtenção de um bem alheio pode trazer prestígio social – não pelo ato, mas pela possibilidade de exteriorizar o bem. Apresenta-se, também, a pirâmide hierárquica das necessidades, de Maslow, onde uma necessidade inferior precede uma superior; ao passar de uma necessidade à outra, a última passa a ser mais importante; v.g., um indivíduo possui necessidades fisiológicas, se não as têm sanadas não irá pensar na sua segurança, ao passo que se põe a pensar na segurança, as necessidades fisiológicas ficam em segundo plano – até lhe serem privadas. Ainda segundo Trindade, nas crianças e adolescentes a compreensão dos valores é limitada e suas necessidades pedem por satisfação mais imediata, pois presididas pelo princípio do prazer. Com isso, podem ser explicadas as infrações juvenis contra o patrimônio, uma vez que o meio social é escasso de necessidades básicas.

Entretanto, há, segundo Durkheim, na organização social e moral o desvio, implicitamente. É um processo que inicia pela afinidade e prossegue pela afiliação; não há contágio, então, há convicção. Converte-se na prática de uma nova conduta preestabelecida; existe, portanto, autodeterminação. Segundo David Matza, quando realizado ato infracional, é assumida a identidade de delinquente. Trindade afirma – pelo prisma da teoria da tensão – que

A delinquência, portanto é o produto da tensão que se estabelece a partir do impedimento para atingir essas oportunidades. Os bandos juvenis formam-se especificamente nas áreas onde as oportunidades legítimas são mais limitadas. Por exemplo, supõe-se que os membros da subcultura criminal sejam jovens racionais e inteligentes, que cometem ações delinqüentes para obter bens materiais e status social.[9] (sic)

Existe ainda o viés marxista, por Turk, que diz que há divergência entre as aspirações das classes dominante e dominada, e que a delinquência seria um produto da ordem estabelecida; somente com uma sociedade socialista e o colapso do capitalismo cessaria a delinquência.[10]


A proteção ao Menor Infrator

Conforme as Regras de Beijing (Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e Juventude), “infração é todo comportamento (ação ou omissão) penalizado com a lei, de acordo com o respectivo sistema jurídico” (art. 2.2 – b), e “jovem infrator é aquele a quem se tenha imputado o cometimento de uma infração ou que seja considerado culpado do cometimento de uma infração.” (art. 2.2 – c). No ponto seguinte – dentro do mesmo artigo “Art. 2. Alcance das regras e definições utilizadas” – esse ato normativo fala

Art. 2.3 Em cada jurisdição nacional procurar-se-á um conjunto de leis, normas e disposições aplicáveis especificamente aos jovens infratores, assim como aos órgãos e instituições encarregados das funções de administração da Justiça da Infância e da Juventude, com a finalidade de:

Satisfazer as diversas necessidades dos jovens infratores, e ao mesmo tempo proteger seus direitos básicos;

No Brasil, esse conjunto de leis, em vigor, que é aplicável especificamente a jovens infratores é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que “perfilha a ‘doutrina da proteção integral’, baseada no reconhecimento de direitos especiais e específicos de todas as crianças e adolescentes (v. art. 3º).”[11] Anteriormente, vigorava (até 1990, quando entrou em vigor) o Código de Menores. José Barroso Filho expõe bem as diferenças entre os dois códigos, em um quadro comparativo. Enquanto a base doutrinária do ECA é a “Proteção Integral”, para o Código de Menores era o “Direito tutelar do menor”, isto é os menores eram objetos de medidas judiciais quando se encontrassem em situação irregular. Em disparidade com a intenção de “desenvolvimento social” do ECA, o antigo código servia como “Controle Social”; assim, também, era diferente a visão que se tinha da criança e do adolescente, enquanto no ECA estes são sujeitos de direito como pessoas em desenvolvimento, antigamente eram, simplesmente, objeto de medidas judiciais. O Código de Menores preconizava a Prisão Cautelar, enquanto o ECA restringe esta à dois casos, o flagrante de ato infracional e ordem expressa e fundamentada do juiz (base na Constituição Cidadã de 1988).

