Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/31881
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Memórias Póstumas de Brás Cubas: reflexões jurídicas

Memórias Póstumas de Brás Cubas: reflexões jurídicas

Publicado em .

A literatura para o cientista do direito, deve ser vista, como uma ciência que irá melhorará seu senso crítico no momento da aplicação da norma ao caso concreto. A obra Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis é uma cópia fiel da realidade social vivida no Século XIX.

Resumo: O Direito e a literatura são disciplinas que se completam. As obras literárias retratam vários questionamentos jurídicos durante o transcorrer da história demonstrando o pensamento da sociedade da época. No presente artigo foi contextualizado a obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, dentro do universo jurídico. Com  isso, foram abordados temas importantes como: aspecto jurídicos e sociais do Século XIX, escravidão e o direito de propriedade, o positivismo jurídico: a norma como justificação do poder estatal. Assim, o trabalho tem por escopo justificar a importância da literatura para o Direito demonstrando como esta auxilia os operadores do Direito no momento da aplicação da lei.

Palavras-chave: Direito e Literatura; Aspectos sociais e políticos do século XIX; escravidão; positivismo jurídico.

Sumário: 1 – Introdução; 2 – Direito e literatura; 3 – Aspectos Jurídicos e sociais do Século XIX;  3 – Escravidão e o Direito de Propriedade; 4 -  Positivismo Jurídico: a norma como justificação do poder estatal; 5 – Referências bibliográficas.


1. Notas introdutórias

A interdisciplinariedade entre literatura e o Direito é um assunto debatido há anos por diversos autores que buscam contextualizar uma obra literária, principalmente do século XIX, dentro do mundo jurídico.

O presente artigo aborda essa interdisciplinariedade. Revisita a história e adentra na cultura jurídica-política de uma obra literária, partindo da visão crítica do seu autor.

A obra escolhida é Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, de 1.881. Nessa época, o Brasil tinha como forma de governo a Monarquia, cujo imperador era D. Pedro II. Ainda vigorava o sistema escravocrata e a sociedade era totalmente submissa ao Imperador que governava com amplos e irrestrito poderes sempre embasado no Poder Moderador. Também, a doutrina adotada no Império Brasileiro era o positivismo jurídico, cujo bacharéis, juízes e juristas faziam leis  sempre para defender os interesses do Imperador.

Machado de Assis, através de Brás Cubas, mostra as mazelas da sociedade política e jurídica do século XIX. Aborda assuntos como política, cultura, costumes e sociedade. Ironiza ainda com acidez o positivismo (cientificismo) chegando ao ponto de um dos seus personagens criar o “humanitismo” e de Brás Cubas morrer em virtude de um remédio que o próprio inventou.

Sua obra demonstra claramente a interseção entre o Direito e a Literatura com brilhantismo.

Diante deste quadro, considerando que a literatura é um suporte do Direito, capaz de retratar vários institutos jurídicos diante da história, revelando o pensamento social da época,  o presente artigo tem como objetivo abordar alguns aspectos importantes da interdisciplinariedade entre a literatura e Direito, tais como: aspecto jurídicos e sociais do Século XIX, escravidão e o direito de propriedade e o positivismo jurídico: a norma como justificação do poder estatal.


2.Direito e Literatura

O direito e a literatura são disciplinas que devem ser estudadas sempre em conjunto. Um completa o outro.

É impossível estudar direito sem a literatura. Esta desperta o espírito crítico e reflexivo do estudioso do direito em todas suas relações, seja prática ou empírica.

O mesmo pode se falar da literatura que não vive sem o direito. As estórias ou histórias sempre estão relacionadas a temas jurídicos, tais como, homicídios, adultérios, herança, propriedade, direitos fundamentais da pessoa humana, entre outros.

Machado de Assis, na obra Memórias Póstumas de Brás Cubas, retrata fielmente a realidade social da época. Até parece uma obra autobiográfica.

Assim se manifesta Plauto Faraco de Azevedo:

Ninguém se apropria do idioma sem ler os grandes escritores, a começar, entre nós, por Machado de Assis, sobretudo sua trilogia – Dom Casmurro, Quincas Borba e Memórias Póstumas Brás Cubas. Em Machado de Assis não se aprende só a língua, despojada, transparente e gramaticalmente correta. Nele sente-se a mensagem de sua época, ao mesmo tempo em que sua prosa transmite significados que transcendem de muito  de por dizerem respeito aos homens de todos os tempos. O leitor Machado de Assis abebera-se da psicologia ao mesmo tempo em que aprende a perscrutar filosoficamente o mundo, percebendo que a ironia de gênio não é forma de negar o mundo ou de menosprezar os homens, mas de sabiamente aceitá-los na sua humana condição.[1]

A literatura através da análise de textos proporciona ao jurista amadurecimento de idéias, conhecimentos, problematização dos mais diversos assuntos, alternativas para determinados casos, uso correto do idioma, etc.

Os textos, seja jurídico ou literário sempre partem da problematização de temas variados. Ocorre que o primeiro trabalha obrigatoriamente com a realidade enquanto que o segundo geralmente com a ficção.

A interdisciplinariedade permite que o direito traga para seu bojo características fundamentais da literatura como a invenção, a inovação, a crítica e o aperfeiçoamento. Isso facilita ao jurista no momento de se debater com questões éticas, morais e sociais do seu cotidiano.

Nesse sentido, afirma Germano Schwartz que:

“[..] é necessário explorarmos elementos para a análise literária da ciência jurídica, demonstrando a conexão existente entre Direito e Literatura, corn o objetivo de resgatar o senso de um tempo em que a justice era poética, quando os debates acadêmicos e sociais se desenvolviam em m ambiente de paixão, hoje abandonado pela crescente burocratização do papel desenvolvido pelos pesquisadores em nossas universidades e pelos operadores do Direito na praxis jurídica.”[2].

O estudo conjunto do Direito e Literatura permite quebrar a barreira que existe entre a realidade e a ficção, permitindo ao julgador aplicar a lei de acordo com o clamor da sociedade (Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro, art. 5º)[3].

Assevera Arnaldo Sampaio de Morais Godoy, na sua obra Direito e Literatura: ensaio de uma síntese teórica:

"a relação entre direito e literatura sugere que se abandonem fronteiras conceituais clássicas" no sentido da superar as dificuldades de aproximação existentes entre a "lógica abstrata" do direito e a característica "ficcional" da literatura. Trata-se de um caminho ambicioso que pode levar, segundo o autor, ao inesperado, não esquecendo do desafio de gerar um campo de investigação interdisciplinar. "[4]

O autor Pedro Tavalera relaciona direito e literatura sob uma a ótica intrínseca e extrínseca, vejamos:

Intrínseca - “el derecho no es sino um tipo particular de relato literário, cuya compreensión e interpretación podría perfectamente abordase com los instrumentos próprios de la hermenêutica literária, ... . ...há unidade hermenêutica entre ambas as disciplinas, aplicando al discurso jurídico los métodos utilizados em el análisis literários”.

Extrínseco – “el derecho es el tema central de muchas narrativas literárias que aportan valiosas reflexiones críticas sobre la mltitud de sus postulados normativos, su origen, su aplicación y su interpretación”. "[5]

Assim, o operador do direito não pode se privar da literatura. Ambas são ciências sociais. Devem ser estudadas de forma conjunta, pois auxiliam na compreensão integral e completa da ciência no qual está sendo investigada.

Por fim, a literatura para o cientista do direito, deve ser vista, como uma ciência que irá melhorará sua interpretação e compreensão no momento da aplicação da norma, vez que estará apto para fazer um juízo crítico e justo daquilo que está sendo posto para sua análise e decisão[6].


3. Aspectos Jurídicos e sociais do Século XIX

A obra Memórias Póstumas de Brás Cubas é de autoria de Machado de Assis e marca o início do Realismo no Brasil.

O Realismo tinha como objetivo mostrar o homem e a sociedade como realmente eles eram na época. Tinha um enorme senso crítico.  

Nesta seara, Machado de Assis, vive a realidade da sociedade da época dentro da obra ficcional Memórias Póstumas de Brás Cubas.

Brás Cubas é um defunto-autor, de família rica do Rio do Janeiro mas sem tradição na política, que não gostava de trabalhar, gozava de vários privilégios com os pais, formou-se bacharel em Coimbra, o pai queria casá-lo com uma filha de político e fazê-lo deputado. Era um típico cidadão da sociedade política, social e cultural do século XIX.

Nesse universo, é preciso ressaltar que a História do Direito é de suma importância, vez que é a disciplina que estuda a realidade social, jurídica e política durante o percorrer dos anos.

A história do direito pode ser definida de dois modos distintos, de acordo com o próprio sentido dúplice que a própria ‘história’ encerra. De um  lado,a história do direito é o ramo do saber que se ocupa do passado jurídico (como na expressão a história do direito aborda prioritariamente o período moderno). De outro lado, a história do direito é objeto deste mesmo saber, aquilo que está sendo estudado (como por exemplo na expressão “a história do direito demonstra que a emergência da propriedade foi um processo descontinuo e complexo”).[7]

   

O Brasil, do Século XIX, tinha como forma de governo  a monarquia e vigorava a Constituição Federal de 1.824, outorgada pelo Imperador D. Pedro I[8].

Existia quatro poderes, o executivo, o legislativo, o judiciário e o moderador[9]. Este último era exercido exclusivamente pelo Imperador e tinha como função “harmonizar os demais poderes”[10].

Fato esse que não era verdadeiro. Tal poder era uma forma do Imperador controlar todos os demais poderes.

Na verdade, a monarquia do Brasil, foi um parlamentarismo “às avessas”, vez que era o Imperador quem nomeava ou destituíam os ministros, os senadores e juízes. Através do poder moderador o Imperador podia fechar o Congresso Nacional, embasado simplesmente  na necessidade de salvaguarda do Estado.[11]

Segundo Flávia Lages de Castro “o Poder Legislativo era composto pela Câmara dos Deputados e Senado. Este último  tinha como característica principal a vitaliciedade e, em última instância  eram escolhidos pelo Imperador através  de listas tríplices”.[12]

Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 40. O Senado é composto de membros vitalícios e será  organizado por  eleição  provincial.

Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 43. As eleições serão feitas pela mesma ma­neira que as dos deputados, mas em listas tríplices, sobre as quais a Imperador escolherá o terço na totalidade da lista.

Já os deputados, as eleições eram indiretas e só se elegiam quem fosse de família rica (“próxima  ao Imperador”)  e preenchessem alguns requisitos.[13] E mais, poucas pessoas tinha direito de voto. Isso para ratificar a suposta “democracia” que então existia.

