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Coisa julgada e ação anulatória

Coisa julgada e ação anulatória

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Coisa julgada é a entrega final, pelo Judiciário, da tutela jurisdicional ao litigante, resolvendo as questões colocadas em discussão, da qual não existe mais recurso, tornando, assim, em tese, imutável a decisão judicialmente expedida.

Sumário:1. Coisa julgada: conceito – 2. Coisa julgada: aspectos históricos – 3. Tutela constitucional da coisa julgada – 4. Direito Comparado – 5. Coisa julgada formal – 6. Coisa julgada material – 7. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada – 8. Ação anulatória: conceito – 9. Ação de conhecimento declaratória – 10. Atos rescindíveis por meio da ação anulatória – 11. Ação anulatória: aspectos históricos – 12. Nulidades materiais como supedâneo para ajuizamento da ação anulatória – 13. Atos inexistentes – 14. Atos nulos – 15. Atos anuláveis – 16. Atos Ineficazes – 17. Efeitos da ação anulatória – 17.1. Efeito incidental – 17.2. Efeito perante a sentença meramente homologatória – 17.3. Efeitos da desconstituição de ato no processo de execução – 18. Alcance e extensão da decretação da nulidade – 19. Nulidade e preclusão – 20. Diferenças entre ação anulatória e ação rescisória – 21. Fungibilidade entre ação anulatória e ação rescisória – 22. Ação anulatória na justiça do trabalho.


1. Coisa julgada: conceito

Coisa julgada, literalmente, significa: "Coisa Julgada – Diz-se da sentença, que se tendo tornado irretratável, por não haver contra ela mais qualquer recurso, firmou o direito de um dos litigantes para não admitir sobre a dissidência anterior qualquer outra oposição por parte do vencido, ou de outrem que se sub-rogue em suas pretensões." [1]

Prevista e tutelada pela Constituição federal, em seu artigo 5º, inciso XXXVI, a coisa julgada é um instituto decorrente de decisões judiciais transitadas em julgado, das quais não existem mais recursos. Assim prescreve o artigo 5º, em seu Inciso XXXVI: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;"

Nelson Nery Junior assim identifica a formação da coisa julgada: "Depois de ultrapassada a fase recursal, quer porque não se recorreu, quer porque o recurso não foi conhecido por intempestividade, quer porque foram esgotados todos os meios recursais, a sentença transita em julgado. Isto se dá a partir do momento em que a sentença não é mais impugnável." [2]

Segundo Celso Bastos, "Coisa julgada é a decisão do juiz de recebimento ou de rejeição da demanda da qual não caiba mais recurso." "É a decisão judicial transitada em julgado". [3]

Vicente Greco Filho assim define coisa julgada: "A coisa julgada, portanto, é a imutabilidade dos efeitos da sentença ou da própria sentença que decorre de estarem esgotados os recursos eventualmente cabíveis." [4]

A LiCC, em seu art. 6º, § 3º, define coisa julgada como: "Chama-se coisa julgada ou caso julgado a decisão judicial de que já não caiba recurso".

Antonio Gidi, ao discorrer acerca do fundamento jurídico da coisa julgada menciona que "A coisa julgada, como instituto jurídico, é também, em última análise, criação do homem para facilitar e ordenar a vida em sociedade. Exatamente por isso, assim como a dogmática jurídica, à qual pertence, deve ser entendida como meio para obtenção de fins, e não como fim em si mesmo". [5]

Nosso diploma processual civil (a definição processual é a que mais nos interessa no presente trabalho) define, de maneira mais específica, a coisa julgada material, expondo toda uma seção acerca do assunto. [6]

Podemos dizer, portanto, que a coisa julgada é a entrega final, pelo Judiciário, da tutela jurisdicional ao litigante; é o pronunciamento final do julgador no caso colocado ao seu crivo, pondo fim ao litígio e resolvendo as questões colocadas em discussão, da qual não existe mais recurso, devido à incidência do trânsito em julgado ou devido à extenuação, ao esgotamento de todo e qualquer recurso cabível, tornando, assim, em tese, imutável a decisão judicialmente expedida. Imutabilidade esta que é o principal objeto de discussão neste trabalho, o que será adiante apresentado.


2. Coisa julgada: aspectos históricos

A coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, está inserida em nossa Constituição no artigo 5º, no Título II (dos direitos e garantias fundamentais), Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), no inciso XXXVI. Ao analisarmos os aspectos históricos dos direitos e garantias fundamentais (e entre os quais a coisa julgada), devemos analisar o início do próprio constitucionalismo no planeta, uma vez que a Constituição surgiu para assegurar as garantias básicas ao cidadão.

Mesmo entre as mais antigas civilizações, foi constatada a existência de manifestações de uma idéia de controle das relações internacionais através de uma Constituição. Celso A. Mello, discorrendo acerca do Direito Constitucional Internacional menciona: "Nas mais antigas civilizações, como na Suméria, parece já existir manifestações de uma idéia de controle das relações internacionais, como no caso em que o rei de Erech antes de partir para uma guerra contra Kish consultou as assembléias de anciãos e dos guerreiros." [7]

Já na Grécia Antiga também encontramos a existência de um constitucionalismo, presente no século V nas Cidades-Estado. Basta analisarmos a própria Cidade-Estado para que possamos concluir ser constitucional a forma de governo que encontrava-se presente nesta civilização, onde o poder político era distribuído entre todos os cidadãos ativos, existindo uma devoção pelo princípio do Estado de direito de uma ordem. Celso A. Mello, ao mencionar o constitucionalismo existente na Grécia antiga comenta: "O importante é mostrar que sempre houve um controle da vida internacional do estado em maior ou menor grau. O constitucionalismo, a vida internacional do estado são muito mais antigas do que pretende a maioria dos autores. E mais, talvez o que nos falta seja o respeito que os gregos tinham à "Lei" que a sociedade moderna à custa de tanto analisar acabou por destruir." [8]

Em Roma, podemos identificar um controle da política externa muito maior do que na Grécia. O direito público tinha um programa mais acentuado; a idéia da Constituição de Roma era apontada como tão importante para o mundo Antigo como a Constituição Britânica no mundo moderno. [9] No sistema judicial romano antigo, o direito era concebido unicamente como sistema de actiones, que acabava sendo entendido como sistema de direitos cujo gozo, somente, devia o processo garantir; a partir de então, vem-se solidamente firmando o princípio do caráter essencialmente declarativo da sentença. [10]

Aqui podemos identificar, já com relação à existência da coisa julgada, que permanecia o hábito de ver na coisa julgada o efeito próprio e específico da decisão judicial. Concluía-se que a coisa julgada consistia na imposição da verdade da declaração do direito, contida na sentença, juntava-se o instituto da coisa julgada ao elemento lógico do processo.

No direito romano, portanto, existia a idéia de que a sentença era a própria coisa julgada ou a coisa julgada era o próprio objeto litigioso definitivamente decidido. [11]

Imaginava-se a coisa julgada como ficção de verdade, verdade formal, ou presunção de verdade. Estas formas, defendidas por escritores como Savigny e Pothier, tiveram grandíssima difusão, penetrando no Código de Napoleão, no Código Civil Italiano, sendo mais tarde combatidas e repelidas da linguagem científica devido à sua imprecisão. [12]

No entanto, essa idéia de coisa julgada tenazmente presa à sentença como a decisão de uma questão duvidosa, acabou sendo superada pela concepção de que a sentença contém uma declaração irrevogável, imutável portanto, resultando na aplicação do direito.

Desenvolve-se, a partir dessas concepções, duas linhas de pensamento: uma que entende a coisa julgada como o efeito da sentença que a completa, tornando-se imutável e plenamente eficaz, e outra que entende a coisa julgada como uma qualidade dos efeitos da sentença ou qualidade da própria sentença, a imutabilidade, que não é um efeito da sentença nem uma complementação da própria sentença, mas apenas um atributo dos efeitos originais do julgado.

Como se verá adiante, com o desenvolvimento das ordenações jurídicas nacionais, outras teorias acabaram sendo desenvolvidas e aqui serão apresentadas; teorias acerca dos efeitos da sentença e da coisa julgada formal, material, dos seus limites objetivos e subjetivos.


3. Tutela constitucional da coisa julgada

O ordenamento jurídico é ávido de segurança e estabilidade. A coisa julgada, ao por fim aos litígios, reveste-se da característica da indiscutibilidade, precisamente para concretizar o anseio de segurança presente na essência do ordenamento jurídico. [13]

É-lhe inerente a imutabilidade, que não pode ser infringida nem pelos juizes nem pelo legislador, está elevada à condição de garantia constitucional (Constituição Federal, art. 5.º, XXXVI). [14]

A coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, uma vez inserida em nossa Constituição no artigo 5º, no Título II (dos direitos e garantias fundamentais), Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), no inciso XXXVI, tem tutela constitucional que se confunde com aquela originária dos direitos e garantias fundamentais.

Assim, com relação aos direitos e garantias fundamentais devemos ter uma idéia básica a respeito de onde nasceu a necessidade de se pleitearem direitos. Lembra-nos o constitucionalista José Afonso da Silva [15] que, em épocas remotas, quando a sociedade dividiu-se entre proprietários e não-proprietários e paralelamente instalou-se a dominação de uns sobre outros e a conseqüente subordinação de muitos, a opressão econômica inicial (em seguida expandida para as searas social e política) nulificou, destruiu ou pelo menos abafou aquele sentimento de comunhão democrática de interesses que vigia nas sociedades mais primitivas, gentílicas, que tinham uma comunhão democrática de bens e interesses.

A partir daí, a história do homem passou a ser a história das lutas para libertar-se dessas opressões, a começar pela escravidão sistemática, diretamente relacionada com a aquisição de bens. Buscou-se, então, recuperar, em forma mais elevada, a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade das antigas gentes. [16]

Com esta busca, entrou-se em um processo de reconquista destes antigos valores. Dessa forma, o reconhecimento dos direitos fundamentais do homem nas Declarações de Direitos, ou antes, a própria idéia de se ter direitos é muito recente, é uma invenção moderna, coisa de aproximadamente 200 anos, o que representa muito pouco na história cronológica da humanidade.

Mas tratam-se de duzentos anos, é bem verdade, em que praticamente se conquistaram todos os direitos que hoje ostentamos enquanto titulares, o que comprova uma mudança radical de paradigma no campo mais amplo do Direito a partir do século XVIII. Durante séculos, os seres humanos apenas possuíam deveres e eram alvos de severas e muitas vezes irracionais punições, caso não realizassem suas obrigações a contento. Isso pode ser verificado com a mínima análise dos textos legais mais antigos de que temos notícia. [17]

Os grandes textos legais, os monumentos legislativos da Antigüidade, estabeleciam apenas deveres e não direitos. Do mesmo modo, para os romanos, v. g., não existiam propriamente direitos, ou pelo menos não direitos "subjetivos" (que é uma construção teórica moderna e de cunho bem mais individualista), mas somente alguns direitos enunciados de forma genérica (em que se definia a coisa, e não a titularidade do possuidor de direitos, o que fica bem claro em relação à propriedade) ou algumas ações, dizendo-se por isso que possuíam um "Direito Judicial".

Em seguida, verificamos algo similar (e talvez um retrocesso mesmo em relação à Antigüidade Clássica) na Idade Média e na Idade Moderna, em que tanto no regime feudal quanto no Absolutismo Monárquico não havia um Estado de Direito; o que existiu foi, no máximo, alguns documentos que antecederam historicamente as modernas Declarações de Direitos, e que reconheciam algumas franquias ou concessões dos reis a alguns súditos, mas nunca direitos e muito menos para todos. [18]

O caráter universalizante dos direitos, agora conquistados e não mais concedidos pelos senhores feudais ou pelos monarcas, passou a aparecer a partir das revoluções Americana (1776) e Francesa (1789), no século XVIII, portanto, marcando o triunfo do individualismo sobre o absolutismo divinizado dos reis, trocando a justificativa do poder de ex parte principis para ex parte populi, isto é, substituiu-se, na fundamentação do poder político, a Soberania Divina dos Reis pela Soberania Popular. [19]

Foi esta uma grande troca de perspectiva, invertendo-se o ponto de vista. E se hoje esse individualismo é tão criticado, o é porque acabou se traduzindo, muitas vezes, por egoísmo, mas à época em comento representou grande avanço em relação à conquista de direitos e à afirmação da idéia de que o indivíduo antecede o Estado e, portanto, o funda, o cria, através de uma Constituição (escrita). Foi aí que se deu a passagem dos deveres aos direitos, deixando-se de privilegiar os deveres, como era a prática até então, para valorizarem-se os direitos dos indivíduos.

Finalmente, além de serem os direitos aquisições muito recentes dos seres humanos, é importante frisar que longe se está de verem esgotadas suas possibilidades, justamente porque a evolução da humanidade importa a conquista de novos direitos, e, assim, o direito procura acompanhar (embora quase sempre nesta tarefa vá de reboque aos fatos sociais) se não a evolução, pelo menos a mudança dos costumes e dos valores que dinamicamente se dá em qualquer sociedade, umas em maior, outras em menor velocidade. Por exemplo: quem ousaria, há algumas poucas décadas, falar ou ainda reivindicar direitos relativos à Bioética? À reprodução assistida (a popular "barriga de aluguel", as fertilizações in vitro)? À Informática? [20]

Para que o Direito possa contemplar o dinamismo e o movimento dialético da sociedade, as próprias Constituições habitualmente deixam uma porta aberta para a entrada de novos direitos sem ser necessária uma mudança em seus textos.

A Constituição Brasileira de 1988 o fez no Parágrafo Segundo do seu Artigo 5º, nestes termos: "Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Logo, esta é a regra da própria Constituição que diz que os direitos fundamentais petrificados em seu texto não são numerus clausus, isto é, não são fechados; não apresenta ela um rol completo, acabado, mas uma relação que permite extensões, que admite interpretações extensivas.

Ao tratarmos, assim, da coisa julgada, tratamos de Instituto acolhido constitucionalmente dentre os direitos e garantias fundamentais, isso por ser onde a coisa julgada encontra-se inserida no texto constitucional e de onde podemos identificar, por conseguinte, a tutela constitucional extremamente importante que a acolhe.

Assim, a coisa julgada não é, como outrora se pensava, um efeito da sentença; o que hoje se reconhece e proclama como fundamental ao processo é a autoridade da coisa julgada, o que, como bem esclarece Liebman, não pode ser havido como um efeito propriamente da sentença, "mas uma qualidade, um modo de ser e de manifestar-se dos seus efeitos, quaisquer que sejam, vários e diversos, consoante as diferentes categorias das sentenças". Lembrando a importância do pensamento de Chiovenda, Liebman conclui que uma verdade se deve entender em toda a sua extensão como aquela que põe "toda a importância da coisa julgada na expressão da vontade concreta do direito". [21]

A eficácia de uma sentença se manifesta, via de regra, antes da coisa julgada, e dela, como é óbvio, independe. Mas, o comando de uma sentença, sem o plus da res iudicata, não impediria que outro juiz, em processo futuro, viesse a reexaminar o caso já decidido e a proferir novo julgamento, em sentido diverso do primeiro.

Somente uma razão de utilidade política e social intervém para evitar esta possibilidade, tornando o comando imutável quando o processo tenha chegado à sua conclusão, com a preclusão dos recursos contra a sentença nele pronunciada. Isto porque sem o plus da autoridade da coisa julgada, a eficácia natural da sentença, que é o escopo da jurisdição, seria imperfeitamente alcançada. [22]

A coisa julgada, então, faz imutável o comando da sentença, quando se verifica a preclusão dos recursos cabíveis contra ela.

Nisso consiste, pois, a autoridade da coisa julgada, que se pode definir, com precisão, como a imutabilidade do comando emergente de uma sentença.

Não se identifica ela simplesmente com a definitividade e intangibilidade do ato que pronuncia o comando; é, pelo contrário, uma qualidade, mais intensa e mais profunda, que reveste o ato também em seu conteúdo e torna assim imutáveis, além do ato em sua existência formal, os efeitos quaisquer que sejam, do próprio ato. [23]

A vontade do Estado de regular concretamente o caso decidido se afirma como "única" e "imutável", e essa característica da sentença não se restringe ao disciplinamento particular da relação jurídica entre os litigantes. [24] Vincula, sobretudo, o Estado, no exercício do Poder Jurisdicional e do Poder Legislativo. [25]

Não apenas os juizes jamais poderão alterar o comando sentencial passado em julgado, como também o legislador não poderá mudar a normação concreta da relação a qual vem a ser estabelecida para sempre pela autoridade da coisa julgada. [26]

Portanto, o instituto da coisa julgada pertence ao direito público e mais precisamente ao direito constitucional. A natureza publicística da autoridade da coisa julgada justifica que o juiz deva levar em conta, também ex officio, a existência de uma sentença precedente passada em julgado. Afinal, é a paz social, o equilíbrio e a segurança das relações jurídicas como um todo que justificam o antiqüíssimo instituto, sabidamente de ordem pública.