Seguem as mudanças mais relevantes para o foco deste artigo: (a) quanto à Infração – se não houver grave ameaça ou violência, pode ocorrer remissão concedida pelo Ministério Público (sujeita à homologação judicial), excluindo o processo, pelo Código de Menores, todos os casos de infração passavam pelo juiz; (b) Vulnerabilidade sócio-econômica – existe, hoje, o Conselho Tutelar, órgão que atende os casos de situação de risco pessoal e social, antigamente, os menores carentes, abandonados e infratores deveriam passar pela mão do juiz; (c) Internamento provisório – antigamente, era a medida mais rotineira, a partir do ECA só haverá internamente provisório em caso de infração cometida com grave ameaça ou violência à pessoa ou reiteração de ato infracional.[12]

Pelas Regras de Beijing, limita-se o uso da força ou coerção física a casos excepcionais, quando já não houver mais outros meios de controle, sendo que este uso não pode levar a lesão, dor, humilhação, nem degradação e deverão ser usados de forma restrita pelo menor período de tempo possível. (art. 64) Não é o que ocorre, como frequentemente se vê, em São Paulo (restringe-se, aqui, a territorialidade, para que não se amplie exageradamente as possibilidades) – houve grande caso de tortura na extinta Febem (Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor) em 2000, com condenação aos torturadores em 2006[13]; entretanto, no mesmo ano da condenação, não se deixou de aplicar os mesmos métodos de tortura[14], mas não houve mais tortura em massa, teoricamente, não se pode saber, também se continua existindo tal fato na Fundação CASA (Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente), que substituiu a antiga Febem no tratamento de internação do menor infrator.

O artigo 65, também das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude, prevê a proibição do porte e uso de arma por parte dos funcionários dos “centros” onde haja jovens detidos. Isto ocorre hoje no Brasil, mas não é vontade unânime. Há, arquivado, na Câmara dos Deputados, projeto de lei[15] que permite o porte de arma justamente para os Agentes de Segurança Socioeducativos; insta-se que o projeto somente está arquivado porque a legislatura de seu criador – Márcio França do PSB-SP – chegou ao fim[16]. Não só há a vontade, como existe, também, ação para que haja mais repressão interna aos adolescentes infratores. O que se pode ver é uma sociedade que fica dividida (até mesmo por classes ou etnias) e que não absorveu, ainda, o conceito de Proteção Integral trazido há mais de 20 anos pelo ECA.


A gênese do menor infrator no Brasil

Segundo Magalhães Noronha, a “gênese do crime está, em grande parte, na infância e na adolescência abandonadas.”[17] O problema do menor abandonado é, conforme Guaracy Moreira Filho, um dos mais graves a ser enfrentados pela sociedade brasileira. Com as condições com as quais crescem e convivem – a vida na (ou pela) rua, lidando com sustento e sobrevivência por si sós, necessidades básicas precaríssimas (restos de comidas, falta de saneamento) e a companhia de bandidos, v.g. – não se pode esperar um avanço muito grande ou competitividade dos menores abandonados, ou infratores.

As políticas governamentais, muito aquém da necessidade, não conseguem atingir os internos, sendo a maior dificuldade para a reinserção do infrator na sociedade; os atendimentos a menores infratores são feitos por instituições muito ruins, com recursos precários [em condições de higiene, e, como mostrado, havendo excesso de poder por parte dos funcionários].

Segundo o autor, é possível – para as cidades – abrigar os milhares de menores abandonados que existem no Brasil – não há, ainda, um estado irreversível. Entretanto, a origem desse fato (o abandono) é a falência da família; o que, provavelmente, gerou essa falência foi a falta de condições para se manter ou conseguir um emprego, má distribuição de renda e terra, isto é, a fomentação de uma economia agressiva em detrimento da garantia de direitos fundamentais. Faltará, portanto, o que realmente necessitam essas crianças e adolescentes, isto é, mãe, pai, casa, cama, carinho, amor. É possível, contudo, que sejam criados meios e instituições que sanem, em parte, esse problema. Há capacidade para construção de escolas de permanência por período integral, na qual haja boa alimentação e instrução vocacional; que os instrua para a vida – que não haja exploração dos pais ou outros maiores de idade. Nas condições atuais, não há possibilidade de competição no mercado de trabalho, por exemplo, com menores que cresceram com lar. Necessita-se, para atingir tais objetivos [que mais parecem utópicos, à realidade que presenciamos], vontade política; isto é, mudança de mentalidade dos governantes[18] [e da sociedade, pois esta impulsiona os atos políticos, incentiva os governantes a agirem, nem que para serem mantidos no poder; ou, na melhor das hipóteses, é a sociedade quem escolhe seu governante, podendo escolher um com nova mentalidade].

