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A efetividade da tutela executiva

um estudo comparativo acerca do instituto do cumprimento de sentenças

A efetividade da tutela executiva: um estudo comparativo acerca do instituto do cumprimento de sentenças

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Estuda-se a efetividade do procedimento de cumprimento de sentenças no marco do Estado Democrático de Direito, que foi objeto de alterações legislativas profundas e atuais.

1 direito COMPARADO

Dá-se início ao estudo, que visa a identificar técnicas variadas de busca da efetividade da tutela executiva nas legislações estrangeiras e adaptar algumas desses mecanismos ao ordenamento jurídico brasileiro, com a explicação da importância da comparação para a evolução do Direito, levando-se em consideração que a doutrina jurídica de um país é resultado de uma tendência evolutiva da sociedade.

A relevância dessa análise está no fato que os ordenamentos jurídicos vêm caminhando no sentido de promover sua abertura a diferentes influências para obterem experiências concretas, deixando de ser fechados em si mesmos (SILVA, p. 83-84, 2001). Leonardo Greco sintetiza essa importância com enfoque na efetividade dos institutos processuais ao asseverar que:

Os anseios de Justiça, de respeito à dignidade humana e de efetividade dos direitos irão certamente em busca de um novo modelo para o processo de execução, talvez menos atrelado à tradição, porém mais adequado à realidade das relações negociais de nossa época, que tendem a assemelhar-se em todos os países do mundo, independentemente dos respectivos sistemas jurídicos originários (1999 apud SILVA, 2001, p. 83).

Cândido Rangel Dinamarco entende ser fundamental o estudo do direito comparado, devendo dirigir-se “aos ordenamentos jurídicos em que as novas realidades de interesse atual já tenham sido vivenciadas e àqueles com cujos países o Brasil vai estreitando relações comerciais e com os quais é indispensável incrementar meios de cooperação jurisdicional” (1998 apud SILVA, 2001, p. 83).

Serão analisados os ordenamentos jurídicos, tanto de países de sistema civil law, como common law, a partir da repercussão sofrida no Direito brasileiro, sendo o sistema processual de Portugal, em razão da já mencionada influência histórica; da Espanha, pela sua preocupação com a tutela executiva; dos Estados Unidos da América, para dar enfoque à aplicação da cláusula do due process of law; e da Inglaterra, para identificar o sistema defensivo garantístico.

Dessa forma, por meio da experiência alienígena, almeja-se conhecer novos caminhos a serem perseguidos para adequar a tutela satisfativa às exigências da sociedade contemporânea, aprimorando o sistema processual brasileiro.

Antes de dar início ao estudo comparado, impede esclarecer alguns pontos acerca dos sistemas legais mais importantes hoje conhecidos: o civil law e o common law. A civil law provém da família romano-germânica e se caracteriza pelo fato de ser a lei a fonte principal de Direito, ou seja, há um domínio do legislador, de maneira que a jurisprudência está posicionada abaixo da lei, a qual deve respeitar. Por sua vez, o common law é aquele “nascido das sentenças judiciais dos tribunais”, ou seja, o Direito criado pelo juiz (judge-made law) (SILVA, 2001, p. 85).

O Direito criado pelo legislador, cuja origem vem de fora do Poder Judiciário (Statute Law), é o adotado no Brasil desde sua colonização por Portugal. Os ordenamentos jurídicos estudados pertencentes a esse sistema processual são os de Portugal e Espanha. Já do sistema judge-made law serão analisados os sistemas dos Estados Unidos e da Inglaterra. Passa-se ao estudo individualizado de cada um deles.

1.2 direito processual civil português

A tutela executiva no Brasil foi fortemente influenciada pelo Direito português, que por sua vez tem raízes do Direito romano. A origem comum torna bastante interessante observar os rumos diferentes que os dois ordenamentos seguiram.

Semelhante ao que se pretende realizar no Brasil por meio da aprovação do Projeto de Lei do Senado n.º 166/ 2010, que será analisado a seguir, o direito processual civil português passou por recente reforma através da Lei n.º 41/2013, publicada no Diário da República em 26 de junho de 2013, que aprovou o novo Código de Processo Civil, em substituição ao então vigente Código de Processo Civil de 1961. O novo diploma traz em seu bojo alterações substanciais na parte em trata da execução civil, como se verá a seguir. A exposição de motivos do projeto do novo Código bem sintetiza essas mudanças, como se pode observar da leitura de alguns trechos desse documento:

B. Processo executivo

[...]

3. Acesso aos tribunais, simplificação e celeridade da execução

Instituem-se os seguintes regimes:

– 3.1. Execução nos próprios autos, mediante simples requerimento, de decisão judicial condenatória, independentemente da pluralidade de fins da execução, com possibilidade de penhora de bens suficientes para cobrir a quantia resultante da eventual conversão das execuções, a indemnização pelo dano e a quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória; [...]

– 3.4. Criação da forma de processo executivo sumário baseado em decisão judicial ou arbitral, requerimento de injunção com aposição de fórmula executória e título extrajudicial de obrigação pecuniária, cujo valor não exceda o dobro da alçada da 1.ª instância, autorizando-se que, nestes casos, a penhora anteceda a citação do executado para deduzir oposição; [...]

– 3.9. Abolição da citação prévia do executado nas execuções para entrega de coisa certa, fundadas em decisão judicial (ou em requerimento de injunção, no novo regime da acção de despejo);

De sua leitura é possível deduzir que o novo código, dentre outras alterações na tentativa de reduzir a burocracia do processo, garantindo celeridade e efetividade ao processo de execução, vem introduzir a forma sumária de processo executivo de decisão judicial, que é mais simplificada. Este procedimento sumário somente é viável quando o valor pleiteado não excede o dobro da alçada da primeira instância[1], ou seja, valores até €10.000 (dez mil euros).

Semelhante ao que o Brasil apresenta atualmente, o ordenamento jurídico português apresenta empasse para o credor quando estabelece a necessidade de requerimento para a execução após o trânsito em julgado, como se detém da leitura do item B/3.1. No Brasil, essa realidade esta prestes a mudar, pois, com a aprovação do Projeto de Lei do Senado n.º 166/2010, não será mais necessário provocação da parte.