Pouco importa que o juiz, em novo processo, se convença da injustiça da sentença transitada em julgado. Ela continuará sendo indiscutível e imutável.


4. Direito comparado

A coisa julgada se encontra presente em muitas Constituições atuais; arriscaríamos dizer que, direta ou indiretamente prescrita, a coisa julgada existe em todo ordenamento jurídico constitucional, de qualquer Estado, desde que este seja constitucionalmente definido; esta presença se dá tanto expressamente mencionada, em determinados artigos na Constituição como, em alguns casos, certos dispositivos garantem flagrantemente sua existência no ordenamento jurídico infraconstitucional; é o que passaremos a analisar a seguir, ou seja, a presença da coisa julgada em várias Constituições, de vários Estados, soberanos e organizados juridicamente, com base em uma Constituição escrita e suas diferenças e semelhanças com a nossa Carta Magna.

Podemos analisar a Constituição da República da Coréia, em seu Capítulo II (que prevê os direitos e deveres dos cidadãos), artigo 13 (1), in verbis: "Nenhum cidadão será processado por ato que não constitua crime de acordo com a legislação em vigor à época de sua realização, e nem será julgado duas vezes pelo mesmo crime." [27] É óbvio que, não sendo possível o julgamento por duas vezes pelo mesmo crime, será garantida a soberania do primeiro julgado, sendo, assim, garantida a prevalência da coisa julgada. Essa proteção encontra-se no texto constitucional sob comento de forma não tão direta como em nossa carta, que, como fora demonstrado, menciona diretamente a expressão coisa julgada.

A Constitucion Politica De La Republica De Costa Rica, em seu Título IV (Derechos e Garantias Individuales), Capítulo unico, articulos 34 e 42, também apresenta a coisa julgada, in verbis: "Articulo 34. A ninguna ley se le dará efecto retroactivo en perjuicio de persona alguna, o de sus derechos patrimoniales adquiridos o de situaciones juridicas consolidadas." Continua, esta Constituição, em seu artigo 42: "Articulo 42. Un mismo juez no puede serlo en diversas instancias para la decisión de un mismo punto. Nadie podrá ser juzgado más de una vez por del mismo hecho punible. Se prohibe reabrir causas penales fenecidas y juicios fallados con autoridad de cosa juzgada, salvo cuando proceda el recurso de revisión." [28]. Esta Magna Carta, como se pode verificar, já menciona textualmente o Instituto quase que essencialmente processual da coisa julgada, garantindo-a de forma mais ampla, diferentemente da Constituição da Coréia, analisada anteriormente, que não tem esta preocupação ortográfica, limitando-se a mencionar a garantia da não repetição do julgado, e, limitando a garantia à esfera criminal ao referir-se textualmente "mesmo crime".

A Constitucion Politica De La Republica De El Salvador, em seu Título II (Los Derechos y Garantias Fundamentales de la Persona), Capitulo I (Derechos Individuales y su Régimen de Excepción), Seccion Primera (Derechos Individuales y su Régimen de Escepción), em seu articulo 11 garante o direito à coisa julgada, assim expondo: "Art. 11 – Ninguna persona puede ser privada del derecho a la vida, a la liberdad, a la propriedad y posesión, ni de cualquier otro de sus derechos sin ser previamente oída y vencida en juicio con arreglo a las leyes; ni puede ser enjuiciada dos veces por la misma causa." [29] Nesta Constituição, a coisa julgada é equiparada a outros Institutos de proteção aos direitos individuais da pessoa humana, como o direito a vida, a liberdade, entre outros, não ficando limitada à esfera criminal, mas, em contrapartida, também não refere-se textualmente à coisa julgada.

A Constituição dos Estados Unidos da América, na Emenda V, também garante, entre outros direitos do cidadão, o direito à coisa julgada, in verbis:

EMENDA V: Ninguém será detido para responder por crime capital ou outro crime infamante, salvo por denúncia ou acusação perante um Grande Juri, exceto em se tratando de casos que, em tempo de guerra ou perigo público, ocorram nas forças de terra ou mar, ou na milícia, durante serviço ativo; ninguém poderá pelo mesmo crime ser duas vezes ameaçado em sua vida ou saúde; nem ser obrigado em qualquer processo criminal a servir de testemunha contra si mesmo; nem ser privado da vida, liberdade, ou bens, sem processo legal; nem a propriedade privada poderá ser expropriada para uso público, sem justa indenização. [30]

Neste caso, apesar de tratar-se de Emenda, não de artigo inserido no próprio corpo do texto constitucional estadunidense, também temos a presença da coisa julgada nesta Carta, juntamente, também, com outros Institutos de proteção aos direitos do cidadão e, também, não existe a referência direta à expressão coisa julgada.

A Constituição da República das Filipinas, em seu artigo III (declaração de direitos), seção 21, apresenta a coisa julgada, in verbis: "Ninguém correrá o perigo de sofrer punição duas vezes pelo mesmo crime. Se uma ação for punida por uma lei e um decreto, a condenação ou absolvição de acordo com qualquer dos dois constituirá impedimento para que se inicie outro processo pela mesma ação." [31] Trata-se de disposição legal muito clara, garantindo a estabilidade da coisa julgada desde que não exista outra forma legislativa (lei ou decreto), ou seja, se existir outro tipo de dispositivo legal que não lei e decreto, e, havendo condenação uma vez apreciado o fato sob a égide deste dispositivo, não se falará em aplicabilidade da coisa julgada nestes casos, ao mesmo de acordo com a Constituição.

A Constituição do Japão, em seu Capítulo III (direitos e deveres do povo), artigo 39, prevê o Instituto da coisa julgada, in verbis: "Ninguém será responsabilizado criminalmente por um ato que era legal na época em que foi praticado, ou do qual foi absolvido, nem tampouco será sujeito à dupla ameaça." [32] Trata-se, também, de proteção constitucional limitada apenas à esfera criminal, que se encontra neste dispositivo, presente na Constituição japonesa.

A Constitución Politica de los Estados Unidos Mexicanos, em seu Titulo Primero, Capitulo I, (de las Garantias Individuales), articulo 23, também apresenta a coisa julgada, in verbis: "Ningún juicio criminal deberá tener más de tres instancias. Nadie puede ser juzgado dos veces por el mismo delito, ya sea que en el juicio se le absuelva o se le condene. Queda prohibida la práctica de absolver de la instancia." [33] Trata-se, neste caso também, de proteção apenas penal presente no dispositivo constitucional mexicano.

A Constituição da Nicarágua, em seu Título IV, Capítulo I (derechos individuales), artigo 34, item 9, assim determina: "Articulo 34. Todo procesado tiene derecho, en igualdad de condiciones, a las siguientes garantias mínimas:.. . 9. A recurrir ante un tribunal superior a fin de que su caso sea revisado cuando hubiere sido condenado por cualquier delito; y a no ser procesado nuevamente por el delito por el cual fue condenado o absuelto mediante sentencia firme." [34] Trata-se, neste caso, também de proteção exclusivamente penal.

A Constituição do Paraguai, em seu capítulo V, artigo 64, estabelece: "Nadie puede ser sometido a juicio por los mismos hechos en virtud de los quales hubiera sido juzgado anteriormente, ni privado de su libertad por obligaciones cuyo incumplimiento no haya sido definido por la ley como delito o falta. No se admite la prisión por deuda." [35] Trata-se de uma constituição de origem também latina, muito próxima de nossa cultura, muito parecida com a nossa também. A proteção dada à coisa julgada nesta Constituição não se refere, como na nossa, apenas à esfera penal, mas à coisa julgada como um todo, como Instituto. Trata-se, a nosso ver, de texto muito mais completo, assim como o inserido em nossa Constituição, que garante a ascensão de dogma constitucional à coisa julgada como Instituto processual, não somente como garantia de direito criminal.

A Constituição de Portugal, em seu artigo 29 (ao tratar da aplicação da lei criminal), item 5, prevê a coisa julgada, in verbis: "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime." [36] A Constituição de Portugal, portanto, não oferece a mesma acolhida que a nossa Constituição concedeu à coisa julgada, limitando-se a prevê-la e tutelá-la apenas na esfera criminal, como a maioria das Constituições do planeta.

A Constituição da Venezuela, em seu artigo 60, 8.º prevê: "Ninguém poderá se submetido a julgamento pelos mesmos fatos em virtude dos quais já tenha sido julgado;". [37] Trata-se de proteção que não se limita, como fazem a maioria das Constituições, à esfera criminal, ou seja, ao mencionar a impossibilidade de que o cidadão possa ser submetido a julgamento pelo mesmo fato que já tenha sido julgado, nada mencionando ser este fato criminoso ou não, a Constituição venezuelana também oferece uma maior proteção à coisa julgada como Instituto processual, não apenas de direito penal, mas de todo e qualquer ramo do direito.

Podemos perceber, ao analisarmos estas Constituições estrangeiras, que a nossa Magna Carta não tem uma redação mal elaborada; nosso texto constitucional nada deixa a desejar em comparação com os demais, muito pelo contrário, trata-se de um dos melhores textos ao apresentar a coisa julgada, ao lado do direito adquirido e do ato jurídico perfeito, intocável perante o legislador ao realizar o processo legislativo, mas não perante a justiça quando não completa, quando não existindo como um ato juridicamente perfeito, permitindo, nossa Carta maior, o julgamento do mesmo fato através da garantia do amplo acesso ao judiciário, sempre que houver legítimo fundamento para que isso possa ser realizado.


5. Coisa julgada formal

Quando estiverem esgotados todos os recursos previstos na lei processual, ou porque foram todos utilizados e decididos, ou porque decorreu o prazo de sua interposição, ocorre a coisa julgada formal, que é a imutabilidade da decisão dentro do mesmo processo por falta de meios de impugnação possíveis, recursos ordinários ou extraordinários. [38]

A coisa julgada formal, ou preclusão máxima, dá à sentença imutabilidade como ato processual de encerramento da relação processual. [39]

Tornando imutável a decisão, como ato processual, a coisa julgada formal é condição prévia da coisa julgada material, que é a mesma mutabilidade em relação ao conteúdo do julgamento e "mormente aos seus efeitos." [40]

Literalmente, coisa julgada formal significa: "Coisa Julgada Formal: Diz-se da decisão em cujo processo não mais pode ser impugnada, seja porque precluíram os prazos recursais, seja porque se esgotaram todos os recursos previstos na lei." [41]

Trata-se da impossibilidade de reformar a sentença por vias recursais, seja porque a última instância proferiu sua decisão, ou seja, por haver transcorrido o prazo para interpor recurso, ou finalmente porque se desistiu do recurso ou a ele se renunciou.

Prolatada a sentença que encerra o processo, faculta-se às partes, mercê do princípio do duplo grau de jurisdição, a via dos recursos, com o uso dos quais a parte perdedora, chamada de "sucumbente", postula um reexame das questões decididas na Instância Inferior para obtenção de novo ato decisório do Juízo colegiado (Tribunal) que lhe seja favorável.

Referidos remédios impugnativos (recursos) devem ser usados dentro dos prazos previstos no Estatuto Processual. Pode ocorrer, também, como já acentuado antes, que a parte se conforme com o julgado proferido pelo Juiz monocrático.

Assim, esgotado o prazo para recurso sem sua interposição, ou julgados todos os recursos interpostos, a sentença transita em julgado. Ocorre, destarte, a coisa julgada formal.

A coisa julgada formal, portanto, caracteriza-se como o ato processual decisório que se torna imutável, por não ser mais passível de reforma, via de recursos, seja porque exauridos foram todos os previstos na lei processual, seja porque já estão preclusos os prazos para a sua interposição, seja porque a parte desistiu do interposto. [42]

Em Roma, temos a seguinte definição da coisa julgada:

"Res judicata dicitur quae finem controversiarum pronuntiatione judicis accipit, quod vel condemnationem vel absolutionem contingit." [43]

Moacyr Amaral Santos define a coisa julgada formal nos termos seguintes: "A coisa julgada formal consiste no fenômeno da imutabilidade da sentença pela preclusão dos prazos para recursos." [44]

José Frederico Marques ensina: "A sentença se torna imutável na relação processual (ocorrendo assim a coisa julgada formal) quando inadmissível qualquer recurso para reexame da decisão nela contida." [45]

Podemos concluir, assim, que resolvidos os recursos interpostos ou preclusos os prazos para a interposição de qualquer impugnação contra a sentença, opera-se o primeiro fenômeno que marca a sentença, ou seja, faz-se a coisa julgada formal.

Com a sua formação, a sentença adquire uma qualidade: a imutabilidade como ato processual. Isto quer dizer que o mesmo Juiz que prolatou a sentença não a pode mais modificar, visto que ela adquiriu os contornos de ato processual imutável, inimpugnável, incontestável, portanto definido.

Com a ocorrência de tal fenômeno, todas as questões que constituem o cerne do litígio, não só as que foram efetivamente deduzidas, como as que poderiam ter sido alegadas mas não o foram, não podem mais ser objeto de argüição e de apreciação. Neste sentido, soa o art. 474 do CPC. [46]

Opera-se com as questões não argüidas, embora pudessem tê-lo sido, o fenômeno da preclusão, ou seja, a perda de um direito ou faculdade processual de alegar novamente aquelas questões.

Enfim, constituída a coisa julgada formal, o Juiz cumpre e acaba o ofício jurisdicional ou, em outras palavras, o Estado entrega ao particular a prestação jurisdicional que foi invocada, resultando, daí, que o litígio resta definitivamente composto, com a aplicação da vontade da Lei ao caso concreto.


6. Coisa julgada material

O fundamento da coisa julgada material é a necessidade de estabilidade nas relações jurídicas. A coisa julgada material, que é a imutabilidade do dispositivo da sentença e seus efeitos, torna impossível a rediscussão da lide, reputando-se repelidas todas as alegações e defesas que a parte poderia opor ao acolhimento ou rejeição do pedido. [47]

Na coisa julgada material, concentra-se a autoridade da coisa julgada, ou seja, o mais alto grau de imutabilidade a reforçar a eficácia da sentença que decidiu sobre o mérito ou sobre a ação, para assim impedir, no futuro, qualquer indagação sobre a justiça ou injustiça de seu pronunciamento.

A coisa julgada material é instituto de direito processual. Ela torna imutável a vontade concreta da lei que promana da sentença, criando, assim, vínculos de ordem puramente processual que impedem o reexame do mérito da questão decidida por qualquer outro órgão investido de poder jurisdicional. [48]

Literalmente, coisa julgada material significa: Coisa Julgada Material: Diz-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. [49]

Exauridos e resolvidos os recursos manifestados contra a sentença, ou não sendo manifestado nenhum, a sentença transita em julgado. [50] Com tal ocorrência, operam-se dois fenômenos simultâneos. O primeiro é o advento da coisa julgada formal, isto é, a sentença, como ato processual, torna-se imutável dentro da relação processual. Este fenômeno só se faz presente dentro do processo. O segundo fenômeno é a formação da coisa julgada material ou substancial. Esta, que tem como pressuposto lógico a coisa julgada formal, caracteriza-se pela imutabilidade dos efeitos declaratórios, condenatórios ou constitutivos da sentença de mérito, chamados "principais", como imutáveis também se mostram os efeitos secundários da sentença. Tais efeitos — principais e secundários — adquirem uma qualidade, que é a sua imutabilidade. Fala-se, assim, em "autoridade da coisa julgada". [51]

Tais efeitos, tornados imutáveis, extrapolam-se da relação processual, irradiam-se para fora do processo de tal sorte que impedem que outros Juizes ou Tribunais possam reapreciar e redecidir aquele mesmo litígio. [52] O comando que emerge da sentença de mérito transitada em julgado faz lei entre as partes, isto é, obriga o réu vencido a cumprir o decisório, bem como dá, ao vencedor, a faculdade de fazer valer o direito reconhecido na sentença.