Apesar dessas constatações, há quem defenda a redução da maioridade penal. Atualmente, o Código Penal adota o critério biológico-normativo, bastando não ter completado a maioridade penal (18 anos) para não estar afeto ao Código Penal (sendo adequando ao Estatuto da Criança e do Adolescente), não interferindo nessa questão o real poder discernimento do menor.

Ressalta-se que nem todo menor em situação de rua (na rua, da rua, v.g.) tem a mesma condição social; por diferenciação entre moradia, infração, trabalho e lazer, Patrícia da Matta observa que os “limites foram alargados, estendidos a tal ponto que a condição de pobreza era a única característica comum entre as crianças e adolescentes incluídos nesta categoria.” (grifo nosso)[19]. Segundo a autora, essa pobreza é uma situação de riso, com uma relação histórica de pobreza-periculosidade. Essa situação de rua aproxima-se da situação irregular contida no extinto Código de Menores;

(…) a infância pobre permanecia no trânsito entre o abandono e a infração; e, consequentemente, marcada pela noção de carência no abandono – e hoje, também, vitimização – associada diretamente, ou como potencialidade, à periculosidade na infração.[20]

As diferenças entre as infâncias que são vividas na rua são tamanhas que se podem traçar algumas características que são, na maioria das vezes, comuns em crianças e adolescentes que nascem e crescem em um lar, uma família, uma residência física. Patrícia da Matta aponta algumas realidades que conheceu quando de sua pesquisa em rua. Viu crianças que queriam bens de consumo e uso para a família (uso coletivo), mas outras que pensavam em bem pessoal (como minigame). Ela distingue “níveis de aproximação com o universo da rua e a acessibilidade ao consumo”, existindo: (a) sobrevivência e inscrição pelas “bordas” na sociedade de consumo – como, e.g., alguém que trabalha em um restaurante, fica próximo, mas alheio, a este modo; (b) acesso aos bens de consumo por uma via secundária – pegar o que jogam fora de estabelecimentos, ou “pegar escondido”; (c) interdição ao uso e consumo pela limitação ao assistir ao que é visto no outro e ser expulso de estabelecimentos – como ver uma marca na camiseta de alguém que perambula na rua. Outra característica que lhes permeia é uma cultura própria, mais caracterizada com o rap[21], via que permite que sejam expressadas as opiniões próprias e que revelam grande aversão a oficiais da polícia, justamente pela repressão que estes lhes fazem.[22]

O abandono do menor não, infelizmente, é exclusividade brasileira – Selma Aragão relembra a triste história das duas irmãs indianas (Amala e Kamala) que nasceram em meio à selva e, quando levadas à civilização, não se adaptaram completamente à sociedade humana. Faz, ela, grande comparação com a infância abandonada no Brasil, in verbis:

A história de Kamala, a menina-lobo, para mim é atualíssima. Ela me lembra os milhões de menores abandonados soltos pelas selvas das cidades brasileiras. São milhões de meninos-lobos pelas esquinas e avenidas, dormindo em praça e debaixo de marquises, sobrevivendo do melhor jeito que podem. São meninos-lobos cheios de astúcia, lambendo o prato raso da miséria, rosnando para os pedestres apressados e alheios a seu drama. Não nos cansamos de indagar de que forma a sociedade brasileira vai incorporar esses meninos-lobo? Como retirá-los da selva e acomodá-los em salas? Como arrancá-los da indigência e trazê-los para a cultura? Como transformar esses meninos-lobo em seres humanos?[23]

A autora caracteriza de “cidadania vazia” o que se passa no Brasil. “São exércitos de infratores e carentes, guerrilheiros de luta sem ideologias, mártires de uma sociedade que os vitimiza e os trata na tipologia da ‘coisificação’.”[24]