Na realidade, a atribuição aos indivíduos-cidadãos de alguns direitos subjetivos tipificados diante do estado como poder (e não, portanto como sujeito patrimonial ou fisco) foi uma espécie de subproduto ou efeito secundário da chamada dos indivíduos a participar, através do voto e a eleição de órgãos políticos coletivos, da administração do estado. Em outros termos, os direitos subjetivos públicos constituíram uma espécie de reflexo sobre os indivíduos da sua legitimação para participar da composição de um órgão colegiado legislativo, amparado no poder monárquico. O que quer dizer que o direito subjetivo publico foi desde o inicio o reflexo ou efeito de uma função, em que o individuo veio a encontrar-se ligado enquanto chamado a eleger um corpo legislativo: ele foi o revestimento jurídico social, segundo a estilização que então lhe foi dada. O que quer dizer ainda que o direito público se constrói sobre uma relação  ou série de relações, nas quais o individuo comparecia munido de uma capacidade especial, justamente a de contribuir ou participar da formação de um órgão do estado, o que significava tomar parte da construção e conjuntamente no controle social e coletivo do poder estatal. Não, portanto, em virtude de uma liberdade em senso pleno, mas de uma liberdade já modificada e adaptada para participar do poder.[14]

O Poder Judiciário também não escapava da subordinação ao Imperador. Eram também nomeados por este[15].

É necessário não olvidar, que a Constituição Imperial Brasileira, para não ser execrada pela comunidade internacional fixou vários direitos fundamentais do cidadão[16]. Mas estes só existiram no papel.

Também, para convencer que era uma monarquia constitucional a Constituição Federal do Brasil de 1824 gozava de certa flexibilidade, já que apenas os direitos políticos e individuais não poderiam ser alterados por lei ordinária.

A Constituição  do Império  foi fruto da sua época  e de suas circunstancias. Durou muito tempo e tinha certa flexibilidade pois seu art. 178 havia determinado que apenas o que dizia respeito aos limites e atribuições  dos poderes políticos e os direitos políticos  e individuais era propriamente constitucional. Tudo o mais po­deria ser alterado sem as formalidades da reforma constitucional.[17]

A Constituição Imperial do Brasil na verdade foi elaborada para atender as necessidades e aos desejos das elites aristrocratas da sua época. O mesmo acontecia com as leis civis, já que o legislativo estava sob o jugo da Imperador.

Esse lamentável procedimento se deve muito mais aos políticos, que teimam em legislar com casuísmo, construindo uma Lei Maior para atender o período em que ocupam o poder, demonstrando um despreparo total para a missão de constitucionalistas, menos por competência técnica e muito mais pela ânsia de obter o poder. Os fatos vividos e a recente história brasileira estão aí para confirmar a minha posição.[18]

Enfim, a monarquia brasileira, era extremamente absolutista e ditatorial. Tanto que o Imperador era totalmente irresponsável pelos seus atos[19].

José Reinaldo de Lima Lopes em sua obra O Direito na História, descreve as principais características da Constituição Imperial de 1824.

A Constituição de 1824 foi relativamente original. Feita sob encomenda de D. Pedro I, criou um Estado centralizado e fortes poderes conservadores na competên­cia  do imperador. Ao mesmo tempo que garantia liberdades civis gerais, o sistema dependia grandemente da boa vontade dos particulares e dos organismos locai especialmente dos poderes particulares locais. A participação política era restrita e censitária, no que acompanhava todas as constituições  do século  XIX.

...Duas de suas instituições foram objeto de longa polêmica entre os juristas do Império de modo especial, o Poder Moderador e o Conselho de Estado. Ambas tiveram um papel importante na estabilidade da política  nacional, papel conservador de fato.

.... O Poder Moderador é a chave de toda a organização Política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, seu Primeiro Representante, para incessantemente vele sobre a manutenção  da In­dependência, equilíbrio, e harmonia dos mais Poderes Políticos.".

...O Conselho de Estado teve papel importantíssimo no Segundo Reinado. Era ouvido todas as vezes que o Imperador fosse usar o Poder Moderador. Embora fosse consultivo, pois o Moderador só pertencia ao Imperador, dava fundadas razoes para a tomada de decisão. ... Funcionava sobretudo nas suas quatro seções (Justiça, Guerra, Fazenda e Império) e suas decisões ajudaram a formar a cultura jurídica brasileira.  ... Os conselheiros eram vitalícios, escolhidos pelo Imperador e também por este dispensado por tempo indefinido quando julgasse conveniente.[20]

Nesse diapasão, no século XIX, os filhos das famílias mais abastadas eram enviados para a Europa para tornarem bacharéis em Direito. Depois retornavam ao Brasil e monopolizavam a política brasileira. Eram nomeados juízes ou elegiam-se deputados. Depois tornavam-se senadores e ministros de Estado.

A carreira jurídica, em particular a magistratura, é um degrau – o primeiro degrau – para a política. De advogado pode-se passar, pela nomeação do presidente da província ou do ministro (Imperador), a juiz municipal ou juiz de direito, mais tarde a delegado ou chefe de polícia. Se bem prestados seus serviços e se o partido certo continuar no poder, e os amigos ricos ainda estiverem no gozo de sua riqueza influencia, passa-se a deputado provincial ou geral.

...

Os magistrados, além dos advogados, foram sempre um grupo importante da política imperial. Muitos magistrados candidatavam-se a deputados e assim havia na câmara, em 1850, 34 juizes e 8 desembargadores dentre 111 deputados.[21]

Deste modo, não existia maneira do Judiciário ser independente, vez que tudo na política da época, sempre envolvia indicação. Quem era nomeado magistrado ficava devendo favor àquele que o nomeava.

[...] juízes, na esfera local, estavam em função carregada de matizes políticos, pois deviam ser indicados pelo Imperador e sua indicação dependia de algum contato político (um apadrinhamento) e ao mesmo tempo passavam a dever lealdade a quem os nomeara, ao governo imperial. Também poderiam candidatar-se a cargos de deputado, e por isso a carreira política no Império começava frequentemente num cargo judicial[22]

A estória de Memórias Póstumas de Brás Cubas é um retrato fiel da realidade social, cultural e política do século XIX. Nascido de família rica mas não de políticos, nunca fez nada de importante, gastava o dinheiro dos pais com a boemia e prostitutas. Em virtude disso, o pai mandou para Portugal, para estudar Direito em Coimbra, como toda família fazia na época. Consequentemente isso, aumentaria a possibilidade de alcançar cargos no governo imperial ou ingressar na política.

...Marcela amou-me durante quinze meses e onze contos de réis; nada menos. Meu pai, logo que teve aragem dos onze contos, sobressaltou-se deveras; achou que o caso excedia as raias de um capricho juvenil.

- Desta vez, disse ele, vais para a Europa. Vais cursar uma Universidade, provavelmente Coimbra; quero-te para homem sério e não para arruador e gatuno. E como eu fizesse um gesto de espanto: - Gatuno, sim senhor; não é outra coisa um filho que faz isto ... Sacou da algibeira os meus títulos de dívida, já resgatados por ele, e sacudiu-mos na cara. ... Estava furioso, mas de um furor temperado e curto. Eu ouvi-o calado, e nada opus à ordem da viagem, como de outras vezes fizera;  ... E foi assim que desembarquei em Lisboa e segui para Coimbra. A universidade esperava-me com as suas matérias árduas; estudei-as muito mediocremente, e nem por isso perdi o grau de bacharel; deram-mo com a solenidade do estilo, após os anos da lei; uma bela festa que me encheu de orgulho e de saudades, - principalmente de saudades. Tinha eu conquistado em Coimbra uma grande nomeada de folião; era um acadêmico estróina, tumultuário e petulante, dado às aventuras, fazendo romantismo prático e liberalismo teórico, vivendo na pura fé dos olhos pretos e das constituições escritas. No dia que a universidade me atestou, em pergaminho, uma ciência que eu estava longe de trazer arraigada no cérebro, confesso que me achei de algum modo logrado, ainda que orgulhoso. Explico-me: o diploma era uma carta de alforria; ... . [23]

Antônio Carlos Wolkmer,  diz que as faculdades de Direito do século XIX prestavam para formar pessoas para ocuparem cargos públicos (magistrados, deputados, senadores, ministros, etc). Obviamente havia ascensão social  do bacharel e esse passava a ser respeitado dentro Império.

...deve-se considerar que, na prática, as faculdades de direito prestaram-se mais a distribuir o status necessário à ocupação de cargos públicos de um quadro burocrático que já se expandia, que a propiciar efetivamente a formação de uma elite intelectual razoavelmente coesa e preparada. ... Além dos cargos públicos, da ascensão social, consideram-se alguns argumentos de que se buscava também, no curso de direito, uma cultura geral, desinteressada, oferecida nesses cursos penetrados de filosofia e de letras e apropriada para o exercício de outras atividades e ocupações. Ainda nesses casos, parece, porém, que seria possível identificar, também aí, uma postura associada à possibilidade de “qualificação do discurso pela qualificação do narrador” ou, ao menos, uma “não-desqualificação imediata do discurso” ante qualificação do narrador e, assim visto, estaria aí presente o desejo de aquisição de insígnias e uma forma de distinção social. Parece, a propósito, que para a aquisição de “cultura geral” o caminho mais adequado, dada a qualidade do ensino e o empenho dos professores, seria o das viagens e bibliotecas. ... Entende-se por bacharelismo a situação caracterizada pela predominância de bacharéis na vida política e cultural do país. ... A exemplo de outros países, também no Brasil os bacharéis de direito tiveram papel fundamental na estruturação do Estado, ocupando os mais importantes cargos públicos e espraiando-se por todos os poderes, seja no Império, seja na República.[24]

E continua:

A prática consolidou-se de forma particularmente interessante no Segundo Reinado, o reinado dos bacharéis, ... para quem “ninguém foi mais bacharel nem mais doutor neste País que Dom Pedro II”.Com efeito, em nítido contraste com a figura do pai, algo impulsivo e belicoso, com traços mais para militar que para bacharel, Dom Pedro II cultivava esmeradamente o espírito, incentivando as letras, a música e a cultura clássica em geral, inspirado, quem sabe, pelas vocações superiores que devem norte ar os desígnios de um imperador. Durante o seu reinado, iniciado quando ainda menino, cercou-se de bacharéis moços, que renovavam-se nos gabinetes, na condução dos negócios do Estado, sob sua proteção e vontade. Em termos de legislação nacional de maior envergadura, foram produzidos o Código Penal, o Código de Processo Criminal, o Código Comercial e o Regulamento 737 (Código de Processo Civil e Comercial).[25]

Quando, Brás Cubas, volta de Portugal, seu pai tentou lhe casar com a filha de um político (Vírgilia) e transformá-lo em deputado. Mas foi  trocado por Lobos Neves, filho de  família de políticos. Perdeu o casamento e a cadeira de deputado.