E aqui estão as diferenças entre a coisa julgada formal e a material ou substancial. A primeira traduz-se pela imutabilidade da sentença, como ato processual, dentro do processo. O mesmo Juiz prolator não mais pode modificá-la. A sentença, como ato processual, adquire uma qualidade, um matiz, uma conotação, que é a sua imutabilidade dentro do processo. A coisa julgada substancial, por seu turno, caracteriza-se pela imutabilidade dos efeitos principais e secundários da sentença que transitou em julgado.

Mercê dela os mencionados efeitos principais e secundários tomam-se imutáveis, indiscutíveis, inimpugnáveis, fazendo lei entre as partes. A sentença, assim, passa a ter a sua eficácia natural, que consiste na produção dos discutidos efeitos.

Não é outra a doutrina esposada pelo atual Código de Processo Civil: "Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário." "Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas."


7. Limites objetivos e subjetivos da coisa julgada

Quando se está a tratar dos limites subjetivos, a tentativa é de identificar exatamente quem é atingido pela autoridade da coisa julgada e ao referir os limites objetivos se está a identificar o quê, na sentença, efetivamente adquire autoridade de coisa julgada. [53]

Nem tudo na sentença se torna imutável. O que faz coisa julgada material é o dispositivo da sentença, a sua conclusão. Pode-se dizer que a coisa julgada se restringe à parte dispositiva da sentença; a essa expressão, todavia, deve dar-se um sentido substancial e não formalista, de modo que abranja não somente a parte final da sentença, como também qualquer outro ponto em que tenha o juiz eventualmente provido sobre os pedidos das partes. [54]

O Código de Processo Civil, em seu art. 460, cuida da natureza ou da extensão da sentença. Não pode o juiz proferir sentença de natureza diversa da pedida, nem condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. [55]

Os limites objetivos da sentença são assim definidos: Limites Objetivos da Coisa Julgada. Em direito processual civil, diz-se da sentença que julgar total ou parcialmente a lide, nos limites das questões decididas, e da resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer, o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para julgamento da causa (Cód. de Proc. Civil, arts. 468 e 470). [56]

As sentenças são declaratórias, constitutivas, condenatórias, mandamentais e executivas. Se foi pedida uma sentença constitutiva o juiz não pode proferir decisão meramente condenatória; se se pediu execução, não pode o juiz conceder condenação.

A sentença de natureza diversa da que foi pedida é, de certo modo, uma sentença citra petita. A preposição latina citra significa aquém, sem ir até, sem atingir. Por isso, a sentença citra petita não se confunde com a que acolheu apenas parcialmente o pedido. Indica a decisão que não soluciona a lide, porque resolveu apenas parte do pedido (atente-se que resolver parte do pedido, não significa acolhê-lo parcialmente, a decisão que secciona o pedido, mutila-o) ou resolveu de modo defeituoso por erro de apreciação.

Também não pode o juiz condenar o réu em quantidade superior ao que foi pedido. Está-se, aí, diante de sentença ultra petita porque julga além do pedido. Se a decisão concede objeto diverso do que foi demandado é a hipótese de sentença extra petita, fora do que pediu o autor. [57]

São, todos esses, casos de nulidade, porque é defeso ao juiz proferir sentença com essas distorções.

"A sentença extra petita é nula, porque decide causa diferente da que foi posta em juízo (ex.: a sentença ''de natureza diversa da pedida'' ou que condena em ''objeto diverso'' do que fora demandado), o tribunal deve anulá-la" (RT 502/169; JTA 37144, 48/67; RP 6/326).

Não ocorre o mesmo com a sentença ultra petita, i. e., que decide além do pedido (ex.: a que condena o réu em quantidade superior à pleiteada pelo autor). Ao invés de ser anulada pelo tribunal, deverá ser reduzida aos limites do pedido (RTJ 89/533, 112/373; RJTJESP 49/129; RP 4/406). Não constitui decisão ultra petita a que concede correção monetária ou a que condena ao pagamento de juros legais (art. 293), das despesas e honorários de advogado (art. 20), ou das prestações vincendas (art. 290), mesmo que nenhum desses pedidos tenha sido feito na inicial.

Portanto, não há vício da sentença "quando a decisão proferida corresponde a um munus em relação a ambas as pretensões em conflito" (TJ 86/367), nem se julgada procedente em parte a ação, porque, "no pedido mais abrangente se inclui o de menor abrangência" (STF-2ª Turma, RE 100.8946, rel. Min. Moreira Alves, j. 4.11.83, não conheceram, v. u., DJU 10.2.84, p. 1019, 2ª col., em.).

Segundo regra do art. 460, não pode o juiz proferir sentença de natureza diversa da pedida, nem condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. [58]

Em nível de limites subjetivos deve ser feita a divisão em demandas individuais e coletivas. Nas demandas individuais, é clara a orientação doutrinária no sentido de que, por regra, somente as partes são atingidas pela autoridade de coisa julgada e, por exceção, os terceiros juridicamente interessados poderão ser atingidos. Na classe de terceiros juridicamente interessados incluem-se: o sucessor (causa mortis), o cessionário e o substituído processualmente.

Portanto, limite subjetivo da coisa julgada é a hipótese de que trata o art. 472. De regra, a sentença só faz coisa julgada entre os que foram partes no processo. Nas ações de estado, de pessoa, como diz a lei, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz também coisa julgada. [59]

Pode ser definido, o limite subjetivo da coisa julgada, como: "Limites Subjetivos da Coisa Julgada: Em direito processual penal, diz-se da validade da sentença unicamente entre as partes que atuaram no processo. Em direito processual civil, somente a parte vencida, seus herdeiros e sucessores universais ou singulares é que sofrem os efeitos da coisa julgada." [60]

Nas ações de estado, mais que em qualquer outra, é notável o fato da sentença produzir efeitos que vão atingir àqueles que não foram parte na causa. Tudo resulta do conceito e da natureza do status, em função do que se sustentou um princípio oposto quanto à eficácia da coisa julgada: esta seria oponível erga omnes. [61]


8. Ação anulatória: conceito

Até aqui fora discorrido acerca da coisa julgada, que, como foi exposto, é o fim do processo, a entrega final do judiciário com relação ao objeto colocado ao seu crivo, sob seu decisório.

Ocorre que, apesar de tudo o que fora mencionado acerca da coisa julgada, existe a ação rescisória, que visa a anulação da sentença que, de alguma forma devidamente prevista no artigo 485 e seus incisos, encontra-se viciada e passiva de anulação via ação rescisória.

Mas, em alguns casos, a sentença não faz coisa julgada, não é de mérito, mas sim meramente homologatória. Passiva, portanto, uma vez viciada, de anulabilidade via ação anulatória, não de ação rescisória, somente aplicável em casos de sentença de mérito, que julga a lide, decide o mérito da causa.

Ação anulatória significa: "Ação Anulatória de Ato Judicial. Diz-se daquela para rescindir atos judiciais que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória (Cód. de Proc. Civil, art. 486)." [62]

Para se definir a ação anulatória, podemos também definir a ação de anulação: "Ação de Anulação. Em direito civil e direito processual civil, diz-se em geral, da que tem por fim o desfazimento de um ato ou de um negócio jurídico viciado por erro, dolo, simulação ou fraude...", [63] além das novas modalidades criadas recentemente pelo novo Código Civil, o estado de perigo e a lesão (Cód. Civil, arts. 138, 145, 167, 158, 156,157, respectivamente)."

Trata-se, neste caso, também, de ação anulatória a nosso ver a ser ajuizada com fulcro formal no artigo 486 do CPC, e, com base material nos artigos citados do ordenamento civil pátrio.

A ação anulatória é uma ação de conhecimento declaratória e condenatória (onde se pleiteia a declaração da nulidade do ato então sub judice e a retomada ao statu quo ante na relação jurídica que resultou do ato anulado), a seguir o procedimento ordinário previsto no artigo 274 do CPCB., que determina seguir-se os procedimentos previstos no livro I do mesmo diploma legal (não devendo ser chamada, por ser forma errônea, de ação ordinária de nulidade, isso porque trata-se de ação de conhecimento declaratória e condenatória a seguir o procedimento ordinário); não existem ações ordinárias, mas sim ações que seguem o rito ordinário.

Portanto, o ato de rescindir importa na reabertura de processo findo e na conseqüente desconstituição de sentença formalmente transitada em julgado, nele proferida, e portadora de vício expressamente previsto na lei.

Tanto no caso da ação anulatória, como no caso da ação rescisória, não se abre (ou reabre) o processo findo, mas obtém-se, com o julgamento da procedência da ação, a declaração da nulidade do ato e o retorno das partes ao statu quo ante (estado anterior aos efeitos produzidos pelo ato anulado).


9. Ação de conhecimento declaratória

A ação anulatória é uma ação de conhecimento declaratória. As ações podem ser declaratórias, condenatórias ou constitutivas, sendo que só a segunda dá ensejo à exeqüibilidade da sentença, vale dizer, à instauração do processo de execução, se o vencido não satisfizer, espontaneamente, o direito nela reconhecido.

Devemos distinguir se uma ação é de conhecimento, cautelar ou de execução, a fim de se saber qual o tipo de tutela jurisdicional pleiteada ao Poder Judiciário. [64]

Os processos especificam-se de acordo com a natureza jurídica da tutela jurisdicional invocada, em processo de conhecimento, de execução e cautelar. [65]

O processo de conhecimento, que se instaura pela propositura da ação de conhecimento, é aquele cuja finalidade do autor é obter uma sentença que solucione o litígio. Esta sentença poderá ser meramente declaratória, condenatória ou constitutiva.

O processo de execução é aquele em que o vencedor, já munido de uma sentença condenatória, que reconheceu o seu direito, postula a tutela jurisdicional de execução, para compelir o vencido a solver a prestação obrigacional a que foi condenado na sentença. Tal é o processo de execução por título judicial. Todavia, a própria lei criou alguns títulos, a que deu o nome de extrajudiciais, com eficácia executiva. Isto é, tais títulos, que gozam da presunção legal de liquidez e certeza, têm força, também, para fazer instaurar o processo de execução. Este é cognominado de processo de execução por títulos executivos extrajudiciais (art. 585 do CPC).

O processo cautelar é o que visa à obtenção de uma medida acautelatória, a fim de preservar direitos ou interesses para serem exercitados futuramente, no processo de conhecimento ou no processo de execução. Ele está disciplinado no Livro III do CPC (arts. 796 a 889).

Quanto aos tipos de procedimento, os processos se classificam em: a) comuns, que se subdividem em processos de rito ordinário, que é o rito-padrão, para a generalidade das causas, e processos de rito sumário, que se caracterizam pela supressão de vários atos processuais do rito ordinário e pela celeridade na decisão da causa (art. 275 do CPC); b) especiais que se subclassificam em procedimentos de jurisdição contenciosa, previstos nos arts. 890 a 1.102 do CPC, e procedimentos de jurisdição voluntária, que estão disciplinados nos arts. 1.103 a 1.210 do Estatuto Processual; c) remanescentes, que são aqueles constantes do elenco do art. 1.218 do CPC.; são alguns tipos de procedimentos especiais do Código de 1939 que foram revigorados pelo citado art. 1.218; d) extravagantes, que são os disciplinados em leis especiais que tratam de matéria processual. São assim chamados de extravagantes porque eles são tratados em leis extravagantes, ou seja, leis que disciplinam o processo, mas que não estão encartadas dentro do corpo do Código de Processo Civil. Exemplos: mandado de segurança (Lei nº 1.533/51); ação popular (Lei nº 4.717/65); ação de despejo (Lei nº 6.649/795); ação de acidente do trabalho (Lei 6.367/76); ação discriminatória de terras públicas (Lei nº 6.383/76); ação de alimentos (Lei nº 5.478/68); etc.

A ação anulatória se enquadra, portanto, como já afirmado, como ação de conhecimento declaratória e condenatória que segue o rito ordinário. De conhecimento é o processo a ser ajuizado, o pedido contido na proemial; rito ordinário é o procedimento a ser seguido, a forma como os atos devem ser praticados. Trata-se de uma ação onde se cumula pedido declaratório com condenatório. Deve-se, portanto, pleitear a declaração da nulidade do ato e a condenação das partes ao estado anterior aquele da prática do ato.


10. Atos rescindíveis por meio da ação anulatória

Os atos rescindíveis por meio da ação anulatória são aqueles previstos no artigo 486 do CPC, conforme já exposto. Ocorre que, devido à complexidade com que o processo se apresenta em determinados momentos, a confusão, na maioria das vezes, é muito grande.

É preciso distinguir sentença de mérito de sentença meramente homologatória, pois, a sentença de mérito rescinde-se via ação rescisória, enquanto que a sentença meramente homologatória, como os demais atos jurídicos processuais, assim como os atos jurídicos em geral, rescinde-se via ação anulatória.

Essas distinções são basilares para que se possa ajuizar esta ou aquela ação, motivo este que forçou-nos, ao elaborar este trabalho, discorrermos acerca da coisa julgada e, como conseqüência inevitável, da sentença e seus efeitos, para, feito isso, podermos analisar com mais propriedade os momentos em que são cabíveis a ação anulatória e não a ação rescisória.

Theotonio Negrão apresenta um resumo de jurisprudência onde se destaca a grande controvérsia que existe em torno da regra do art. 486: [66]

"É cabível a ação ordinária de nulidade ou de anulação da sentença homologatória. - de separação consensual (RT 499/109; RJTJESP 98/397; RP 6/308, em. 63); de cláusula da separação consensual (RJTJESP 25/77); de partilha na separação consensual (RTJ 83/977; RT 496/79; RJTJESP 43/50, 46/209); - de adjudicação (RTJ 79/500; RT 500/185; JTA 46/58; contra: STF-RTJ 82/505 e RT 508/262); - de arrematação (RTJ 113/1.085, 114/246; STF-RT 590/258, maioria; RT 472/128, 508/130, RJTJESP 92/33, JTA 39/119, 91/181; TFR-2ª Seção, AR 964-MG, rel. Min. Pádua Ribeiro, j. 11.12.84, maioria, apud Bol. do TFR 83, p. 20; contra, sustentando ser cabível a ação rescisória: RTFR 116/6 (TFR-2ª Seção, j. 21.9.82, 3 votos vencidos), 116/21 (TFR- 2ª Seção, j. 19.6.83, 4 votos vencidos), RT 505/141 e JTA 47/125; - de remissão (RT 476/224), - proferida em processo de jurisdição voluntária (RP 4/397, em. 137), como é o pedido de alvará para venda de bem de menor (RF 284/314)."

Estes entendimentos jurisprudenciais vêm de encontro com nossas afirmações no sentido de que a ação anulatória é cabível sempre que a sentença for meramente homologatória, como, v. g., em regra, nos procedimentos de jurisdição voluntária, nos casos de homologação de separação judicial ou de partilha.


11. Ação anulatória: aspectos históricos

A decisão final das lides, a imutabilidade desses julgados e a rápida solução das causas, para que não se eternizem os litígios, é regra de ordem pública, como já ensinava Alfredo de Araújo Lopes da Costa sobre a ação rescisória. [67] Contudo, essa regra não é ilimitada ou absoluta, sendo de há muito excepcionada nas legislações e nos pretórios. E assim também ocorre com certos atos processuais.

O art. 486 do CPC de 1.973 – Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1.973 – dispõe: "Os atos judiciais, que não dependem de sentença, ou em que esta for meramente homologatória, podem ser rescindidos, como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

A redação do art. 486 do CPC de 1.973 é igual à do Anteprojeto e à do Projeto do mencionado código vigente, o que já fora anteriormente observado por Luís Eulálio de Bueno Vidigal. [68] Pode ser verificado que o dispositivo em estudo reproduz quase que literalmente o parágrafo único do art. 800 do diploma de 1.939, que dispunha: "Art. 800. A injustiça da sentença e a má apreciação da prova ou errônea interpretação do contrato não autorizam o exercício da ação rescisória. Parágrafo único. Os atos judiciais que não dependerem de sentença, ou em que esta for simplesmente homologatória, poderão ser rescindidos como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

Como se pode constatar, o parágrafo único do art. 800 do CPC de 1.939 era o dispositivo processual que tratava da ação anulatória e, assim como o atual art. 486 do CPC, estava inserido no título III, relativo à ação rescisória: "Da ação rescisória da sentença".

Não se trata de bis in idem a ação rescisória e a ação anulatória. Exatamente como o Estatuto Processual de 1.973 em vigor, o Código de 1.939 considerava a ação anulatória apenas destinada a impugnar o ato eivado de vício de nulidade praticado em juízo ou fora dele (dependente ou não de sentença "meramente homologatória") e não a sentença propriamente, de mérito, como é o caso da ação rescisória.