A delinquência juvenil

Toda criança recebe com emoção as experiências que presencia, que é sempre uma experiência nova para a vida desta, e não há mediação entre o impulso e o mundo externo. O que se passa na mente infantil logo vai para a instância da ação, isso se dá pela diminuída capacidade de ser e estar no mundo, o que explica a inimputabilidade genérica conferida pela lei. Por esse conceito, pode-se incluir no comportamento infantil muitos atos que transigem a conduta social – sendo, portanto, conduta desviada –, não podendo todos os tipos de desvios de conduta serem considerados como forma de delinquência. Middendorff, pela convicção de que prevenir é melhor que sancionar, diz que delinquência juvenil é a conduta dos jovens desaprovada pela comunidade e determinante de uma intervenção do Estado – ressalta-se, aqui, a importância dessa intervenção estatal –, com observância dos limites de idade vigentes e dos preceitos relativos à responsabilidade penal[25].  Segundo Romano Ricciotti, há fatores que contribuem para o incremento do fenômeno da delinquência juvenil: a crise do consumo e escassez de bens materiais, a crueldade social, a quebra do modelo tradicional da família, a crescente mídia, a insuficiência da ação a educativa, a predominância da moral hedonista e dos impulsos agressivos. Em contrapartida, há autores que acreditam não haver aumento da delinquência, mas sim maior comprovação da mesma.[26]

Há quatro pontos de vista para se perceber a delinquência: o jurídico, o médico, o psicossocial e o sociocultural. Este trabalho apresentará, sucintamente, apenas, os enfoques jurídico e sociocultural. O primeiro enfoque [jurídico] considera delinquência o fato tipificado pela lei penal, como demonstra o artigo 103 do ECA; tendo como principal objetivo evitar a conduta descrita no preceito normativo (o verbo). A medida coercitiva é a tônica do processo, e a educação se faz pelo medo que a sanção – no sentido penal, e a qual sempre acompanha o preceito normativo – impõe. Para o enfoque sociocultural, a delinquência é tida como comportamento desviante – haja vista a atribuição de certa importância a determinados assuntos. Acentuam-se, por esse ponto de vista, as condições do sujeito, conforme seu registro histórico e todos os fatores que importam para sua ação.  Nesse quesito são importantes habitat, família, escola, grupo de iguais, trabalho e, até, a recessão econômica mundial; isto, pois o que se vê é uma inadaptação, fato que não pode ser enclausurado normativamente, por ser conceito de vida. Jorge Trindade afirma o modelo educativo[27], no qual fato, sujeito e contexto (componentes correlatos da delinquência) formam uma unidade interpretativa. Esta interpretação se faz em nome do sujeito (menor), ela é uma atuação que favorece a cultura e permite, em condições de igualdade de oportunidades, desenvolver aptidões e entendimento individual, compreender o sentido de responsabilidade moral e social, e formar um membro transformador da relação contexto-sociedade. Portanto, para Trindade, a delinquência juvenil é fato sujeito e contexto, não se excluindo nenhum deles.[28]

Como dito anteriormente neste tópico, há necessidade da intervenção do Estado. E as decisões que são tomadas pelo Estado judicial têm caráter educativo, objetivando a reinserção social, levando sempre em consideração a personalidade dos interessados.[29]

Em comparação dos modelos vistos no extinto Código de Menores e no vigente Estatuto da Criança e do Adolescente, podem-se retirar ideias comuns: (a) o ato infracional – contrastado com o crime ou a contravenção penal – é conceito jurídico, não importando o real estado psicopatológico do sujeito, este deve ser menor de 18 anos (tendo, pelo menos, 12 anos), pois o que se adota no Brasil é o modelo biológico [por ser jurídico, pode-se mudar o entendimento conforme as razões históricas e sociais]; (b) o menor é um cidadão, sujeito de direitos e deveres – é pessoa em desenvolvimento –, havendo necessidade de uma especial atenção das instituições e do Estado. A criança e o adolescente tem direitos fundamentais e direitos específicos, respectivamente como pessoa e como menor de 18 anos; (c) a ideologia protetora (fulcrada no princípio da Proteção Integral) pode mascarar privação de garantias e direitos reconhecidos para a totalidade, abrindo-se a possibilidade de abusos sob o pretexto de ser interesse da criança ou adolescente.[30]

Conforme o modelo educativo entendido por Trindade, pode-se, assim, explicar os critérios de qualidade da medida socioeducativa:

Proteção e repressão, aspectos às vezes co-implicados no atendimento educacional do adolescente, não têm conteúdo de pena criminal, pois os menores estão isentos de pena. A resposta social não tem qualidade de sanção penal. Não se trata, como afirmam alguns realistas, de mero eufemismo. Por isso, a medida socioeducativa, aplicável somente a adolescentes (maiores de doze anos) e nunca a crianças (menores de doze anos), deve obedecer aos seguintes critérios de qualidade:

  1. ter caráter educativo;
  2. visar à socialização;
  3. estar adequada à etapa desenvolvimental e às necessidades individuais.

