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Responsabilidade civil por produtos defeituosos nas relações de consumo.

Estudo comparativo dos sistemas português e brasileiro

Responsabilidade civil por produtos defeituosos nas relações de consumo. Estudo comparativo dos sistemas português e brasileiro

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O presente trabalho visa a demonstrar as diferenças existentes entre os sistemas português e brasileiro de responsabilização do produtor por danos causados por produtos defeitos.

Resumo: O presente trabalho visa a demonstrar as diferenças existentes entre os sistemas português e brasileiro de responsabilização do produtor por danos causados por produtos defeitos. Em primeiro lugar, será abordada a responsabilidade sob a ótica do Direito Civil, em que o comprador somente pode acionar o vendedor das mercadorias, que responde nos moldes do tradicional princípio da culpabilidade. A seguir, demonstrar-se-á a evolução da doutrina, jurisprudência e legislação, que permitiram a responsabilização direta e objetiva do produtor, através da superação dos princípios da relatividade dos contratos e da culpabilidade, característicos do Direito do Consumidor. Por fim, será estudada a relação de consumo, critério para a aplicação da responsabilidade do produtor: havendo tal relação, o comprador poderá se utilizar da legislação consumerista para obtenção da reparação dos danos causados pelos produtos; caso contrário, terá que se submeter ao regime civil.

Sumário: 1 INTRODUÇÃO.  2 RESPONSABILIDADE CIVIL POR COISAS DEFEITUOSAS. 3 ESPONSABILIZAÇÃO DO PRODUTOR. 3.1 Superação do princípio da relatividade dos contratos. 3.2 Superação do princípio da culpabilidade. 3.3 Legislação aplicável. 4 RELAÇÃO DE CONSUMO. 4.1 Definições. 4.2 Sujeitos da relação. 4.2.1 Produtor. 4.2.2 Consumidor. 5 CONCLUSÃO. 6 REFERÊNCIAS.


1  INTRODUÇÃO

A responsabilização civil do fabricante por prejuízos causados por defeitos de seus produtos sempre ocorreu. Contudo, com o advento da Revolução Industrial e, mais especificamente, no século XX, com a produção em série de mercadorias, aumentaram substancialmente os danos causados por defeitos de produtos e serviços. Acidentes de consumo começaram a proliferar: acidentes de trânsito, causados por defeitos de fabricação dos veículos, vindo a atingir pedestres, inclusive; medicamentos causando graves e inesperados efeitos colaterais; contaminação de alimentos por substâncias tóxicas, etc[1].

A efetiva reparação dos danos causados ao consumidor passou por dois óbices: a responsabilidade civil tradicionalmente era centrada no princípio da culpa, havendo a necessidade de o lesado provar que o dano foi causado pelo defeito do produto; e a impossibilidade de se imputar diretamente ao fabricante a responsabilidade pelos danos causados por seus produtos.


2  RESPONSABILIDADE CIVIL POR COISAS DEFEITUOSAS

Em Portugal, a venda de coisas defeituosas está regulada nos artigos 913° a 922° do Código Civil. Tais dispositivos têm aplicação subsidiária, pelo disposto no artigo 3° do Código Comercial[2].

Primeiramente, o legislador civil cuidou de sujeitar, no artigo 913°, ao mesmo regime o vício do produto e a falta de qualidade[3], e o fez acertadamente, de acordo com João Calvão da Silva[4].

O Código Civil brasileiro disciplina o tema nos artigos 441 a 446, cuidando apenas dos vícios redibitórios[5]. A falta de qualidade não foi objeto de apreciação pelo legislador brasileiro, que somente a abordou ao tratar da venda por amostras (artigo 484) ou da venda a contento e da sujeita a prova (artigos 509 a 512), como, aliás, também o cuidou o legislador civil português, respectivamente nos artigos 919° e 923° a 926°.

Pelo sistema brasileiro, na ocorrência de vício da coisa, o comprador tem o direito de acionar o vendedor (e apenas ele), para rescindir o contrato ou, ainda, para obter abatimento do preço[6]. Em qualquer caso, poderá obter indenização, no caso de ciência do vício pelo alienante[7].

Quanto ao prazo para exercício do direito, o código brasileiro estabelece trinta dias para bens móveis e um ano para imóveis, podendo este ser reduzido á metade se o comprador já estiver na posse do imóvel. Tais prazos, contudo, não correm no período da garantia[8].

O sistema português guarda algumas diferenças em relação ao brasileiro. Além de tratar da falta da qualidade da coisa, conforme já visto, o legislador português inovou, concedendo ao comprador duas outras ações, além das redibitória e estimatória, típicas do regime de garantia edilícia. O comprador pode exigir que o vendedor repare a coisa ou, no caso de o bem ter natureza fungível, a substitua[9]. Veja-se que a obrigação de substituição inexiste se o vendedor desconhecer, sem culpa, o vício ou a falta de qualidade da coisa[10].

A solução dada ao legislador português para a indenização é semelhante à brasileira, ou seja, depende do conhecimento do vício pelo vendedor[11].

No tocante à garantia de bom funcionamento da coisa, nova inovação legislativa portuguesa[12], com responsabilização do vendedor independente de culpa ou de erro do comprador. João Calvão da Silva entende que a parte final do artigo 914° deveria ser revogada porque permite ao vendedor recusar-se a cumprir a obrigação de reparar ou substituir a coisa, além de colidir com o disposto no artigo 921°, n° 1. Explica o autor que “o comprador que exige a reparação ou substituição da coisa está, seguramente, a manifestar a vontade de obter ainda a originária prestação a que tem direito. Pede, por isso, a condenação”[13]. No mesmo sentido está acórdão do STJ:

A garantia de bom funcionamento tem o significado e os efeitos de uma obrigação de resultado, na justa medida em que, durante a sua vigência, o vendedor assegura o regular funcionamento da coisa vendida.

O direito de reparação ou de substituição do comprador, beneficiário da garantia, não depende de culpa do vendedor.

A garantia de bom funcionamento é, pois, um "mais", relativamente aos direitos conferidos ao comprador pelo art. 914º, CC, onde a prova, todavia a cargo do vendedor, de que desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade da coisa vendida é motivo de exoneração do dever de reparar ou substituir a coisa.

Os direitos de reparação e de substituição, estabelecidos no art. 921º, CC, não passam, afinal, de aspectos do direito ao cumprimento do contrato, que, obviamente, não depende de culpa do devedor.

(Portugal. Superior Tribunal de Justiça. Revista. Processo n° 04B029. Relator: Quirino Soares. Data do acórdão: 19 fev. 2004)


3  RESPONSABILIZAÇÃO DO PRODUTOR

A partir do início do século XX, com a massificação das relações de consumo, mutilicaram-se os danos causados por fatos de consumo que, regra geral, restavam sem reparação. Duas são as causas apontadas pela doutrina para a ocorrência de tais fatos: despersonalização das relações entre fornecedores e consumidores, que impedia a responsabilização direta do produtor; e a produção em série, que dificultava ao consumidor a reparação dos danos causados pelo produto, uma vez que, pelo princípio da responsabilidade civil tradicional, o ônus da prova da culpa do fornecedor ficava ao encargo do comprador[14].

O debate europeu sobre o tema esbarrou nas diferenças existentes entre os sistemas de responsabilidade civil dos diversos países, que podiam ser divididos em três grupos: a) responsabilidade objetiva – Bélgica, França e Luxemburgo; b) responsabilidade baseada no princípio da culpa – Itália; e c) responsabilidade subjetiva com presunção de culpa – Alemanha, Dinamarca, Inglaterra, Irlanda e Países Baixos. Além da diferença de sistemas, havia divergência na própria fonte da responsabilidade do produtor, que poderia ser contratual (França) ou extracontratual (Alemanha)[15].

Para a solução do problema de reparação do consumidor havia a necessidade de se estabelecer qual o modelo de responsabilidade civil deveria ser adotado. Paulo de Tarso Vieira Sanseverino enumerou as questões que necessitavam de resposta:

– A responsabilidade do produtor deveria ser objetiva ou subjetiva?

– O fabricante poderia ser acionado diretamente ou deveria ser seguida a cadeia de possíveis responsáveis, iniciando-se pelo vendedor do produto?

– Um terceiro que fosse vítima de um acidente de consumo poderia acionar diretamente o fabricante com base nesse novo sistema?

– Como provar que os danos foram causados por um defeito do produto?[16]

3.1  Superação do princípio da relatividade dos contratos

O primeiro aspecto a ser considerado é o da despersonalização das relações entre fornecedores e consumidores, denominada por Calvão da Silva de “cadeia de distribuição e desfuncionalização do comércio”[17]. O consumidor final encontra-se distanciado do produtor, verdadeiro responsável pela criação e pela fabricação de produtos cada vez mais complexos.