José Carlos Barbosa Moreira ensina: "O Código de 1.939 tinha o remédio da ação anulatória (art. 800, parágrafo único) mas não considerava o vício do ato homologado como pressuposto bastante da ‘rescisão da sentença’, de modo que inexistia bis in idem", [69] cabendo, neste caso, não a ação rescisória, mas a ação anulatória.

O antecedente mais remoto na legislação nacional da ação anulatória de "ato judicial" encontra-se no art. 255 do Regulamento 737, de 25 de novembro de 1.850, que falava em "ação rescisória do contrato": "Art. 255. A proposição da ação rescisória do contrato não induz litispendência para a ação de dez dias, proveniente do mesmo contrato. Todavia, havendo já alguma sentença pronunciado a nulidade do contrato, o autor não poderá levantar a importância da execução sem prestar fiança".

No entanto, Luís Eulálio de Bueno Vidigal não considera que o Regulamento 737 continha algum texto correspondente ao atual art. 486 do CPC de 1.973, assim como "o Decreto 3.084 e a Consolidação das Leis de Ribas também não tinham disposição correspondente". Afirma esse autor que, "dos Códigos estaduais, só o de São Paulo, no parágrafo único do art. 359, dispôs sobre o assunto em termos substancialmente iguais aos do texto do art. 486 do CPC em vigor". [70]

Na busca da origem da ação anulatória de ato judicial, José Carlos Barbosa Moreira, cita, no direito comparado, como dispositivo semelhante ao art. 486 do CPCB, o artigo 301.º, do CPC de Portugal, que determina:

"(Nulidade e anulabilidade da confissão, desistência e a transacção) 1) A confissão, a desistência e a transacção podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros actos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n. 2 do art. 359.º do CC. 2). O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, desistência ou transacção não obsta a que se intente a acção destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas". [71]

Assim, o ordenamento português, vigente até os dias atuais, no art. 301.º, permite a declaração de nulidade ou a anulação da confissão, da desistência e da transação. O trânsito em julgado da sentença baseada em qualquer desses atos não obsta o exercício de ação em que se pretenda vê-los declarados nulos ou anulados.

Portanto, o CPC português, no art. 301.º, apresenta certos mandamentos que se assemelham ao art. 486 do CPC brasileiro. Da mesma forma que o art. 486 do CPC, o ordenamento luso, no art. 301º, possibilita a nulidade ou anulação de atos praticados pelas partes em juízo, como a confissão, anulação nos termos da lei civil (stricto sensu). [72]

Pode ser constatado que o art. 359.º do CC luso, mencionado no art. 301.º do CPC, também de Portugal, dispõe sobre a nulidade ou anulabilidade da confissão: "Art. 359.º (Nulidade e anulabilidade da confissão) 1) A confissão, judicial ou extrajudicial, pode ser declarada nula ou anulada, nos termos gerais, por falta ou vícios da vontade, mesmo depois do trânsito em julgado da decisão, se ainda não tiver caducado o direito de pedir a sua anulação. 2) O erro, desde que seja essencial, não tem de satisfazer aos requisitos exigidos para a anulação dos negócios jurídicos". [73]

Existem semelhanças e diferenças entre o art. 301 do CPC português e o art. 486 do CPC brasileiro. Os dois dispositivos permitem o ajuizamento da ação anulatória contra atos praticados pelas partes em juízo, eivados de nulidade ou anulabilidade oriundos da falta de vontade ou de vícios do consentimento. Todavia, é evidente que o art. 486 do CPC é mais amplo do que o art. 301 do ordenamento luso, pois os fundamentos para ajuizamento da ação anulatória do art. 486 do CPC não se esgotam na falta de vontade ou nos vícios do consentimento, sendo também possível a sua propositura nos casos de nulidade.

Nossa legislação, nos artigos 485 e 486 permite a anulação de atos jurídicos ou não, desde que viciados nos termos descritos, sendo que, nossa jurisprudência, acertadamente, se posicionou no sentido de ser possível, após ocorrida a preclusão máxima (coisa julgada formal), o ajuizamento de ação anulatória para desconstituir o ato praticado em juízo. Pela sistemática do CPC brasileiro vigente, após o trânsito em julgado da sentença, entendemos que se essa sentença for meramente homologatória, não julgar o mérito da causa, portanto, cabível a ação anulatória, nos termos similares ao nº 2 do art. 301 do Código português.

A grande maioria das legislações estrangeiras é desprovida de norma que corresponda, mesmo parcialmente, ao atual art. 486 do CPC, o que não quer dizer que a actio nullitatis não exista nos sistemas processuais brasileiro e estrangeiro, como a ação de procedimento ordinário, comum, sem específica disciplina.

Nossa doutrina tende a negar a possibilidade de invalidação dos atos das partes, após o trânsito em julgado da sentença, por vício da vontade, salvo mediante ação rescisória, quando for o caso. Posição esta que discordamos. Argumenta-se que no processo deve haver a certeza da segurança que lhe é inerente, e que, possibilitando a livre discussão da validade dos atos processuais, tal segurança vir-se-ia abalada, entendendo por isso que, no silêncio dos textos, nega-se a possibilidade de invalidação dos atos das partes, por vício da vontade após o trânsito em julgado da sentença (coisa julgada material). Os doutrinadores afirmam, de uma maneira geral, que o interesse do prejudicado no desfazimento do ato, na maioria das hipóteses, pode ser satisfeito mediante a faculdade dada pelo direito material de revogação do ato praticado. [74]

Ocorre que, não vemos como um ato praticado em juízo e "ratificado" com o advento da sentença final, possa ser revogado senão via ação rescisória ou anulatória, pois, a sentença judicial, uma vez prolatada, passa a integrar o patrimônio do vencedor, fazendo coisa julgada entre as partes e até perante terceiros. Assim, apenas com a declaração da nulidade de referida decisão poder-se-á reverter a relação jurídica ao statu quo ante (estado anterior) ao ato viciado coberto, no caso, pela imutabilidade da coisa julgada.

No direito comparado, onde os códigos não estejam a admitir expressamente a ação anulatória, como consta no art. 486 do CPC brasileiro, permite-se, na maioria dos casos, a impugnação do ato no próprio processo em que foi praticado, possibilitando até invalidá-lo por meio de ação autônoma. Exemplo disso é a "revogabilidade" da confissão obtida por error di fatto ou violenza, contemplada no art. 2.732 do CC italiano. [75]

Os doutrinadores estrangeiros, em sua maioria, ao comentarem o art. 2.732 do CC italiano, trazem analogia entre a revogabilidade e a anulabilidade do negócio jurídico, ressaltando a diferença dos meios que, numa ou noutra hipótese, ficam à disposição do interessado ao desfazimento. [76]


12. Nulidades materiais como supedâneo para ajuizamento da ação anulatória

O cabimento da ação anulatória se define não como problema de direito processual, mas concernente ao direito material. A lei material será aquela a definir quando são anuláveis, mediante ação anulatória do art. 486 do CPC, os atos que não dependem de sentença ou chancelados por "sentença meramente homologatória".

Afirma, ainda, o artigo 486 do CPC, que os atos serão anuláveis "como os atos jurídicos em geral", motivo este que nos faz crer cabível a ação anulatória como ação declaratória de nulidade de um ato viciado nos termos do direito material, independentemente deste ato ser ou não processualizado, ou seja, ser ou não praticado dentro de um determinado processo.

Isso, a nosso ver, pode ser realizado com supedâneo no artigo 5º, Inciso XXXV da Constituição Federal (in verbis: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", dispositivo este que assegura constitucionalmente o amplo acesso ao judiciário), além, é claro, analisando literalmente o artigo 486 do CPC.

Trata-se do direito constitucional de ação, previsto no dispositivo supra mencionado e que garante o ajuizamento de uma ação ante a lesão a um direito. É um princípio processual constitucional. [77]

É necessário, para o ajuizamento da ação anulatória, saber precipuamente qual a natureza do ato judicial e se este está eivado de vício de nulidade nos termos do direito material.

Marcos Afonso Borges, comentando esse problema, menciona: "Saber quando são anuláveis os atos independentes de sentença ou chancelados por sentença homologatória não é problema do direito processual, mas do direito material". [78]

Para se definir o cabimento da ação anulatória em determinada hipótese temos que realizar um exame do "ato judicial", dependente ou não de homologação, a fim de que se possa concluir seja passível de ser anulado em face de algumas das regras do direito material.

O fundamento da ação anulatória de ato judicial, homologado ou não, consubstancia-se em relação às regras relativas às nulidades dos atos tanto processuais como jurídicos em geral, pois diz respeito às nulidades atinentes ao direito material e também ao direito processual, sendo diferente (muito mais abrangente) do que ocorre, v. g., com a ação rescisória, que tem como fundamento para seu cabimento as hipóteses do art. 485 do Estatuto Processual, que retratam nulidades de ordem processual (rescisão da sentença de mérito transitada em julgado); cabimento muito mais restrito, portanto do que a ação anulatória.

O artigo 486 do CPC. dispõe serem passíveis de anulação os atos judiciais, dependentes estes ou não de sentença homologatória, "como os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil".

Temos uma grave imprecisão terminológica do artigo em exame que se refere à expressão "lei civil", pois, não apenas a lei civil, mas todo o direito material deve ser passivo da anulabilidade do ato via ação anulatória, desde que, evidentemente, presentes as nulidades materiais que possam fulcrar o ajuizamento dessa ação.

Não devemos interpretar restritivamente a expressão "lei civil", pois os motivos de anulabilidade são os previstos em quaisquer normas de direito material de todos os ramos, não apenas especificamente relativas ao direito civil.

Humberto Theodoro Júnior também entende assim: "Os fundamentos da ação anulatória deverão ser procurados no direito material. A expressão "lei civil" do art. 486 deve ser entendida em sentido amplo, abrangendo todos os ramos do direito material". [79]

Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda menciona: "lei civil abrange qualquer direito material, público ou privado, que se refira a ato jurídico em exame para a rescindibilidade". [80]

É óbvio que a expressão "nos termos da lei civil" somente pode significar "nos termos do direito material", estendendo-se a todos os ramos do direito material público ou privado, inseridos nesse conceito o direito civil (a ser entendido como regra geral), o direito administrativo, o direito comercial, o direito do trabalho, bem como as demais legislações especiais, desde que tratem de direito material.

Devidamente esclarecido este lapso ortográfico existente no artigo 486 do CPC., passemos a analisar os fatos jurídicos, ensejadores do fulcro material para o ajuizamento da ação anulatória.

Fato jurídico em sentido amplo é todo acontecimento dependente ou não da vontade humana e engloba os atos jurídicos. O fato jurídico em sentido estrito é todo evento independente da vontade humana que traz efeitos jurídicos. O ato jurídico é todo fato jurídico que depende da vontade do homem. O ato processual, normalmente, é a exteriorização de uma vontade, através da prática de um ato jurídico, válido de acordo com o direito processual e o direito material, inserido na relação jurídica processual (processo).

Assim, a ação anulatória será cabível para declarar e desconstituir tanto o ato praticado em juízo pelas partes, eivado de vício de nulidade (absoluta ou relativa), por não se ter observado regras dispostas no direito material, como o ato jurídico em geral.

Ao mencionar "nos termos da lei civil", a legislação somente poderia abranger todo o direito material, pois, o direito processual civil, decorrente das relações civis, em nosso ordenamento, é aplicado subsidiariamente em todos os demais procedimentos judiciais ou extrajudiciais (penais, administrativos, trabalhistas, etc.). Deve englobar essa expressão todo e qualquer direito material, de forma que os "atos judiciais", em geral nos termos da lei material, poderão ser anulados ou nulos, dependendo do que dispuser a legislação de direito material.

Portanto, ato processual, para ser anulado mediante a ação disposta no art. 486 do CPC, deverá estar maculado com os vícios de nulidade (absoluta ou relativa), conforme as regras do direito material.

As nulidades processuais, embora não possuírem os mesmos princípios que norteiam o sistema das nulidades do direito material, conservam a mesma terminologia e a característica de serem as nulidades mais graves que as anulabilidades.

Os processualistas ressaltam que se está em busca de subsídios, recorrendo ao direito civil, o mais remoto ramo do direito, mas, tendo em vista que o processo civil encontra-se atualmente desenvolvido como ciência, não tem sentido venha este lançar mão das nulidades dispostas no direito material. [81]

Ocorre que, como já mencionamos, além dos atos processuais, os atos jurídicos em geral são passivos da anulabilidade via ação anulatória; assim, portanto, além da lei ser clara em lançar a aplicabilidade da lei civil aos atos passivos da nulidade e anulabilidade lá previstas, os atos jurídicos em geral (e aí se inclui os atos processuais) são anuláveis nos termos da lei civil.

No entanto, algumas nulidades processuais devem ser declaradas por ação, em consonância com as regras específicas contidas no direito processual, não as vinculando ao direito material. Todavia, se determinado ato praticado pelas partes em juízo estiver maculado pelos vícios de nulidade do direito material, poderá ser ajuizada a ação anulatória do art. 486 do CPC, que terá efeito desconstitutivo do ato.

Teresa Arruda Alvim Wambier acaba com a discussão acerca da anulabilidade dos atos processuais de forma implacável, desenvolvendo brilhante tese, que, a nosso ver, não deixa margens a maiores discussões. Ela afirma que o tema concernente às "nulidades" refere-se à teoria geral do direito, abrangendo todas as áreas do Direito. [82]

Com efeito, temos uma posição bastante ampla com relação ao cabimento da ação anulatória; entendemos ser passivo de decretação de nulidade qualquer ato jurídico, seja de qualquer ramo do direito, uma vez viciado de alguma forma, seja ele de direito material ou de direito formal.

Os artigos 138 e seguintes do Código Civil tratam das nulidades (absolutas e relativas) dispostas no direito civil, ramo do direito privado, mas que muitas vezes expõe normas gerais do direito, com abrangência e aplicação a todos os ramos do direito.

Não obstante o direito processual civil faça parte do direito público, por possuir normas que dizem respeito a uma relação jurídica onde o Estado participa, o direito positivo brasileiro não fornece base concreta para que se possa proceder à elaboração de uma teoria das nulidades no direito público. E por esse motivo, pode-se aplicar, com ressalvas e adaptações, as regras do direito privado no atinente às nulidades. [83]

No entanto, quanto ao direito civil, não se aplicam regras, princípios ou doutrina civil aos atos processuais, em razão das diferentes circunstâncias em que se constituem, sendo impossível confundir ou assimilar as nulidades civis às processuais, já que estas últimas se governam por princípios totalmente distintos. [84]

Mas, como já foi afirmado, a discussão acerca das nulidades processuais resulta impertinente a este estudo, pois o art. 486 do CPC só faz menção aos princípios que norteiam o sistema das nulidades do direito material.

Assim, a ação anulatória trata da nulidade do ato praticado em juízo pelas partes; muitas vezes a ausência do procedimento de requisito processual indispensável para prática de determinado ato jurídico em juízo, dependente ou não de sentença, poderá maculá-lo de vício de nulidade pela ausência de obediência à forma prescrita em lei, conforme dispõe o direito material. Exemplo típico tem-se na ausência de prévia intimação do executado na arrematação, que consubstancia ausência de forma prescrita em lei, nulidade absoluta disposta no art. 166, IV do CC. [85]

Portanto, os atos jurídicos em geral, nos termos da lei civil, podem ser rescindidos via ação anulatória prevista no artigo 486 do CPC., podendo, assim, todo e qualquer ato, desde que não seja uma sentença de mérito transitada em julgado (passiva, neste caso, de decretação de nulidade via ação rescisória), ser decretado nulo via ação declaratória de nulidade.


13. Atos inexistentes

A teoria das nulidades no direito brasileiro centra-se nos arts. 138 a 184 do Código Civil. Toda ela se arquiteta a partir desses dispositivos. Estes, por sua vez, vão buscar sua origem remota no sistema de nulidades do Direito Romano, engendrado não pelos romanos, mas pelos romanistas contemporâneos, com base nos antigos textos, principalmente do Corpus Iuris Civilis, do séc. VI da era cristã. [86]

Podemos dividir os atos viciados de alguma forma em quatro categorias: os atos nulos, anuláveis, ineficazes e inexistentes.