Por outro lado, lei portuguesa apresenta avanço quando já garante a satisfação do direito por meio da penhora de bens suficientes para tanto, mesmo nos casos de eventual conversão da obrigação em pecúnia de obrigação de dar coisa ou de fazer ou não fazer, bem como para a indenização pelo dano e para a sanção compulsória.

Nota-se igualmente no novo diploma uma preocupação do legislador com a salvaguarda dos interesses do exequente na previsão de medidas como, por exemplo, a entrega direta ao exequente das quantias obtidas com a penhora de rendimentos periódicos, descontadas as despesas com a execução, e a imposição da remoção dos veículos penhorados para depósito para a penhora (Exposição de Motivos, item B/4.1 e 4.3), o que no Brasil não se admite por força do artigo 655-A, do Código de Processo Civil.

Destaque-se uma importante figura do processo executivo no ordenamento jurídico português, os agentes de execução. Muito embora as execuções sejam da competência dos tribunais, a execução civil é dirigida e orientada por um profissional liberal escolhido pelo exequente que exerce funções públicas, sujeito a um regime específico da Lei nº 23/2002.

De acordo com a Fundação Francisco Manuel dos Santos (2014), a essa figura cabe a direção do processo de execução, incluindo citações, notificações e publicações, penhoras, vendas e liquidação dos créditos, sendo reservado aos juízes somente questões de natureza exclusivamente jurisdicional, isto é, decisão definitiva sobre um litígio que surja durante a execução, como é o caso da oposição à execução ou à penhora, ou reclamações sobre atos do agente de execução.

O novo Código propugna pelo aumento da autonomia e imparcialidade desses profissionais ao limitar a sua destituição aos casos de atuação dolosa ou com violação reiterada dos deveres estatutários, tendo em vista fazerem as vezes de juízes, conforme assinala a Exposição de Motivos, item B/1.3.

Interessa notar que, a presença de um personagem fora da estrutura do Judiciário poderia ser considerada uma ameaça ao princípio da imparcialidade, no entanto, o projeto expandiu os poderes de atuação do juiz, que antes era bastante reduzida, concedendo-lhe um poder geral de controle do processo. Por conseguinte, com o aumento do controle do juiz sobre a atividade do agente de execução, esse mecanismo deixa de ser um risco à justa tutela executiva, passando a ser relevante mecanismo para sua efetividade.

Oportuno sublinhar que na parte que foi mantida inalterada do código revogado, a lei processual estabelece a possibilidade de impor sanções, ou seja, meios coercitivos indiretos, para os responsáveis pela inexecução das decisões judiciais, de modo a coibir esse tipo de comportamento, consoante estatui em seu artigo 205º, que prevê no n.º 3 que “a lei regula os termos da execução das decisões dos tribunais relativamente a qualquer autoridade e determina as sanções a aplicar aos responsáveis pela sua inexecução”, podendo ser esses últimos até mesmo pessoas estranhas à relação processual.

Também no sentido de proteger o credor, no Direito português, os fundamentos da oposição (embargos) à execução de sentença estão contidos em rol taxativo[2], semelhante ao direito processual brasileiro, ademais, os embargos somente serão recebidos com efeito suspensivo se o executado prestar caução[3].

Interessante observar que a Constituição Portuguesa e o Código de Processo Civil Português garantem, além do direito à obtenção de um decisão judicial, a execução desse comando. É a inteligência do artigo 20º, da Constituição da República Portuguesa de 1976, cuja rubrica proclama “acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva”, especialmente em seu n.º 4, combinado com o n.º 1 do artigo 2º, do Código de Processo Civil. A redação do dispositivo da Constituição Federal é a seguinte:

1. A todos é assegurado o acesso ao direito e aos tribunais para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos, não podendo a justiça ser denegada por insuficiência de meios económicos.[...]

4. Todos têm direito a que uma causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo.

5. Para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei assegura aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.

Como dito, essa norma constitucional é complementada pelo mencionado n.º 1 do artigo 2º, do Código de Processo Civil de 2013, de cuja redação empreende-se claramente a intenção de defender o direito a um processo efetivo e à sua razoável duração bem como à concretização do direito subjetivo já acertado, trazendo os seguintes termos:

1 - A protecção jurídica através dos tribunais implica o direito de obter, em prazo razoável, uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão regularmente deduzida em juízo, bem como a possibilidade de a fazer executar.

O direito à tutela executiva plena foi, portanto, elevado pela Constituição ao patamar de direito fundamental individual.

É de se frisar ainda que, consoante disposto alhures, a tendência dos países da Europa de acrescentar o direito à tutela jurisdicional efetiva no rol de direitos fundamentais se deve à inclusão do n.º 1 do artigo 6º, na Convenção Europeia de Direitos do Homem, pois o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entendeu que “a atribuição do direito à tutela jurisdicional seria ilusória se as ordens jurídicas permitissem que uma decisão definitiva e obrigatória permanecesse inoperante em detrimento de uma das partes”. Essa é a razão pela qual tutela executiva efetiva é absolutamente necessária para a tutela jurisdicional efetiva, encravada na garantia fundamental ao direito de ação (SOUZA, 2004 apud SIMONASSI, 2012, p. 5591).

Portanto, à luz do novo Código de Processo Civil e da Constituição, percebe-se a preocupação do legislador português em viabilizar a tutela executiva plena, privilegiando a instrumentalidade dos meios executivos, em nome do direito fundamental constitucionalmente reconhecido à tutela executiva efetiva.

1.2 direito processual civil espanhol

No Direito espanhol, é dada bastante importância à questão da tutela executiva, notadamente tendo em vista ter sido o direito fundamental à tutela executiva inserido na Constituição Espanhola, de 27 de dezembro de 1978, no Capítulo 2, do Título II, que trata dos direitos e liberdades, consagrando o direito de todos os cidadãos obterem a tutela efetiva dos juízes e tribunais, logo, não se trata somente da declaração do direito, mas também da execução dos julgados (SIMONASSI, 2012, p. 5588).