Os revendedores – atacadistas e varejistas – desempenham papel secundário na cadeia de distribuição dos produtos e são completamente alheios, tal qual o consumidor, sobre a produção, não tendo, regra geral, qualquer espécie de controle sobre ela, na medida em que os produtos são frequentemente vendidos em embalagens de origem, lacradas. Ainda que pudesse interferir na produção, o distribuidor não tem conhecimentos científicos ou instrumentos técnicos bastantes para fazer um controle relevante, adequado e eficaz do produto[18].

Não tendo, em geral, relação direta com o produtor, como poderia o consumidor acioná-lo pelo defeito de seus produtos, ante o princípio da relatividade dos contratos? Fábio Ulhoa Coelho assevera que “em princípio, portanto, se o consumidor de produtos não pudesse identificar a relação contratual a uni-lo ao fornecedor, não poderia invocar contra ele qualquer direito”[19].

A solução foi encontrada na jurisprudência dos Estados Unidos, berço da sociedade de consumo, em um precedente referente à superação da privity of contract.

Em decisão de 1916, a Suprema Corte de Nova York deu ganho de causa a MacPherson, em demanda ajuizada contra Buick Motor Co., fabricante de veículos. Síntese da demanda: MacPherson havia adquirido, em 1910, um automóvel Buick novo junto a uma empresa revendedora de sua cidade. No ano seguinte, sofreu um grave acidente, causado pela quebra de uma das rodas do veículo, por defeito de fabricação, tendo sofrido múltiplas lesões. Promoveu ação indenizatória contra o fabricante do veículo, que alegou não ter responsabilidade direta perante o autor, havendo obrigações somente perante a revendedora, com quem manteve relação contratual. A decisão da suprema corte foi no sentido de responsabilizar diretamente o fabricante, superando, nas palavras de Sanseverino, “a privity of contract e, de outro lado, estabelecendo o dever de diligência (duty of care) ao fabricante de produtos potencialmente perigosos (dangerous things because of negligent construction)”[20].

3.2  Superação do princípio da culpabilidade

O direito comum tradicional mostra-se inadequado para solucionar a reparação dos danos causados por produtos defeituosos, na medida em que, pelo princípio da responsabilidade subjetiva, o ônus da prova da culpa fica a cargo do consumidor lesado. A causa de tal inadequação repousa na produção em série e sua especialização.

Calvão da Silva, sobre o tema, afirma que “a automatização do processo produtivo, a complexa e ‘anónima’ combinação do homem com a máquina a fazer com que seja elevada a possibilidade de aparecimento de produtos defeituosos e perigosos, devido a erros humanos e falhas técnicas, muitos dos quais escapam completamente ao mais elevado grau de diligência e cuidado do homem”[21].

Continua o autor, afirmando que ocorrem duas espécies típicas de risco: os inevitáveis, independentes de qualquer culpa, e os evitáveis, em que é quase impossível estabelecer “a prova de culpa no processo produtivo que esteve na base do defeito causador de danos – dada a diluição de tarefas por um extenso número de maquinismos e de agentes que constituem a cadeia de produção, no complexo processo de especialização e divisão de trabalho”[22].

A especialização da produção, com a fabricação de produtos cada vez mais complexos, proporcionada pelos avanços tecnológicos, igualmente dificulta a compreensão, por parte do consumidor, dos riscos causados pelo produto. A essa característica da atividade empresarial, Fábio Ulhoa Coelho dá o nome de “monopólio de informações que o empresário detém sobre o produto ou serviço objeto de sua empresa”[23].

Da especialização da produção e do monopólio de informações derivam um dos princípios do Direito do Consumidor, que é a vulnerabilidade. Dentre os diversos tipos de vulnerabilidade apontados pela doutrina, a vulnerabilidade técnica é que deve ser considerada, na medida em que o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre os produtos e serviços que está adquirindo. Segundo Luiz Antonio Rizzato Nunes, o fornecedor “escolhe o que, quando e de que maneira produzir, de sorte que consumidor, está à mercê daquilo que é produzido”[24].

A vulnerabilidade é diferente da hipossuficiência, que é, nas palavras de James Marins, “diz respeito à sua precariedade de condições culturais e materiais”[25].

A superação do princípio da culpa, característica da responsabilidade aquiliana, deu-se em duas frentes, doutrinária e jurisprudencial.

No plano doutrinário, segundo Caio Mário da Silva Pereira, a origem da “doutrina objetiva vai plantar suas raízes na obra pioneira de Saleilles e Josserand”. Mais à frente, o autor afirma que o maior valor da doutrina construída por Raymond Saleilles foi a criação da responsabilidade sem culpa[26].

O contributo de Louis Josserand, em sua obra De la responsabilité du fait des chose inanimées, está em estabelecer que seria absoluta a presunção legal de culpa, somente podendo ser atacada por motivo de força maior ou de culpa da vítima[27]. Caio Mário da Silva Pereira explica que Louis Josserand “insurge-se contra a hermenêutica literal, e propõe examiná-los sob o foco da ‘evolução’, que atua sobre a responsabilidade civil, tornando-a mais consentânea com a ordem social”[28]. Neste sentido é que entende necessário pesquisar "a que se deve a evolução constante e acelerada da responsabilidade".

A jurisprudência é apontada pelos doutrinadores como a principal fonte da responsabilidade objetiva[29]. A primeira vez que se reconheceu a responsabilidade objetiva – strict liability – do produtor por danos causados por seus produtos, foi em 1963, pelo Supremo Tribunal da Califórnia, no caso Greenman contra Yuba Powers Product Inc.[30].

3.3  Legislação aplicável

Na discussão que precedeu a edição da Diretiva n° 1985/374/CEE, mais que superar as divergências existentes entre os diversos sistemas nacionais de responsabilização do produtor, os juristas chegaram a um consenso de que havia a necessidade de harmonização do direito comunitário nos seguintes pontos: a) estabelecimento de um regime especial de responsabilidade civil para o produtor por danos causados por defeitos de seus produtos; b) que tal regime deveria ser uniforme para todos os membros da Comunidade Européia; e c) que deveriam ser evitados os exageros do sistema norte-americano, no tocante a indenizações elevadas, com o intuito de preservar as empresas[31].

No plano comunitário, o principal diploma legislativo em vigor sobre o tema é a Diretiva n° 1985/374/CEE (relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-membros em matéria de responsabilidade decorrente dos produtos defeituosos), com redação alterada pela Diretiva n° 1999/34/CE. Nos termos da diretiva, a responsabilização direta do produtor está prevista no artigo 1°; a responsabilidade objetiva, no artigo 4°, na medida em que o consumidor não tem necessidade de provar a culpa do produtor; e as excludentes de tal responsabilidade, o artigo 7°[32].

As Diretivas n° 1985/374/CEE e 1999/34/CE foram transpostas para o direito interno português, respectivamente, por força dos Decretos-Lei nº 383/1989 e 131/2001. O primeiro dos dispositivos prevê a responsabilidade direta e subjetiva do produtor no artigo 1° e a exclusão da responsabilidade no artigo 5°[33].

Com especial relevância, também, está a Diretiva n° 1999/44/CE (relativa a certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas), transposta para o direito interno português por força do Decreto-Lei nº 67/2003, com redação alterada pelo Decreto-Lei nº 84/2008. Tal diretiva encontra-se com proposta de revogação pela Proposta de Diretiva n° 2008/0196 (COD) (relativa aos direitos dos consumidores).

Merece nota, no tocante ao conceito de consumidor, a Diretiva n° 2008/48/CEE (relativa a contratos de crédito aos consumidores), transposta para o direito interno português por força do Decreto-Lei nº 133/2009.

No plano interno, em Portugal, a Lei n.º 24/1996 (Lei de Defesa do Consumidor), atualizada até as alterações promovidas pelo Decreto-Lei nº 67/2003, também tem especial relevância.

No Brasil o único diploma legislativo que cuida do tema é o Código de Defesa do Consumidor, introduzido no ordenamento por força da Lei n° 8.078/1990. O código estabelece diferença entre o fato (artigos 12 e 13) e o vício (artigos 18 e 19) do produto[34].


4  RELAÇÃO DE CONSUMO

O regime previsto na legislação do consumidor é muito mais favorável ao comprador que o regime geral civil, com a superação dos princípios da culpabilidade e da relatividade dos contratos. Faz-se necessário, portanto, estabelecer os limites da relação de consumo.