Além dos atos inválidos, haveria os inexistentes. A inexistência dos atos jurídicos se dá sempre que o ato contiver defeito tão grave que nem chega a existir. Falta-lhe pressuposto ou elemento essencial de existência. É diferente dos atos inválidos, porque estes existem, não produzindo, porém, os efeitos almejados. Os atos jurídicos inexistentes, nem chegam a existir. Não necessitam ser anulados. O máximo que se pode requerer é a declaração de sua inexistência.

Exemplos de atos inexistentes são o casamento entre pessoas do mesmo sexo, o testamento verbal, etc. Repetindo, serão inexistentes os atos aos quais faltar elemento essencial. Também se consideram inexistentes aqueles atos cuja nulidade não houver de ser pronunciada pelo juiz. Isto porque, na verdade, não são defeituosos, mas inexistentes, no sentido de que não devem ser considerados. Tal é o caso das condições fisicamente impossíveis.

O Código Civil Italiano contém as seguintes normas a respeito do tema, verificando-se, entretanto, que não há disposições de caráter genérico, mas referentes a uma espécie de negócios jurídicos, qual seja, os contratos:

"Art. 1418. O contrato é nulo, quando contrário a normas imperativas, salvo quando a Lei disponha diversamente. Tornam nulo o contrato a falta de um dos requisitos indicados no art. 1325, a ilicitude dos motivos, no caso indicado no art. 1345, e a falta no objeto dos requisitos estabelecidos no art. 1346. O contrato também será nulo nos outros casos estabelecidos em lei.

Art. 1421. Salvo nos casos de disposição legal em contrário, a nulidade pode ser argüida por qualquer interessado e pode ser pronunciada de ofício pelo juiz.

Art. 1422. A ação declaratória de nulidade não se sujeita a prescrição, salvo os efeitos do usucapião e da prescrição das ações de repetição.

Art. 1423. O contrato nulo não pode ser convalidado, a não ser que a Lei disponha de modo diverso.

Art. 1425. O contrato é anulável se uma das partes era legalmente incapaz de contratar. É também anulável, quando ocorrerem as condições estabelecidas no art. 428, contrato celebrado por pessoa incapaz de entender e de querer.

Art. 1441. A anulação do contrato pode ser demandada apenas pelos interessados, indicados em lei. A incapacidade do interdito pode ser argüida por qualquer interessado.

Art. 1442. A ação anulatória prescreve em cinco anos.

Art. 1444. O contrato anulável pode ser convalidado por quem tenha legitimidade para anulá-lo, mediante ato que contenha a menção do contrato e do motivo da anulabilidade, bem como declaração de que se deseja convalidá-lo".

O Código Civil Francês é pobre sobre o assunto. Apenas um artigo tem caráter, mais ou menos, genérico: "Art. 1304. Em todos os casos em que a ação anulatória ou de rescisão de uma convenção não estiver limitada a tempo menor por lei especial, esta ação durará cinco anos".

Os romanos mesmo pouco teorizaram a respeito do tema. O estudo e a sistematização do sistema de nulidades no Direito Romano é obra posterior, que tem início no direito canônico medieval, desenvolvendo-se na modernidade, principalmente, nos sécs. XVIII e XIX, na Alemanha, França e Itália.

Na opinião generalizada dos tratadistas, intérpretes do Direito Romano, os atos do ius civile eram válidos ou nulos. O Direito Pretoriano introduziu a anulabilidade, alargada e generalizada pelo Direito Justinianeu.

O chamado ius civile era o direito da cidade, o ius civitatis, o Direito Romano propriamente dito, cuja expressão máxima foi a Lei da XII Tábuas, do séc. V a.C. Era direito rígido e formalista, inadequado à evolução dos tempos, já mesmo naqueles idos anteriores à Era Cristã. Daí a importância da atuação dos magistrados que, por meio de seus editos, foram adaptando o ius civile a novas situações, emergentes de novas realidades. Esse Direito Romano, inovado pelos magistrados, principalmente pelos pretores (ius honorarium, Direito Pretoriano), introduziu a anulabilidade, mais à frente (séc. VI d.C.) ampliada pelo Direito Justinianeu.

Já havia duas espécies de nulidade: a relativa e a absoluta. Tratando-se de nulidade absoluta, o ato não produzia qualquer dos efeitos que se tinha em vista. Neste caso a espécie de nulidade que o feria equivalia a considerá-lo verdadeiramente inexistente.

Esses negócios não dependiam de anulação judicial. Não produziam efeitos por não existirem. Eram nulos ab origene, pleno iure. Exemplos seriam a compra e venda sem preço; o testamento sem as formalidades exigidas; etc.

Era nulo o negócio quando lhe faltasse elemento essencial. Não é sempre fácil determinar, em face do Direito Romano, se um ato é absolutamente nulo, relativamente nulo ou anulável. O critério deve ser o do interesse em respeito do qual a ineficácia foi cominada. Se for de ordem pública, a nulidade será absoluta; se de ordem puramente privada, a nulidade será relativa ou o negócio será anulável.

O ato inexistente não produzia efeitos. O ato inexistente não admitia convalidação, a não ser que se o praticasse novamente, quando seus efeitos se produziriam ex nunc.


14. Atos nulos

A lei brasileira considera nulo o ato jurídico, quando praticado por pessoa absolutamente incapaz, quando seu objeto for impossível, ou quando não revestir forma adequada. Em outras palavras, sempre que o ato não observar as condições de validade dos atos jurídicos.

Entendemos cabível, assim, a ação anulatória sendo ou não processualizado referido ato, ou seja, tratando-se de ato nulo, praticado sob a égide do direito material, servindo ou não de base ao ajuizamento de um processo ou sendo praticado dentro dele, é passivo do ajuizamento da ação anulatória onde pleitear-se-á a declaração de sua nulidade e a condenação das partes ao retorno ao statu quo ante.

O Código Civil, em seus artigos 138 a 184 prevê as hipóteses de atos que, embora realizados, foram praticados sem validade jurídica, são os atos nulos ou anuláveis. [87]

Existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Os atos nulos são de ordem pública, de alcance geral, é a chamada nulidade absoluta. Os atos anuláveis somente podem ser decretados no interesse privado, é a chamada nulidade relativa.

Mas, não só nos casos acima apontados os atos jurídicos serão nulos. Além desses casos genéricos, serão nulos os atos jurídicos, sempre que a lei assim o determinar, de maneira difusa.

A nulidade também pode ser total ou parcial. Às vezes a lei diz ser nula apenas parte do ato e não ele inteiro. O Código do Consumidor, por exemplo, sanciona com nulidade somente as cláusulas abusivas. Assim, se em determinado contrato houver cláusulas abusivas contra o consumidor, pode ser que sejam nulas apenas estas, e não o contrato inteiro.

A nulidade pode ser alegada por qualquer interessado, inclusive pelo Ministério Público e pelo juiz, ex officio. Aliás, é dever do juiz anular de ofício os atos inquinados de defeito grave.

Os atos nulos são praticamente idênticos aos atos considerados inexistentes, ou seja, uma vez nulo o ato, o mesmo não pode resultar em qualquer efeito no mundo jurídico, deve ser considerado inexistente.

Sendo a nulidade relativa, o negócio era considerado nulo relativamente a certas pessoas e válido relativamente a outras. O ato podia convalidar-se. Por exemplo, cite-se o menor que aluga serviços. O negócio era nulo para o tomador e válido em relação ao menor. Se o contrato fosse adimplido, as partes não poderiam repetir o que se pagara. Daí dizer-se que se convalidava.

Outro exemplo seria o do escravo alienado em fraude contra credores (Lex Aelia Sentia). O ato era considerado nulo apenas em relação aos credores.

Seriam características dos atos nulos: a nulidade é imediata; todo interessado pode argüir a nulidade; a nulidade não pode ser reparada por um dos interessados; a nulidade não está sujeita a prescrição.


15. Atos anuláveis

Cuidando-se da anulabilidade, podemos afirmar que o ato era válido, sendo, potencialmente, anulável. Os casos de anulabilidade eram, em princípio, a incapacidade relativa e os vícios do consentimento (erro, dolo, coação). Na verdade, é difícil estabelecer critérios seguros para identificar as causas de anulabilidade. Há quem diga que as nulidades eram de ius civile e as anulabilidades de ius honorarium. Mas esse critério é falho, visto que há exemplos de nulidades de ius honorarium e anulabilidades de ius civile.

Eram nulos os atos, se uma das partes era incapaz por defeito de vontade, se uma das condições objetivas faltasse, se houvesse erro essencial, coação física ou simulação, e se a forma fosse inadequada. Em outras palavras, o ato era nulo se lhe faltasse vontade, objeto ou forma.

Fora desses casos, os vícios geravam anulabilidade. Existem princípios comuns aos atos nulos e anuláveis: Em primeiro lugar não se convalidavam se a causa de sua invalidade deixasse de existir; se o ato era nulo, é porque não existia e continuava não existindo; se era anulável, cessado o defeito, as partes deveriam ou refazê-lo ou confirmá-lo. Outro princípio é aquele que afirma que o ato não se convertia em outro, a não ser que houvesse disposição em contrário; assim, uma compra e venda sem o preço não se converteria em doação. Um terceiro princípio defende a idéia de que, se o defeito atingisse uma parte apenas, a outra continuava válida (utile per inutile non vitiatur).

Os atos anuláveis têm algumas regras próprias: produziam efeitos até sua anulação; admitiam confirmação, quando o defeito simplesmente desaparecia.

No direito clássico havia a nulidade reconhecida pelo ius civile e que operava ipso iure e a impugnabilidade, admitida pelo ius honorarium, por meio, principalmente, da denegatio actionis, da exceptio e da restitutio in integrum. Assim, o pretor fornecia meios para que os negócios considerados válidos pelo ius civile, não produzissem efeitos. Tal era o caso da fraude contra credores, por exemplo.

Havia casos em que, para o ius civile, o negócio era válido, mas, para o ius honorarium, era inválido. Nesses casos, cabia aos interessados recorrer ao pretor, dentro de certo prazo. Eram os negócios anuláveis.

O ato será anulável, quando inquinado de defeito leve, passível de convalidação. O ato é imperfeito, mas não tanto e tão profundamente afetado, como nos casos de nulidade, razão pela qual a lei oferece aos interessados a alternativa de requerer sua anulação, ou deixar que produza seus efeitos normalmente. É o caso do menor relativamente incapaz que realiza negócio, sem assistência de seus pais ou tutor. Estes podem requerer a anulação do negócio, ou não.

São, pois, anuláveis, para o direito brasileiro, os atos praticados por todas as pessoas relativamente incapazes, e aqueles atos eivados de erro, dolo, coação, simulação e fraude contra credores.

Além destes casos, são anuláveis os atos jurídicos, sempre que a lei assim o determinar, de modo esparso.

A anulabilidade, ao contrário da nulidade, só pode ser requerida pelos que dela se beneficiem, ou seja, pelos interessados; jamais pode ser decretada de ofício, pelo juiz.

Para o ato simplesmente anulável, a nulidade não se produz de pleno direito; é mister demandá-la em juízo para que seja pronunciada pela autoridade judiciária. Ela supõe, assim, necessariamente, a propositura de uma ação, conforme sua origem histórica, que é a in integrum restitutio pretoriana. Essa ação se denomina, em geral, ação anulatória.

Podemos apontar características dos atos anuláveis: a nulidade não é imediata; a ação anulatória não pode ser intentada por qualquer um; a nulidade pode ser sanada por confirmação; a ação anulatória não prescreve.


16. Atos Ineficazes

É ineficaz o ato jurídico, quando for válido entre as partes interessadas, e inexistente perante terceiros. Em outras palavras, o ato vale entre as partes, sendo totalmente ineficaz perante as demais pessoas.

O melhor exemplo é o do carro vendido, sem a respectiva transferência nos registros do DETRAN. Ou seja, o carro é vendido, mas continua em nome de seu antigo dono. A venda é ineficaz: é válida entre comprador e vendedor, mas para terceiros o carro continua sendo do antigo dono, até ser efetuada a transferência nos registros. As eventuais multas serão enviadas para o antigo dono, que, em princípio, poderá até ter que pagá-las, regressando, depois, contra o adquirente.


17. Efeitos da ação anulatória

Segundo Berenice Soubhie Nogueira Magri, a ação anulatória produz três efeitos sobre o processo no qual se praticou o ato impugnado. [88]

Tratam-se de efeitos decorrentes do ajuizamento da ação anulatória de ato praticado dentro de um processo, ato este viciado de alguma forma de acordo com os preceitos de direito material, conforme exposto no item anterior.

No entanto, defendemos o cabimento da ação anulatória contra todo e qualquer ato eivado de nulidade, ato este processualizado ou não, desde que produza qualquer efeito no mundo jurídico, posicionamo-nos desta forma com fundamento na análise da redação do artigo 486 do CPC, conforme já mencionamos nos itens anteriores.

Mas, o ato processualizado, também, é claro (indiscutivelmente), é passivo de decretação de anulabilidade via ação anulatória.

Passaremos, então, em primeiro lugar, a analisar os efeitos do ajuizamento da ação anulatória contra o ato processualizado contaminado com alguma nulidade material ou processual.

17.1. Efeito incidental

O primeiro efeito seria aquele que ocorre quando a ação é ajuizada no curso do processo primitivo, suspendendo-se o feito, desde que nele a sentença de mérito dependa do julgamento da ação anulatória. Este efeito teria por fundamento, segundo Berenice Soubhie Nogueira Magri, o artigo 265, incisos II e IV, a, do CPC.

Trata-se de ajuizamento incidental, onde opõe-se a ação anulatória de ato praticado em juízo no processo pendente; a sentença do processo principal pode depender do julgamento da ação anulatória, pois, se verificado qualquer vício de nulidade no ato praticado no processo pendente, o ato será desconstituído e, conseqüentemente, influenciará na sentença do processo principal onde o ato foi praticado. Assim, também será possível a suspensão do processo com fulcro no art. 265, Incisos II e IV, a, do CPC. [89]

Assim, se o pedido de anulação foi rejeitado mediante sentença transitada em julgado, no processo principal (onde o ato foi praticado), o mesmo será válido, seguindo-se normalmente o processo. Por outro lado, se o ato for considerado nulo por sentença transitada em julgado, o processo principal terá que prosseguir como se não houvesse sido o ato praticado dentro dele, porque referido ato fora desconstituído, decretado nulo.

Portanto, trata-se de um efeito incidental, decorrente do ajuizamento da ação anulatória, com o processo em andamento, visando a decretação da anulação de determinado ato nele praticado, retornando, o processo, após a decretação da nulidade do ato, ao statu quo ante, ou seja, exatamente onde estava antes da prática do ato viciado.

17.2. Efeito perante a sentença meramente homologatória

Outro efeito relativo à decretação da nulidade do ato processualizado é aquele decorrente da decretação da nulidade da sentença meramente homologatória.

Em processos onde os atos processuais dependem de sentença meramente homologatória, em casos em que a ação visando a anulação é proposta para desconstituir o ato praticado em juízo e teve uma decisão favorável, o efeito é a não subsistência do ato homologatório decretado nulo; sua desconstituição surtirá efeitos na sentença meramente homologatória, apesar do fato de que a ação anulatória não é dirigida diretamente à sentença, mas sim ao ato eivado de nulidade; mas, a desconstituição da sentença, acaba por ser efeito secundário, pois, uma vez contaminada com uma nulidade e esta declarada judicialmente, a mesma (a sentença homologatória) não poderá subsistir e gerar efeitos no mundo jurídico.

A decisão judicial (sentença meramente homologatória) em si, nestes casos, não é anulada, sendo anulado o ato eivado de qualquer vício. A sentença é apenas uma conseqüência que tem por escopo a validade judicial de referidos atos, em casos como este, não podendo, se o ato é nulo, subsistir. É inadmissível que uma sentença homologatória possa continuar a produzir qualquer efeito no mundo jurídico se o ato que a originou fora desfeito, anulado judicialmente.

Em se tratando de sentença meramente homologatória (de determinado ato dentro em determinado processo) onde o processo continua, os efeitos da decretação da nulidade da sentença é o retorno ao feito desde o ato que foi decretado nulo, continuando o processo a partir desse momento.

Podemos citar um exemplo fictício desta situação: ter-se-ia uma sentença homologatória de transação onde ocorreu anteriormente uma nulidade e o feito encontra-se em fase de execução da sentença, ante o não cumprimento do pacto homologado; uma vez decretada judicialmente a nulidade do ato (via ação anulatória), deve o feito retornar ao statu quo ante, ou seja, ao momento anterior ao ato nulo praticado, uma vez decretada judicialmente referida nulidade.