Tu; é um homem notável, faz hoje as vezes de Imperador. Demais trago comigo uma idéia, um projeto, ou... sim, digo-te tudo; trago dois projetos, um lugar de deputado e um casamento. ...a tua noiva  chama-se justamente Vírgilia.  ... filha do Dutra... - Que Dutra?

- O Conselheiro Dutra, não conheces; uma influência política. ... Todo homem público deve ser casado, interrompeu sentenciosamente meu pai. ... não gastei dinheiro, cuidados, empenhos, para te não ver brilhar, como deves, e te convém, e a todo nós; é preciso continuar o nosso nome continuá-lo e ilustra-lo ainda mais. ...Olha que os homens valem por diferentes modos, e que o mais seguro de todos é valer pela opinião dos outros homens.  ...Vencera meu pai, dispus-mo a aceitar o diploma e o casamento, Vírgilia e a Câmara dos Deputados. ...Antes de ir à casa do Conselheiro Dutra, perguntei a meu pai se havia algum ajuste prévio de casamento.

- Nenhum ajuste. Há tempos, conversando com ele a seu respeito, confessei-lhe o desejo que tinha de te ver deputado; e de tal modo falei, que ele prometeu fazer alguma coisa, e creio que fará. ... Então apareceu o Lobo Neves, um homem que não era mais esbelto que eu nem mais elegante, nem mais lido, nem mais simpático, e todavia foi quem me arrebatou Vírgilia e a candidatura, dentro de poucas semanas, com um ímpeto verdadeiramente cesariano. Não precedeu nenhum despeito; não houve a menor violência de família. Dutra veio dizer-me, um dia, que esperasse outra aragem porque a candidatura de Lobo Neves era apoiada por grandes influências. Cedi; tal foi o começo da minha derrota. Uma semana depois, Vírgilia perguntou a Lobo Neves, a sorrir, quando ele seria ministro.

- Pela minha vontade, já; pelas dos outros, daqui a um ano. Vírgilia, replicou:

- Promete que algum dia me fará baronesa?

- Marquesa, porque eu serei marquês. ... Meu pai fico atônito com o desenlace ...Meu pai é que não pôde suportar facilmente a pancada. ... Morreu daí a quatro meses, acabrunhado, triste, com uma preocupação intensa e contínua, à semelhança de remorso, um desencanto mortal, que lhe substituiu os reumatismos e tosses. Teve ainda meia hora de alegria; foi quando um dos ministros o visitou. [26]

Em virtude disso, o pai de Brás Cubas morreu de degosto porque sabia que seu filho era um vadio e o melhor cargo para exercer seria de um político. Na época, o político era sinônimo de pessoa que não gostava de trabalhar e que gozava dos privilégios oferecidos pelo Imperador. E Brás Cubas se encaixava perfeitamente neste esteriótipo. Felisbelo Freire, ilustra com precisão tal afirmativa:

Cada Senador percebe subsidio de nove contos por cada sessão parlamentar e cada deputado o de seis contos de réis, não contando a ajuda de custo para o seu transporte. A verbiagem é o flagelo da instituição é excessivo e ainda quando há sessão, acontece com os deputados o que acontece com os estudantes vadios e o que talvez ainda aconteça com os empregados públicos, que são desidiosos – assinam o ponto e saem para passear. Como tem certeza de receber o subsidio integral no fim do mês, pouco se importam com os efeitos da sua negligência.

Deputado tem havido que só comparecem na corte quase na véspera de encerrar-se o parlamento, e no, entanto, vão cobrar a sua ajuda de custo e os seus ordenados atrasados. Desse modo o parlamento tem sido um montepio, para certos privilegiados, o abuso tanto na assembléia geral como nas assembléias provinciais, tem ido ao ponto de estarem certos deputados presentes no edifício das sessões e por esta ou aquela razão política, por este ou aquele capricho, fazem parende, impedindo que haja numero para celebrar a sessão, sem que isso o prejudique no recebimento integral do subsidio. Quanto ao método de trabalho, é ele bem conhecido. Perdem-se longas sessões com discursos vãos, exibições de retóricas, disputas políticas referentes a personalidades e figurões  da aldeia, com grave prejuízo  para causa política. [27]

Mesmo perdendo o casamento e a cadeira de deputado, tornou-se amante de Vírgilia e amigo pessoal de Lobo Neves, que sempre falava das mazelas da política.

Lobo Neves, a princípio, metia-me grandes sustos. Pura ilusão! ... Um dia confessou-me que trazia uma triste carcoma na existência; faltava-lhe a glória pública. ... Dias depois disse-me todos os seus tédios e desfalecimentos, as amarguras engolidas, as raivas sopitadas; contou-me que a vida política era um tecido de invejas, despeitos, intrigas, perfídias, interesses, vaidades. ...

-Sei o que lhe digo, replicou-me com tristeza. Não pode imaginar o que tenho passado. Entrei na política por gosto, por família por ambição, e um pouco por vaidade. ... Creia que tenho passado horas e dias ... Não há constância de sentimentos, não há gratidão, não há nada... nada... nada... . ...Certo dia, ..., entrou Lobo Neves em casa, dizendo que iria talvez ocupar uma presidência de província. ... Dois dias depois declarou à mulher que a presidência era coisa definitiva.  ... Lobo Neves contou-me os planos que levava para a presidência, ... O pior, disse-me Lobo Neves, é que ainda não achei secretário. ... Quer você dar um passeio ao Norte? Não sei o que lhe disse.

- Você é rico, continuou ele, não precisa de um magro ordenado; mas se quisesse obsequiar-me, ia de secretário comigo. ..., disse que sim, que iria. ... ..., abro uma folha política e leio a noticia de que, por decreto de 13, tínhamos sido nomeados presidente e secretário da província  de ... o Lobo Neves e eu. ...  Vírgilia ... contou-me que o marido ia recusar a nomeação, ... o decreto trazia a data de 13, e que esse número significava para ele uma recordação fúnebre. ... Não podia alegar semelhante coisa ao ministro; dir-lhe-ia que tinha razões particulares para não aceitar. ... ato grave, cuja conseqüência foi separar do ministério o marido de Vírgilia. Assim, o fato particular da ojeriza de um número produziu o fenômeno da dissidência política. ...limito-me a dizer por ora que o Lobo Neves, quatro meses depois de nosso encontro no teatro reconciliou-se com o confuso ministério; ...  Lobo Neves foi nomeado presidente da província. ...o decreto...; trouxe, porém, a data de 31, ... . ... encontrei Lobo Neves, na Rua do Ouvidor, falamos da presidência e da política. Ele aproveitou o primeiro conhecido que nos passou à ilharga, e deixou-me, depois de muitos cumprimentos.[28]

Muito anos após a tentativa do pai de lhe transformar em deputado, quando já contava com cinqüenta anos, finalmente conseguiu seu objetivo. Elegeu-se deputado. Mas como já era de esperar, foi considerado medíocre por seus pares. Não fez nada que se aproveitasse.

...Era deputado, e vi a gravura turca, recostado na minha cadeira, entre um colega, que contava uma anedota, e outro, que tirava o lápis, nas costas de uma sobrecarta, o perfil do orador. O orador era Lobo Neves. A onda da vida trouxe-nos à mesma praia, ... . .... discutindo-se o orçamento da justiça, aproveitei o  ensejo para perguntar modestamente ao ministro se não julgava útil diminuir a barrentina da guarda nacional. ... a parte política foi considerada por muito deplorável; alguns achavam meu discurso um desastre parlamentar.[29]

Diante do exposto, o século XIX foi uma época na qual a sociedade estava completamente subordinada a vontade do Imperador. Persistia a hipocrisia. A política dos “favores”. Enfim, só conseguia ascensão social e política quem era amigo do “império”.


3. A Escravidão como Direito de Propriedade

A escravidão tinha como fundamento o Direito Natural. O escravo estava na condição  porque era um desejo divino.

O conceito de direito natural traduz-se na existência de um direito fundado na natureza das coisas e, em último tempo, na vontade divina, no direito justo, denominando-se por concepção jusnaturalista (do jusnaturalismo).[30]

O homem, nascendo, ..., com direito à perfeita liberdade e gozo incontrolado de todos os direitos e privilégios da lei da natureza, por igual a qualquer outro homem ou grupo de homens do mundo, tem, por natureza, o poder não só de preservar a sua propriedade – isto é, a vida, a liberdade e os bens – contra os danos e ataques de outros homens, mas também de julgar e castigar as infrações dessa lei por outros conforme estiver persuadido da gravidade da ofensa, mesmo com a própria morte nos crimes em que o horror do fato o exija, conforme a sua opinião.[31]

John Loke é tido como o principal defensor da escravidão tendo como fundamento o Direito Natural. Asseverava que defendendo a escravidão estava defendendo o direito de propriedade.

John LoceLocke é considerado pelos seus críticos como sendo "o último grande filósofo que procura justificar a escravidão absoluta e perpétua". Ao mesmo tempo que dizia que todos os homens são iguais, Locke defendia a escravidão (sem distinguir que fosse a relativa aos negros). ... Também é necessário lembrar que a defesa da escravidão decorre da defesa do direito de propriedade que é uma das grandes ideais do liberalismo, e isso une ele aos outros liberais clássicos: O direito de propriedade como um dos Direitos Naturais do ser humano.[32]

O escravo era considerado simultaneamente coisa (“res”) e pessoa. Não era detentor de nenhum direito civil. Quem falava por ele era seu dono e senhor.  

Do ponto de vista civil o escravo era res, simultaneamente coisa e pessoa. Mas não participava da vida da civitas, pois estava privado de toda capacidade. Em conseqüência, não tinha direitos civis, muito menos políticos e também não podia atuar em atos como testemunhar em juízo, testar, contratar ou exercer tutela. Pela mesma razão, sendo civilmente incapaz, não constituía, de direito, família, mas apenas uniões de fato.[33].