A qualquer tempo, se o adolescente estiver, se o adolescente estiver socializado ou reeducado, no sentido de que reúne condições de conviver melhor com os outros e consigo mesmo, o julgador tem a obrigação de desconstituir a medida, que deixou de ser necessária, pois sua finalidade foi alcançada. Nenhuma medida socioeducativa se sustenta em si mesma. (…)

A responsabilidade dos menores (…) não se confunde com a capacidade de imputabilidade do adulto. Diferencia-se mais qualitativamente do que quantitativamente. Reclama uma dimensão social. Em outras palavras, é simultaneamente pessoal e social; individual e coletiva. Deve servir para estimular o processo de socialização e, nesse sentido, aumenta a responsabilidade dos adultos, das instituições e da sociedade.

É imprescindível haver inter-relação entre órgãos de aplicação e órgãos de execução das medidas, sob pena de as decisões judiciais ficarem sem controle e sem resposta. Esta é mais importante do que a medida em si.[31] (grifo nosso)

O que se vê, atualmente, não é o que deveria ser visto conforme a lei; é visível e gritante o anacronismo do texto legal que ampara o menor infrator.


Conceito de vítima

Segundo Smanio e Fabretti, vítima “é o sujeito passivo eventual, material, específico em cada crime, é quem sofre a lesão do bem jurídico de que é titular.”[32] Com esse conceito, pode-se imaginar que o infrator não pode ser equiparado à vítima; entretanto, como bem asseveram os autores mencionados “As guerras mundiais e os conflitos que permanecem até os dias de hoje mostraram a necessidade de proteção das vítimas não só de crimes, mas também de abusos de poder praticados pelos Estados.”[33] Portanto, com este esclarecimento, é certo que o menor infrator não só pode ser como, de fato, é vítima.

Acrescenta-se, a este conceito, uma das definições de vítima dada por Guaracy Moreira Junior, a qual chama de “Vítima da Política Social”. São as chamadas de vítimas do Estado, “são encontradas não só em países de regimes políticos instáveis e pobres onde predominam guerras e revoluções, como também nos países em desenvolvimento, como o Brasil.”[34] É o chamado crime branco, praticado pelo poder público contra a sociedade.

Há muitas práticas, como já mostradas, de opressão ao menor interno; práticas as quais são degradantes, não, apenas para o menor, para a sociedade em geral. O inciso I do artigo 98 do Estatuto da Criança e do Adolescente fala que “As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados. I – por ação ou omissão da sociedade ou do Estado (…)”. Válter Ishida aponta, ainda, que – com este inciso – “temos a possibilidade de ser  determinada a (…) correção de irregularidade na execução de políticas públicas, (…) obrigatoriedade de oferta eficiente e regular de serviços públicos obrigatórios (…).”[35] (grifo nosso) É claro, com isto, o descaso do Estado e a falta de ação da sociedade, pois haveria meios para finalizar completamente a ofensa indevida que é feita aos internos. À luz desse artigo, poder-se-ia pensar em medidas protetivas ao adolescente que sofre maus-tratos (piores que poderia ser em um núcleo familiar) nas mãos dos maus funcionários do Estado.

Há uma tensão entre cultura instituída e direito posto, como já foi dito, causando certo anacronismo. As políticas públicas encontram-se em época mais remota que as leis que as abrangem; o artigo 227 da Constituição Federal, por exemplo, fala em prioridade absoluta da infância e juventude em nosso país, que essa ideia seja desencontrada com a mente de  grande parte da população já é assustador, mas quando é o próprio Estado quem não cumpre algo que deveria ser prioritário, a aberração já se alterou de nome. Existe uma necessidade de efetivação do princípio da proteção integral. Conforme o artigo 122 do ECA, nenhum adolescente poderá sofrer medida de internação se houver outra mediada mais adequada; não cabendo a ele, mas ao Estado, provar que se cometeu o ato infracional, e quem foi o sujeito da ação. Ademais, o artigo diz expressamente que a medida poderá ser aplicada, não deverá. Considera-se, para a aplicação da medida, as características psico-sociais e a segurança pública, no que se diferencia do processo penal.