4.1  Definições

Consumo pode ser conceituado como a utilização de um bem ocasionando sua retirada da cadeia produtiva. Pode ser produtivo, quando utilizado por uma empresa para criação de outros bens ou serviços, ou privado, nas demais hipóteses[35].

Relação de consumo é uma “relação jurídico-obrigacional que liga um consumidor a um fornecedor, tendo como objeto o fornecimento de um produto ou da prestação de um serviço”[36].

4.2  Sujeitos da relação

Para entender o que é relação de consumo, é fundamental conceituar seus integrantes.

4.2.1  Produtor

Um conceito amplo de produtor foi adotado pela Diretiva n° 1985/374/CEE[37]. Diferente conceito foi dado pela Diretiva n° 1999/44/CE, que conceituou genericamente o vendedor e o produtor[38].

Calvão da Silva aponta as três modalidades de produtor previstas nas normas: real, aparente e presumido[39].

Produtor real é definido como aquele que fabrica um produto acabado, matéria prima ou parte componente.

Produtor aparente é qualquer pessoa que se apresente como produtor, mediante a aposição, sobre o produto, de seu nome, marca ou sinal distintivo[40].

Produtor presumido é: a) o importador de produto para a Comunidade Econômica Européia, destinado a venda, locação – inclusive financeira – ou qualquer outra forma de distribuição, no âmbito da sua atividade comercial; ou b) o fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado que, notificado por escrito, deixar de comunicar ao lesado a identidade do produtor, do importador ou de algum fornecedor precedente.

No Brasil não existe o conceito legal de produtor. O Código de Defesa do Consumidor define, em seu artigo 3°, o conceito de fornecedor, que é “é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços”.

Merece nota a inclusão dos órgãos de administração pública como potenciais fornecedores, tanto pelo código brasileiro, como pela Lei de Defesa do Consumidor portuguesa[41].

4.2.2  Consumidor

A grande dificuldade da legislação, doutrina e jurisprudência para a caracterização da relação de consumo está na definição do conceito de consumidor. Dois são os questionamentos que merecem discussão: a) se a pessoa singular – pessoa física, para o direito brasileiro – pode ser considerada consumidora, ao adquirir produto para sua atividade profissional; e b) se a pessoa coletiva – no Brasil, pessoa jurídica – pode se enquadrar no conceito de consumidor.

No plano comunitário, a legislação limita o conceito a apenas as pessoas singulares, desde que não adquiram o produto ou serviço para uso em suas atividades profissionais, na redação das Diretivas n° 1999/44/CE e 2008/48/CEE[42]. A Proposta de Diretiva n° 2008/0196 (COD) mantém a mesma interpretação[43].

A Diretiva n° 1985/374/CEE, não faz qualquer referência ao conceito de consumidor, apesar de, na exposição de motivos, deixar claro que o texto legal dirige-se a esta classe de compradores. O mesmo ocorre com a redação do Decreto-Lei nº 383/89, que o transpôs para a ordem interna portuguesa.

No plano interno, alguns países parecem seguir o conceito comunitário, como ocorre com a Itália[44]. A Espanha tinha um conceito legal mais amplo de consumidor, como sendo a pessoa física ou jurídica destinatária final do produto[45], muito parecido com o brasileiro; em 2007, contudo, adequou-se parcialmente ao conceito comunitário, estabelecendo como consumidora a pessoa física ou jurídica que atuem fora de sua atividade empresarial ou profissional[46].

O legislador português teve, num primeiro momento, uma interpretação mais alargada do conceito de consumidor, admitindo que a pessoa coletiva possa ser considerada como consumidora. Com efeito, a Lei de Defesa do Consumidor, de 1996 (atualizada até 2003, por força do Decreto-Lei n° 67), dispõe que “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional” é considerado como consumidor[47]. Posteriormente, manteve a interpretação, ao transpor para o ordenamento interno a Diretiva n° 1999/44/CE, através do decreto-lei supracitado, que se reportou expressamente à Lei de Defesa do Consumidor[48]. Em 2009, contudo, ao transpor para o plano interno a Diretiva 2008/48/CEE, excluiu as pessoas coletivas do âmbito da aplicação da lei[49], ao praticamente reproduzir o texto da diretiva[50].

No Brasil, a definição está expressa no Código de Defesa do Consumidor que, em seu artigo 2º, estabelece que “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”[51].

Há grande controvérsia na doutrina sobre o conceito de consumidor, em virtude de ser um conceito econômico, que é mais alargado que o jurídico, porque considera como consumo, inclusive, as compras efetuadas pelas empresas para manufatura de seus produtos[52].

Fernando Baptista de Oliveira cita Sandrina Laurentino, que classifica o consumidor em duas categorias, adotando o conceito econômico. Assim, o consumidor em sentido lato é aquele que adquire um produto, com o objetivo de consumir, incluído o consumo profissional, só excepcionando-se apenas a compra com intuito de revenda. A segunda categoria, do consumidor em sentido estrito, exclui as relações profissionais do conceito[53]. Tal conceito não responde, contudo, as duas indagações acima expostas.

Da França, temos a seguinte formulação de Thierry Bourgoignie:

1º) O consumidor é uma pessoa física ou moral que adquire, possui ou utiliza um bem ou serviço colocado no centro do sistema econômico por um profissional sem perseguir ela própria a fabricação, a transformação, a distribuição ou a prestação no âmbito de um comércio ou de uma profissão.

2º) Uma pessoa exercendo uma atividade em caráter profissional, comercial, financeiro ou industrial não pode ser considerada como um consumidor, salvo se ficar estabelecido por ela que ela está agindo fora de sua especialidade e que ela realiza uma cifra global de negócios inferior a (...) milhões de francos por ano[54].

Ao afastar, desde logo, a pessoa jurídica como consumidora e condicionar a pessoa física, profissional, a agir fora de sua especialidade, Bourgoignie se utiliza do critério econômico para definir sua formulação, ou seja, baseia-se no princípio da hipossuficiência do consumidor. Tal critério merece críticas, na medida em que a hipossuficiência pode ser critério para determinação de inversão do ônus probatório, criação de associações de consumidores ou, ainda, de gratuidade de acesso à justiça, nunca para a definição de consumidor.

A doutrina brasileira encontra-se igualmente vacilante, podendo ser dividida em duas correntes doutrinárias: a minimalista (ou finalista) e a maximalista. Segundo os finalistas, o consumidor seria apenas a pessoa física que adquire um produto ou serviço para uso próprio ou de sua família, ou seja, para uso não-profissional. Estariam excluídos, portanto, a pessoa física profissional e a pessoa jurídica. José Geraldo Brito Filomeno, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor, filia-se a esta corrente, ao afirmar que ‘’’o conceito de consumidor adotado pelo Código foi exclusivamente de caráter econômico, ou seja, levando-se em consideração tão-somente o personagem que no mercado de consumo, adquire bens ou então contrata a prestação de serviços, como destinatário final, pressupondo-se que assim age com vistas ao atendimento de uma necessidade própria e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial”[55].

Filomeno cita, ainda, o conceito de Cláudia Lima Marques: “Para os finalistas, pioneiros do consumerismo, a definição de consumidor é o pilar que sustenta a tutela especial, agora concedida aos consumidores. Esta tutela só existe porque o consumidor é a parte vulnerável nas relações contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inciso I. Logo, convém delimitar claramente quem merece esta tutela e quem não a necessita, quem é o consumidor e quem não é. Propõem, então, que se interprete a expressão ‘destinatário final’ do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC, expostos no art. 4º e 6º”[56].

A corrente finalista merece críticas, por confundir os princípios da hipossuficiência (“caráter econômico”, nas palavras de Filomeno) e da vulnerabilidade (do artigo 4°, inciso I, do CDC), este, sim, fundamento da relação de consumo, como já explicado.

A teoria maximalista entende que as normas do Código de Defesa do Consumidor regulam o mercado de consumo, incluindo, portanto, os consumidores profissionais. O critério, para esta corrente, é o econômico, ou seja, consumidor é aquele que retira o produto do mercado[57].

A corrente maximalista parece ser a mais correta, uma vez que adota o conceito de “destinatário final”, previsto no CDC. Contudo, deve ser excluído do conceito o consumidor intermédio ou intermediário, aquele que utiliza o bem para utilização em seu processo produtivo. No mesmo sentido está Cláudia Lima Marques, para quem “destinatário final é apenas o consumidor final, aquele que retira o bem do mercado ao adquirir ou utilizar, e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir”[58].

No Brasil, a interpretação do Superior Tribunal de Justiça tem seguido a doutrina maximalista, considerando as pessoas jurídicas como consumidoras, desde que se enquadrem como destinatárias finais do produto[59]. Assim, as pessoas jurídicas, consumidoras intermediárias, como no caso de fornecimento de energia elétrica, não podem ser qualificadas como consumidoras[60].