Os direitos do senhor sobre seu escravo era intuito personae e potestativo:

A dominica potestas dos Romanos, constando de dous elementos – o dominium e a potestas, impunha ao escravo duplo subjeição ao senhor, e o considerava ao mesmo tempo como cousa e como pessoa. Esta instituição não despessoalizava, pois, inteiramente o escravo, nem poderia elle sel-o, pois que a sua incapacidade era subjeita a restrições. À proporção, porém, que o direito estricto se foi aproximando do racional, foi-se restrigindo a dominica potestas, e paralelamente alargando a capacidade dos escravos, esta instituição reconhecida como oposta á natureza,e a liberdade como faculdade natural. Entre nós também os direitos do senhor sobre o escravo constituem domínio e poder, em relação ao domínio o escravo é cousa, em relação ao poder é pessoa. [34]

No mesmo sentido:

No direito romano o termo personae era usado como equivalente a homo e não como titular de direito. Por isso os escravos eram considerados ao mesmo tempo personae, e res. Isto não significa que o escravo pudesse ser titular de direito, pois Ulpiano esclarece muito bem a sua posição perante o direito civil – “Quod attinet ad IUS CIVILE SERVI pro nullis habentur.” O escravo não era sujeito de direito, pois era considerado uma coisa, ou melhor, um animal humano. O dominus exercia sobre o servus o direito de propriedade e para sancionar esse direito fazia uso da reivindicatio, isto é, da mesma ação de que se servia em se tratando de um objeto móvel.[35]

O senhor era o  proprietário do escravo. Este tinha preço, podia ser comprado e vendido. Existia inclusive, leilões para compra e venda de escravos.

E mais, essa propriedade era absoluta. Podia fazer o que bem entendesse. Os escravos eram punidos através de chicotadas (açoites). Várias escravas eram vítimas de estupros dos seus senhores (na verdade não era nem considerado como estupro). Muitas delas acabavam engravidando destes. E os filhos adulterinos, mesmo sendo mestiços, ficavam na condição de escravo. Enfim, o senhor tinha direito de vida e morte sobre o escravo.

Joaquim Manoel de Macedo, descreve com precisão os conflitos existentes entre senhores e escravos em virtude da escravidão. Fala da ingratidão, da sede de vingança e da perversidade dos escravos em virtude da escravidão. Afirma ainda que a escravidão degradava, depravava, e tornava o homem capaz dos mais medonhos crimes. Muito embora seja uma obra ficcional nada mais é do que o retrato da realidade que persistia no século XIX:

“[...] a ingratidão e a perversidade não explicam pela natureza raça, o que seria absurdo; explicam-se pela condição de escravo, que corrompe e perverte o homem. .. O crioulo amorosamente criado pela família de senhores seria talvez o seu melhor amigo, se não fosse escravo. ...Onde há escravo é força que haja açoite.

Onde há açoite é força que haja ódio.

Onde há ódio é fácil haver vingança e crimes. ... O escravo é necessariamente mau e inimigo de seu senhor. ... Não há, não pode haver escravidão sem idéia de vingança, sem o sentimento do ódio a envenenar as almas dos escravos, e a vingança e o ódio tem sempre chegado de antemão à metade da viagem, quando soa a hora infernal da marcha pelo caminho do crime. ...  Sabem todos o que é o amor entre os escravos: a condição desnatura desses exilados da sociedade, desses homens reduzidos a coisas, desses corpos animados a quem se negam direitos de sensibilidade, materializados à força, materializa neles sempre o amor: sem o socorro das poesias dos sentimentos que alimenta o coração e o transporta às regiões dos sonhos que se banham nas esperanças de santos e suaves laços, os escravos só se deixam arrebatar pelo instinto animal, que por isso mesmo os impele mais violento. ... A mucama não tem a educação da senhora-moça: a natureza animal é tudo ela. O escravo não crê na pureza da donzela, nem na fidelidade da esposa mais nobre; admite somente que a falta de oportunidade ou de ocasião para ser má seja o que mantém a honra das famílias;  a observação é cruel e injustissima: o juízo do escravo é Infamemente torpe; mas ele julga conforme as idéias e a vida da escravidão.  ...  A escravidão gasta, caleja, petrifica, mata o coração do homem escravo....Ninguém dissimula melhor que o escravo: sua condição sempre passiva, a obrigação de obediência sem limite e sem reflexão, o temor do castigo, a necessidade de esconder o ressentimento para não excitar a cólera ameaçadora do senhor, o hábito da mentira, enfim, fazem do escravo o tipo da dissimulação.  ...

Entre os escravos a ingratidão e a perversidade fazem a regra;  e o que não é ingrato nem perverso entra apenas na exceção.

Porquanto, e todos os sabem, a liberdade moraliza, nobilita, e é capaz de fazer virtuoso o homem.

E a escravidão degrada, deprava, e torna o homem capaz dos mais medonhos crimes.”[36]

Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, também descreve a escravidão de forma ácida. O menino Prudêncio era o “bicho de estimação” de Brás Cubas. Fazia todas as maldades possíveis e inimagináveis. Também, narra que após a alforria (libertação)  de Prudêncio, este compra um escravo e faz todas as maldades tal qual tinha sofrido na sua infância.   

Desde os cinco anos merecera a alcunha de “menino diabo”; e verdadeiramente não era outra coisa; fui dos mais malignos do meu tempo, arguto, indiscreto, traquinas e voluntarioso. Por exemplo, um dia quebrei a cabeça de uma escrava, porque me negara uma colher de doce de coco que estava fazendo e, não contente com o malefício, deitei um punhado de cinza ao tacho, e, não satisfeito da travessura, fui dizer a minha mãe que a escrava é que estragara o doce “por pirraça”; e eu tinha apenas seis anos. Prudêncio, um moleque da casa, era o meu cavalo de todos os dias; punha as mãos no chão, recebia um cordel nos queixos, à guisa de freio, eu trepava-lhe ao dorso, com uma varinha na mão, fustigava-o, dava mil voltas a um e outro lado, e ele obedecia, algumas vezes gemendo, mas obedecia sem dizer palavra, ou quando muito, um “ai, nhonhô!” ao que eu retorquia: - “Cala a boca, besta!

... ...era um preto que vergalhava outro na praça. O outro não se atrevia a fugir; gemia somente estas únicas palavras: - “Não, perdão meu senhor; meu senhor perdão!” Mas o primeiro não fazia cada súplica, respondia com uma vergalhada nova.

- Toma, diabo! Dizia ele; toma mais perdão, bêbado!

- Meu senhor! Gemia o outro.

- Cala a boca, besta! Replicava o vergalho.

Parei, olhei...Justos céus! Quem havia de ser o do vergalho? Nada menos que o meu moleque Prudêncio, o que meu pai, libertara alguns anos antes. Cheguei-me; ele deteve-se logo e pediu-me a benção; perguntei-lhe se aquele preto era escravo dele.

- É sim, nhonhô!

- Fez alguma coisa?

- É um vadio e um bêbado muito grande. Ainda hoje deixe ele na quitanda, enquanto eu ia lá embaixo na cidade, e ele deixou a quitanda para ir na venda beber.

- Está bom, perdoa-lhe, disse eu.

- Pois não nhonhô. Nhonhô manda, não pede. Entra para casa, bêbado.

... Logo que meti mais dentro na faca do raciocínio achei-lhe um miolo gaiato, fino, e até profundo. Era um modo que o Prudêncio tinha de se desfazer das pancadas recebidas, transmitindo-as a outro. Eu, em criança, montava-o, punha-lhe um freio na boca e desancava-o sem compaixão; ele gemia e sofria. Agora, porem, que era livre, dispunha de si mesmo, dos braços, das pernas, podia trabalhar, folgar, dormir, desagrilhoado da antiga condição, agora é que ele se desancava: comprou um escravo, e ia-lhe pagando, com alto juro, as quantias que de mim recebera. Vejam as sutilezas do maroto!” [37]   

Na verdade, a escravidão no Brasil, tinha cunho econômico. Como dito os senhores eram proprietário do escravo. Havia comércio de compra e venda de escravo. Caso houvesse a libertação dos escravos seus senhores teriam grandes prejuízos, vez que pagaram pelo escravo e não seriam ressarcidos. Por isso, que muitos defendiam, que o fim da escravidão deveria ser lento e gradual.

...ao longo das décadas de 1850 e 1860, muitos escravos usaram a justiça para lutar contra seus senhores, a fim de obrigá-los a lhes conceder a liberdade mediante a apresentação de seu valor.

...

Para muitos senhores e parlamentares, era preciso ir devagar e a liberdade não podia ser concedida de forma rápida e direta: os escravos tinham um preço que devia ser indenizado, e a liberdade não poderia dar origem à gente completamente livre, mas a ingênuos e libertos que, de várias formas, deveriam permanecer sob a tutela senhorial ou do Estado...[38]

Uma vez liberto (às suas custas ou mesmo quando alforriados pelo senhor), os ex-escravos teriam um ano para se assalariarem. Aqueles que não conseguissem provar esta condição em presença de um magistrado, voltariam a ser escravos. Seriam colocados em hasta pública e o valor de suas vendas seria revertido para libertar outros cativos.[39]

Ao estudarmos o escravo ante a lei civil... neste meio século, teremos como fundamentais os conflitos entre a escravidão e o quadro institucional do país (representado pela monarquia constitucional e pela economia agro-exportadora), e ainda entre a escravidão sustentada pelo direito positivo e as concepções jurídicas oriundas do constitucionalismo. ...Quanto ao liberalismo político, ideologicamente dominante desde a independência, conviveu em geral com a escravidão como uma situação de fato. O discurso liberal quase sempre apontava para sua transitoriedade e seu fim inexorável, embora garantisse, através dos preceitos constitucionais que determinavam a cidadania e o sufrágio censitário, a exclusão de escravos e libertos do processo político.[40]

Mas, como é sabido por todos, não foi isso que ocorreu. A Lei Áurea, de 1888, assinada pela princesa Isabel, decretou o fim da escravidão do Brasil, sem nenhum direito de ressarcimento aos senhores. Inclusive isso, foi uma das causas da queda do império no Brasil. 

No campo penal, o escravo, era visto como pessoa. Poderia responder por seus atos. Se o ato criminoso causasse dano civil a alguém, quem seria responsável neste caso, seria seu senhor que pagaria a quantia determinada pelo magistrado, ou, se preferir poderia dar o escravo ofensor ao ofendido a título de pagamento.