O artigo 24.1, da Constituição Espanhola, seguindo a mesma tendência do Direito português, estabelece que “toda pessoa tem direito à proteção efetiva dos juízes e tribunais, no exercício dos seus direitos e interesses legítimos, sem que, em nenhum caso, quede indefeso” (tradução nossa)[4], quando conjugado com o Artigo 117.3 , cuja redação determina que “o exercício do poder jurisdicional de qualquer tipo de processo, julgando e fazendo executar julgamentos, pertence exclusivamente aos tribunais estabelecidos por lei, de acordo com as regras de competência e procedimento nele estabelecidos” (tradução nossa)[5], dá origem ao direito fundamental à tutela executiva efetiva.

Considerando-se que, para garantir a tutela jurisdicional executiva plena e eficaz, não basta o Judiciário decidir, tampouco basta julgar em tempo razoável, percebeu-se a necessidade de adicionar à Constituição Espanhola essa garantia, declarando em definitivo a relevância desse instituto.

O processualista espanhol Chamorro Bernal analisa a importância desse direito fundamental estabelecendo que a sua proteção não é mera faculdade dos magistrados, tampouco um dever de ordem moral, mas um mandamento constitucional com o qual aqueles devem se comprometer no exercício da função jurisdicional, e conclui que esse poder-dever há de ser o norte de sua atividade[6] (1994 apud FERNANDES, 2008, p. 4524).

Simonassi (2012, p. 5589-5590) colaciona trecho da obra de José Garberí Llobregat[7] (2003) que, ao analisar a jurisprudência do Tribunal Constitucional, assinala que mesmo antes inclusão na Constituição do direito a execução de decisões judiciais, este já estava implícito no direito à tutela jurisdicional, vez que essencial para seu exercício pleno, daí derivando a expressão “efetiva”.

Interessante lembrar que a introdução do processo executivo sincrético não se deu até recentemente, com a edição do Código de Processo Civil espanhol, de 07 de janeiro de 2000, tal como se dava no Brasil antes da Lei n.º 11.232/2005, embora a Constituição Espanhola date de 1978.

É ainda oportuno sublinhar que o diploma processual obriga o magistrado a notificar previamente o executado antes da implementação de qualquer ato de caráter coativo (SILVA, 2001, p. 92). Essa observação ganha notável importância ao se considerar que a notificação prévia pode ensejar abusos por parte do executado, um verdadeiro descompasso na proteção dos direitos do credor.

O que se pode concluir, ao cabo dessa sintética exposição, é que, não obstante apresente atrasos e falhas de ordem legislativa, o processo civil espanhol demonstra engajamento com o exercício pleno da jurisdição, um modelo que sem dúvidas serve de exemplo para o Brasil.

1.3 direito processual civil estadunidense

Nos Estados Unidos, a competência para disciplinar a matéria da tutela executiva é de cada estado, não havendo necessariamente uniformidade da legislação no país. Existem, portanto, numerosos meios de execução no Direito norte-americano. Há, todavia, bastantes meios de o devedor evitar a execução, por meio de moções (motions) que podem alterar o julgamento com fundamento em erros de natureza material e formal, que também variam de conforme o estado (SILVA, 2001, p. 90).

De acordo com Zaroni, esse sistema, mais que nenhum outro, concentrou forças na questão da efetivação das decisões judiciais, devido aos problemas de ordem prática recorrentes (2007, p. 241). E prossegue afirmando que essa foi a razão pela qual tornou-se imperioso tomar uma posição inclusive quanto à possibilidade de efetivação de decisões judiciais em face de terceiros.

No longo período de desenvolvimento desse sistema, formou-se uma variedade de debates - tanto na seara jurisprudencial, quanto no terreno doutrinário - sobre a questão da extensão dos efeitos das injunctions para non-parties (terceiros) (ZARONI, 2007, p. 241).

Em outras palavras, no Direito anglo-saxão, podem ser penalizadas “todas as pessoas que obstruam ou interfiram no devido exercício das funções jurisdicionais, inclusive empregados do tribunal, partes litigantes e terceiros estranhos à lide” (BESSA, 2001 apud BEBBER, 2001).

O terceiro aqui considerado é aquele que não faz parte no feito, mas que, por alguma razão, foi considerado destinatário da ordem, ou do terceiro que não é parte no feito, nem destinatário da ordem proferida, mas que tem conhecimento de seus termos e assume, assim, o dever legal de abster-se de qualquer ato impeditivo do cumprimento do que foi por ela ordenado, quando este ou aquele é indispensável para dar cumprimento à ordem judicial.

Vale ressaltar que entre esse terceiros também se pode incluir um grupo denominado “aiders and abettors”, que quer dizer aqueles que de algum modo incentivam ou auxiliam a parte em relação ao descumprimento da ordem judicial. De acordo com Zaroni, o entendimento sedimentado da Suprema Corte esse grupo se sujeita ao julgamento por civil e criminal contempt quando evidenciado o propósito de violar a injuntion em nome de alguma das partes, com a manifesta intenção de se obstar que a ordem seja violada por intermédio de terceiros (2007, p. 250).

Em razão desses precedentes, formulou-se uma teoria denominada in rem theory, segundo a qual os efeitos da decisão recaem sobre a coisa litigiosa, possuindo efeito vinculante sobre todo aquele que “titulariza a res e tenha ciência dos termos da injunction (ZARONI, 2007, p. 250).

Segundo o jurista a importância dessa observação se encontra no fato de que todas as pessoas devem, de algum modo, observar a decisão judicial, podendo ser rés no processo de contempt of court, podendo ser atingidas pelos meios de coerção indireta (2007, p. 245), notadamente quando observada a possibilidade de alteração da titularidade da coisa litigiosa, que em muitos casos é utilizada como um artifício para frustrar a concretização da decisão judicial.

Nesse sistema, nos casos de condenação a obrigação de fazer ou não fazer, denomidada injuction[8], ou mesmo a obrigação específica decorrente de contrato, chamada decree of specific performance, geralmente faz com que o devedor recalcitrante seja submetido ao contempt of court, definida por Grinover como a “ prática de qualquer ato que tenda a ofender um tribunal na administração da justiça, ou a diminuir sua autoridade ou dignidade, incluindo a desobediência a uma ordem” (2001, p. 68).