A sentença da ação anulatória julgada procedente tem efeito constitutivo negativo (ou desconstitutivo) e retroage anulando os efeitos anteriores provocados pelo ato desconstituído, trata-se de efeito ex tunc.

Os efeitos produzidos na sentenças constitutivas, em regra, somente podem gerar mudanças no mundo jurídico a partir da sua prolação (ex nunc), sendo exceção o efeito ex tunc (efeito que atinge atos praticados anteriormente à sua prolação).

Uma vez presente a coisa julgada na sentença anulatória, o ato anulado e indevidamente praticado deixará de produzir qualquer efeito, sendo apagado qualquer efeito anteriormente existente decorrente deste ato (desde que possível). O ato anulável (nulidade relativa) e sua eficácia são desconstituídos, ou seja, como foi mencionado, o efeito é ex tunc, retroage. Já o ato nulo (nulidade absoluta) uma vez decretado via sentença transitada em julgado, desconstitui apenas o ato, não sua eficácia, porque esta não se constituiu, não pode gerar efeitos por ser ineficaz; assim, o ato nulo, como o anulável, uma vez reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado, é desconstituído em efeito ex tunc. Doutrina o mestre:

"O ato anulável produz efeitos. Só os deixa de produzir quando transita em julgado a sentença constitutiva negativa. Então, apagam-se, como se não tivessem tido eficácia (ex tunc) os efeitos anteriores. Não se dá isso com a decretação do nulo: desconstitui-se o ato jurídico; não a eficácia, porque não se desconstitui o que se não constituiu. Quando se diz que não se pode impugnar negócio jurídico nulo, ou ato jurídico stricto sensu nulo, porque não há eficácia a extinguir-se, ex tunc, está certo: impugnar é lutar contra efeitos. Mas nem toda alegação contra o inválido é impugnação: não se impugna o nulo, porque se fez do conceito de impugnação conceito de luta contra o ser e os seus efeitos". [90]

Rogério Lauria Tucci também adota esta posição, mencionando que o efeito da ação anulatória, resultante da sentença transitada em julgado "produz efeito peculiar ao desfazimento do ato jurídico, qual seja o reposicionamento do interessado na situação em que anteriormente à sua efetivação, se encontrava". [91]

Berenice Soubhie Nogueira Magri, conclui com muita propriedade: "De outra parte, entendemos que, se julgada improcedente a ação anulatória, a sentença terá natureza de declaratória negativa, e seus efeitos serão, do mesmo modo, ex tunc". [92]

Portanto, se a sentença que põe fim à ação anulatória, decretando judicialmente a nulidade do ato, com julgamento procedente, este efeito será retroativo (ex tunc); todavia, se referida sentença julgar improcedente o pedido, este efeito também será retroativo, decretando, neste momento, a validade do ato e impedindo nova discussão acerca desta questão.

17.3. Efeitos da desconstituição de ato no processo de execução

A ação anulatória, objetivando a anulação de ato praticado no processo de execução, tem efeito particularmente diferente daqueles acima expostos.

Em se tratando de adjudicação ou arrematação, homologados e não existindo impugnação destes atos via embargos, este ato, uma vez eivado de qualquer nulidade, pode ser decretado nulo via ação anulatória. Assim, anulado o ato, anular-se-á os demais atos do processo de execução, retornando sua marcha a partir do último ato anterior ao que se anula, não prevalecendo a sentença que decretou a extinção do processo executivo, homologando o ato (arrematação ou adjudicação). [93]

Fundamentando este efeito, José Manoel de Arruda Alvin Netto argumenta que os atos processuais são interdependentes e que esta interdependência possibilita que a nulidade de um ato implique em nulidade de todos os atos do processo, em seqüência posterior. [94]

Se a sentença meramente homologatória da arrematação ou da adjudicação, mesmo transitada em julgado, for posterior à prática de um ato nulo ou anulável, este ato judicial (processual) pode ser atacado via ação anulatória, onde se pode pleitear o reconhecimento judicial desta nulidade e a decretação (constitutiva negativa) do retorno do feito ao statu quo ante (estado anterior à prática do ato).

Trata-se de missão um pouco difícil, pois, o judiciário tem uma certa repulsa por esse tipo de procedimento (anular atos posteriores à sentença judicial transitada em julgado). Mas, entendemos que, em nome do princípio constitucional do amplo acesso ao judiciário, existindo um ato nulo ou anulável, enfim, viciado de alguma forma (ilegal, contrário ao ordenamento jurídico), referido ato não pode produzir efeitos no mundo jurídico, devendo, portanto, ser objeto da decretação judicial de sua nulidade.


18. Alcance e extensão da decretação da nulidade

Como vimos, existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Esses atos estão previstos no artigo 166 do Código Civil que determina: "É nulo o negócio jurídico quando: I – celebrado por pessoa absolutamente incapaz; II – for ilícito, impossível ou indeterminável o seu objeto; III – o motivo determinante, comum a ambas as partes, for ilícito; IV – não revestir a forma prescrita em lei; V – for preterida alguma solenidade que a lei considere essencial para a sua validade; VI – tiver por imperativo fraudar lei imperativa; VII – a lei taxativamente o declarar nulo, ou proibir-lhe a prática, sem cominar sanção."

Existe, ainda, o ato inexistente. Tratam-se de atos que carecem de elemento essencial indispensável à sua existência (consentimento, objeto, causa). O ato considerado inexistente nada mais é do que uma modalidade de nulidade; o ato, não tendo chegado a se completar, não tendo eficácia, nenhum efeito pode produzir.

Tratam-se de atos que não estão previstos na legislação por serem juridicamente inidôneos, incapazes de gerar qualquer tipo de conseqüência jurídica. Não é necessária a declaração judicial da ineficácia desses atos porque os mesmos jamais chegam a existir.

Assim, existem os atos nulos (viciados com a nulidade absoluta, previstos no artigo 166 citado do Código Civil) e os atos anuláveis (viciados com a nulidade relativa, previstos no artigo 171 do mesmo diploma legal). A nulidade absoluta é muito mais grave, contem maior atentado à ordem jurídica, tendo, pelo legislador, aplicação de sanção mais severa; ao contrário da nulidade relativa, onde a falta cometida é mais leve, sendo, diferentemente da nulidade absoluta, passiva de anulabilidade. [95]

Alguns caracteres inconfundíveis distinguem a nulidade da anulabilidade: A anulabilidade é decretada no interesse privado da pessoa prejudicada, ou no de um grupo de pessoas determinadas; a nulidade é de ordem pública, de alcance geral e decretada no interesse da própria coletividade; A anulabilidade pode ser suprida pelo juiz a requerimento das partes, ou sanada, expressa ou tacitamente, pela ratificação (art. 172); [96] a nulidade não pode ser suprida pelo juiz, embora a pedido de todos os interessados (art. 168, parágrafo único). A anulabilidade há de ser pronunciada mediante provocação da parte, não podendo ser decretada ex officio pelo juiz (art. 177); a nulidade pode e deve ser decretada de ofício (art. 168, parágrafo único).

A anulabilidade pode ser alegada e promovida pelos prejudicados com o ato, ou por seus legítimos representantes (art. 177); a nulidade pode ser decretada não só a pedido dos interessados, como também do órgão do Ministério Público, quando lhe caiba intervir (art. 168). A anulabilidade é prescritível, em prazos mais ou menos exíguos; a nulidade não prescreve (quod initio vitiosum est non potest tractu temporis convalescere), ou, se prescreve, será no maior prazo previsto em lei. [97] A anulação deve ser sempre pleiteada através de ação judicial; a nulidade, quase sempre, opera pleno jure, ressalvada a hipótese em que se suscite dúvida sobre a existência da própria nulidade, caso em que se tornará imprescritível a propositura de ação para o reconhecimento de sua ocorrência, pois a ninguém é lícito fazer justiça pelas próprias mãos.

O ato anulável pode ser ratificado pelas partes, salvo direito de terceiro (art. 172); o ato nulo é irreparável, insuscetível de ratificação, expressa ou tácita; não podem as partes escoimá-lo da mácula que o inutiliza. A nulidade, absoluta ou relativa, uma vez proclamada, aniquila o ato jurídico. A relativa, embora de menor gravidade que a absoluta, depois de reconhecida por decisão judicial, tem a mesma força exterminadora; num e noutro caso, o ato fica inteiramente invalidado. O efeito principal do reconhecimento da nulidade é a recondução das partes ao estado anterior; o reconhecimento da nulidade opera retroativamente, voltando os interessados ao "statu quo ante", como se o ato nunca tivesse existido, restabelecendo-se o estado em que antes dele estavam as partes. Se não for possível a restituição do statu quo ante, serão as partes indenizadas com o equivalente, conforme se arbitrar. [98]

Dentro do processo, a nulidade é um vício, um mal, um estigma que contamina a validade da relação processual. Esta deverá caminhar incólume, desde o seu nascimento, até final, quando se prolatará a sentença compositiva do litígio.

Qualquer nulidade deverá ser extirpada do processo. O Código de Processo Civil arma o juiz de poderes os mais amplos, para que ele vele pela validade formal do processo, ou seja, para que sejam observados, integralmente, as regras, as normas, os princípios do devido processo legal.

Todo momento o juiz exerce essa função saneadora, buscando convalescer os atos e termos processuais. Se a petição inicial não contiver os requisitos dos arts. 282 e 283 do CPC, que são essenciais, o juiz determinará que o autor a emende ou a complemente (art. 284). A cada ato processual que se pratica, o órgão que preside a relação processual exara atos ordinatórios, procurando que as partes respeitem, o quanto possível, os modelos formais estabelecidos pelo legislador. A essa tarefa se chama função saneadora do juiz. Tal missão é exercida com mais rigor, por ele, em fase própria, que recebeu o nome de fase do ordenamento processual (arts. 323, 326 e 327 do estatuto processual).

Há uma preocupação constante do legislador, atento aos princípios da economia processual e da celeridade processual, de ordenar o processo de tal modo que ele não apresente qualquer nulidade. E mais: se esta existir, deverá o Juiz, por todas as maneiras, buscar a recuperação do aspecto formal do processo, vale dizer, disciplinar no sentido de que os atos contaminados sejam convalescidos. Por via de conseqüência, as nulidades processuais só serão decretadas ou declaradas, quando impossível, por qualquer meio processual válido, conseguir a recuperação ou convalescimento do ato processual.

Nosso estatuto processual, em vários preceitos, dita inúmeras regras neste sentido:

O art. 244, que trata de atos processuais com forma determinada, sem cominação de nulidade, como se enfatizou acima, enuncia o princípio da instrumentalidade dos atos processuais, segundo o qual, mesmo que inserido na relação processual por forma diversa daquela preconizada na lei, o ato será considerado valido se a finalidade por ele objetivada for alcançada. O que tem a ver, na prática do ato processual, é o escopo por ele perseguido. Se este for atingido, despicienda será a forma processual adotada. O objetivo alcançado com a prática do ato processual torna desnecessária a declaração ou decretação da nulidade e a conseqüente repetição do ato.

Outra norma proclama, também, a desnecessidade da anulação do ato, quando ele não causar prejuízo à parte (pas de nullité sens grief – não há nulidade sem prejuízo). Com efeito, soa o art. 249, § 1º, que "o ato não se repetirá, nem se lhe suprirá a falta, quando não prejudicar a parte". No mesmo sentido é o disposto no art. 250, parágrafo único, in verbis: "Dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa".

Outro dispositivo processual preceitua: "Quando puder decidir do mérito a favor da parte a quem aproveite a declaração da nulidade, o juiz não a pronunciará nem mandará repetir o ato, ou suprir-lhe a falta" (art. 249, § 2º).

Com relação a este dispositivo, é flagrante a inoperância do decreto de nulidade em certos momentos. Neste caso, ao proceder ao julgamento, o juiz pode aperceber-se de que decidirá o litígio, no seu merecimento, a favor da parte a quem, em tese, aproveitaria a declaração de nulidade, com a conseqüente repetição do ato processual. Se o fizesse, de nenhum efeito processual seria a decretação da nulidade e a determinação do refazimento do ato contaminado. Tal viria encarecer mais o processo, a par de retardar, ainda mais, a entrega da prestação jurisdicional.

Podemos expor um exemplo que bem elucida o tema: suponha-se que um menor, relativamente incapaz, fosse citado para os termos de uma ação de indenização por ato ilícito. Inadvertidamente, ele outorga mandato, sem a assistência de seu pai ou representante legal, a um advogado. Ninguém se apercebe de tal nulidade, consistente em defeito de representação processual, e, afinal, o Juiz, no momento de julgar, descobre tal nulidade. Contudo, examinando os autos, conscientiza-se de que a ação deve ser julgada improcedente, vale dizer, ela será decidida em favor do menor. Em tal circunstância, depreende-se que a decretação da nulidade não terá qualquer efeito. Então, o Juiz, em vez de proclamar a nulidade, mandando repetir o ato, providências estas que seriam inócuas, faz aplicar o enfocado art. 249, § 2º, do Estatuto Processual e decide a lide, julgando improcedente a ação.

Assim, nem sempre a nulidade afeta a validade do ato processual. O processo é o conjunto de atos processuais que se coordenam e se sucedem, dentro do procedimento, para que alcançado seja o instante da solução do litígio. Portanto, embora os atos processuais tenham vida própria, eles são interdependentes, vale dizer, uns geram outros, uns dependem dos outros, uns vinculam a prática de outros, e assim sucessivamente.

Dessa forma, é possível que a nulidade de um ato processual traga reflexos no ulterior, do qual aquele é precedente lógico.

Exemplificando: a petição inicial acarreta a instauração da relação processual e, pois, a necessidade da prática do ato processual citatório. Este, por sua vez, faz iniciar o prazo para o oferecimento da contestação. Nesta, alegam-se a falta de pressupostos processuais, a ausência das condições da ação, a existência de nulidades ou irregularidades, circunstâncias estas que sugerem a prática de outro ato processual, que é a réplica, e assim, sucessivamente, a relação processual vai fluindo.

Assim, decretada a nulidade de um ato, por certo que afetado restará o subseqüente, que é dependente daquele, no que concerne aos seus efeitos.

A este título, o Código de Processo traça algumas normas. Com efeito, reza o art. 248 que, "anulado o ato, reputam-se de nenhum efeito todos os subseqüentes, que dele dependam; todavia, a nulidade de uma parte do ato não prejudicará as outras, que dela sejam independentes". E o art. 249 expressa que "o juiz, ao pronunciar a nulidade, declarará que atos são atingidos, ordenando as providências necessárias, a fim de que sejam repetidos, ou retificados". Finalmente, ainda neste campo, o art. 250 estatui que "o erro de forma do processo acarreta unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem necessários, a fim de se observarem, quanto possível, as prescrições legais". E o parágrafo único deste soa que "dar-se-á o aproveitamento dos atos praticados, desde que não resulte prejuízo à defesa".

Estas normas, em especial as dos arts. 248, in fine, e 250, inspiraram-se no princípio da economia processual, e, por via reflexa, no da celeridade processual.


19. Nulidade e preclusão

Estando nulo um ato, por não ter sido obedecida a forma que a lei estabeleceu, com a sanção de nulidade, insta que ele seja anulado e, pois, repetido, para que a relação processual retome o seu fluxo normal. Mas o juiz vai proceder à anulação, dentro das regras estabelecidas nos arts. 243, 245, 247, 248, 249, §§ 1º e 2º, 250 e seu parágrafo único.

Há atos, no entanto, que a desatenção à forma acarreta, apenas, uma nulidade relativa. Em tal ocorrendo, é dever da parte alegar a nulidade na primeira oportunidade em que falar nos autos, consoante a norma inserta no parágrafo único do art. 245 do CPC.

Ao não fazer isso a parte, o ato restará convalescido. Isto porque, quanto às nulidades relativas, o direito legislado dá, à parte, o direito ou faculdade processual de investir contra elas e pedir a sua proclamação, sob pena de preclusão.

Preclusão é a perda de um direito ou faculdade processual de praticar um ato processual; a preclusão pode ser temporal, lógica ou consumativa. Neste caso, trata-se de preclusão temporal, posto que a parte não impugnou a validade do ato processual relativamente nulo, no prazo prescrito em lei. A conclusão, ou conseqüência, em última análise, é a validade do ato, ou melhor dizendo, o seu convalescimento, por força da inércia da parte interessada na decretação da nulidade.