A jurisprudência portuguesa por vezes admite a pessoa coletiva como consumidora[61]. Em outras situações, a exclue, ora por força do revogado Decreto-Lei n° 359/1991 (contratos de crédito ao consumo), que expressamente reservou a aplicação do diploma às pessoas singulares (artigo 2°, n° 1, b))[62], ora adotando um conceito restrito de consumidor, ainda que tal pessoa coletiva seja um município[63].

O mesmo ocorre com a pessoa singular profissional: em geral não é tida como consumidora[64]. A melhor solução, parece, foi dada por Fernando Baptista, em Acórdão do Tribunal da Relação do Porto[65]. Analisando com profundidade o tema, justificou “a extensão da noção de consumidor ao profissional” pela equidade, a fundamentando, entre outros doutrinadores, nas palavras de Pegado Liz: “… a finalidade «não profissional» permite incluir (…) no conceito de consumidor os profissionais que adquiram bens ou serviços a outros profissionais, mas o façam fora da sua área de competência ou capacidade especial enquanto profissionais. Por exemplo, um comerciante que adquira bens para seu consumo privado ou familiar ou até mesmo uma empresa que contrate serviços de outra empresa ou adquira bens, que não tenham a ver com a sua actividade profissional, não poderiam, assim, ser excluídos da noção de consumidor, porque o uso de tais bens ou serviços, conquanto não seja privado, não é um uso profissional”.

Importante estabelecer, neste ponto, a destinação do produto. Nilton Luiz de Freitas Baziloni, referindo-se ao CDC brasileiro, entende que: “Destinatário final deve ser o destinatário fático, aquele que retira o produto do mercado, usa, consome ou o utiliza para sua necessidade pessoal ou de terceiros. E necessidade pessoal pode ser necessidade profissional. Não se pode incluir a atividade comercial, mas também não se pode confundi-la com atividade profissional”[66]. Baziloni dá o seguinte exemplo: um motorista de táxi, que adquire um veículo junto a uma concessionária, é um consumidor, na medida em que o veículo adquirido “não será colocado na cadeia produtiva [...].O serviço de transporte é que deve ser considerado como comercial, e não o carro, daí por que o motorista em relação ao fornecedor vendedor é consumidor.”

Essa interpretação mais alargada do conceito de consumidor parece ser a mais correta, com o que concorda Oliveira Ascensão[67]. Como já abordado, o fato que autorizou a responsabilização direta do produtor, foi a produção em série e a sua especialização. A fabricação de produtos cada vez mais complexos impede que o comprador – mesmo sendo uma sociedade empresária –, desde que atuando fora de sua atividade profissional, fique numa posição de vulnerabilidade perante o vendedor, por falta de conhecimento técnico do produto por ele comprado.

Da mesma forma, um advogado que compra um livro, que venha a apresentar defeito, deve ser considerado como consumidor, independentemente de a obra comprada ser jurídica ou um romance. Em qualquer hipótese, o advogado estará em posição de vulnerabilidade perante a editora do livro, uma vez que desconhece sua produção.


5  CONCLUSÃO

A responsabilidade do produtor por danos causados ao consumidor produtos defeituosos teve grande evolução a partir do último quarto do século XX. A partir de construções jurisprudenciais norte-americanas tornou-se possível a responsabilização direta e objetiva do produtor, através da superação dos princípios da relatividade dos contratos e da culpabilidade.

A imputação direta do produtor deve-se, acima de tudo, à produção em série e sua especialização, criando um distanciamento do comprador, que deixou de ter conhecimento do produto e sua fabricação. A este alheamento do consumidor, dá-se o nome de vulnerabilidade.

Reconhecida a vulnerabilidade do comprador, caracterizada estará a relação de consumo, ainda que o adquirente seja uma pessoa jurídica ou profissional, salvo se o bem for consumido para integrar a cadeia produtiva.

A hipossuficiência econômica do comprador não deve servir de critério para caracterizar o consumidor, somente devendo ser reconhecida para a concessão de eventual gratuidade da justiça ou inversão do ônus da prova.


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SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

SILVA, João Calvão da. Compra e venda de coisas defeituosas: conformidade e segurança. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004.

______. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990.


Notas

[1] Nesse sentido, SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor. 2 ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.13-14.

[2] Assim dispõe o Código Comercial Português:

“Art. 3.º - Critério de integração

Se as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial, nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididas pelo direito civil”.

[3] Preceitua o Código Civil Português:

“Artigo 913.º

(Remissão)

1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.

2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria”.

[4] SILVA, João Calvão da. Compra e venda de coisas defeituosas: conformidade e segurança. 3 ed. Coimbra: Almedina, 2004, p. 40: “Deste modo. através da equiparação no tratamento, o legislador torna inútil, melhor, sem interesse prático, a discussão jurídica acerca da distinção (ociosa) entre vício ou defeito e falta de qualidade, evita controvérsias doutrinais e previne soluções jurisprudenciais contraditórias e mesmo arbitrárias, correntes em ordenamentos que, como o francês e o italiano, não trilham semelhante escolha de política legislativa unificadora das duas noções num conceito amplo e englobante de não conformidade.”

[5] Código Civil brasileiro:

“Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.

Parágrafo único - É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas”.

[6] Sobre o tema, ALVES, Jones Figueirêdo. In: FIUZA, Ricardo (Coord.). Novo código civil comentado. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 392-393: “Vícios redibitórios são os defeitos existente na coisa objeto de contrato oneroso, ao tempo da tradição (ver art. 444), e ocultos por imperceptíveis à diligência ordinária do adquirente (erro objetivo), tornando-a imprópria a seus fins e uso ou que lhe diminuam a utilidade ou o valor, a ensejar (rescisão ou redibição) ou a ação estimatória (actio quanti minoris) para a restituição de parte do preço, a título de abatimento. Diz-se contrato comutativo o contrato oneroso em que a prestação e a contraprestação são certas e equivalentes.

Integra-se ao instituto a redução de utilidade do bem em face do defeito oculto, embora cuide o dispositivo apenas da impropriedade do uso (inexatidão ou inaptidão ao uso a que se destina).”

[7] Código Civil brasileiro:

“Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.

Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato”.

[8] Código Civil brasileiro:

“Art. 444. A responsabilidade do alienante subsiste ainda que a coisa pereça em poder do alienatário, se perecer por vício oculto, já existente ao tempo da tradição.

Art. 445. O adquirente decai do direito de obter a redibição ou abatimento no preço no prazo de trinta dias se a coisa for móvel, e de um ano se for imóvel, contado da entrega efetiva; se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação, reduzido à metade.

§ 1º Quando o vício, por sua natureza, só puder ser conhecido mais tarde, o prazo contar-se-á do momento em que dele tiver ciência, até o prazo máximo de cento e oitenta dias, em se tratando de bens móveis; e de um ano, para os imóveis.

§ 2º Tratando-se de venda de animais, os prazos de garantia por vícios ocultos serão os estabelecidos em lei especial, ou, na falta desta, pelos usos locais, aplicando-se o disposto no parágrafo antecedente se não houver regras disciplinando a matéria.

Art. 446. Não correrão os prazos do artigo antecedente na constância de cláusula de garantia; mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência”.

[9]  Código Civil Português:

“Artigo 914.º

(Reparação ou substituição da coisa)

O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece”.

[10] Sobre o tema, importante a observação de       SILVA, João Calvão da. op. cit., 2004, p. 57: “Equivale a dizer, noutra formulação, que o direito à reparação ou substituição da coisa repousa sobre a culpa presumida do vendedor, cabendo a este ilidir tal presunção mediante prova em contrário (art.350°, n°2), isto é, a prova da sua ignorância, sem culpa, do vício ou da falta de qualidade da coisa, como facto impeditivo do direito invocado pelo comprador.

A circunstância de o direito à reparação ou substituição da coisa não existir, provado o desconhecimento sem culpa do defeito pelo vendedor, não significa que não possa haver lugar ao direito de anulação do contrato ou ao direito de redução do preço por parte do comprador, se verificados os requisitos ou pressupostos do seu exercício, entre os quais não se inclui a culpa do alienante”.

[11] Código Civil Português:

“Artigo 915.º

(Indemnização em caso de simples erro)

A indemnização prevista no artigo 909.º também não é devida, se o vendedor se encontrava nas condições a que se refere a parte final do artigo anterior”.