(…) o direito da infância e juventude, ao regular a apuração do ato infracional, focaliza de forma privilegiada as condições psico-sociais do adolescente. Assim, não existe o modelo ‘para tal conduta, tal sanção’. A descrição de condutas serve, como podemos observar no artigo 122, para limitar a possibilidade de aplicação da privação de liberdade, não para determiná-la.[36]

Ao menor interno, a vitimização pode vir, no mínimo, em dobro; pelas repressão, opressão e agressão feitas dentro da instituição e antes de seu ingresso, como visto supra. “A violência”, segundo Elida Séguin, “está presente no ambiente familiar e em condutas omissivas do Poder Público e da Sociedade Civil, entre estes os educadores que fecham os olhos às evidências de maus-tratos.”[37] Como se percebe, o poder público peca, neste caso, pela ação e pela omissão.

Segundo o artigo 18 do ECA, todos devem velar pela dignidade da criança e do adolescente, evitando que qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor lhe seja feito. É nessa questão que há violência de toda a sociedade para com o menor infrator, é a chamada violência branca, que está ligada à omissão. É um “deixar se fazer que também vitimiza.”[38]

É certo que no caso de internos é difícil, mas não impossível, alguém da sociedade civil ser omisso, não por agir de fato, mas por não ter real acesso às condições de existência. Desta forma, o artigo 125 do ECA salienta que “É dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhes adotar as medidas adequadas de contenção e segurança.” Como bem observa Ishida,

A responsabilidade pelo zelo da integridade do adolescente interno é do Poder Público. A responsabilidade abrange a conduta comissiva ou omissiva, apurada por meio de ação civil pública, por meio de ação de responsabilização individual e de indenização.[39]

Acrescenta-se com a ideia de Elida Séguin,

A luta em defesa dos indivíduos contra os abusos dos mais fortes esbarra numa grande hipocrisia. O Estado transforma-se, em nome de interesses econômicos, num dos mais importantes vilões dos Direitos Humanos ao deixar de cumprir o que lhe cabe.

(…)

Uma forma cruel de vitimização ocorre pela omissão. Omissão estatal e da própria comunidade que assiste silente ao sofrimento de grupos politicamente minoritários.

Os direitos econômicos e sociais são um prolongamento dos direitos e liberdades individuais, contemplando a pessoa humana, além de sua qualidade pessoal, para garantir seus direitos de participação na sociedade, a substituição de um conceito de justiça distributiva pelo de uma justiça comutativa, que deve levar em conta as desigualdades individuais.[40]

Não bastando a vitimização que sofrem, por repressão completamente injusta, os menores infratores; há possibilidade da criança o adolescente ser vitima do Estado ser estar nessa situação. Ao que expõe Selma Aragão ao tratar dos irmãos gêmeos na Birmânia (atual Mianmar) que lideraram os rebeldes cristãos de seu país,

Estes heróis guerreiros que chegam aos 12 anos adorados como divindades, fizeram a passagem do ser criança a adolescente lutando para sobreviver num mundo onde os direitos humanos foram transformados na banalidade do mal. São vítimas e agressores de si mesmos. São histórias reais, e mostradas como culto do que ocorre no universo das crianças e adolescentes no mundo.[41]


Considerações Finais

Em suma, a “conduta delinqüencial é produto de um controle social ineficiente, de socialização frustrada por pais desinteressados, fracasso escolar, falta de perspectivas profissionais e um sistema legal duvidoso.” (TRINDADE, p. 73). Isto é, é um problema social por afetar a sociedade e por originar-se desta. Põe-se em questão, aqui, a indubitabilidade do ordenamento jurídico brasileiro como um todo; se a delinquência é causada por uma anomia ao ponto de não haver segurança na aceitação da lei por todos, é possível que a sociedade como um todo seja questionável e não passível de respeito e ordem.

Neste diapasão, há, como foi falado, o anacronismo, que ocorre pela não sincronia do texto legal com os acontecimentos reais – é uma exacerbação de erro no “dever ser” da norma legal. Já foram apontados os artigos 18 do ECA e 227 da Carta Magna brasileira; acrescenta-se a esta lista alguns: os artigos 66 usque 68 das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing). São alguns dos artigos que tratam, especificamente dos “Procedimentos disciplinares”. Nossas normas cumprem bem o que as Regras de Beijing programam. Ocorre que há crassa disparidade entre a tipificação e a prática.