A decretação da nulidade do ato processual, coberto com o manto da preclusão, somente pode ser argüida tratando-se de ato nulo (eivado com a nulidade absoluta); o ato anulável (eivado com a nulidade relativa), uma vez precluso, não pode ser objeto de ação anulatória ou sequer de decretação posterior de nulidade, mesmo no próprio processo.


20. Diferenças entre ação anulatória e ação rescisória

Como vimos ao longo deste trabalho, a ação anulatória é uma ação prevista no artigo 486 do CPC, a ser ajuizada em primeira instância, contra a sentença meramente homologatória, atos processualizados nulos nos termos do direito material e atos jurídicos em geral.

Seu ajuizamento pode ser incidental ou autônomo, podendo ser ajuizada seguindo-se o procedimento ordinário, se autônoma, ou outro procedimento desde que seja ajuizada incidentalmente, dependendo da ação principal.

Os efeitos do decreto de procedência da ação anulatória atingem somente o ato impugnado, anulando os atos subseqüentes como efeito conseguinte, não atinge, jamais, diretamente ao menos, a sentença, mas sim o ato eivado de nulidade que foi anterior à prolação da sentença.

A ação anulatória é cabível para rescindir qualquer ato processual, decisão meramente homologatória (mesmo que, em tese, coberta com o manto da coisa julgada) de ato eivado de nulidade, e, sempre que houver um ato jurídico nulo, nos termos do direito material, o mesmo pode ser rescindido via ação anulatória.

O prazo prescricional para ajuizamento da ação anulatória é aquele concernente ao direito invocado, ao direito da parte sub judice a ser apreciado, dependendo, assim, do caso em questão, podendo atingir os prazos máximos de prescrição previstos em lei, tendo extrema variação conforme o caso.

Já a ação rescisória tem procedimento especial previsto nos artigos 485 e seguintes do CPC (excluindo-se o artigo 486), devendo ser ajuizada em Segunda Instância, contra sentença de mérito eivada das nulidades previstas na lei processual (Incisos do art. 485) e seguindo-se um procedimento especial também previsto minuciosamente em lei processual. [99]

Os efeitos da decisão de procedência da ação rescisória atingem diretamente a sentença atacada, rescindindo-a por completo, tornando-a nula; atingindo, assim, diferentemente da ação anulatória, diretamente a sentença, aniquilando seus efeitos como decisão judicial, mesmo transitada em julgado e não padecendo, o processo (necessariamente), de qualquer ato nulo ante o direito material (sendo nula, no caso, a sentença, nos termos do artigo 485 citado).

A ação rescisória somente pode ser ajuizada até dois anos após o trânsito em julgado da sentença de mérito, sendo vedado seu ajuizamento após este prazo, [100] no que difere, portanto, da ação anulatória, que, conforme afirmado acima, não tem prazo prescricional determinado.


21. Fungibilidade entre ação anulatória e ação rescisória

O termo fungibilidade significa: "Fungibilidade, s. f. Diz-se da propriedade que têm certos bens de poderem ser substituídos por outros da mesma espécie, qualidade ou quantidade, ou de certas obrigações que podem ser realizadas por outra pessoa que não o devedor. A fungibilidade pode ser natural ou jurídica, conforme resulte da qualidade física da coisa, ou da lei." Quanto aos recursos: "Fungibilidade dos Recursos. Diz-se da possibilidade do recebimento de um recurso por outro, quando há impropriedade em sua interposição, e ela não resulta de erro grosseiro, nem houve esvaimento do prazo do recurso correto." [101]

É muito discutido o princípio da fungibilidade dos recursos, com relação ao ajuizamento da ação anulatória ou da ação rescisória em determinada situação, ante determinada decisão judicial, de mérito ou meramente homologatória.

Em primeiro lugar, devemos relembrar que não se tratam, referidas ações, de recursos, mas de ações autônomas, que buscam um pronunciamento judicial acerca de uma pretensão, mesmo encontrando-se, as partes, frente (em tese) ao dogma processual e constitucional da coisa julgada. Não se tratando, assim, de recursos, fica difícil imaginar o cabimento processual de referida providência, pois, não se falando em recurso, não existe a possibilidade da impropriedade em sua interposição, tendo em vista o fato de que a ação é ajuizada, iniciando-se uma lide, enquanto que o recurso é interposto contra decisão judicial prolatada em um processo findo.

Outro fator que, a nosso ver, impossibilita a aplicação deste princípio é aquele relativo ao não esvaimento do prazo do recurso correto, sendo que, o esvaimento do prazo para o ajuizamento de determinada ação cabível pode não significar o mesmo esvaimento para o ajuizamento de outra ação, ou seja, a ação rescisória somente pode ser ajuizada até dois anos após o trânsito em julgado da sentença, enquanto que a ação anulatória tem prazo para propositura que depende da matéria sub judice.

Também, com relação à existência de erro grosseiro, tanto o autor pode desistir da ação e ajuizar novamente, sanando o erro ou, se for o caso, pode ajuizar outra ação, corretamente cabível ao caso em tela; assim, pode o autor, uma vez prolatada a sentença que julga extinto o processo ajuizado erroneamente, ajuizar a ação cabível, desde que encontre-se dentro do prazo legal para isto.

Outro fator que inviabiliza completamente a aplicabilidade da fungibilidade dos recursos neste caso é o fato de que a ação anulatória tem procedimento em primeira instância, seguindo-se os ritos ordinário ou outro, se ajuizada incidentalmente; ao passo que, a ação rescisória somente pode ser ajuizada em segunda instância, com depósito prévio e todo um procedimento especialmente previsto nos artigos subseqüentes ao 485 do CPC (exceto o 486). Impossível, assim, ao nosso ver, a adequação procedimental, uma vez ajuizada uma ação no lugar da outra.

O juiz singular jamais poderá determinar o processamento e julgar uma ação rescisória no lugar de uma anulatória, ou seja, jamais poderá receber e transformar uma ação ajuizada como anulatória e, aplicando o princípio da fungibilidade, determinar seu prosseguimento como rescisória, isso por ser absolutamente incompetente para tal mister; da mesma forma, o tribunal, uma vez ajuizada uma ação rescisória, jamais poderá determinar seu processamento e proceder com seu julgamento sendo incabível esta ação, tornando-a anulatória, a seguir o rito ordinário, em segunda instância.

Assim, impossível, a nosso ver, a aplicação do princípio da fungibilidade dos recursos nos casos de cabimento da ação rescisória ou anulatória.

Isso pode ser constatado com a análise aos tópicos iniciais deste trabalho, onde apresentamos as diferenças entre a sentença de mérito e a sentença meramente homologatória e todos os efeitos posteriores a essas decisões, o que possibilita identificar o cabimento de uma ou de outra ação.

Nesta linha de raciocínio, podemos afirmar que a ação rescisória somente é cabível para pleitear-se a rescisão de sentença de mérito, eivada de qualquer das nulidades processuais explicitamente previstas nos incisos do artigo 485 do CPC; enquanto que a ação anulatória somente pode ser ajuizada contra sentença meramente homologatória, não necessariamente eivada de nulidade mas que homologa ato judicial, este sim nulo, além dos demais atos jurídicos também contaminados com qualquer nulidade, nos termos do direito material.

Existem entendimentos no sentido de que, quando se trata da validade de atos processuais, e, em particular, da sentença, o esquema classificatório dos vícios fixado pela doutrina tradicional, se aproveitável, tem de ser tomado com cautela, tendo-se em cuidadosa linha de conta a especificidade daqueles atos e, sobretudo, a eficácia sanatória peculiaríssima da coisa julgada.

Ao ajuizar a ação visando o saneamento do vício, deve-se ficar atento aos princípios basilares do processo, à hipótese, v. g., da sentença proferida à revelia do réu que não fora citado, ou cuja citação fora nula. Em tal caso, a sentença existe, mas é nula, podendo ser sua invalidade declarada mediante querela nullitatis, assim como pode ser rescindida segundo o art. 485, V, do CPC, ou, ainda, neutralizada em sua execução pela via dos embargos do executado.


22. Ação anulatória na Justiça do trabalho

O direito do trabalho, embora seja um ramo autônomo dentro do direito, em sua fase processual, apesar de regulamentado por normas próprias, segue, subsidiariamente, o processo civil quando a lei trabalhista não prevê certos tipos de procedimentos a serem adotados em alguns casos.

Assim, em alguns momentos, a justiça do trabalho vê-se obrigada a seguir normas processuais civis e, até, normas civis; motivo este, portanto, que torna possível de ser aplicado, neste tipo de justiça especializada, muito do que ora apresentamos neste trabalho.

Podemos citar algumas situações onde a ação anulatória está presente na justiça do trabalho, como, v. g., os casos de ação onde se pleiteia a desconstituição da justa causa ilegalmente atribuída ao empregado pelo seu empregador. Neste caso, o ato (despedida com justa causa) de direito material é nulo e pleiteia-se, em juízo, a declaração desta nulidade e o retorno das partes ao statu quo ante, o estado anterior (reata-se a relação empregatícia) e a aplicação da conversão da demissão com justa causa em demissão sem justa causa, com o pagamento de todos os haveres trabalhistas que o então reclamante teria direito. Trata-se de uma ação de conhecimento declaratória combinada com condenatória, onde o juiz declara a nulidade do ato e condena o empregador a ressarcir o empregado pela despedida ilegalmente a ele atribuída.

Outro exemplo que pode ser citado deste tipo de ação anulatória na justiça do trabalho é aquele onde o empregado estável é (ilegalmente) demitido. O empregado estável não pode ser demitido; assim, o ajuizamento de uma ação de reintegração do estável demitido ilegalmente nada mais é do que uma ação onde se pleiteia a decretação da nulidade do ato (demissão) e a reconstituição das partes ao statu quo ante (retorno do empregado aos quadros da empresa e cancelamento da dispensa ilegalmente realizada).

Tratam-se, os exemplos supra citados, de casos de nulidade de ato jurídico em geral, conforme preceitua o artigo 486 do CPC., sendo que, o ato processualizado pela justiça do trabalho, também, pode ser rescindido pela ação anulatória, tudo praticamente nos mesmos moldes com que o processo civil trata do assunto.

Berenice Soubhie Nogueira Magri, em seu excelente trabalho sobre a ação anulatória, restringindo-se ao ato processualizado, entende ser possível a ação anulatória contra ato praticado pela justiça do trabalho em casos onde esteja presente a conciliação judicial trabalhista. [102] Menciona que alguns atos praticados pelas partes em juízo, como a homologação da demissão de empregados estáveis, prevista no artigo 500 da CLT, é passiva de rescindibilidade via ação anulatória, salientando que as homologações de acordos coletivos realizadas pelo TRT e pelo TST somente podem ser rescindidas via ação rescisória. [103]

Cita a mestra que o artigo 831 da CLT prevê que, no caso de conciliação, o termo "valerá como decisão irrecorrível", afirmando que, sendo irrecorrível a decisão, não está sujeita à ação anulatória mas é decisão que pode ser rescindida nos termos do artigo 876 da CLT. Cita, ainda, a jurista, que o Enunciado 259 do TST. determina: "Só por ação rescisória é atacável o termo de conciliação previsto no parágrafo único do art. 831 da CLT", afirmando que este enunciado não tem força vinculativa perante os juizados inferiores, podendo ser modificado. [104] Entende, esta corrente doutrinária, que o termo de acordo, uma vez homologado antes da realização da audiência de instrução e julgamento, pode ser rescindido via ação anulatória, uma vez que o juiz homologa o acordo de vontades das partes, não adentrando no mérito da questão, acordo este, assim, que equipara-se ao simples ato judicial, não tendo força de sentença; não se aplicando, neste momento, o citado enunciado 259 do C. TST.

Com relação ao artigo 831 da CLT mencionar que o termo de homologação valerá como decisão irrecorrível, cumpre-nos lembrar que, embora a sentença meramente homologatória, uma vez transitada em julgado, seja irrecorrível (por não mais caber qualquer recurso contra ela) cabe o ajuizamento da ação anulatória do artigo 486 uma vez presente qualquer vício que a macule.

Também, com relação ao acordo judicial, mesmo que ele seja realizado após a instrução probatória ou durante ela, de qualquer forma elaborado em segunda audiência, podemos afirmar que nele o julgador ainda não apreciou o mérito da questão, não expediu sentença de mérito mas mera sentença homologatória, da mesma forma que ocorreu (ou ocorreria) na audiência inaugural. Não vemos como diferenciar o tipo de decisão apenas pelo fato de que a mesma fora expedida em primeira ou em segunda audiência. Sendo meramente homologatória, não apreciando o mérito, é passiva de rescindibilidade via ação anulatória.

Entendemos, portanto, data venia, apesar do advento do E. Enunciado mencionado, e das opiniões dos eminentes doutrinadores supra citados, que a sentença meramente homologatória, não julgando o mérito da causa, não faz coisa julgada material (apenas formal), motivo este que a torna passiva de rescindibilidade através da ação anulatória, nos termos da legislação material e processual pátria mencionada.

A justiça do trabalho não prevê a ação anulatória de ato processualizado, mas, também, não a veda em qualquer dos seus dispositivos legais. Não negando-a expressamente e existindo nela casos análogos àqueles que ocorrem na justiça comum, entendemos perfeitamente cabível a ação anulatória contra decisão judicial expedida na justiça do trabalho, desde que meramente homologatória. Equivoca-se, portanto, a maior parte da jurisprudência trabalhista, assim como o enunciado 259 do TST ao recomendar a utilização da ação rescisória em casos de evidente aplicabilidade da ação anulatória.


Notas

01. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio de Janeiro, 1996. CD-ROM.

02. NERY JUNIOR, N. NERY, R. M. A. Código de processo civil comentado e legislação processual civil extravagante em vigor. 3ª Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 677.

03. BASTOS, C. R. Curso de Direito Constitucional. 22ª Edição, São Paulo: Saraiva, 2001. p. 209.

04. GRECO FILHO. V. Direito processual civil brasileiro. 2º V. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 265.

05. GIDI, A. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995. p. 05.

06. Código de Processo Civil (Lei n. 5.869 de 11 de janeiro de 1973) Livro VIII (do procedimento ordinário), Capítulo VIII (da sentença e da coisa julgada) Seção II (da coisa julgada): Art. 467. Denomina-se coisa julgada material a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário. Art. 468. A sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas. Art. 469. Não fazem coisa julgada: I - os motivos, ainda que importantes para determinar o alcance da parte dispositiva da sentença; II - a verdade dos fatos, estabelecida como fundamento da sentença; III - a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no processo. Art. 470. Faz, todavia, coisa julgada a resolução da questão prejudicial, se a parte o requerer (arts. 5º e 325), o juiz for competente em razão da matéria e constituir pressuposto necessário para o julgamento da lide. Art. 471. Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas, relativas à mesma lide, salvo: I - se, tratando-se de relação jurídica continuativa, sobreveio modificação no estado de fato ou de direito; caso em que poderá a parte pedir a revisão do que foi estatuído na sentença; II - nos demais casos prescritos em lei. Art. 472. A sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada, não beneficiando, nem prejudicando terceiros. Nas causas relativas ao estado de pessoa, se houverem sido citados no processo, em litisconsórcio necessário, todos os interessados, a sentença produz coisa julgada em relação a terceiros. Art. 473. É defeso à parte discutir, no curso do processo, as questões já decididas, a cujo respeito se operou a preclusão. Art. 474. Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido. Art. 475. Está sujeita ao duplo grau de jurisdição, não produzindo efeito senão depois de confirmada pelo tribunal, a sentença: I - que anular o casamento; II - proferida contra a União, o Estado e o Município; III - que julgar improcedente a execução de dívida ativa da Fazenda Pública (art. 585, VI). Parágrafo único. Nos casos previstos neste artigo, o juiz ordenará a remessa dos autos ao tribunal, haja ou não apelação voluntária da parte vencida; não o fazendo, poderá o presidente do tribunal avocá-los.

07. MELLO, C. D. A. Direito constitucional internacional: uma introdução: Constituição de 1988 revista em 1994. 2ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. p. 47.

08. MELLO, C. D. A. op. cit. p. 48.

09. MELLO, C. D. A. op. cit. P. 53.

10. LIEBMAN, E. T. Eficácia e autoridade da sentença. 2. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 1981. p. 15.