[12] Código Civil Português:

“Artigo 921.º

(Garantia de bom funcionamento)

1. Se o vendedor estiver obrigado, por convenção das partes ou por força dos usos, a garantir o bom funcionamento da coisa vendida, cabe-lhe repará-la, ou substituí-la quando a substituição for necessária e a coisa tiver natureza fungível, independentemente de culpa sua ou de erro do comprador.

2. No silêncio do contrato, o prazo da garantia expira seis meses após a entrega da coisa, se os usos não estabelecerem prazo maior.

3. O defeito de funcionamento deve ser denunciado ao vendedor dentro do prazo da garantia e, salvo estipulação em contrário, até trinta dias depois de conhecido.

4. A acção caduca logo que finde o tempo para a denúncia sem o comprador a ter feito, ou passados seis meses sobre a data em que a denúncia foi efectuada”.

[13] SILVA, João Calvão da. op. cit., 2004, p. 60.

[14] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p.13. Sanseverino assevera ainda que .incrementou o processo de integração entre os países europeus. Os juristas desses países, nas décadas de sessenta e setenta, ao observarem a livre circulação de pessoas e bens ensejada pelo Mercado Comum Europeu, constataram que se estavam tornando comuns acidentes de consum provocados por defeitos de determinados produtos, particularmente automóveis, refrigerantes, produtos alimentícios, eletrodomésticos, etc.”

[15] Ibidem, p.14. No mesmo sentido está a lição de GÁSQUEZ SERRANO, Laura. La responsabilidad civil por productos defectuosos en el ámbito de la Unión Europea: derecho comunitario y de los estados miembros. In: Estudos de direito do consumidor. Coimbra: Centro de Direito do Consumo, 2004. n. 6, p. 253: “El aumento de los daños ocasionados por productos defectuosos ha puesto de manifiesto la exigencia y la necesidad de una reglamentación específica para este tipo de responsabilidad. En principio, ante la ausencia de textos legales concretos, se producía una extrapolación a esta materia de la normativa prevista para otros tipos de responsabilidad”.

[16] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 14-15.

[17] SILVA, João Calvão da. Responsabilidade civil do produtor. Coimbra: Almedina, 1990, p. 92.

[18] Ibidem, p. 92-93. O autor acrescenta, ainda, os seguintes dados: “A este alheamento do distribuidor, perante produtos cujos processos de concepção e fabrico não conhece, acresce a impessoalização da relação revendor-consumidor, com a publicidade e a marca dos produtos a porem em ‘contacto directo’ o produtor e o consumidor que, ao dirigir-se ao revendedor, já sabe o produto que quer, dispensando perfeitamente os seus conselhos e sugestões”.

[19] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de direito comercial: Direito de empresa: empresa e estabelecimento; títulos de crédito. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2008, v. 1, p. 261. O autor assim conceitua o princípio da relatividade dos contratos: “De acordo com esse postulado de direito obrigacional, os efeitos jurídicos da manifestação de vontade somente se podem circunscrever aos participantes da relação contratual. Terceiros estranhos ao contrato não podem ser atingidos pelos seus efeitos, na medida em que não manifestaram qualquer vontade nesse sentido (res inter alios acta, aliis neque nocet neque podest)”.

[20] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 15-16. No mesmo sentido, consultar COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit., 2008, p. 261-262; e SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 294-296, em que o autor assim qualifica a sentença: “Com esta ‘epic decision’, o juiz Cardoso deixou o seu nome inscrito para sempre no direito da products liability a prescindir da ‘privity in contract’ numa acção do consumidor final contra o fabricante de qualquer produto perigoso, por si definido como toda a coisa de tal natureza ‘que é razoavelmente certo colocar a vida e a integridade fisica em perigo quando fabricada negligentemente’.”

[21] SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 93-94. No mesmo sentido estão Alex Weill e François Terré apud PEREIRA, Caio Mário da Silva. Responsabilidade Civil. 9 ed.     Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 22: "A multiplicação dos acidentes, materiais ou corporais, gerados pelo desenvolvimento prodigioso dos maquinismos fixou a sua marca", acrescentando que "a experiência demonstrou rapidamente que a distinção dos danos causados pela culpa (reparados por seus autores) dos danos devidos ao golpes da sorte (assumidos pelas vítimas) convinha mal a estas novas situações"

[22] SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 94.

[23] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de direito comercial: direito de empresa. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 12. Continua o autor: “Como o empresário é um profissional, as informações sobre os bens ou serviços que oferece ao mercado – especialmente as que dizem respeito às suas condições de uso, qualidade, insumos empregados, defeitos de fabricação, riscos potenciais à saúde ou vida dos consumidores – costumam ser de seu inteiro conhecimento. Porque profissional, o empresário tem o dever de conhecer estes e outros aspectos dos bens ou serviços por ele fornecidos, bem como o de informar amplamente os consumidores e usuários.

[24] NUNES, Luiz Antonio Rizzatto. Comentários ao código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 106.

[25] Apud NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 16. No mesmo sentido está a professora Judith Martins Costa Apud POHLMANN, Eduardo Augusto. Uma análise dos reflexos da vulnerabilidade sobre a responsabilidade do consumidor. In: Revista Jus Navigandi. Teresina: ano 13, n. 1794, 30 maio 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11321>. Acesso em: 31 jan. 2011. A autora afirma: “Nem todo o consumidor é hipossuficiente. O preenchimento valorativo da hipossuficiência – a qual se pode medir por graus – se há de fazer, nos casos concretos, pelo juiz, com base nas "regras ordinárias de experiência" e em seu suporte fático encontra-se, comumente, elemento de natureza socioeconômica. (...) a sua conseqüência jurídica imediata é a da inversão do onus probandi, no processo civil, para a facilitação da defesa de seus direitos. [...] Todo o consumidor, seja considerado hipossuficiente ou não é, ao contrário, vulnerável no mercado de consumo. Aqui não há valoração do "grau" de vulnerabilidade individual porque a lei presume que, neste mercado, qualquer consumidor, seja ele hiper ou hipossuficiente do ponto de vista socioeconômico, é vulnerável tecnicamente: no seu suporte fático está o desequilíbrio técnico entre o consumidor e o fabricante no que diz com a informação veiculada sobre o produto ou serviço”.

[26] PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 22. Caio Mário assevera que “Saleilles desenvolve a sua tese, argumentando: o art. 1.382 do Código Civil significa que ‘o que obriga à reparação é o fato do homem, constitutivo do dano’. [...] Saleilles chega a uma conclusão diametralmente oposta à doutrina legal perfilhada pelos autores do Código; argumentando com preceitos que originariamente teriam em vista a responsabilidade fundada na culpa, desenvolve uma teoria em face da qual o dever de ressarcimento independe da culpa. O âmago de sua profissão de fé objetivista desponta quando diz que ‘a teoria objetiva é uma teoria social que considera o homem como fazendo parte de uma coletividade e que o trata como uma atividade em confronto com as individualidades que o cercam’”.

[27] Conforme SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 46.

[28] PEREIRA, Caio Mário da Silva. op. cit., p. 23. Caio Mário explica que, segundo Josserand, a responsabilidade objetiva “encontra razão na ‘multiplicidade dos acidentes, no caráter cada vez mais perigoso da vida contemporânea’. Desprovido de segurança material, o indivíduo aspira, de mais a mais, à segurança jurídica. Nesse contexto, a vítima de um acidente, como de um dano qualquer, precisava, além de estabelecer que o sofrera, comprovar que seu adversário cometera um delito. [...] Aderindo à concepção de Saleilles, acrescenta que naquela ‘visão profética encontrou numerosas soluções parciais de ordem legislativa’. Conclui, dizendo que a responsabilidade revestiu-se de enorme amplitude; que o legislador, a jurisprudência e a doutrina procuraram vir em socorro das vítimas; que a responsabilidade tende a objetivar-se, opondo o risco à culpa, e a afastá-la da sua dianteira; que a evolução da responsabilidade foi sobretudo obra da jurisprudência, a qual, na França, na Bélgica e em outros países ‘tem sabido tirar partido maravilhoso dos textos’”.

[29] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 1. O autor cita Louis Josserand, para quem: “a história da responsabilidade é a história e o triunfo da jurisprudência, e também, de alguma forma, da doutrina; é, mais geralmente, o triunfo do espírito do senso jurídico. Viu-se ‘o direito evoluir sob uma legislação imóvel’ e o juiz foi a alma do progresso científico, o artífice laborioso do direito novo contra as fórmulas velhas do deireito tradicional”.