Na lei penal, diferentemente da civil, o escravo sujeito ativo ou agente do crime era considerado pessoa e não coisa, o que significa dizer que respondia plenamente por seus atos, como imputável. Enquanto sujeito passivo, o mal a ele feito era considerado não dano mas ofensa física (aplicando-se o dispositivo do artigo 201 do Código Criminal do Império, como aos homens livres), embora cabendo ao proprietário indenização civil, ... . A legislação colonial negava-se ao senhor o direito de vida e morte, concedendo apenas a aplicação de castigo “moderados”, que definia. O Código Criminal do Império (art. 14, § 60) seguiu essa orientação. A prisão domiciliar, por exemplo, era concedida ao senhor. ...Quando o fato criminoso, praticado por escravo, causava também danos civis, o senhor deveria indenizar o ofendido até o limite do valor do escravo. ... Nos casos em que o escravo ofensor era entregue pelo senhor ao ofendido, a lei considerava-o ressarcido (Código Criminal, art. 28, § 1°).[41]

Como vimos, durante o regime escravocrata no Brasil sempre houve um confronto entre escravos e senhores .[42]  Cada qual defendendo seus interesses. Ocorre que isso não ocorreu apenas neste período, mas em toda a história das civilizações sempre houve conflitos entre classes.

A história do de todas as sociedades que existiram até nossos dias tem sido a história das lutas de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, barão e servo, mestre de corporação e companheiro, numa palavra, opressores e oprimidos, em constante oposição,  têm  vivido numa guerra, ora franca, ora disfarçada.[43]

Por fim, é necessário não olvidar que a escravidão foi e sempre será uma mancha na história do Brasil. Nem o Direito Natural nem qual outro Direito é capaz de justificar o tratamento degradante e desumano dispensado aos nossos irmãos de raça negra até o século XIX.


4. Positivismo Jurídico: a norma como justificação do poder estatal

O Direito Positivo tem como fundamento a imperatividade. As normas são elaboradas e surtem efeitos através da força/coação. É um conjunto de normas cujo o substrato é a sanção, imposta a toda sociedade[44].

A presença da idéia do absoluto em uma sociedade é uma condição necessária, mas não suficiente, do fato de que o caráter incondicional da dignidade seja atribuído à representação do absoluto que o próprio homem constitui. Por  isso, fazem-se necessárias ulteriores condições, entre  estas uma codificação jurídica. Uma civilização cientifica – em razão da ameaça imanente que ela constitui para si mesma – precisa de uma tal codificação, mais do que qualquer outro.[45]

O positivismo jurídico é embasado na hierarquia de uma fonte sobre a outra. Ou seja, da lei sobre as demais fontes do Direito.

Positivismo jurídico e limitação das liberdades em nome das razões do estado se dão as mãos e são dois aspectos de uma só realidade. ... o estado é por isso legitimado a reduzir e mesmo anular as liberdades dos indivíduos quando isso for requerido pela exigência de salvaguardar a própria liberdade. A liberdade do estado nada mais é do que a justificação do poder do estado.[46]

Este era o pensamento que pregava Hans Kelsen na sua Teoria Pura do Direito. Dizia que o sistema jurídico era uma estrutura piramidal e escalonada, no qual a norma superior regulava a inferior.

O sistema jurídico é uma estrutura piramidal na qual as normas de escalão superior regulam a criação das normas de escalão inferior, portanto a atividade interpretativa envolve envolve aplicar as normas superiores nas inferiores. É essa estrutura escalonada que permite a unidade lógica e a completudeda ordem jurídica..[47]

O Direito Positivo somente considerava Direito a norma imposta pelo Estado. É produto da ação e da vontade humana independentemente de imposição divina, da natureza ou da razão. Asseverava que não haveria necessidade de relacionar direito, moral e justiça.

O Positivismo jurídico é uma doutrina do direito, que considera que somente é Direito aquilo que é posto pelo Estado, sendo então esse o objeto que deve ser definido, e cujos esforços sejam voltados à reflexão sobre a sua interpretação.

A sua tese básica afirma que o direito constitui produto da ação e vontade humana (direito posto, direito positivo), e não da imposição de Deus, da natureza ou da razão como afirma o Jusnaturalismo. Segundo o positivismo jurídico, seria o direito moderno (positivo) algo imposto por seres humanos para fins humanos (aspecto teleológico).

A maioria dos partidários do positivismo jurídico defende também que não existe necessariamente uma relação entre o direito, a moral e a justiça, visto que as noções de justiça e moral são relativas, mutáveis no tempo e sem força política para se impor contra a vontade de quem cria as normas jurídicas[48].

A palavra positivismo jurídico é uma concepção utilizada apenas no Direito. Há uma tentativa de se libertar da influência de outras ciências. Inclusive, Hans Kelsen:

se propõe  garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e exclui deste conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa, rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretender libertar a ciência jurídica de todos os elementos que lhes são estranhos. Esse é o seu princípio metodológico fundamental.[49]

Isso, significa dizer que o Direito Positivo só existe quando este tem origem na norma legislada pelo Estado.

...o século XIX é o século do otimismo com relação aos prodigiosos progressos científicos e tecnológicos que então se verificam, progressos  esses sem par na história, até mesmo se compararmos com os progressos tecnológicos dos séculos anteriores quando nasceu a ciência moderna. O séc. XIX é herdeiro do iluminismo que triunfou, é o século que acredita no homem de modo incondicionado.

...para o positivismo a realidade é exterior ao sujeito. Ou seja, o objeto existe independentemente do sujeito.

...

A sociedade é regida por leis naturais, eternas, imutáveis, independentes da vontade e da ação humana, e na vida social reina uma harmonia natural. ...

Os positivistas acreditavam nas leis absolutas em relação à sociedade. ...É isso, inclusive, que torna possível a cientificidade nas ciências humanas.

...

Os Estados do séc. XIX enfrentam a questão da unidade política invocando a supremacia da lei, entendida como proveniente da nação (que estava representada no parlamento), a qual inclusive o Estado deveria estar submetido.[50]

O Estado é representado  por uma pessoa que foi eleita pelo povo. Sendo a norma uma emanação do Estado esta jamais poderia ser questionada. Era considerada como justa e legal.

Em vez de acreditar que existe uma coisa chamada de governantes relativamente à qual os governados se comportam, consideremos que os governados podem ser tratados seguindo as práticas tão diferentes, de acordo com às épocas, que os ditos governados não tem senão o nome em comum.Pode-se discipliná-lo, isto é, prescrever-lhe o que devem fazer (se não há nada prescrito, ele não devem se mexer);  pode-se tratá-los como sujeitos jurídicos:certas coisas são proibidas, mas, no interior desses limites, eles se movimentam livremente; pode-se explora-los, e foi o que fizerem muitas monarquias. ....[51]

O positivismo jurídico deriva do cientificismo. A doutrina que afirma que tudo pode ser explicado através da ciência.

No Brasil, a princípio, o positivismo resultou em mentalidade científica generalizadora, alheia às particularidades sul-americanas. Porém, pouco a pouco, foi sendo aproveitado como método de trabalho, juntamente com o evolucionismo de Spencer e as idéias democrático-liberais do constitucionalismo norte-americano, que servirá de esteio aos que advogam uma república democrática, frutificando-se, assim, em um instrumento teórico a ser utilizado na transformação da realidade concreta.[52]

...adopção pela historiagafia jurídica de um modelo metodológico cientificamente fundado representa por sua vez, a aquisição de um novo sentido para esta disciplina  no quadro de disciplinas sociais e jurídicas – não um sentido apologético, não um sentido mistificador , mas um sentido libertador.[53]

Por inspiração do positivismo, o ensino jurídico adota uma vertente cuja base epistemológica se alicerçava na crença da ciência, como instrumento de orientação, poderia oferecer respostas para todos os problemas da humanidade, reconhecendo a objetividade cientifica e privilegiando-se os campos práticos, técnicos e aplicados nos cursos.[54]

Para os positivistas jurídicos Direito seria uma ciência.  Para Hans Kelsen uma ciência social.

“Se há uma ciência social que é diferente da ciência natural, ela deve descrever o seu objeto segundo um princípio diferente do da causalidade. Como objeto de uma tal ciência que é diferente da ciência natural a sociedade é uma ordem normativa de conduta humana. Mas não há uma razão suficiente para não conceber a conduta humana também como elemento da natureza, isto é, como determinada pelo princípio da causalidade, ou seja, para a não explicar, como fatos da natureza, como causa e efeito. Não pode duvidar-se que uma tal explicação é possível e efetivamente resulta. Na medida que em que uma ciência que descreve e explica esta forma a conduta humana seja, por ter como objeto a conduta dos homens uns face dos outros, qualificada de ciência social, tal ciência social não pode ser essencialmente distinta da ciências naturais. Quando, contudo, se procede à analise das nossas afirmações sobre a conduta humana, verifica-se que nós conexionamos os atos de conduta humana entre si e com os outros fatos, não apenas segundo o princípio da causalidade, isto é, como causa e efeito, mas também segundo um outro princípio que é completamente diferente do da causalidade, segundo um princípio para o qual ainda não há na ciência uma designação geralmente aceita. Somente se é possível a prova de que tal princípio está presente no nosso pensamento e é aplicada por ciências que têm por objeto a conduta dos homens entre si enquanto determinadas por normas, ou seja, que têm por objeto as normas que determinam essa conduta, é que teremos fundamento para considerar a sociedade como uma ordem diferente da natureza e para distinguir das ciências naturais as ciências que aplicam na descrição do seu  objeto este outro princípio ordenador, para considerar estas como essencialmente diferentes daquelas. Somente quando a sociedade é entendida como uma ordem normativa da conduta dos homens entre si é que ela pode ser concebida como objeto diferente da ordem causal da natureza, só então é que a ciência social pode ser contraposta  à ciência natural. Somente na medida em que o Direito for uma ordem normativa da conduta dos homens entre si pode ele, como fenômeno social, ser distinguido da natureza, e pode a ciência jurídica, como ciência social, ser separada da ciência da natureza”[55].

O cientificismo pressupõe o positivismo jurídico. Este teve marcante influência sobre os juristas e cientistas do Direito da América Latina.

O Estado deveria adotar o cientificismo e abandonar os pensamentos teológicos e metafísicos que são verdadeiros causadores de crises e anarquias. Consequentemente, o Estado deveria exercer uma intervenção e uma regulação através das normas para o bem geral da nação.