Na concepção de Zaroni, o contempt of court é hipótese em que “a common law coloca à disposição dos juízes e tribunais uma ampla gama de meios e procedimentos de execução para que a autoridade, o respeito e a dignidade confrontados pelo ato de submissão sejam restaurados” (2007, p. 242).

Assim, fica evidente que o contempt of court nada mais é que um meio para forçar o cumprimento voluntária do comando judicial, isto é, um meio de execução indireta, à semelhança do que se observa no Direito brasileiro nos casos de obrigação de fazer ou não fazer[9].

Analisando esse instituto, esclarece Ada Pelegrini Grinover sua relevância para o Direito ao compreender que sem esses meios de coerção a função do Poder Judiciário se torna inócua, o que o faz da seguinte forma:

A origem do contempt of court está associada à ideia de que é inerente à própria existência do Poder Judiciário a utilização dos meios capazes de tornar eficazes as decisões emanadas. É inconcebível que o Poder Judiciário, destinado à solução de litígios, não tenha o condão de fazer valer os seus julgados. Nenhuma utilidade teriam as decisões, sem cumprimento ou efetividade. Negar instrumentos de força ao Judiciário é o mesmo que negar sua existência.

Atualmente, todos os atos tendentes a obstruir o cumprimento das funções de um juízo, envolvendo uma afronta, podem constituir desacato. Inclui-se no conceito atual o abuso do processo (2001, p. 68).

No Direito brasileiro, o contempt of court influenciou a alteração, através da Lei n.º nº 10.358, de 27.12.2001, do caput e inciso IV do artigo 14, do Código de Processo Civil[10], que estabelece os deveres das partes e de todos aqueles que atuam no processo, impondo-lhes os deveres de não faltar com a verdade, agir com lealdade, não praticar atos protelatórios, cumprir às ordens emanadas do Poder Judiciário, bem com como lhes não opor óbices, sob pena de multa não superior a vinte por cento do valor da causa a ser paga ao Estado, como tentativa de desencorajar essas práticas de deslealdade processual.

Tais alterações visam a reforçar a justiça, a lealdade e a boa-fé processual, ressaltando a relevância dos preceitos éticos que devem guiar não apenas as partes e, seus respectivos representantes, mas extensíveis a quaisquer participantes do processo, cabendo aos juízes e tribunais dar-lhes efetividade máxima na prática, no interesse da preservação e fortalecimento da Justiça e do Estado de Direito.

Assim, de um modo geral, percebe-se que no direito processual norte-americano os meios executivos indiretos estão em relação de prioridade quanto aos meios executivos diretos, tornando o sistema, de certa forma, independente da fase processual de cumprimento de sentença, tendo em vista que em caso de recalcitrância reiterada, a pena cominada será a de prisão, não em razão da dívida, mas em razão da desobediência de determinação judicial.

Frente a tal constatação, revela-se importante perceber que o modelo norte-americano enfrenta obstáculos de ordem jurídica para ser adaptado à realidade brasileira.

Note-se que, ainda que o descumprimento de ordem judicial acarrete o ilícito penal disposto no artigo 330, do Código Penal, já que impede a efetividade da decisão, o ordenamento jurídico, em busca da “humanização da execução”, proíbe a prisão civil por dívidas, bem como determina a impenhorabilidade de determinados bens (FERRAZ, 2010, p. 35).

Oportuno destacar que no Direito ianque admite-se inclusive que a penalidade recaia sobre pessoa diferente da do devedor de modo a tornar efetiva a decisão, desde que lhe seja resguardado o direito de se manifestar em audiência e também lhe seja assegurada a ciência inequívoca da injuction e de seus termos, em respeito ao princípio do devido processo legal (ZARONI, 2007, p. 246-247).

Diante do exposto, percebem-se no Direito norte-americano notórios esforços para garantir a efetividade das injunctions, especialmente com os meios executivos viabilizados pelo contempt of court, quais sejam multa, prisão ou sequestro de bens, que serão aplicadas, a rigor, contra o demandado renitente, tal qual acontece no Direito pátrio, podendo ainda se estender a terceiros que, de alguma forma, a inobservaram, seja deliberadamente descumprindo a ordem, seja entravando a sua concretização.

1.4 direito processual civil inglês

Grande parte dos mecanismos de cumprimento de sentença do Direito norte-americano também pode ser encontrada no Direito inglês (ZARONI, 2007, p. 253). Na Inglaterra, a sentença também é título executivo que pode ser efetivada de imediato, salvo quando preenchidos os requisitos para suspensão da execução, por exemplo, quando há possibilidade de êxito no recurso de apelação (SILVA, 2001, p. 99).

Vale sublinhar, consoante Silva, existe no Direito inglês uma grande preocupação de se “preservar o tratamento paritário das partes no processo”, como o fito de evitar o denominado “processo civil do autor", caracterizado pelo fato de uma das partes somente pedir e a outra somente cumprir, também chamado “sistema defensivo garantístico” (2001, p. 99).

A jurista (2001, p. 99) aduz que não obstante o ordenamento inglês priorize o tratamento paritário das partes no processo, seu fim maior permanece assegurar a efetividade das decisões. Isto porque, como explicado, a regra é o comando judicial ser concretizado no próprio julgamento, salvo raras exceções. Para ilustrar cita-se o exemplo do julgamento que impõe o pagamento de soma em dinheiro, no qual, a suspensão da execução (tradução nossa)[11], por meio da interposição de recurso[12], somente é concedida se o recorrente demonstrar que, caso o pagamento seja feito, não haverá possibilidade de recebê-lo de volta no caso de provimento da apelação, o que, na prática, é deveras improvável de comprovar.

Outra figura que contribui para a efetividade e celeridade do processo é uma característica própria do Judiciário na Inglaterra. É que nesse país, as despesas processuais são bastante altas e aumentam, na medida em que se pratica um ato processual, semelhante ao que ocorre no direito processual trabalhista brasileiro, com o depósito recursal. Essa circunstância, não raro, provoca a conclusão do processo sem manifestação da outra parte e, sem dúvidas, inibe a interposição de recursos protelatórios. Um dado interessante é que cerca de 90% (noventa por cento) as causas cíveis são resolvidas através da conciliação, por imposição legal (CARDOSO, 2007).