[30] Conforme SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 17-18; e SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 440-441. Calvão da Silva explica os termos do julgamento: “Um fabricante é objectivamente responsável (strictly liable) quando um produto que coloca no mercado, com conhecimento de que vai ser utilizado sem inspecção de defeitos, se revela com vício que causa dano ao ser humano. [...] o abandono da exigência de um contrato entre si, o reconhecimento de que a responsabilidade não é assumida por acordo mas imposta por direito (...) e a recusa de permitir ao fabricante definir o escopo de sua própria responsabilidade por produtos defeituosos (...) torna claro que a responsabilidade não é disciplinada pelo direito das garantias contratuais mas pelo direito da strict liability in tort. (...) Os remédios dos consumidores lesados não devem depender das complicações do direito da venda (intricacies of the law of sales).”

[31] Conforme SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. op. cit., p. 21-22.

[32] Diretiva n° 1985/374/CEE:

“Artigo 1°

O produtor é responsável pelo dano causado por um defeito do seu produto.

[...]

Artigo 4°

Cabe ao lesado a prova do dano, do defeito e do nexo causal entre o defeito e o dano.

[...]

Artigo 7°

O produtor não é responsável nos termos da presente directiva se provar:

a) Que não colocou o produto em circulação;

b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode considerar que o defeito que causou o dano não existia no momento em que o produto foi por ele colocado em circulação ou que este defeito surgiu posteriormente;

c) Que o produto não foi fabricado para venda ou para qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico por parte do produtor, nem fabricado ou distribuído no âmbito da sua actividade profissional;

d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;

e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos no momento da colocação em circulação do produto pelo produtor não permitiu detectar a existência do defeito;

f) No caso do produtor de uma parte componente, que o defeito é imputável à concepção do produto no qual foi incorporada a parte componente ou às instruções dadas pelo fabricante do produto”.

[33] Decreto-Lei nº 383/1989:

“Artigo 1°

Responsabilidade objectiva do produtor

O produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação.

[...]

Artigo 5º

Exclusão de responsabilidade

O produtor não é responsável se provar:

a) Que não pôs o produto em circulação;

b) Que, tendo em conta as circunstâncias, se pode razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação;

c) Que não fabricou o produto para venda ou qualquer outra forma de distribuição com um objectivo económico, nem o produziu ou distribuiu no âmbito da sua actividade profissional;

d) Que o defeito é devido à conformidade do produto com normas imperativas estabelecidas pelas autoridades públicas;

e) Que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, no momento em que pôs o produto em circulação, não permitia detectar a existência do defeito;

f) Que, no caso de parte componente, o defeito é imputável à concepção do produto em que foi incorporada ou às instruções dadas pelo fabricante do mesmo”.

[34] Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 12 - O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.

§ 1º - O produto é defeituoso quando não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, levando-se em consideração as circunstâncias relevantes, entre as quais:

I - sua apresentação;

II - o uso e os riscos que razoavelmente dele se esperam;

III - a época em que foi colocado em circulação.

§ 2º - O produto não é considerado defeituoso pelo fato de outro de melhor qualidade ter sido colocado no mercado.

§ 3º - O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar:

I - que não colocou o produto no mercado;

II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste;

III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.

Art. 13 - O comerciante é igualmente responsável, nos termos do artigo anterior, quando:

I - o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados;

II - o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador;

III - não conservar adequadamente os produtos perecíveis.

Parágrafo único - Aquele que efetivar o pagamento ao prejudicado poderá exercer o direito de regresso contra os demais responsáveis, segundo sua participação na causação do evento danoso.

[...]

Art. 18 - Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com as indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

§ 1º - Não sendo o vício sanado no prazo máximo de trinta dias, pode o consumidor exigir, alternativamente e à sua escolha:

I - a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso;

II - a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos;

III - o abatimento proporcional do preço.

§ 2º - Poderão as partes convencionar a redução ou ampliação do prazo previsto no parágrafo

anterior, não podendo ser inferior a sete nem superior a cento e oitenta dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

§ 3º - O consumidor poderá fazer uso imediato das alternativas do § 1º deste artigo sempre que, em razão da extensão do vício, a substituição das partes viciadas puder comprometer a qualidade ou características do produto, diminuir-lhe o valor ou se tratar de produto essencial.

§ 4º - Tendo o consumidor optado pela alternativa do inciso I do § 1º deste artigo, e não sendo possível a substituição do bem, poderá haver substituição por outro de espécie, marca ou modelo diversos, mediante complementação ou restituição de eventual diferença de preço, sem prejuízo do disposto nos incisos II e III do § 1º deste artigo.

§ 5º - No caso de fornecimento de produtos in natura, será responsável perante o consumidor o fornecedor imediato, exceto quando identificado claramente seu produtor.

§ 6º - São impróprios ao uso e consumo:

I - os produtos cujos prazos de validade estejam vencidos;

II - os produtos deteriorados, alterados, adulterados, avariados, falsificados, corrompidos, fraudados, nocivos à vida ou à saúde, perigosos ou, ainda, aqueles em desacordo com as normas regulamentares de fabricação, distribuição ou apresentação;

III - os produtos que, por qualquer motivo, se revelem inadequados ao fim a que se destinam”.

[35] Conforme OLIVEIRA, Fernando Baptista de. O conceito de consumidor: perspectivas nacional e comunitária. Coimbra: Almedina, 2009, p. 28. O autor considera como sinônimo de consumo privado o consumo das famílias.

[36] CHAMONE, Marcelo Azevedo. A relação jurídica de consumo: conceito e interpretação. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1456, 27 jun. 2007. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/10069>. Acesso em: 30 jan. 2011.

[37] Diretiva n° 1985/374/CEE:

“Artigo 3°

1. O termo «produtor» designa o fabricante de um produto acabado, o produtor de uma matéria-prima ou o fabricante de uma parte componente, e qualquer pessoa que se apresente como produtor pela aposição sobre o produto do seu nome, marca ou qualquer outro sinal distintivo.

2. Sem prejuízo da responsabilidade do produtor, qualquer pessoa que importe um produto na Comunidade tendo em vista uma venda, locação, locação financeira ou qualquer outra forma de distribuição no âmbito da sua actividade comercial, será considerada como produtor do mesmo, na acepção da presente directiva, e responsável nos mesmos termos que o produtor.

3. Quando não puder ser identificado o produtor do produto, cada fornecedor será considerado como produto, salvo se indicar ao lesado, num prazo razoável, a identidade do produtor ou daquele que lhe forneceu o produto. O mesmo se aplica no caso de um produto importado, se este produto não indicar o nome do importador referido no n° 2, mesmo se for indicado o nome do produtor”.

O Decreto-Lei nº 383/1989, que transpôs a diretiva para a ordem interna portuguesa praticamente reproduziu tais artigos:

“Artigo 2º

Produtor

1 - Produtor é o fabricante do produto acabado, de uma parte componente ou de matéria-prima, e ainda quem se apresente como tal pela aposição no produto do seu nome, marca ou outro sinal distintivo.

2 - Considera-se também produtor:

a) Aquele que, na Comunidade Económica Europeia e no exercício da sua actividade comercial, importe do exterior da mesma produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição;

b) Qualquer fornecedor de produto cujo produtor comunitário ou importador não esteja identificado, salvo se, notificado por escrito, comunicar ao lesado no prazo de três meses, igualmente por escrito, a identidade de um ou outro, ou a de algum fornecedor precedente”.

[38] Diretiva n° 1999/44/CE:

“Artigo 1º

Âmbito de aplicação e definições

[...]

2. Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

[...]

c) Vendedor: qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional;

d) Produtor: o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto;”

O Decreto-Lei nº 67/2003, que transpôs a diretiva para o ordenamento português, acrescentou, ainda, o conceito de representante do vendedor:

“Artigo 1º-B

Definições

Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

[...]

c) «Vendedor», qualquer pessoa singular ou colectiva que, ao abrigo de um contrato, vende bens de consumo no âmbito da sua actividade profissional;

d) «Produtor», o fabricante de um bem de consumo, o importador do bem de consumo no território da Comunidade Europeia ou qualquer outra pessoa que se apresente como produtor através da indicação do seu nome, marca ou outro sinal identificador no produto;

e) «Representante do produtor», qualquer pessoa singular ou colectiva que actue na qualidade de distribuidor comercial do produtor e ou centro autorizado de serviço pós-venda, à excepção dos vendedores independentes que actuem apenas na qualidade de retalhistas;”

[39] SILVA, João Calvão da. op. cit., 1990, p. 545-569.

[40] GÁSQUEZ SERRANO, Laura. op. cit., p. 262-263 cita D. Jiménez Liébana, que se refere ao produtor aparente: “Esta figura es la conocida en la doctrina con el nombre de ‘fabricante aparente’. Esta apariencia de fabricación es lo que justifica su equiparación, a efectos de responsabilidad, al productor, tratándose además de una responsabilidad de carácter principal”.