“El cientificismo se presentará como una arma poderosa para enfrentar a las fuerzas sociales enemigas del laicismo, del liberalismo y de la descolonización de la nación argentina. Y es en este sentido que el positivismo argentino posee una significación sociopolítica ligada al pensamiento que sirvió de base al liberalismo democrático en vias de institucionalizarse. [56]

Es el positivismo en acción. Se liga a esta influencia el desarrollo económico del país, el predomínio de los interesses materiales, Ia difusión de Ia instrucción pública, Ia incorporación de macas heterogêneas, Ia afirmación de Ia libertad individualista. Se agrega como complemento el despego de Ia tradición nacional, el desprecio de los princípios abstractos, Ia indiferencia religiosa, Ia asimàlación de usos e ideas extranas. Asi se creó una civilización cosmopolita, de cuno propio, y ningún pueblo de habla espanol se despojó como el nuestro, en forma tan intensa, de su caráter ingénito, so pretexto de europeizasse.[57]

Para Varsavsky, o é "el investigador que se ha adaptado a este mundo científico, que renuncia a Ia preocupación por el significado social de Ia actividad, desvinculándose de los problemas políticos, y se entrega de lleno a su carrera, aceptando para ello Ias normas y valores de los grandes centros intemacionales...” .[58]

É preciso ainda ressaltar que o positivismo jurídico teve como metodologia e sistemática a codificação das leis. Ricardo Marcelo Fonseca e Airton Cerqueira Leite Seelaender afirmam que “a codificação foi somente um momento mais da ciência jurídica que buscava a sistematização, mas se sabe que dita sistematização mudou em grande medida a forma de conceber o direito e a forma de interpretá-lo”.[59]

Sendo, que como assevera Fábio S. Andrade, “... a positivação moderna de codificação do direito privado ibero-americano foi modelado integralmente pelo ideário individualista, romanistico e patrimonial da legislação civil napoleonica (1804) e do código privado germânico (1900)”.[60]

Já Ricardo David Rabinovich-Berkman diz que a codificação teve como influência o jusnaturalismo racional.

Sin embargo, bajo la influencia del jusnaturalismo racionalista, desde fines del siglo XVIII, el vocablo se empezó a emplear para designar um libro, normalmente no grande, donde se publicase, en forma de ley única, ordenada y sistemática, escrita em lengua clara y comprensible, la totalidad de los preceptos atinentes a una determinada porción del plexo normativo (civil, penal, etc). La realización de estos cuerpos normativos ... se denomina de “codificación”.

... Los códigos acabaron constituyendo el eslabón entre el jusnaturalismo racionalista y el positivismo de la exégisis, pues, una vez em vigor, al ser textos resultantes de la positivización del derecho natural lógico, eran vistos como arquétipos del ordenamiento perfecto. A partir de allí la tarea del jurista pasaba a restringirse a lo estudiarlos e interpretarlos (el Derecho Civil era el Código Civil).

Asi mismo, como supuestos productos de un desenvolvimiento racional abstracto, y en esa medida libres de las coordenadas de tiempo y de espacio, los códigos abrieron camino para su transmisión internacional, fuese mediante imposición (el código francés sobre Alemania) o adopción voluntária (caso de Vélez Sarsfield com el Esbozo de Teixeira de Freitas, o el de Paraguay con el Código Civil argentino.[61]

O século XIX é considerado por muitos juristas e doutrinadores como o século da codificação.

Na maioria das vezes concebe-se o século XIX como século da codificação. ... os códigos implicaram a mutilação do direito, até então conhecido por sua secularidade, estatalidade e nacionalidade, e consagraram o primado da lei e a supremacia do ideário liberal.[62]

No Brasil, temos como principal figura da codificação, o ilustre advogado Augusto Teixeira Freitas. Nascido em 1816. Formado bacharel em direito em 1837, na Faculdade de Ciências Sociais e Jurídicas de Olinda. Foi um dos fundadores do Instituto dos Advogados do Brasil. Instituição na qual exerceu a presidência. Foi contratado pelo governo imperial, em 1855, para elaborar a Consolidação das Leis Civis e posteriormente o Esboço. Mas por mais absurdo que possa parecer tais projetos foram abandonados pelo Governo Imperial.

Teixeira Freitas ... Conclui sua Consolidação das Leis Civis obtendo aprovação  do governo ern 1858... . A Consolidação obedeceu a seguinte divisão das matérias: uma parte geral so­bre as pessoas e as coisas; uma parte especial dividida ern dois livros, o primeiro sobre os direitos pessoais, incluindo as relações  pessoais em função  da familia e as relações  derivadas dos contratos e dos atos ilicitos (esbulho e dano), o segundo tratando dos direitos reais, inclusive a matéria  de sucessões, e direitos reais de garantia. ...Teixeira de Freitas  tem ... certa con­cepção  do que é razoável  e racional em direito. Mas ele é sobretudo um  romanista dos novos tempos. ... A Consolidação logo transformou-se em texto de referência obrigatória. Os projetos de Teixeira de Freitas terminaram abandonados pelo governo. A Consolidação resultara em 1.333 artigos e o Esboço em 4.908!

Teixeira de Freitas tornou-se  na época  uma referência obrigatória em toda América Latina. Inclusive seus projetos foram adotados na concepção dos Códigos Civis do Paraguai e Argentina. Ricardo Ricardo David Rabinovich-Berkman retrata com brilhantismo a importância deste jurista:

El abogado brasileño Augusto Teixeira de Freitas (1816-1883), romanista y seguidor de Savigny, recibió del gobierno imperial de Rio de Janeiro, en 1855, el encargo de ordenar sistemáticamente los preceptos civiles, cosa que realizó en la Consolidación de las leyes civiles (1858). Dada la calidad de esa obra, em 1859 se lo encomendó que preparase el proyeto del Código Civil previsto de Constitución brasileña de 1824. El resultado fueron siete volúmenes (siempre esse número) aparecidos entre 1860 y 1865, cuyo conjunto es conocido com el Esbozo.

La obra fue muy bien recebida, pero en 1867 Freitas cambió de idea, y comenzó a luchar vigorosamente por la creación de um código general, civil y comercial. Esa propuesta, revolucionaria y adelantada em su tiempo, fue definitivamente repudiada por el gobierno imperial en 1872. Esas circunstancias, sumadas a la caída do del império em la década seguiente, llevaron a que el Esbozo fuera muy olvidado y se lo tomara poco en cuenta cuando se formuló el Código Civil de 1917... . Sólo recientemente, en lãs últimas décadas, se volvió a valorar en el Brasil a quien, tal vez, haya sido el mayor civilista latinoamericano del siglo XIX. El Esbozo fue reeeditado por el gobierno federal em 1983.

En la Argentina, Vélez Sarsfield, que estaba preparando en esse tiempo el Código Civil, descubrió los trabajos de Freitas y los apreció como nunca otro por entonces. Mantuvieron una  breve ... correspondência, pero nunca se conocieron personalmente. Sin embargo, el Esbozo tuvo una enorme influencia sobre Vélez, que no solamente tomó de él la metodologia de organización del Código, sino también una cantidad de artículos, notas y soluciones, algunas de ellas muy innovadoras, como la atinente a las “personas por nascer”. Además de eso, fue gracias a Freitas que Vélez conoció la obra de Savigny, que tanto afectaria la suya.

Se puede decir, sin duda, que gran parte del valor que com merecimiento se reconece al Código, de Vélez, se debe a la contribuición de Freitas... .

...Dejado de lado y olvidado en el Brasil por décadas, tanto por los juristas como por el pueblo en general, fue, en cambio, el gran inspirador del Código Civil argentino, poco después adoptado también por el Paraguay.[63]

Orlando Gomes, afirma que Teixeira de Freitas teve importância tanto na sistematização do Direito como na construção de vários Código Civil da América:

A influencia de Teixeira de Freitas não se faz presente apenas através da construção magistral em que reuniu e sistematizou os elementos esparsos da desordenada e contraditória legislação emigrada. Exerceu-se também por meio do Esboço, que embora não houvesse sido aproveitado entre nós, como foi em outras nações ibero-americanas, inspirou numerosas disposições do Código Civil .... .[64]

No Brasil, o positivismo jurídico serviu para justificar a forma de governo adotada pelo Imperador. Este fazia as leis de acordo com seus interesses e contava com a anuência do legislativo e o judiciário que eram seus subordinados.

A partir da segunda metade do século XIX, o debate intelectual no Brasil passou a incorporar um conjunto variado de idéias cientificista, importadas sobretudo da Europa. O positivismo foi a doutrina que até o momento recebeu a maior atenção por parte dos historiadores e cientistas sociais que se voltaram para a historia intelectual brasileira do período.

...

Tais idéias cientificistas penetraram também no debate jurídico local, sendo que o movimento que ficou conhecido como “Escola de Recife” exemplifica bem a relação entre a renovação cultural brasileira e a produção jurídica nacional..[65]

Inclusive, através do positivismo jurídico, o governo imperial, formavam bacharéis, advogados e jurista para defender seus interesses.

... se o liberalismo na Europa nasce na crista das revoluções, no Brasil os liberais, inicialmente reformistas, regredirão para preservar a ordem estamental-escravista. Para o manejo das regras do estamento burocrático e a administração dos interesses da sociedade escravocrata, o Estado necessitava de um tipo de profissional especializado: os bacharéis, advogados e juristas..[66]

...desde aproximadamente 1870, a formação de bacharéis  em direito estava embebida do espirito positivista evolucionista que caracteriza o pensamento cientifico-politico da época. Acreditavam que as sociedades evoluíam positivamente, e que era possível alcançar um estágio superior a partir da elaboração de boas leis.[67]

Machado de Assis, em Memórias Póstumas de Brás Cubas, ironiza o positivismo, o cientificismo algo que na época era muito comentado, criando o Humanitismo. Esta doutrina transformava o homem em objeto do próprio homem. E tinha quatro pilares a estática, expansiva, dispersiva e absorção do homem e das coisas.

...Quanto ao Quincas Borbas, expôs enfim o Humanitismo, sistema de filosofia destinado a arruinar todos os demais sistemas.

- Humanistas, dizia ele, o principio das coisas, não é outro senão o mesmo homem repartido por todos os homens. Contra três fases Humanitas: a estática, anterior a toda criação; a expansiva, começo das coisas; a dispersiva, aparecimento do homem; e contará mais uma, a contrativa, absorção do homem e das coisas. A expansão, iniciando o universo, sugeriu a Humanitas o desejo de o gozar, e daí a dispersão, que não é mais do que a mutiplicação personificada da substancia original.