A única solução possível quanto à isso é a criação de consciência no todo da população, mudança de consciência jurídica. Uma real mudança de mentalidade, assumindo qual é a realidade social e cumprindo o que esta no texto legal. Há extrema necessidade de que essa mudança seja coletiva, e que não exista uma cultura do privilégio, de levar a melhor em todas as situações. Conforme é o pensamento da criminologia crítica, a saber:

Enquanto a teoria tradicional propunha unicamente o tratamento dos jovens infratores e a luta contra os fatos que eles levavam a cabo, a criminologia crítica, ao contrário, fala muito pouco da luta contra os fatos, do tratamento dos infratores, insistindo, no entanto, com todas suas energias, na reconstrução das estruturas sociais e na sua reforma. A política criminal, mais que instrumentos policiais, deve buscar as chaves que decifrem seus mistérios. Somente num segundo plano os criminólogos críticos se preocupam com respostas dirigidas diretamente aos infratores. Sua meta principal está em reestruturar a sociedade mais que a reinsertar o indivíduo. Afirma, ademais, que as sanções do tipo penal, enquanto não mudem radicalmente de sentido, produzem um mal maior e que a prevenção tradicional resulta contraproducente, em especial a secundária dirigida ao jovem infrator. Em troca, quando o sujeito passivo é toda a comunidade, pode ser benéfica e lograr corrigir as estruturas injustas, considerando a necessidade de evitar as estigmatizações, as incriminações e as etiquetagens. Daí por que a teoria crítica guarda afinidade com a tese de que o adolescente não pode ser sujeito somente da repressão. (TRINDADE, pp. 86 e 87) (grifo nosso)

A soma do histórico de agressões praticadas por funcionários contra menores internos, da vontade de que esse grupo de funcionários seja “melhor” equipado e da hostilização dos menores abandonados (muitas vezes possíveis ou reais infratores), deixa visível a falta de sensibilidade ou consciência das autoridades e do sistema (não só prisional, como o social em geral) para com o menor infrator. Não só falta adesão, como, muitas vezes, parece que se abdicou do princípio da Proteção Integral ao menor; que, mesmo sendo infrator, merece recuperação e atenção, uma ressocialização de fato e não, apenas, de direito.

Ademais, deve-se buscar sanar o problema na fonte; acabar com as causas que, mais evidentemente, originam o cometimento de ato infracional. Para tanto, é necessária que a mudança de consciência seja, também, social. A criação de abrigos ajuda a resolver o problema dos menores em situação de rua existentes, mas uma família um lar sólidos acabam com a chance de novos menores em situação de rua. A estrutura educacional e o entendimento do ser perante a realidade seriam outras mudanças que fariam cessar a origem de menores infratores e internos.

O que se urge fazer instantaneamente é o fim das agressões a internos, por maior que seja o grau de periculosidade, uma vez que a agressão não deve ser adotada, senão finda todas outras medidas cabíveis; tentando aplicar estas medidas e não supondo sua falha, apenas.


Referências

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Notas

[2] AMADO, Jorge. Capitães da Areia. [S.I.]: LCC Publicações Eletrônicas. Disponível em: <http://www.culturabrasil.org/zip/capitaesdeareia.pdf>. Acesso em: 20 nov. 2011.

[3] TRINDADE, Jorge. Delinquência Juvenil: compêndio transdisciplinar. 3ª ed. revista e ampliada. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2002, pp. 71 e 72.

[4] TRINDADE, idem, pp. 72 e 73.

[5] Idem, ibidem, p. 74.

[6] TRINDADE, op. cit., p. 75 e 76.

[7] Idem, ibidem, p.76.

[8] TRINDADE, op. cit., p. 77.

[9] Idem, ibidem, pp. 78 a 81.

[10] TRINDADE, op. cit., p. 81.

[11] ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da criança e do adolescente: doutrina e jurisprudência. 8 ed. – 2. Reimpressão. São Paulo: Atlas, 2002, p. 1.

[12] BARROSO FILHO, José. Ato Infracional: sentenças e normas pertinentes. Belo Horizonte: Nova Alvorada, 1997, pp. 155 a 157.