[41]             Lei nº 24/1996:

"Artigo 2º

Definição e âmbito

[...]

2 - Consideram-se incluídos no âmbito da presente lei os bens, serviços e direitos fornecidos, prestados e transmitidos pelos organismos da Administração Pública, por pessoas colectivas públicas, por empresas de capitais públicos ou detidos maioritariamente pelo Estado, pelas Regiões Autónomas ou pelas autarquias locais e por empresas concessionárias de serviços públicos”.

[42] Diretiva n° 1999/44/CE:

“Artigo 1º

Âmbito de aplicação e definições

[...]

2. Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

a) Consumidor: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional;”

A Diretiva n° 2008/48/CEE praticamente manteve a mesma orientação:

“Artigo 3º

Definições

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

a) «Consumidor»: a pessoa singular que, nas transacções abrangidas pela presente directiva, actua com fins alheios às suas actividades comerciais ou profissionais;”

[43] Proposta de Diretiva n° 2008/0196 (COD):

“Artigo 2.º

Definições

Para efeitos da presente directiva, entende-se por:

(1) «Consumidor»: qualquer pessoa singular que, nos contratos abrangidos pela presente directiva, actue com fins que não pertençam ao âmbito da sua actividade comercial, industrial, artesanal ou profissional;”

[44]  Legge 30 luglio 1998, n. 281:

“Art. 2.

Definizioni

1. Ai fini della presente legge si intendono per:

a) "consumatori e utenti": le persone fisiche che acquistino o utilizzino beni o servizi per scopi non riferibili all'attivita' imprenditoriale e professionale eventualmente svolta”;

[45]  Ley 26/1984:

“2. A los efectos de esta Ley, son consumidores o usuarios las personas físicas o jurídicas que adquieren, utilizan o disfrutan como destinatarios finales, bienes muebles o inmuebles, productos, servicios, actividades o funciones, cualquiera que sea la naturaleza pública o privada, individual o colectiva de quienes los producen, facilitan, suministran o expiden.

3. No tendrán la consideración de consumidores o usuarios quienes sin constituirse en destinatarios finales, adquieran, almacenen, utilicen o consuman bienes o servicios, con el fin de integrarlos en procesos de producción, transformación, comercialización o prestación a terceros”.

[46]  Real Decreto Legislativo 1/2007:

“Artículo 3. Concepto general de consumidor y de usuario.

A efectos de esta norma y sin perjuicio de lo dispuesto expresamente en sus libros tercero y cuarto, son consumidores o usuarios las personas físicas o jurídicas que actúan en un ámbito ajeno a una actividad empresarial o profesional”.

[47] Lei nº 24/1996:

“Artigo 2º

Definição e âmbito

1 - Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios”.

[48] Decreto-Lei nº 67/2003:

“Artigo 1º-B

Definições

Para efeitos de aplicação do disposto no presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Consumidor», aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios, nos termos do nº 1 do artigo 2º da Lei nº 24/96, de 31 de Julho;

[49] Decreto-Lei nº 133/2009:

“Artigo 4.º

Definições

1 — Para efeitos da aplicação do presente decreto-lei, entende-se por:

a) «Consumidor» a pessoa singular que, nos negócios jurídicos abrangidos pelo presente decreto-lei, actua com objectivos alheios à sua actividade comercial ou profissional;”

[50] Nesse sentido está o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa:

[...] 2. Através destes textos de Direito Europeu, visou-se conceder protecção específica às pessoas singulares com o intuito de suprimir fenómenos de distorção da concorrência no espaço comum constatados no momento da realização de actos privados de consumo suportados por financiamento; 3. Ao eleger tais pessoas e deixar de fora as colectivas, aquele legislador mais não fez do que respeitar fielmente o sinal expressamente verbalizado que lhe foi transmitido a nível comunitário; [...] (Acórdão: 2    982/06.0TVLSB.L1-8, de 04/04/2010, Relator: Carlos Marinho)

[51] O Código de Defesa do Consumidor protege, ainda, a coletividade de consumidores, ao estabelecer no artigo 2°:

“Parágrafo único - Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

O código prevê, ainda, um terceiro conceito de consumidor, conhecido na doutrina por bystander, que pode ser entendido como todo aquele que, mesmo não fazendo parte da relação de consumo e vier a sofrer danos causados por vícios de qualidade dos produtos ou serviços equipara-se ao consumidor:

“Art. 17. Para efeitos desta seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento”

[52] NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit., p. 23. O autor explica a origem da controvérsia: “A doutrina considera tormentosa uma classificação jurídica de consumidor. Vários são os problemas enfrentados pelos hermeneutas do direito para tentar definir essa nova figura jurídica.

A maior dificuldade que se verifica é o fato de o termo ‘consumidor’ ser um conceito econômico. Transpondo-se esse conceito para o Direito, teremos uma definição de consumidor que poderá ser diversa daquela proposta pela ciência econômica.

O conceito econômico toma como base o consumo final e o consumo intermediário. O produtor é considerado consumidor, pois no processo de bens ele também utiliza produtos (insumos) fornecidos por outros. Essa amplitude não é aceita no Direito, que utiliza limites mais restritos”.

[53] OLIVEIRA, Fernando Baptista de. op. cit., p. 56.

[54] Apud     NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit., p. 24.

[55] GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código brasileiro de defesa do consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 6 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 26.

[56] Ibidem, p. 30.

[57] Nesse sentido, está BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. O consumidor destinatário final: as teorias finalista e maximalista. In: Revista Forense, Rio de janeiro: Forense, n. 401, jan./fev. 2009, p. 744-745. O autor cita Cláudia Lima Marques, para quem o: “destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que o retira do mercado e o utiliza, o consome, por exemplo, a fábrica de toalhas que compra algodão para transformar, a fábrica de celulose que compra carros para o transporte de visitantes, o advogado que compra uma máquina de escrever para o seu escritório, ou mesmo o Estado quando adquire canetas para o uso nas repartições e, é claro, a dona de casa que adquire produtos alimentícios para a família”. Mais à frente, filia-se à corrente maximalista: “Apesar de respeitáveis esses posicionamentos, temos que a teoria maximalista que preconiza a defesa do mercado de consumo, é a que mais se adequa ao CDC e pela qual nos posicionamos. Em face disso, para melhor compreendermos as possibilidades, a interpretação ao art. 2º deve ser extensiva, puramente objetiva. Destinatário final deve ser o destinatário fático, aquele que retira o produto do mercado, usa, consome ou o utiliza para sua necessidade pessoal ou de terceiros. E necessidade pessoal pode ser necessidade profissional. Não se pode incluir a atividade comercial, mas também não se pode confundi-la com atividade profissional”.

[58] Apud BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. op. cit., p. 744. No mesmo sentido está NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. op. cit., p. 28, que discordando do conceito de Filomeno (vide supra, nota 52), afirma: “No entanto, entendemos que a tutela jurídica do consumidor conjuga-se parcialmente com o conceito econômico, uma vez que o consumidor intermédio não está amparado pelo Código”.

[59] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça:

[...] Qualificação da pessoa jurídica como consumidora. Destinatária final do produto ou serviço. Possibilidade. Relação de consumo configurada. [...] (EDcl no Ag 770346/RS, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 17/12/2009)

Consumidor. Seguro empresarial contra roubo e furto contratado por pessoa jurídica. Microempresa que se enquadra no conceito de consumidor. [...] Incidência do art. 54, § 4º, do CDC. 1. O art. 2º do Código de Defesa do Consumidor abarca expressamente a possibilidade de as pessoas jurídicas figurarem como consumidores, sendo relevante saber se a pessoa, física ou jurídica, é "destinatária final" do produto ou serviço. Nesse passo, somente se desnatura a relação consumerista se o bem ou serviço passa a integrar uma cadeia produtiva do adquirente, ou seja, posto a revenda ou transformado por meio de beneficiamento ou montagem. 2. É consumidor a microempresa que celebra contrato de seguro com escopo de proteção do patrimônio próprio contra roubo e furto, ocupando, assim, posição jurídica de destinatária final do serviço oferecido pelo fornecedor. [...] (REsp 814.060/RJ, Rel. Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 06/04/2010)

Consumidor. Recurso especial. Pessoa jurídica. Seguro contra roubo e furto de patrimônio próprio. Aplicação do CDC. O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. Se a pessoa jurídica contrata o seguro visando a proteção contra roubo e furto do patrimônio próprio dela e não o dos clientes que se utilizam dos seus serviços, ela é considerada consumidora nos termos do art. 2.° do CDC. [...] (REsp 733560/RJ, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 11/04/2006)