O que sucede na Inglaterra, e em muitos outros países do mundo civilizado, que “deixa a máquina estatal reservada para atuar em causas mais complexas, garantindo, assim, uma Justiça mais célere e mais justa”, em muito difere do que ocorre no Brasil, em que é obrigação do Estado intervir em todas as lides que lhe são propostas, sem que o legislador demonstre qualquer preocupação com a aplicabilidade prática desse comando. Em outras palavras, a lei brasileira falha em oferecer soluções extrajudiciais para as demandas, e resultado é a presente “crise que abate sobre os serviços judiciários”, com a proliferação de processos sem decisão e de decisões sem eficácia, “que humilha e viola o direito do cidadão honesto e cumpridor de seus deveres” (CARDOSO, 2014).

Diante do breve estudo comparado que foi apresentado nesse capítulo, conclui-se que a experiência alienígena já exerceu grande parcela de contribuição para o aprimoramento do sistema processual brasileiro. E, além disso, mesmo considerando que não estão imunes a descompassos, nota-se possível extrair seus pontos positivos para influenciar em um grau mais elevado na busca pelo aprimoramento do cumprimento de sentença no direito processual brasileiro.

Destarte, é possível destacar dos paradigmas examinados soluções de que podem ser adaptadas no Brasil, quais sejam i) a figura do agente de execução, do Direito português, que dirige e orienta a execução civil, auxiliando a desafogar o trabalho dos juízes, possibilitando que o processo, como um todo, corra mais rapidamente; ii) a criação de rito sumário nas causas de menor valor, tornando o procedimento menos burocrático, e certamente, mais célere; iii) a constitucionalização do direito à tutela executiva por imposição da Convenção Europeia de Direitos do Homem, que obriga os magistrados a promover e colaborar para a efetividade da jurisdição executiva; iv) a figura do contempt of court como meio indireto de execução que impõe penalidade para qualquer pessoa que interfira no devido exercício das funções jurisdicionais, notadamente, no cumprimento das decisões, podendo atingir terceiros fora da relação processual e funcionários do tribunal, de modo a garantir que todos os agentes envolvidos cumpram seu papel satisfatoriamente; v) a preocupação concreta com a defesa dos direitos do credor ao mesmo tempo que defende os direitos do devedor, sem prejuízo para a efetividade; e vi) o modelo da estrutura do Poder Judiciário inglês capaz de inibir a interposição de recursos protelatórios e o incentivo a busca de meios alternativos de resolução de conflitos.

Assim, nota-se possível adaptar alguns dos mecanismos citados retro originários dos países examinados, cuja influência decisiva na busca de novos meios de execução.

Em especial, é de extrema importância ressaltar o exemplo espanhol, no que tange à obrigação real e concreta dos magistrados em promover o direito constitucional à tutela executiva plena, e ao fato que mesmo antes da constitucionalização, a concepção do direito à tutela executiva efetiva já era vista como decorrência lógica do direito à tutela jurisdicional, que já era garantido aos cidadãos, isso porque a atribuição desse direito seria meramente ilusória se fosse permitido que uma decisão definitiva e obrigatória permanecesse inoperante em detrimento de uma das partes.

Essa observação é indispensável por que, no Brasil, é constitucionalmente garantido ao cidadão o direito à tutela jurisdicional, mas o mesmo não se pode afirmar quanto à tutela executiva efetiva, que carece de dispositivo expresso.

Em sentido contrário, Simonassi (2012, p. 5604) prega já ser reconhecida a natureza fundamental desse direito, ao concluir que a tutela jurisdicional compreende a cognição e a execução, de modo que, somente garantindo a efetividade da prestação em ambas, pode ser compreendida e concebida a satisfação integral do comando inserido no artigo 5º, inciso XXXV da Constituição Federal, e observa a tendência do destaque à tutela executiva da seguinte forma:

Ao contrário do que ocorria em um passado recente, de desdém, a efetividade da tutela executiva cível, como extensão do direito fundamental de acesso a justiça, ocupa, hoje, a atenção dos processualistas atuais, não só no Brasil, mas também em alguns países alienígenas tais como Portugal e Espanha, a ponto de se positivar em textos expressos tais garantias.

Em resumo, parte da doutrina brasileira confirma o reconhecimento constitucional desse direito, e outra parte entende que a tutela executiva efetiva não está no rol de direitos fundamentais, por entender que necessitam ser positivados. No entanto, pouco importa se prender a conceitos e classificações, o importante é que, fundamental ou não, esse direito está sendo desrespeitado diariamente na realidade das cortes brasileiras, como visto alhures.


2 A tutela executiva no novo Código de Processo Civil

Impende nesse momento examinar quais as modificações visando à efetividade plena da tutela executiva estão por vir com o Projeto de Lei nº 166/2010. Veja-se.

Não obstante os elaboradores do projeto tenham movido esforços para garantir a efetividade e instrumentalidade dos institutos relativos ao processo de conhecimento, por meio da simplificação e flexibilização, extinguindo, por exemplo, a reconvenção e as exceções de competência e de impedimento, a serem substituídas por simples pedido dentro da contestação, inclusive no procedimento ordinário, o mesmo não se observou com relação ao processo de execução de título judicial ou extrajudicial. Diante dessa circunstância, constata Humberto Theodoro Júnior o seguinte:

Diante das recentes a profundas remodelações da execução forçada levada a cabo pelas Leis 11.232/2005 e 11.382/2006, o Projeto de Novo Código de Processo Civil, ora em tramitação no Congresso Nacional (PL 166/2010) não pretendeu introduzir alterações substanciais fosse no regime do cumprimento de sentença fosse na execução dos títulos extrajudiciais. Mesmo porque o sistema atual ainda se acha, praticamente, em fase de implantação prática.

Como se pode deduzir da Exposição de Motivos da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto, nada de relevante foi inovado no âmbito da execução. Apenas se procurou afastar pequenas controvérsias ainda não solucionadas de maneira definitiva pela jurisprudência posterior às Leis 11.232/2005 e 11.382/2006, como, por exemplo, as relativas à aplicação da multa do atual art. 475-J e ao procedimento da penhora on line (2011, p. 29-30).

