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Súmula 588 do STF x ISS das instituições financeiras

Súmula 588 do STF x ISS das instituições financeiras

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O termo Súmula advém do latin summula é resultado do julgamento tomado pelo voto da maioria dos membros que integram o Tribunal, como bem menciona Alcides de Mendonça Lima [1]. Já para Plácido e Silva "é o que explica o teor, ou o conteúdo integral de alguma coisa", sendo um resumo propriamente dito2. Enfim, pode-se dizer que a súmula é um extrato, um resumo, um compêndio das reiteradas decisões exaradas pelos tribunais superiores versando sobre uma determinada matéria.

Originou-se a Súmula no direito brasileiro em 1963, sendo uma iniciativa do Ministro do Supremo Tribunal Federal Victor Nunes Leal, tendo em vista o grande volume de processos a serem julgados naquele ano, como bem apontou Marco Antônio Botto Muscari em sua obra Súmula Vinculante. Mais tarde competiu ao legislador originário do Código de Processo Civil de 1973 permitir que os Tribunais emitissem súmulas da jurisprudência dominante, permanecendo isso até os dias atuais.

Inegavelmente, a instituição das Súmulas pelo ordenamento jurídico pátrio representa um elemento democratizador do acesso à Justiça. Em ações de natureza previdenciárias, por exemplo, matérias que já foram, exaustivamente, decididas nas instâncias inferiores, podem ser resolvidas de maneira mais rápida na medida em toda a fase probatória do processo de conhecimento acaba sendo encurtada.

Mas, não podemos nos esquecer que a Súmula, como manifestação máxima do pensamento reinante nos tribunais, ainda hoje, não pode ser considerada, como fonte primária do direito. Sobre o tema, Ada Pellegrini Grinover escreveu o seguinte: "o direito não se confunde com a lei, nem esta se reduz aquele. Em nosso direito, contudo, adota-se o princípio do primado da lei sobre as demais fonte."3

E se a Súmula não é lei, diante de um caso concreto, não está o magistrado adstrito a julgar a causa no mesmo sentido do adotado por este ou aquele Tribunal, pois, se assim o fizesse, estaria condicionando o seu ato de julgar e, por conseguinte, também seria violado o Princípio do Livre Convencimento. Contudo, se optar por divergir da posição majoritária da jurisprudência, deverá o juiz pautar sua decisão nos exatos termos do artigo 93, IX da Constituição Federal.

Feita esta introdução, que é de suma importância para a compreensão do que predispomos a discutir, verifica-se que as instituições financeiras vêm se escusando do pagamento de ISS incidente sobre as taxas, comissões e depósitos, posicionamento este alicerçado na Súmula 588 exarada pelo Supremo Tribunal Federal.

Para que haja a incidência do I.S.S. necessidade há que a atividade exercida pelo pretenso sujeito passivo da obrigação tributária esteja prevista nas normas matrizes deste tipo de tributo, quais sejam; o Decreto-Lei 406/68 e a Lei Complementar 056/87. Estas, continuam plenamente em vigência, tendo em vista que foram recepcionadas pela Constituição de 1988, devendo o intérprete buscar nelas os fundamentos seguros para o enquadramento.

Os serviços bancários vêm expressos na lista anexa ao Decreto-lei 406/68, alterada pela LC 56/87, sobretudo nos itens 95 e 96. Entretanto, não estão somente ali compreendidos. Há serviços esparsos que os bancos realizam, os quais não se encontram descritos nestes itens, sendo possível seus respectivos enquadramentos em outros tópicos da lista de serviços.

O fato gerador do ISS constitui-se na situação descrita em lei, cuja ocorrência é necessária e suficiente para o surgimento da obrigação tributária. Trata-se, acima de tudo, de um fato econômico, sendo valorado pelo legisladores como relevante, o qual irradia efeitos na órbita jurídica. Como menciona o mestre Bernardo Ribeiro de Moraes4, fato gerador é aquilo que deve ser considerado como uma significação exclusivamente fática, embora esse mesmo fato possa se revestir de negócio jurídico de direito privado.

Em se tratando de serviços bancários, diferentes são as nomenclaturas utilizadas pelas instituições financeiras em seus balanços contábeis. Quem de nós nunca não teve dúvida quanto a uma tarifa ou taxa lançada absolutamente de forma ininteligível lançada em nosso extrato bancário? O banco que não tenha pecado que atire a primeira pedra!!!

Em brilhante estudo sobre esta questão, o eminente tributarista Heron Arzua, em artigo entitulado "O ISS e os Bancos", publicado na Revista de Direito Tributário, ed. nº 035, manifesta-se da seguinte forma quanto às denominações utilizadas pelos bancos em seus registros contábeis :

"(...) o que não é possível é pretender que a lista anote, literalmente(grifo nosso) as atividades bancárias com nomes e expressões que, para efeitos contábeis, eles mesmo criam".

Equívoco seria imaginarmos que só pudesse haver a incidência da tributação municipal tão somente para os serviços cujos os nomes o próprio contribuinte registra contabilmente, todavia, a que se considerar que a redação Decreto-lei 406/68, possui quase 40 (quarenta) anos e como dissemos anteriormente,, o que efetivamente importa para a ocorrência do Fato Gerador é a natureza da função realizada instituição financeira.

Na época de elaboração da norma balisadora do ISS coisas hoje corriqueiras, como transações de valores via celular, internet, auto-atendimento, transferências eletrônicas, etc., estavam bem distantes de se tornar realidade. Atualmente os bancos não realizam apenas atividades relacionadas com o simples depositar e sacar dinheiro. Estas empresas constituem-se em grandes conglomerados financeiros que atuam em vários setores da sociedade, sendo que a maioria de suas funções relacionam-se, inegavelmente, com as áreas de prestação de serviços.