[60] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça:

[...] Ação anulatória de débito. Fornecimento de energia elétrica. Inversão do ônus da prova. Inexistência de relação de consumo. Código de Defesa do Consumidor. Inaplicabilidade. [...] 2. O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. Desse modo, não sendo a empresa destinatária final dos bens adquiridos ou serviços prestados, não está caracterizada a relação de consumo. [...] (AgRg no REsp 916939/MG, Rel. Ministra Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 04/11/2008)

[61] PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto:

[...] Ainda assim, tenha-se em conta que o conceito de consumidor recobrou uma significativa alteração perante o que dispunha a Lei 29/81: considerava consumidor todo aquele a quem fossem fornecidos bens ou serviços destinados ao uso privado (Art. 2, Lei 29/81, de 22.08). Nos termos da LDC, basta que seja um uso não profissional (Almeida, 2001, 10/1). [...] 3. A contraparte do consumidor é, nos termos do art. 2/1 LDC, para onde também remete o DL 67/2003 (Art. 1/1 D.L 67/2003), quem quer que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção dos réditos de mercado. Poderá ser tanto uma pessoa singular como uma pessoa colectiva numa ampla acepção de agente ou actor jurídico. Na verdade, embora a revogada Lei 29/81 especificasse, como hoje não acontece, que a contraparte do consumidor poderia ser uma pessoa singular ou colectiva, a noção de fornecedor da LDC actual ainda deve ser tida no mesmo sentido: o âmbito de protecção conferido aos consumidores tem naturalmente em conta que grande parte das transacções de mercadorias é realizada, hoje em dia, pelas empresas. [...] (Acórdão 0456404, de 07/03/2005, Relator: Santos Carvalho)

[62] PORTUGAL. Tribunal da Relação de Lisboa:

[...] No caso em apreciação, não obstante o comprador seja uma pessoa colectiva, não se pode por esse facto excluir-se da qualificação de consumidor, uma vez que: “Considera-se consumidor todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios” ( art.º 2.º n.º 1 da Lei n.º 24/96 de 31 de Julho - Lei do Consumidor). Não está provado que a viatura, embora tenha sido vendida a uma sociedade, o tenha sido para ela a utilizar na sua actividade. Bem poderia ter sido adquirida para utilização privada de algum dos sócios ou até dos familiares, pois como se sabe nem todas as viaturas das sociedades comerciais, são adquiridas para o serviço da actividade por elas desenvolvida. De resto, embora se entenda que o preceituado no art.º 12 do Dec.-Lei nº 359/91 de 21 de Setembro, não é aplicável directamente à situação dos autos, por as pessoas colectivas não estarem abrangidas no conceito de consumidor, definido na al. b) do n.º1 do seu art.º 2.º, mas não se conhecendo disposição que regule esta matéria em relação aos consumidores que não sejam pessoas singulares, mas que utilizem os meios de crédito ao consumo, deve fazer-se o enquadramento jurídico com recurso à lei que preveja a situação para os casos análogos (art.º 10.º n.º1 do Código Civil), que no caso seria o referido diploma legal. [...] (Acórdão: 4735/2004-6, de 17/06/2004, Relator: Gil Roque)

[63] PORTUGAL. Tribunal da Relação de Coimbra:

[...] A Constituição incumbe o legislador de tutelar especificamente os consumidores e para o efeito o legislador dimanou vários diplomas. Mas sucede que, segundo nos parece, a Constituição não define o conceito de consumidor, deixando ao legislador ordinário a liberdade de conformação do conteúdo, usual em casos semelhantes. Pelas razões acima descritas, afigura-se-nos legítimo, justificado e adequado que o legislador tenha imprimido, no âmbito do DL nº 32/03 cuja aplicação aqui está em causa, ao conceito de consumidor um sentido estrito, de modo a excluir desse conceito (além das empresas) as entidades públicas, sejam estas pessoas colectivas ou não, enquanto lhes sejam imputáveis atrasos de pagamento em prejuízo das empresas credoras, no âmbito das “transacções comerciais” para o efeito ali definidas (contratos de fornecimento de mercadorias ou de prestação de serviços mediante remuneração, seja qual for a natureza, forma ou designação desses contratos, mas com restrição às espécies de sujeitos outorgantes, referidas no art. 3º al. a), e com as exclusões do nº2 do art. 2º. [...] (Acórdão: 838/05.2TBPCV.C1, de 19/12/2006, Relator: Virgílio Mateus)

[64] PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto:

I – O DL nº 67/03, de 08.04, rege quanto à venda de bens de consumo a consumidor “stricto sensu”, como tal se considerando qualquer pessoa singular que actue com objectivos não respeitantes à sua actividade comercial ou profissional. II – O facto de o vendedor assumir a garantia de um resultado tem importância no domínio do “onus probandi”: ao comprador basta fazer a prova do mau funcionamento da coisa no período de duração da garantia, sem necessidade de identificar ou individualizar a causa concreta impeditiva do resultado prometido e assegurado, nem de provar a sua existência no momento da entrega; ao vendedor que queira ilibar-se da responsabilidade é que cabe a prova de que a causa concreta do mau funcionamento é posterior à entrega da coisa – assim ilidindo a presunção da anterioridade ou contemporaneidade do defeito (em relação à entrega) que caracteriza a garantia convencional de bom estado e funcionamento – e imputável ao comprador (v. g. má utilização), a terceiro ou devida a caso fortuito. III – A garantia de bom funcionamento não exclui os direitos relacionados com a falta de outras qualidades ou a existência de outros vícios que impeçam a realização do fim a que a coisa se destina, devendo, neste caso, o comprador optar por requerer a anulação do contrato, pedir a reparação ou substituição da coisa comprada. IV – Também no âmbito da responsabilidade contratual há lugar a indemnização por danos de natureza não patrimonial. [...]Ora, exercendo o A. a actividade profissional de perito averiguador de sinistros automóveis, que á a sua única fonte de rendimento, para a qual é essencial e indispensável o uso de veículo próprio, não beneficia ele do conceito de consumidor previsto na citada Lei nº 24/96, pelo que é inaplicável à situação dos autos o regime jurídico do DL 67/2003, que entrou em vigor no dia imediato ao da sua publicação. [...] (Acórdão: 0737254, de 28/02/2008, Relator: Amaral Ferreira)

[65] PORTUGAL. Tribunal da Relação do Porto:

[...] III - O conceito de “consumidor”, maxime para efeitos do disposto na al. a) do nº 2 do referido Dec.-Lei nº 32/2003, de 17.02 (“contratos celebrados com consumidores”), deve ser visto à luz da noção que a actual Lei de Defesa do Consumidor (Lei nº 24/96, de 31.07) nos fornece, (artº 2º). IV - Tal noção, porém, não só sofre de algumas imprecisões e insuficiências, como não pode deixar de ser complementada, nomeadamente, com elementos de cariz sociológico. V - Efectivamente, situações há em que se justifica a extensão da noção de consumidor ao profissional.

[66] BAZILONI, Nilton Luiz de Freitas. op. cit., p. 745.

[67] ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito civil e o direito do consumidor. In: Estudos de direito do consumidor. Coimbra: Centro de Direito do Consumo, 2006/2007, n. 8, p. 42-43. O autor assim se posiciona: “Particularmente agora, que a responsabilidade pelo produto ou serviço aparece configurada como responsabilidade objectiva, perde sentido distinguir consoante o destinatário possa ser considerado ou não tecnicamente um consumidor. Assim os danos provocados por um equipamento defeituoso num estabelecimento comercial parece deverem ser indemnizados em igualdade de condições com os danos sofridos por consumidor em sentido técnico

Por isso, qualquer que seja o sentido da lei actual, cabe afirmar que esta matéria tem vocação para se generalizar, ou pelo menos para ultrapassar o círculo estreito do consumidor

Em conclusão: em numerosos institutos, ainda que nascidos e desenvolvidos à sombra da protecção do consumidor, observa-se uma tendência para ultrapassar essa fronteira, por se verificar que se justificam universalmente, ou pelo menos para um círculo mais amplo, e não apenas em benefício do consumidor”.


Autor


Informações sobre o texto

Artigo apresentado ao Seminário Especializado de Não Cumprimento do Contrato, do Curso de Doutoramento em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, sob a orientação da Professora Doutora Maria Olinda da Silva Nunes Garcia.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO JÚNIOR, Armindo de. Responsabilidade civil por produtos defeituosos nas relações de consumo. Estudo comparativo dos sistemas português e brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4230, 30 jan. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/31893. Acesso em: 5 maio 2024.