Assim, tem-se que, em razão das recentes alterações no diploma vigente, consoante esclarecido alhures, as mudanças contidas no Projeto do Novo Código de Processo Civil no que concerne ao Processo de Execução, tanto de título judicial, como de extrajudicial, são extremamente reduzidas, limitando-se a realizar pequenas correções.

Inicialmente, o Projeto almeja sanar o problema da disposição no código do texto legal pertinente à matéria, incluindo-as em um capítulo próprio. Analisa Theodoro Júnior (2011, p. 30) que a tentativa de organização não se deu de maneira satisfatória, de modo que ainda não facilita a consulta.

O Novo Código determina a obrigatoriedade de intimação do devedor logo que prolatada a sentença, ou seja, antes da expedição do mandato executivo e da cominação de multa por descumprimento da ordem judicial condenatória, como já determinava a Súmula 410, do STJ[13], em relação às obrigações de fazer ou não fazer e entregar coisa certa, previsão do artigo 490, do Projeto. Tendo como foco esse artigo do Projeto de Lei nº 166, Humberto Theodoro Júnior assevera que:

O dispositivo já foi criticado, sob o argumento de conter um retrocesso em face do regime do Código atual, que, na jurisprudência do STJ, teria abolido a intimação pessoal e se contentado com a intimação do advogado, para a abertura do cumprimento de sentença relativa a obrigação de quantia certa.

[…]

Talvez fosse realmente mais prático e econômico dispensar a intimação pessoal do devedor, logo após a sentença relativa às obrigações de quantia certa, a que alude o § 1o do art. 490 do Projeto, para manter-se a orientação atual do Superior Tribunal de Justiça, que preconiza, na espécie, apenas a intimação do advogado da parte, após a apresentação da memória de cálculo atualizada do débito exequendo (2011, p. 03-04).

O diploma prevê ainda que o cumprimento da sentença se dará por impulso oficial, sem necessidade de requerimento da parte, facultado ao credor somente evitar a fase executiva, e desde que se manifeste expressamente nesse sentido[14]. Em outras palavras, após a prolação e trânsito em julgado da decisão condenatória, o juízo promoverá a intimação do devedor para pagamento voluntário e, caso permaneça o débito, o juiz promoverá o cumprimento de ofício, sem carecer de requerimento do credor.

Destaque-se que, atualmente, para dar início à fase de cumprimento de sentença faz-se necessário o requerimento do credor, consoante dispõe o artigo 475-J, do Código vigente, e que, se a parte vencedora não se manifestar no prazo de seis meses o processo é arquivado, sem prejuízo de seu desarquivamento, a pedido da parte.

O Projeto faz ressalva, porém, nos casos de condenação a pagar quantia certa, ao estabelecer que, nessas hipóteses, ao credor é dado fornecer os demonstrativos de cálculo do valor atualizado do débito, sem os quais não será possível intimar o devedor para realizar o pagamento voluntário no prazo legal, e, consequentemente, não será possível promover de ofício o cumprimento forçado.

Outrossim, o Projeto inova na execução provisória, ao estabelecer novas hipóteses em que o credor pode lançar mão desse artifício processual sem que lhe seja necessário prestar caução, adicionando as hipóteses em que “o credor demonstrar situação de necessidade e impossibilidade de prestar caução;” e quando for a “ sentença proferida com base em súmula vinculante ou em conformidade com julgamento de casos repetitivos”[15].

Além das modificações suscitadas, Theodoro Júnior cita a revisão do rol de títulos judiciais, que, sem criar novas espécies, tencionou tão-somente a facilitar a compreensão dos já existentes (2011, p. 32-33).

Ao cabo dessa sintética exposição, a principal conclusão que se pode tomar é que o Projeto pouco inova com relação à efetividade da fase de cumprimento de sentença. Essa constatação, na atual conjuntura, na qual se tem um diploma pouco inovador em vias de ser sancionado e publicado, destaca a importância de se aprofundar o estudo sobre soluções que fogem da seara da inovação legislativa, mas fundamentais para a efetividade do processo de execução, e, por óbvio, do processo como um todo.


3 Providências extralegais

Visto que os meios de execução permaneceram os mesmos dos indicados pelo Código de Processo à execução de título extrajudicial, mesmo após a reforma dos anos 2005 e 2006, e continuarão, igualmente, no novo diploma processual, procura-se, por oportuno, colacionar soluções extralegais que poderiam auxiliar na busca da efetividade.

Dessa forma, cumpre esclarecer que as mudanças no direito processual normalmente partem de uma alteração na legislação, todavia não se exaurem as fontes modificativas aí. Não se pode olvidar que as transformações mais relevantes e mais profundas que tivemos até hoje nasceram do poder criativo e inovador de pessoas e órgãos, que, depois de implementadas e demonstrada sua eficácia, acabaram sendo acolhidos pela legislação. Assim, no presente caso, essa hipótese merece atenção justamente pela possibilidade de operabilidade.

Sobre a questão da efetividade aqui abordada, Leslie Shérida Ferraz resume quais os pontos para os quais devem dirigir a atenção o legislador e, especialmente, o jurista intérprete. São eles:

[...] (i) busca da redução dos óbices de acesso à justiça; (ii) adequação do processo, para que o instrumento não seja um obstáculo ao acesso à ordem jurídica justa; (iii) Justiça nas decisões; (iv) utilidade das decisões ou efetividade em sentido estrito, concebida como a potencialidade do processo ser útil, cumprindo todos os seus escopos institucionais (2010, p. 06-07).

Ponciano, Barbosa e Freitas destacam que a modernização tecnológica é uma ferramenta relevante para alcançar esses ideais por meio da desburocratização, aduzindo que:

Assim, os conceitos de eficiência e eficácia devem ser integrados visando atender os anseios de desburocratizar o Poder Judiciário, informatizar os procedimentos permitindo padronizar os mecanismos e, finalmente, acelerar o atendimento e o alcance dos resultados. Neste sentido, tornar a prestação jurisdicional eficaz e célere passa a ter um papel importante como elemento catalisador, pois permite que a tecnologia gere a integração necessária entre as pessoas e as organizações [...] (2008, p. 2846-2847).