11. GRECO FILHO. V. op. cit. p. 264.

12. LIEBMAN, E. T. op. cit. p. 16.

13. TEMER, M. Elementos de direito constitucional. 22ª Ed. p. 173. São Paulo: Malheiros, 2001.

14. BASTOS, C. R. op. cit. p. 205.

15. SILVA, J. A. Curso de direito constitucional positivo. 19ª Ed. p. 150. São Paulo: Malheiros, 2001.

16. AVILA, M. R. A. M. Garantia dos direitos fundamentais frente as emendas constitucionais (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada) e o manejo prático da ação mandamental. Rio de Janeiro: Destaque, 2001. p. 97.

17. BESTER, G. M. Cadernos de direito constitucional I. Unisíntese – direito em CD-Rom. Porto Alegre: Síntese, 1999.

18. BESTER, G. M. op. cit.

19. CANOTILHO, J. J. G. Direito Constitucional. 6ª Ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 18.

20. BESTER, G. M. op. cit.

21. LIEBMAN, E. T. apud THEODORO JÚNIOR, A Ação Rescisória e o Problema da Superveniência do Julgamento da Questão Constitucional. In Revista de Processo – 79. p. 167.

22. MONTORO, A. F. Introdução à ciência do direito. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1983. p. 264.

23. THEODORO JÚNIOR, H. op. cit. p. 168.

24. FERREIRA FILHO, M. G. Comentários à Constituição Brasileira de 1988. Vol. 1, p. 53/55. São Paulo: Saraiva, 1997.

25. PINHO, R. R. NASCIMENTO, A. M. Instituições de direito público e privado: Introdução ao estudo do direito: noções de ética profissional. 19. ed. São Paulo: Atlas, 1995. p. 119.

26. MEIRELES, H. L. Direito administrativo brasileiro. 14ª Edição, p. 603. São Paulo: Saraiva, 1989.

27. Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 1990. p. 72.

28. MIRANDA, J. Constituições de diversos países. I Vol. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. 1986. p. 225.

29. MIRANDA, J. Constituições de diversos países. II Vol. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda. 1986.. p. 312.

30. Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. op. cit., p. 129.

31. MIRANDA, J. Constituições de diversos países. op. cit. p. 278.

32. MIRANDA, J. Constituições de diversos países. op. cit. p. 159.

33. Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. op. cit., p. 225

34. MIRANDA, J. Constituições de diversos países. op. cit. p. 192.

35. MIRANDA, J. Constituições de diversos países. op. cit. p. 121.

36. Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. op. cit., p. 298.

37. Direitos humanos: declarações de direitos e garantias. op. cit., p. 322.

38. GRECO FILHO, V. op. cit. p. 265. MELO, R. L. VITAGLIANO, J. A. Amplo acesso ao judiciário e coisa julgada. Capturado em 13 de setembro de 2000. Online. Disponível na Internet http://www.jus.com.br/doutrina/coisjul2.html.

39. THEODORO JÚNIOR, H. op. cit. p. 168. VITAGLIANO, J. A. GERLAK, R. Limites da coisa julgada e recursos na arbitragem. Capturado em 03 junho 2001. On line. Disponível na Internet http://www.apoena.adv.br/Doutrinas/limites.html.

40. LIEBMAN, E. T. op. cit. p. 57.

41. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. op. cit.

42. RIBEIRO, P. B. FERREIRA, P. M. C. R. Curso de Direito Processual Civil. Unisíntese – Direito em CD-ROM. Porto Alegre: Síntese, 1999. CD-ROM.

43. RIBEIRO, P. B. FERREIRA, P. M. C. R. op. cit.: "Diz-se que a coisa julgada é a decisão judicial que põe fim à controvérsia, com a condenação ou a absolvição do réu."

44. SANTOS, M. A. Primeiras linhas de direito processual civil. 3º V. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 43.

45. MARQUES. J. F. Instituições de direito processual civil, vol. V, São Paulo: Forense, 1989, p 41.

46. Art. 474 do CPC.: "Passada em julgado a sentença de mérito, reputar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e defesas, que a parte poderia opor assim ao acolhimento como à rejeição do pedido."

47. MELO, R. L. VITAGLIANO, J. A. op. cit.

48. VITAGLIANO, J. A. GERLAK, R. op. cit.

49. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. op. cit.

50. RIBEIRO, P. B. FERREIRA, P. M. C. R. op. cit.

51. SANTOS, M. A. op. cit. p. 44.

52. GRECO FILHO. V. op. cit. p. 266.

53. PORTO, S. G. Classificação de ações, sentenças e coisa julgada. Revista Jurídica – 203 – Setembro/1994.

54. MELO, R. L. VITAGLIANO, J. A. op. cit.

55. NEVES, I. B. O processo civil na doutrina e na prática dos Tribunais – Doutrina e Jurisprudência – 8ª Ed. Rio de Janeiro: PM do Brasil Publicações, 1998. CD-ROM.

56. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. op. cit.

57. VITAGLIANO, J. A. GERLAK, R. op. cit.

58. NEVES, I. B. op. cit.

59. NEVES, I. B. op. cit.

60. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. op. cit.

61. NEVES, I. B. op. cit.

62. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. op. cit.

63. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. op. cit.

64. GRECO FILHO, V. op. cit. p. 94.

65. SÁ, D. R. de. Teoria Geral do direito processual civil:a lide e sua resolução. 2. Ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 91.

66. NEGRÃO, T. Código de processo civil e legislação processual em vigor, São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 17ª ed., pág. 220.

67. COSTA, A. A. L. Direito processual civil brasileiro, Código de 1939. 2. Ed. Vol. 3. Rio de Janeiro: José Konfino, 1948. p. 218.

68. VIDIGAL, L. E. B. Comentários ao código de processo civil. 2. Ed. Vol. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1976. p. 153.

69. MOREIRA, J. C. B. Comentários ao código de processo civil. 2. Ed. Vol. 6. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1976. P. 153.

70. VIDIGAL, L. E. B. op. cit. p. 173.

71. MOREIRA, J. C. B. op. cit. p. 153.

72. MAGRI, B. S. N. Ação anulatória: art. 486 do CPC. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 20.

73. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 21.

74. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 23.

75. Art. 2.732 do CC italiano: "Revoca della confessione. La confissione non può essere revocata se non si prova che è stata determinata da errore di fato o da violenza".

76. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 23.

77. CORREIA, M. O. G. Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 7.

78. BORGES, M. A. Comentários ao código de processo civil. Vol. 2. São Paulo: Universitária de Direito Ltda., 1975. p. 195.

79. THEODORO JUNIOR, H. op. cit. p. 646.

80. MIRANDA, F. C. P. op. cit. p. 346.

81. GRECO FILHO, V. op. cit. p. 46.

82. ARRUDA ALVIM WAMBIER, T. Nulidades da sentença. 3. Ed. são Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1993. p. 84.

83. GRINOVER, A. P. O sistema de nulidades processuais e a Constituição, in Livro de Estudos Jurídicos, Rio IEJ, 1993, pp. 160-161.

84. ARRUDA ALVIM WAMBIER, T. op. cit. p. 93.

85. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 86.

86. FIÚZA, C. Ensaio crítico acerca da teoria das nulidades. Revista da FUMEC/MG. n. 1581. 1999.

87. MONTEIRO, W. B. Curso de Direito Civil. Vol I, 21ª Ed. p. 263. São Paulo: Saraiva, 1982. Washington de Barros Monteiro, discorrendo acerca das nulidades, comenta o Código Civil Brasileiro de 1916, que prevê, em seu Livro III, Título I, Capítulo V, ao tratar das nulidades, nos artigos 145 a 158 (Livro III, Título I, Capítulo IV, arts. 138 a 184 do atual Código Civil) os atos jurídicos, nulos e anuláveis. Existem atos jurídicos que, por serem praticados de forma contrária à lei, são considerados nulos. Esses atos estão previstos no artigo 145 (atual art. 166 do Código Civil de 2002) do Código Civil. A doutrina prevê, ainda, o ato inexistente. Tratam-se de atos que carecem de elemento essencial indispensável à sua existência (consentimento, objeto, causa). Esse ato, segundo Washington de Barros Monteiro ocorre da seguinte maneira: "Em tais condições, é evidente que o ato, não tendo chegado a se completar, nenhum efeito pode produzir. A doutrina caracteriza essa situação com o termo inexistente, melhormente chamado ato incompleto ou inacabado no direito alemão;". "Esses atos não estão previstos na legislação por serem juridicamente inidôneos, incapazes de gerar qualquer tipo de consequência jurídica. Não é necessária a declaração judicial da ineficácia desses atos porque os mesmos jamais chegam a existir." Continua o citado mestre: "Ato inexistente é o nada. A lei não o regula, porque não há necessidade de se disciplinar o nada." Ao lado desse ato (inexistente), existem os atos nulos (viciados com a nulidade absoluta, previstos no artigo 145 citado do Código Civil – atual 166) e os atos anuláveis (viciados com a nulidade relativa, previstos no artigo 147 do mesmo diploma legal – atual 171). A nulidade absoluta é muito mais grave, contem maior atentado à ordem jurídica, tendo, pelo legislador, aplicação de sanção mais severa; ao contrário da nulidade relativa, onde a falta cometida é mais leve, sendo, diferentemente da nulidade absoluta, passiva de anulabilidade."

88. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 134.

89. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 134.

90. MIRANDA, F. C. P. Tratado das ações. São Paulo: RT., 1973. Tomo 4 Ações constitutivas. p. 69.

91. TUCCI, R. L. Curso de direito processual civil, processo de conhecimento. São Paulo: Saraiva, 1989. Vol. 3. p. 247.

92. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 136.

93. NEGRÃO, T. Código de processo civil e legislação processual em vigor. 26ª Ed. p. 373. São Paulo: Saraiva, 1995. Theotonio Negrão, comentando o artigo 486 do CPC., defende a aplicabilidade da ação anulatória nestes casos, argumentando o seguinte: "Se a execução por título extrajudicial não foi embargada e, assim, inexiste sentença, só cabe ação anulatória (Bol. AASP 1.158/42). Mas, anulatória do que? Do título executivo? Sob que fundamento? Da Arrematação? De que modo se se baseia em título formalmente válido?" A solução será admitir-se a ação anulatória do art. 486, com possibilidade, para o autor, de alegar toda a matéria que poderia ter aduzido nos embargos à execução não apresentados tempestivamente." Na página 507, comentando o artigo 680 do CPC., o autor esclarece, citando as seguintes jurisprudências: "Não sendo embargada a execução, inexiste sentença, não se podendo falar de coisa julgada capaz de impedir a propositura da ação anulatória do lançamento fiscal" (STJ-2ª Turma, REsp 9.401-0-SP, rel. Min. Peçanha Martins, j. 8.9.93, não conheceram, v. u., DJU 25.10.93, p. 22.469, 1ª col. Em.)". "Em tais condições, pode o executado que não opôs embargos à execução ajuizar, com fundamento no art. 486, ação anulatória do título executivo extrajudicial, alegando toda a matéria cabível nos embargos" (RJTJESP 88/41, 110/245, 124/103, Bol. AASP 1.158/42)". "O fato de o executado não embargar a execução não deve impedi-lo de exercer defesa, a fim de conter a execução nos limites de legalidade que necessariamente deve informar o processo." (RTFR 74/159). Entendemos que, no caso de adjudicação ou arrematação, homologados e não existindo a impugnação destes atos via oposição de embargos, este ato, uma vez eivado de qualquer vício, nulidade, pode ser objeto de decretação judicial de nulidade via ação anulatória. Portanto, anulado o ato, anular-se-á os demais atos subsequentes do processo de execução, provocando o retorno da sua marcha a partir do último ato anterior ao que se anula, não prevalecendo a sentença que decretou a extinção do processo executivo, homologando o ato (arrematação ou adjudicação). Os entendimentos jurisprudenciais supra citados são neste sentido e vão de encontro aos nossos posicionamentos por dois motivos: em primeiro lugar combatemos a idéia da imutabilidade da coisa julgada sempre que esta se fundar em atos nulos, o que jamais poderia fulcrar um direito (algo legalizado com supedâneo em uma situação ilegal); e, em segundo lugar, em se tratando de sentença meramente homologatória, que não julga o mérito, não decide o litígio, incabível o ajuizamento de ação rescisória, cabendo, por conseguinte, a ação anulatória com fulcro no artigo 486 do CPC.

94. ALVIN NETTO, J. M. A. Manual de direito processual civil. 5. ed. Vol. 2. São Paulo: RT, 1998. p. 390.

95. MONTEIRO, W. B. op. cit. p. 263.

96. DINIZ, M. H. Código civil anotado. São Paulo: Saraiva, 1995. op. cit. p. 146.

97. PEREIRA, C. M. da S. Instituições de direito civil V. I. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1982. p. 547. Caio Mário da Silva Pereira expõe acerca da prescrição dos atos nulos nos seguintes termos: "A doutrina tradicional tem sustentado que, além de insanável, a nulidade é imprescritível, o que daria em que, por maior que fosse o tempo decorrido, sempre seria possível atacar o negócio jurídico: "quod nullumest nullo lapsu temporis convalescere potest". É frequente a sustentação deste princípio, tanto em doutrina estrangeira, quanto nacional. Os modernos, entretanto, depois de assentarem que a prescritibilidade é a regra e a imprescritibilidade a exceção, admitem que entre o interesse social do resguardo da ordem legal, contido na vulnerabilidade do negócio jurídico, constituído com infração de norma de ordem pública, e a paz social, também procurada pelo ordenamento jurídico, sobreleva esta última, e deve dar-se como suscetível de prescrição a faculdade de atingir o ato nulo. Nosso direito positivo não desafina desta concepção. Estabelecendo que os direitos reais prescrevem em 10 e 15 anos, e os de crédito em 20 (esta regra era relativa ao Código Civil de 1916, art. 177, sendo que, o Código Civil de 2002 passou a determinar como 10 anos o tempo máximo de prescrição, art. 205), o legislador brasileiro, em essência, enunciou a regra, segundo a qual nenhum direito sobrevive à inércia do titular, por tempo maior de 20 anos (dez anos agora, segundo o Código de 2002). Esta prescrição logi temporis não respeita a vulnerabilidade do ato nulo, e, portanto, escoados 20 anos (10 anos) do momento em que poderia ter sido proposta a ação de nulidade, está trancada a porta, e desta sorte opera-se a consolidação do negócio jurídico, constituído embora sob o signo do desrespeito à ordem pública." Sob este raciocínio, podemos concluir que a ação anulatória prescreve nos termos acima expostos, dependendo da natureza legal do negócio jurídico envolvido.

98. MONTEIRO, W. B. op. cit. p. 264.

99. CPC. Art. 485. "A sentença de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz: II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente; III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei; IV - ofender a coisa julgada; V - violar literal disposição de lei; VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória; VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pode fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável; VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença; IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa. § 1º Há erro, quando a sentença admitir um fato inexistente, ou quando considerar inexistente um fato efetivamente ocorrido. § 2º É indispensável, num como noutro caso, que não tenha havido controvérsia, nem pronunciamento judicial sobre o fato."

100. CPC. Art. 495. "O direito de propor ação rescisória se extingue em dois (2) anos, contados do trânsito em julgado da decisão."

101. Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio de Janeiro, 1996. CD-ROM.

102. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 245.

103. MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 246.

104. OLIVEIRA, F. A. apud MAGRI, B. S. N. op. cit. p. 245


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VITAGLIANO, J. A. GERLAK, R. Limites da coisa julgada e recursos na arbitragem. Capturado em 03 junho 2001. On line. Disponível na Internet http://www.apoena.adv.br/Doutrinas/limites.html.

Vocabulário Enciclopédico de Tecnologia Jurídica e Brocardos Latinos. Folio Bound VIEWS. Rio de Janeiro, 1996. CD-ROM.


Autor

  • José Arnaldo Vitagliano

    Advogado. Doutorando em Direito Educacional pela UNINOVE - São Paulo. Mestre em Constituição e Processo pela UNAERP - Ribeirão Preto. Especialista em Direito pela ITE - Bauru. Especialista em Docência do Ensino Universitário pela UNINOVE - São Paulo. Licenciado em Estudos Sociais e História pela UNIFAC - Botucatu. Professor de Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito Processual Civil e Prática Civil. Autor de dois livros pela Editora Juruá, Curitiba: Coisa julgada e ação anulatória (3ª Edição) e Instrumentos processuais de garantia (2ª Edição).

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

VITAGLIANO, José Arnaldo. Coisa julgada e ação anulatória. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4206. Acesso em: 18 mar. 2024.