Como me não aparecesse assaz clara esta exposição, Quincas Borbas desenvolveu-a de um modo profundo, fazendo notar as grandes linhas do sistema. Explicou-me que, por um lado, o Humanitismo ligava-se ao Bramanismo, a saber, na distribuição dos homens pelas diferentes partes do corpo de humanistas; mas aquilo que na religião indiana tinha apenas uma estreita significação teleológica e política, era no humanistimo a grande lei do valor pessoal. Assim, descender do peito ou dos rins de humanistas, isto é, ser um forte, não era o mesmo que descender dos cabelos ou da ponta do nariz. Daí a necessidade de cultivar e temperar o músculo. Hércules não foi senão um símbolo antecipado do humanitismo. Neste se não houvesse amesquinhado com a parte galante dos seus mitos. Nada disso, acontecerá com o humanitismo. Nesta igreja nova não há aventuras fáceis, nem quedas, nem tristezas, nem alegrias pueris. O amor, por exemplo, é um sacerdócio, a reprodução um ritual. Como a vida é o maior beneficio do universo, e não há mendigo que não prefira a miséria à morte (o que é um delicioso influxo de humanistas), segue-se que a transmissão da vida, longe de ser uma ocasião de galanteio, é a hora suprema da missa espiritual. Porquanto, verdadeiramente há só uma desgraça: não é nascer. ... Nota que eu não faço do homem um simples veículo de humanistas; não, ele é ao mesmo tempo veiculo, cocheiro e passageiro; ele é  o próprio humanistas reduzido; daí a necessidade de adorar-se a si mesmo...- Para entender bem o meu sistema, conclui ele, importa não esquecer nunca o principio universal, repartido e resumido em cada homem.

...A dor segundo o humanitismo, é uma pura ilusão....Reorganizada a sociedade pelo método dele, nem por isso ficavam eliminadas a guerra, a insurreição, o simples murro, a facada anônima, a miséria, a fome, as doenças; mas sendo esses supostos flagelos verdadeiros equívocos do entendimento, porque não passariam de movimentos externos da substancia interior, destinados a não influir no homem, senão como simples quebra da monotonia universal, claro estava que a sua existência não impediria a felicidade humana. [68]   

Aliás, Brás Cubas, morre em virtude de uma invenção sua, o “emplastro” que tinha como objetivo aliviar a melancolia da humanidade.

...a invenção de um medicamento sublime, um emplasto anti-hipocondríaco, destinado a aliviar a nossa melancólica humanidade. ... O que me influiu principalmente foi o gosto de ver impressas nos jornais, mostradores, folhetos, esquinas e enfim nas caixinhas do remédio, estas três palavras: Emplastro Brás Cubas. ...

Senão quando, estando eu ocupado em preparar e apurar a minha invenção, recebi em cheio um golpe de ar; adoeci logo, e não me tratei. Tinha o emplastro no cérebro; trazia comigo, a idéia fixa dos doidos e dos fortes. Via-me, ao longe, ascender do chão das turbas, e remontar ao céu, como uma águia imortal, e não é diante de tão excelso espetáculo que um homem pode sentir a dor que o punge. No outro dia estava pior; tratei-me enfim, mas incompletamente sem método, nem cuidado, nem persistência; tal foi a origem do mal que me trouxe à eternidade. Sabem já que morri numa sexta-feira, dia aziago, e creio haver provado que foi a minha invenção que me matou. [69]   

A sátira de Machado de Assis ao positivismo é tamanha, que o personagem principal morre em virtude do seu apego ao cientificismo.

Assim pode-se afirmar que o positivismo jurídico foi de suma importância para a humanidade. Sistematizou  e codificou o Direito. E mais, as principais regras do positivismo jurídico são atualmente aplicadas apenas com algumas alterações justificadas pelo evolucionismo da nossa sociedade. A prova da presença do positivismo jurídico, hoje, está no monopólio do Estado na emanação de toda e qualquer lei (norma).


5. Conclusão

O direito e a literatura são ciências que se completam. A literatura para o cientista do direito, deve ser vista, como uma ciência que irá melhorará seu senso crítico no momento da aplicação da norma ao caso concreto.

A obra Memórias Póstumas de Brás Cubas de Machado de Assis é uma cópia fiel da realidade social vivida no Século XIX. O personagem principal da obra, era filho de uma família rica, não gostava de trabalhar, maltratava escravo, vivia na boemia e fora mandado pelo pai para estudar direito em Coimbra. Quando retorna o pai tenta casá-lo e fazê-lo deputado, já que não sabia fazer nada de produtivo. Não teve êxito. Era medíocre. Apenas muitos anos depois, é que conseguiu se eleger deputado. Posteriormente, filiou-se a doutrina do  humanitismo, inventou um remédio chamado de “emplasto” e veio a falecer em virtude de tal invento.   

Contextualizando com a história do direito, nesta época, o Brasil, vivia uma monarquia absolutista, onde todos eram subordinados ao Imperador. Os juízes, senadores eram nomeados diretamente pelo Imperador. Os deputados se elegiam através de eleição no qual só podiam votar os ricos. Enfim, era a política de “favores” e os políticos eram verdadeiros “parasitas”.

O século XIX, houve claro predomínio da doutrina  positivista, que considerava Direito apenas a norma imposta pelo Estado.  O positivismo jurídico derivava do cientificismo, que afirmava que tudo podia ser explicado através da ciência.

O Estado deveria adotar o cientificismo e abandonar os pensamentos teológicos e metafísicos que seriam verdadeiros causadores de crises e anarquias. Consequentemente, o Estado deveria exercer uma intervenção e uma regulação através das normas para o bem geral da nação. Isso se daria através da codificação. Por isso, que o século XIX foi considerado por muitos juristas e doutrinadores como o século da codificação.

No Brasil, o positivismo jurídico serviu para justificar a forma de governo adotada pelo Imperador. As faculdades de Direito, formavam bacharéis, que posteriormente tornavam-se juristas, juízes e legisladores cuja função era fazer leis para justificar o poder do Imperador.

Pelo exposto, a literatura auxilia profundamente na interpretação da lei, na análise crítica, no senso de justiça quando o juiz tiver que decidir um caso real. Para corroborar esse pensamento, trago o ensinamento de Plauto Faraco de Azevedo:  

...importância da formação literária na formação do jurista. Além da apropriação da língua, imprescindível ao falar e ao escrever e, logo, ao argumentar, constitui a literatura um dos veículos mais eficientes ao cultivo da sensibilidade e da percepção psicológica, ambas fundamentais ao jurista e indispensáveis ao autêntico juiz. Não pode ser bom julgador o insensível ou o psicologicamente embotado, por não poder colocar-se na situação do jurisdicionado, sentindo-a e avaliando-a, revivendo-a, para emitir decisão. [70]   

Assim, não resta dúvida da importância da literatura para o Direito.


6 .  Referências bibliográficas

ANDRADE, Fabio S.  de. Da codificação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997.

ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda, 2007.

AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 2. ed. São Paulo: RT, 2000.

BERTI, Giorgio.  Interpretazione costituzionale. Padova: 1990.

CASTRO, Flavia Lages. História do Direito Geral e do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007.

BOBBIO, Norberto.  Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UNB, 1989.

Disponível em  http://www.infopedia.pt/$direito-natural, em 18.2.2011.

Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke - dia 18.2.2011.

Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo_jur%C3%ADdico, em 18.2.2011.

FONSECA, Ricardo Marcelo (org.).  Introdução Teórica à Histórica do Direito. Curitiba: Juruá, 2010.

FONSECA, Ricardo Marcelo (org.); SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite (org.).  História do Direito em perspectiva. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010.

FREIRE, Felisbelo. História Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 1983.

GAVAZZONI, Aluisio. História do Direito dos Sumérios até a nossa era. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2002.

GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura: ensaio de uma síntese teórica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008.

GOMES, Orlando.  Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. São Paulo: Martins fontes, 2003.

GRINBERG, Keila.  Código Civil e cidadania. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

HESPANHA, Antonio M. . A  História do direito na história social. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.  São Paulo: Martins Fontes. 1998.

KORN, A.,Influencias filosóficas en Ia evolueión Argentina. Buenos Aires: Ed. Solar,1983.

LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 4. Ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1978.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro São Paulo: Abril Cultural, 1978.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas Algozes. Rio de Janeiro: Editora Zouk, 2005.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.  A Ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1987.

MENDES, Luiz Antônio de Oliveira.  Memória a respeito dos escravos e trafico da escravatura entre a Costa d’ África e o Brasil. Porto: Publicação Escorpião, 1977.

MOTA, Carlos Guilherme.  Os juristas na formação do Estado-nação brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2006, vol. I.

NÓBREGA, Vandick Londres da. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955.

RABINOVICH-BERKMAN, Ricardo David.  Un Viaje por la Historia del  Derecho. Buenos Aires: Editorial Quorum, 2007.

RIBAS, Joaquim. Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Rio, 1982.

RIBEIRO, João.  O que é positivismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001.

SCHUSTER, F. El concepto de ciencia. In Biagini H. (org.). Buenos Aires: El movimiento positivista argentino, 1985.

SCWARTZ, Germano. Direito e Literatura: proposições iniciais para uma observação de segundo grau do sistema jurídico. In Revista dos Juízes do Rio Grande do Sul, Ano XXI, nº 96, dezembro de 2004. Porto Alegre.

SPAEMANN, Robert.   Sulla differenza qualcosa e qualcono. Roma-Bari, 2005.

TAVALERA, Pedro. Derecho y Literatura. Granada: Editorial Comares, 2006.

VARSAVSKY, O. Ciencia, política, cientifiçismo. 7. ed. Buenos Aires: Centro Editor da América Latina, 1986.

VEYNE, Paul.  Como se escreve a história. 3. ed. Tradução de Alda Batar e Maria Auxiliadora Kneip. Brasília: UNB, 1995.

WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006.


Notas

[1] AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 80.

[2] SCWARTZ, Germano. Direito e Literatura: proposições iniciais para uma observação de segundo grau do sistema jurídico. In Revista dos Juízes do Rio Grande do Sul, Ano XXI, nº 96, dezembro de 2004. Porto Alegre, p. 125-139.

[3] Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro. Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigência do bem comum.

[4] GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e literatura: ensaio de uma síntese teórica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008, p. 9.

[5] TAVALERA, Pedro. Derecho y Literatura. Granada: Editorial Comares, 2006, p. 10-11.

[6] “Há mais coragem em ser justo, parecendo ser injusto, do que ser injusto para salvaguardar as a aparências da justiça”. (CALAMANDREI, Pietro).

[7] FONSECA, Ricardo Marcelo (org.).  Introdução Teórica à Histórica do Direito. Curitiba: Juruá, 2010, p. 33.

[8] Constituição Imperial Brasileira de 1824, art. 3º. O governo é monárquico, hereditário, constitucional e representativo.

[9] Constituição Imperial Brasileira de 1824, art. 10º. Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quadro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo e o Poder Judicial.

[10]Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política e é delegada privativamente ao Imperador, come Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante, para que incessan­temente vele sobre a manutenção da independência,  equilíbrio  e harmonia dos mais Poderes políticos.

[11] Constituição Imperial Brasileira de 1824. Art. 101 — 0 Imperador exerce a Poder Moderador (...):

....