Os referidos processualistas ainda identificam que a modernização em questão é um imperativo à democratização do Poder Judiciário. Isso porque a sociedade moderna, como seu dinamismo, não comporta a lentidão da Justiça.

Nessa mesma ordem de ideias, oportuno sublinhar que o Ministério da Justiça compartilha da mesma preocupação, notadamente desde a promulgação da Emenda Constitucional n.º 45/2004, identificando entre as ações prioritárias da Secretaria de Reforma do Judiciário: o diagnóstico, a modernização da gestão e a reforma constitucional do setor.

Em observância a essas diretrizes, foi editada a Resolução do Conselho Nacional de Justiça de n.º 70, de 18 de março de 2009, cujo objetivo era recobrar a credibilidade da sociedade, para que Poder Judiciário fosse, então, reconhecido como “instrumento efetivo de Justiça, Equidade e Paz Social”. A Resolução estabeleceu como prioridades, dentre outros, facilitar acesso à Justiça e promover a efetividade no cumprimento das decisões, além de estabelecer metas anuais para o Judiciário, com o fito de garantir a agilidade nos trâmites judiciais.

A referida Resolução se encontra em vigor, todavia já existe data para sua revogação, qual seja 1º de janeiro de 2015. É que a recentíssima Resolução n.º 198, de 1º de julho de 2014, estabelece a necessidade de revisar o plano estratégico estabelecido pela naquela Resolução de n.º 70/2009, fixando a meta geral para o ano de 2020.

Uma interessante previsão dessa Resolução n.º 198/2014 é o Índice de Efetividade da Justiça (IEJus), que permitirá aferir a efetividade do Poder Judiciário com base em dados relativos ao acesso à justiça, duração do processo e custo. Além disso, determina que o Conselho disponibilizará, no seu portal eletrônico, o Banco de Boas Práticas e Ideias para o Judiciário (BPIJus), com o “intuito de promover a divulgação e o compartilhamento de práticas e ideias inovadoras, visando ao aperfeiçoamento dos serviços judiciais”[16].

Acerca da melhoria dos mecanismos de jurisdição executiva, dentre as ações sugeridas pelo Conselho, destacam-se o fomento à utilização de sistemas eletrônicos de acesso a informações sobre devedores e bens; o compartilhamento de informações sobre devedores e bens entre órgãos judiciais e oficiais de justiça; e a instituição de unidade judiciária especializada em investigação patrimonial e múltiplas execuções contra o mesmo devedor.

Dias, em estudo acerca dos mecanismos processuais de cumprimento de sentença, concluiu que a redução numérica dos recursos nos tribunais é imprescindível para garantir sua celeridade, pois, como visto supra, está intimamente ligado à efetividade. Tamanha a indignação do magistrado em relação ao cumprimento de sentença e o tolhimento ao princípio da razoável duração do processo, que o mesmo chega a aventar a ideia de que o duplo grau de jurisdição obrigatório seja abolido ou de que o recurso interposto somente seja acolhido no efeito devolutivo, “salvo exceções excepcionalíssimas”. Nesse sentido, assevera que:

Congruente com a ideia de que toda decisão não deve ser recorrível, há de se implantar um sistema de prestígio ao que for decidido em primeiro grau, nem que para isso se tenha de modificar a estrutura do Judiciário para transformá-lo em colegiado nessa fase. Porém, todo recurso deve ser excepcional, no sentido de que deva haver pressupostos de inibição de admissibilidade, a fim de que não se venha a recorrer por mero capricho e com a finalidade única de procrastinar o feito, como é comum em nossa prática forense (2000, p. 03).

Sobre o tema, convém frisar que no ano corrente deu-se um largo passo para a Política de Priorização do Primeiro Grau, iniciada com a mencionada Resolução do Conselho Nacional de Justiça n.º 70/2009, na tentativa de frear o crescente número de demandas nos tribunais dos estados e superiores, de modo a auxiliar na redução da morosidade do Judiciário. A Resolução n.º 194/2014, em consonância com a de n.º 70/2009, claramente determina que essa política está voltada ao aperfeiçoamento da efetividade dos serviços judiciais. Assim dispõe o artigo 1º que, visando concretizar a missão do Judiciário, passará a:

Art. 1º Instituir a Política Nacional de Atenção Prioritária ao Primeiro Grau de Jurisdição, com o objetivo de desenvolver, em caráter permanente, iniciativas voltadas ao aperfeiçoamento da qualidade, da celeridade, da eficiência, da eficácia e da efetividade dos serviços judiciários da primeira instância dos tribunais brasileiros, nos termos desta Resolução.

Ainda na citada objurgação que faz Dias à inefetividade da tutela executiva, o desembargador sugere também que a decisão judicial que dá início à execução de título judicial, qualquer que seja o seu efeito, seja transformada em mandamental, ou seja, que careça somente de meios coercitivos indiretos para sua implementação, tendo em vista perceber que, especialmente quanto à obrigação de pagar quantia certa, o procedimento de cumprimento de sentença é burocrático e ineficaz (2000, p. 03).

Em resumo, pode-se destacar como os meios extralegais, juntamente com inovações legislativas necessárias, estão aptos garantir a maior efetividade à execução de sentença, notadamente a modernização tecnológica do Poder Judiciário, indispensável não somente na informática, mas também nos setores humano e operacional. No entanto, é preciso compreender que as linhas precedentes contentam-se a indicar metas ideais a que o processo deve tender, sem a pretensão de definir soluções, mas apenas sugeri-las.


conclusão

Um dos grandes problemas do direito processual brasileiro na atualidade é a questão da efetividade da tutela executiva, aqui entendida em sentido lato, abrangendo a eficiência e a eficácia da prestação jurisdicional, vez que o cidadão frequentemente se depara com a seguinte situação: o sujeito batalha judicialmente durante longos anos, pagando pelo auxílio de advogado durante todo o período, e, quando finalmente a decisão judicial é proferida a seu favor, a parte vencida resiste ainda ao cumprimento do comando, dispondo de inúmeros recursos, e o Poder Judiciário, por sua vez, enfrenta dificuldades estruturais para se movimentar e fazer cumprir a sentença. É o que os militantes do Direito costumam chamar vulgarmente de “ganha, mas não leva”.