[13] BARBOSA, Bia. Indignação de funcionários garantiu condenação de diretores. Carta Maior. São Paulo, out. 2006. Seção Direitos Humanos. Disponível em <http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12477 > acesso em: 15 de nov. de 2011.

[14] BARBOSA, Bia. Tortura na Febem-SP continua até em unidades pequenas. Carta Maior. São Paulo, out. 2006. Seção Direitos Humanos. Disponível em <http://cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=12482> acesso em: 15 de nov. de 2011.

(15)Projeto de Lei nº 7335 de 2010 (PL 7335 / 2010) do ex-Deputado Federal por São Paulo, Márcio França do PSB (Partido socialista Brasileiro).

[16] BRASIL. Projeto de Lei nº 7335, de 18 de maio de 2010. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoes Web/fichadetramitacao?idProposicao=477507>. Acesso em: 15 de nov. 2011.

[17] NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal, v. 1. p. 173. Apud MOREIRA FILHO, Guaracy. Vitimologia: o papel da vítima na gênese do delito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004, p. 85.

[18] MOREIRA FILHO, Guaracy. Vitimologia: o papel da vítima na gênese do delito. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 2004, pp. 86 a 88.

[19] SHINE, Sidney, (organizador). Avaliação psicológica e lei: adoção vitimização, separação conjugal, dano psíquico e outros temas. São Paulo: Casa do Psicólogo®, 2005. Capítulo: A meninice e a institucionalização da situação de rua: práticas institucionais, discurso e subjetividade. SILVA, Patrícia Regina da Matta, p. 118.

[20] Idem, ibidem, p. 118.

[21] Estilo musical, surgido na periferia de cidades americanas, ganhou grande força no Brasil na década de 90, sendo visto como estilo marginal, não só de música, mas de agir. Muitas vezes associado à criminalidade, é muito mal visto e não entendido por grande parte da sociedade; há muitas músicas deste estilo que não pregam repressão ao sistema, mas – embora entendam que são reprimidos pelo sistema – pregam que seja cursado um caminho “correto” para que fique longe de problemas e consiga uma vida melhor.

[22] SHINE. op. cit., pp. 147 e 149.

[23] SÉGUIN, Elida, organizadora. Sociedade Brasileira de Vitimologia. Aspectos Jurídicos da Criança. Rio de Janeiro: Editora Lumem Juris, 2001. Capítulo: Meninos-Lobo e Meninos Gêmeos: Vítimas e Agressores de Si Mesmos, p. 152. ARAGÃO, Selma.

[24] Idem, ibidem, p.153.

[25] A idade da responsabilidade penal é, hoje, igual a de capacidade civil – 18 anos –; não havendo necessidade dessa igualdade, embora dê maior segurança jurídica à população.

[26] TRINDADE. op. cit., pp. 39 a 43.

[27] Em detrimento do modelo repressivo adotado pelo Código de Menores e do abolicionista – no qual a criança e, em parte, o adolescente tem sua culpa abdicada, sendo a sociedade a grande responsável por eles, sem determinação própria dos mesmos – adotado pelo ECA.

[28] TRINDADE. op. cit., pp. 44 e 45.

[29] Idem, ibidem, p. 50.

[30] Idem, ibidem, pp. 58 e 59.

[31] Idem, ibidem, pp. 59 e 60.

[32] SMANIO, Gianpaolo Poggio, FABRETTI, Humberto Barrionuevo. Introdução ao direito penal: criminologia, princípios e cidadania. São Paulo: Atlas, 2010, p. 91.

[33] Idem, ibidem., p. 91.

[34] MOREIRA FILHO. op. cit., p. 167.

[35] ISHIDA. op. cit. p. 144.

[36] SÉGUIN. op. cit. Capítulo: Adolescentes Privados de Liberdade Convite à Revisão da Análise Jurídica. BARBOSA, Leonardo A. De Andradade, RICCI, Rudá. pp. 78 a 81.

[37] SÉGUIN. op. cit. Capítulo: A Omissão como Vitimização da Criança. A violência Branca. p. 133.

[38] Idem, ibidem, p. 139.

[39] ISHIDA. op. cit., p. 200.

[40] SÉGUIN. op. cit., p. 145.

[41] SÉGUIN. op. cit., p. 151.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BONECKER, Pedro de Sylos. Vitimização do menor infrator. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4181, 12 dez. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31251. Acesso em: 4 maio 2024.