5°) Prorrogando ou adiando a Assembléia  Geral e dissolvendo a Câmara  dos Deputados, nos casos em que o exigir a salvação do Estado, convocan­do imediatamente outra, que a substitua."

6º - Nomeando e demitindo  livremente os ministros de Estado.

Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executi­vo e o exercita pelos ministros de Estado."

Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 13. O Poder Legislativo é delegado à As­sembléia Geral, com a sanção  do Imperador.

[12] CASTRO, Flavia Lages. História do Direito Geral e do Brasil. 5. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2007, p. 357.

[13] Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 90. As nomeações dos deputados e sena­dores para a Assembléia Geral e dos membros dos Conselhos Gerais das Províncias  serão  feitas por eleições indiretas, elegendo a massa dos cidadãos  ativos em assembléias  paroquiais os eleitores de província  e este os representantes da Nação  e província.

Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 95. Todos os que podem ser eleitores são hábeis  pare serem nomeados deputados. Excetuam-se:

1º) Os que não  tiverem quatrocentos mil réis de rendo liquida, na forma dos arts. 92 e 94.

2º) Os estrangeiros naturalizados.

3º) Os que não  professarem a religião  do Estado."

[14] BERTI, Giorgio.  Interpretazione costituzionale. Padova: 1990, p. 8-9.

[15] Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 102. O Imperador é o Chefe do Poder Executi­vo e o exercita pelos ministros de Estado. São suas principais atribuições:

...

3º) Nomear magistrados.

[16] Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 179. A inviolabilidade dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual e a propriedade, é garantida pela Constituição do Império, pela maneira seguinte:

1º) Nenhum cidadão pode ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma cousa senão em virtude da lei.

2º) Nenhuma lei será estabelecida sem utilidade pública.

3º) A sua disposição não terá efeito retroativo

4º) Todos podem comunicar os seus pensamentos, por palavras, escritos, e publicá-los pela imprensa, sem dependência de censura; contanto que hajam de responder pelos abusos que cometerem no exercício deste direito, nos casos, e pela forma, que a lei determinar.

...

7º) Todo o cidadão tem em sua casa um asilo inviolável. De noite não se poderá entrar nela, senão por consentimento, ou pra defender de incêndio, ou inundação; e de dia só será franqueada a sua entrada nos casos, e pela maneira, que a lei determinar.

8º) Ninguém poderá ser preso sem culpa formada, exceto nos casos declarados em lei; ...

...

13º) A lei será igual para todos, quer proteja, quer castigue, e recompensará em proporção dos merecimentos de cada um.

...

20º) Nenhuma pena passará da pessoa do delinqüente. ...

...

22º) É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. ...

[17] LOPES, José Reinaldo de Lima. O Direito na História. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 288.

[18] GAVAZZONI, Aluisio. História do Direito dos Sumérios até a nossa era. 2. ed. Rio de Janeiro: Freitas Bastos Editora, 2002, p. 140.

[19] Constituição Imperial Brasileira de 1824, Art. 99. A pessoa do Imperador é inviolável e sagrada; ele não está sujeito a responsabilidade alguma.

[20] Ibidem, p. 293, 294 e 300 .

[21] Idem, p. 207 e 269.

[22] LEAL, Vitor Nunes. Coronelismo, enxada e voto. 4. Ed. São Paulo: Alfa-Omega, 1978, p. 181-200.

[23] ASSIS, Joaquim Maria Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ciranda Cultural Editora e Distribuidora Ltda, 2007, p. 34, 40 e 41.

[24] WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de História do Direito. 3. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p. 319-320.

[25] idem, p. 320-321.

[26] Ibidem, p. 47, 49, 50, 57, 62, 63.

[27] FREIRE, Felisbelo. História Constitucional da República dos Estados Unidos do Brasil. Brasília: Editora Universidade de Brasilia, 1983, p.134-135.

[28] Ibidem, p. 74, 75, 93, 95, 96, 99, 113, 120 e 121.

[29] Idem, p. 133, 137 e 138.

[30] Disponível em  http://www.infopedia.pt/$direito-natural, em 18.2.2011.

[31] LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Trad. Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro São Paulo: Abril Cultural, 1978, p. 67.

[32] http://pt.wikipedia.org/wiki/John_Locke - dia 18.2.2011

[33] Ibidem, p. 335.

[34] RIBAS, Joaquim. Direito Civil Brasileiro. Rio de Janeiro: Rio, 1982, p. 281-282.

[35] NÓBREGA, Vandick Londres da. História e Sistema do Direito Privado Romano. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1955, p. 120  e 130.

[36] MACEDO, Joaquim Manoel de. As Vítimas Algozes. Rio de Janeiro: Editora Zouk, 2005, p. 6, 9, 13, 17, 20, 21, 28, 31 e 36.

[37] Ibidem, p. 24, 86 e 87.

[38] FONSECA, Ricardo Marcelo (org.); SEELAENDER, Airton Cerqueira Leite (org.).  História do Direito em perspectiva. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2010, p. 316.

[39] MENDES, Luiz Antônio de Oliveira.  Memória a respeito dos escravos e trafico da escravatura entre a Costa d’ África e o Brasil. Porto: Publicação Escorpião, 1977, p. 88-89.

[40] Ibidem, p. 339-341.

[41] Ibidem, p. 327-328.

[42] O direito, como ele é expressão dos mais fortes, não dos mais justos. Tanto melhor, então, se os mais fortes forem também os mais justos. BOBBIO, Norberto.  Teoria do Ordenamento Jurídico. Brasília: UNB, 1989, p. 67.

[43] MARX, Karl; ENGELS, Friedrich.  A Ideologia alemã. São Paulo: Hucitec, 1987, p. 365.

[44] As normas jurídicas são mandamentos e como tais sua natureza é imperativa.  KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.  São Paulo: Martins Fontes. 1998, p. 81.

[45] SPAEMANN, Robert.   Sulla differenza qualcosa e qualcono. Roma-Bari, 2005, p. 15.

[46] Ibidem, p. 40.

[47] KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito.  São Paulo: Martins Fontes. 1998, p. 105.

[48] Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Positivismo_jur%C3%ADdico, em 18.2.2011.

[49] Ibidem, p. 1.

[50] Ibidem, p. 40, 43, 44, 49 e 147.

[51] VEYNE, Paul.  Como se escreve a história. 3. ed. Tradução de Alda Batar e Maria Auxiliadora Kneip. Brasília: UNB, 1995, p. 154.

[52] RIBEIRO, João.  O que é positivismo. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 65.

[53] HESPANHA, Antonio M. . A  História do direito na história social. Lisboa: Livros Horizonte, 1978, p. 16-17.

[54] Ibidem, p. 356.

[55] Ibidem, p. 85/86.

[56]SCHUSTER, F. El concepto de ciencia. In Biagini H. (org.). Buenos Aires: El movimiento positivista argentino, p. 326.

[57] KORN, A. Influencias filosóficas en Ia evolueión Argentina. Buenos Aires, Ed. Solar: 1983, 206.

[58] VARSAVSKY, O. Ciencia, política, cientificismo. 7. ed. Buenos Aires: Centro Editor da América Latina, p. 35.

[59] Ibidem, p. 219.

[60] ANDRADE, Fabio S.  de. Da codificação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997, p. 91-110.

[61] RABINOVICH-BERKMAN, Ricardo David.  Un Viaje por la Historia del  Derecho. Buenos Aires: Editorial Quorum, 2007, p. 278.

[62] Ibidem, p. 219.

[63] Ibidem, p. 284-285.

[64] GOMES, Orlando.  Raízes históricas e sociológicas do Código Civil Brasileiro. São Paulo: Martins fontes, 2003, p. 12-13.

[65] Ibidem, p. 291.

[66] MOTA, Carlos Guilherme.  Os juristas na formação do Estado-nação brasileiro. São Paulo: Quartier Latin, 2006, vol. I, p. 144.

[67] GRINBERG, Keila.  Código Civil e cidadania. Rio de Janeiro: Zahar, 2001, p. 33.

[68] Ibidem, p. 124-126.

[69] Ibidem, p. 12-14.

[70] AZEVEDO, Plauto Faraco de. Aplicação do direito e contexto social. 2. ed. São Paulo: RT, 2000, p. 90.


THE POSTHUMOUS MEMOIRS OF BRAS CUBAS: LEGAL CONSIDERATIONS

Abstract: The law and literature are disciplines that are complementary. The novels portray various legal questions over the course of history demonstrating the thinking of society at the time. Herein we contextualized the work Posthumous Memoirs of Bras Cubas, Machado de Assis, within the legal universe. With this, were addressed important topics such as: legal and social aspect of the nineteenth century, slavery and property rights and legal positivism: the standard as a justification of state power. Thus, the work is scope to justify the importance of literature to the right demonstrating how that helps operators of law at the time of law enforcement. 

Keywords: Law and Literature, Social and political aspects of the nineteenth century, slavery, legal positivism.

Summary: 1 - Introduction 2 - law and literature, 3 - Legal and social aspects of the Nineteenth Century, 3 - Slavery and the Law of Property 4 - Legal Positivism: the standard as a justification of state power, 5 – References.

LAS MEMORIAS PÓSTUMAS DE BRAS CUBAS: CONSIDERACIONES JURÍDICAS

Sumário: La ley y la literatura son disciplinas que se complementan. Las novelas retratan diversas cuestiones jurídicas en el curso de la historia que demuestra el pensamiento de la sociedad del momento. En este trabajo, contextualizado el trabajo póstumo Memorias de Blas Cubas, de Machado de Assis, en el universo jurídico. Con esto, se abordaron temas importantes, tales como: aspectos legales y sociales del siglo XIX, la esclavitud y los derechos de propiedad y positivismo jurídico: la norma como una justificación del poder del Estado. Así, el trabajo es el alcance para justificar la importancia de la literatura a la derecha demuestra la forma en que ayuda a los operadores del derecho en el momento de aplicación de la ley.

Palabras clave: Derecho y Literatura, Aspectos sociales y políticos del siglo xix, la esclavitud, el positivismo jurídico.

Resumen: 1 - Introducción 2 - La ley y la literatura, 3 - Aspectos jurídicos y sociales del siglo XIX, 3 - La esclavitud y la Ley de Propiedad 4 - El positivismo jurídico: la norma como una justificación del poder del Estado, 5 – Referencias.


Autor


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VAZ, Wanderson Lago. Memórias Póstumas de Brás Cubas: reflexões jurídicas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 19, n. 4091, 13 set. 2014. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31881. Acesso em: 3 maio 2024.