Ao longo do presente trabalho muitas sugestões foram apresentadas no sentido de transfigurar essa conjuntura desanimadora. Sem nenhuma pretensão de serem as únicas, tampouco as mais adequadas, essas sugestões desempenham satisfatoriamente o papel de dar azo a um debate acerca dos meios de aperfeiçoar a qualidade da prestação jurisdicional como um todo, com foco no processo executivo.

De ordem legal, em especial, a constitucionalização do direito à tutela executiva efetiva, ante a imprescindibilidade em relação ao direito de ação e ao devido processo legal. Há de se observar que, no Direito Brasileiro, existe uma divergência doutrinaria acerca da sua existência implícita na Constituição Federal. Certo é que a classificação teórica é pouco importante, pois não altera o cenário atual. No entanto, inegável é que a força da previsão constitucional expressa elevaria o comprometimento do intérprete ao patamar mais elevado do ordenamento jurídico, os direitos individuais.

Já quanto às medidas de ordem extralegal, sublinham-se ainda as alterações que miram a desburocratização do processo, de um lado, por meio da criação de rito sumário, pautado nos princípios da celeridade, da informalidade e da simplicidade, para satisfação de crédito de menor valor, e, de outro, através da modernização tecnológica, uma ferramenta crucial para alcançar o ideal da tutela executiva plena; a introdução de mecanismos que permitem aferir a efetividade do Poder Judiciário com base em dados quantitativos; a política de priorização do primeiro grau, limitando a interposição de recursos que visam unicamente postergar a implementação dos comandos executivos.

Assim, as sugestões apresentadas no presente trabalho são, ao menos em tese, meios hábeis a conferir mais efetividade aos dispositivos mencionados e fortalecer as garantias processuais, notoriamente o acesso à justiça, no entanto, é evidente que aqui não se propõe a salvação do Judiciário, uma missão extremamente complexa, até porque seria muita pretensão.

Por fim, o escopo desse trabalho é incentivar a busca constante por um processo que cumpra de maneira eficaz o seu fim, na medida em que seja capaz de garantir uma solução rápida e eficiente do conflito judicial, com resultados práticos, ou seja, com a obtenção do bem da vida, para que haja, de fato, um devido processo legal. Isso porque é necessário que o juiz solucione o conflito, que o faça em tempo razoável e, ainda, que assegure ao cidadão uma jurisdição executiva plena e eficaz.


notas de rodapé

[1] Em matéria cível, a valor da alçada de primeira instância é de € 5.000 (cinco mil euros), consoante disposição do artigo 44° da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto.

[2] Artigo 729º, do novo Código de Processo Civil.

[3] Artigo 733º, a, do novo Código de Processo Civil.

[4] “Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos, sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión”.

[5] “El ejercicio de la potestad jurisdiccional en todo tipo de procesos, juzgando y haciendo ejecutar lo juzgado, corresponde exclusivamente a los Juzgados y Tribunales determinados por las leyes, según las normas de competencia y procedimiento que las mismas establezcan”.

[6] “El deber judicial de promover y colaborar en la realización de la efectividad de la tutela no es de carácter moral sino un deber jurídico constitucional, pues los Jueces y Tribunales tienen la ‘[...] obligación de protección eficaz del derecho fundamental [...]’ El cumplimiento de ese mandato constitucional de proteger el derecho fundamental a la tutela judicial efectiva, al que tienen derecho todas las personas, ha de ser para los Jueces y Tribunales el norte de su actividad jurisdiccional”.

[7] “Como consecuencia, sin dupla, de la proclamación constitucional relativa a la potestad jurisdiccional que ejercitan los Jueces y Magistrados integrantes del Poder Judicial como potestad de “juzgar y hacer ejecutar lo juzgado” (art. 117.2 CE), bien tempranamente (por ejemplo, ya en la STC 1/1981) la jurisprudencia del Tribunal Constitucional pudo proclamar, ante la inexpresividad de la Constitución en este punto, que en el seno del derecho fundamental a la tutela judicial efectiva consagrado en el art. 24.1 CE se encontraba incluido, entre otros diversos contenidos esenciales, el también derecho fundamental a la ejecución de las resoluciones judiciales, el cual deriva, precisamente, del término “efectiva” que adjetiva el derecho a la tutela jurisdiccional”.

[8] Nas palavras de Zaroni, “Injunction é uma espécie de ordem judicial, originariamente emanada da jurisdição de equity, que tem como conteúdo a determinação para que alguém faça ou deixe de fazer determinado ato” (2007, p. 241-242).

[9] Conferir artigo 461, do Código de Processo Civil, e o artigo 84, do Código de Defesa do Consumidor.

[10] Art. 14. São deveres das partes e de todos aqueles que de qualquer forma participam do processo: I - expor os fatos em juízo conforme a verdade; II - proceder com lealdade e boa-fé; III - não formular pretensões, nem alegar defesa, cientes de que são destituídas de fundamento; IV - não produzir provas, nem praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou defesa do direito. V - cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e não criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais, de natureza antecipatória ou final. Parágrafo único. Ressalvados os advogados que se sujeitam exclusivamente aos estatutos da OAB, a violação do disposto no inciso V deste artigo constitui ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa em montante a ser fixado de acordo com a gravidade da conduta e não superior a vinte por cento do valor da causa; não sendo paga no prazo estabelecido, contado do trânsito em julgado da decisão final da causa, a multa será inscrita sempre como dívida ativa da União ou do Estado.

[11] Stay of execution.

[12] Por meio de application.

[13] STJ Súmula nº 410 - Prévia Intimação Pessoal - Condição Necessária - Cobrança de Multa - Descumprimento de Obrigação de Fazer ou Não Fazer. A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.

[14] Artigo 491, do Projeto de Lei nº 166/2010.

[15] Artigo 491, § 2º, incisos II e IV, do Projeto de Lei nº 166/2010.

[16] Artigo 13, da Resolução n.º 198/2014.


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Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, Jéssica Chaves Gomes. A efetividade da tutela executiva: um estudo comparativo acerca do instituto do cumprimento de sentenças. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4486, 13 out. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/33617. Acesso em: 30 abr. 2024.