Para que o Poder Público Municipal exerça o seu poder/dever de lançar o ISS sobre as atividades aludidas, bastaria que o legislador, como de fato o fez, constasse na lei os gêneros das atividades passíveis à incidência deste tipo de tributo, competindo, ao aplicador da norma, diante de cada caso concreto, extrair as espécies de serviços sujeitos imposição do imposto.

Neste contexto, nos parece que a Súmula 588 encontra-se descompassada com a realidade, tendo em vista que a época de sua edição remonta a década de 70 (setenta). Apesar disso, ela hoje ainda permanece servindo de verdadeiro escudo as pretensões das prefeitura em aplicar mais concretamente o Principio Constitucional da Capacidade Contributiva, pois, quem pode mais, deve necessariamente pagar mais.

De forma árdua e efetiva têm algumas Procuradorias Municipais obtido êxito na manutenção da cobrança do ISS face aos serviços de taxas, comissões, e depósitos, porém, este posicionamento ainda não representa a jurisprudência dominante do nosso país.

Os serviços descritos no parágrafo anterior, para uma boa exegese do Decreto-lei 406/68, alterado pela LC 56/87, devem ser considerados autonomamente. Para eles, cada cliente remunera a instituição financeira; em contrapartida o banco acaba registrando contabilmente essas operações nas subcontas de serviços, e ao contrario do que alguns defendem, tais contas não são objeto do Imposto Sobre Operações Financeiras.

Por exemplo, quando os bancos realizam as atividades de desconto de títulos, recebimento de carnês, ou boletos, etc., o cliente o remunera, pagando um valor que o próprio banco denomina como Comissão. Tal valor é contabilmente identificável no balanço da instituição financeira sob a rubrica de Rendas de Juros e Comissões. Sobre os primeiros, haverá incidência do IOF, todavia, para as segundas deverá haver a incidência do ISS, pelo fato do banco substituir o titular do crédito na cobrança na cobrança de sua dívida, sendo inegável a natureza desta operação como prestação de serviços, estando prevista expressamente no item 95 do Decreto-lei 406/68 alterado pela Lei Complementar 56/87.

No contexto apresentado estão presentes todos os requisitos para o exercício da tributação; tem-se o Fato Gerador, ou seja a situação descrita em lei apta a criar a obrigação tributária (O serviço de cobrança em nome do particular). Tem-se também a base de cálculo do serviço, representada no preço do serviço, ou seja a Comissão paga pelo cliente, e sobre esta aplicar-se-á a alíquota correspondente, nos termos da EC/3702.

Mesmo raciocínio pode ser estendido às taxas de descontos.

É possível, ao se analisar o balanço das instituições financeiras, mais especificamente o plano de contas descritivo contábil, individuar claramente os serviços realizados a título de taxas, tarifas, comissões, etc., havendo expressa previsão deles no Decreto-lei 406/68 e sua posterior alteração, e, dependendo da natureza fática do que efetivamente for feito, poderá o Fisco Municipal enquadrá-los nos itens 21, 22, 23, 24, 25, 27, 28, 42, 43, 44, 45, 47, 49, 50, 55, 58, 60, 75, e 78 da lista de serviços, competindo às fiscalizações municipais o dever analisar cada conta de registro de movimentação do banco, e, em cada caso concreto, enquadrar esta ou aquela atividade realizada como passível sujeição ao ISS.

Importa-se em frisar que ainda não existe dentro do ordenamento jurídico pátrio a chamada Súmula Vinculante, não havendo consenso na doutrina a respeito do tema, sendo que, é o que nos parece, o maior problema de sua apresentado versa sobre a desconstituição da Súmula, pelo fato das relações sociais serem dinâmicas e não estáticas.

Por esta razão, entendemos que o Poder Judiciário, diante de um o caso concreto, em havendo motivos para tal, deve afastar a incidência da Súmula 588 e pronunciar-se pela incidência do ISS face aos serviços de taxas, comissões e depósitos.

Os bancos hoje constiuem-se num dos setores de alta rentabilidade do país. Mais de 70% (setenta por cento) de suas receitas advém de taxas, tarifas, comissões, pacotes, funções, subfunções, extratos, conferências, etc... Estes serviços são autônomos, pois, sobre eles não há a incidência do Imposto Sobre Operações Financeiras, devendo incidir sobre eles o ISS.

Se os entes tributantes municipais não fizerem tais cobranças estarão violando o princípio da isonomia tributária, contido no artigo 150, II da Constituição Federal, na medida em que outros contribuintes que realizam as mesmas atividades dos bancos são tributados pelo ISS. Ademais, não tributar as instituições financeiras nestas atividades seria o mesmo que renunciar de forma tácita a receita tributária que teria direito o município o que é vedado pela artigo 14 da Lei Complementar 101/00.


Notas

1. Lima, Alcides de Mendonça. Dicionário do Código de Processo Civil Brasileiro, p. 538

2. Silva, e Plácido. Vocabulário Jurídico. p 297

3. Grinover, Ada Pellegrini; Cintra, Antônio Carlos de Araújo e Dinamarco, Cândido Rangel. Teoria Geral do Processo. p. 92

4. de Moraes, Bernardo Ribeiro. Doutrina e Prática do Imposto Sobre Serviços. P 95


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GABRIEL, Antônio Henrique. Súmula 588 do STF x ISS das instituições financeiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 59, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/3243. Acesso em: 29 mar. 2024.