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As linhas evolutivas do direito processual

As linhas evolutivas do direito processual

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É preciso analisar o processo de um ângulo mais prático, levando em consideração os resultados concretos para a sociedade.

RESUMO:O presente artigo tem como intenção realizar um estudo a respeito da história do direito processual, abordando o tema através de uma explicação das diversas fases desse ramo do direito, desde os períodos iniciais de subordinação e dependência em relação ao direito material, passando pela sua fase autonomista e científica, até as fases mais recentes, tratando também de uma possível nova fase em desenvolvimento. Também serão demonstradas as influências dessa evolução no ordenamento jurídico processual brasileiro, como o direito brasileiro reagiu e como evoluiu frente às ideias europeias e as influências práticas, tanto no plano doutrinário quanto na legislação processual pátria.

Palavras chave: Teoria Geral do Processo. Direito Processual.

ABSTRACT:The present article has as intention to develop a study about the history of the processual law, approaching the theme trough an explanation of the various stages of this branch of the law, since the initial periods of subordination and dependency in relation to the material law, going through its autonomist and scientific phase, until the most recent ones, treating also about a possible new stage of development. There will be demonstrated too the influences of this evolution in the Brazilian juridical processual ordinance, of how the Brazilian law reacted and how it evolved compared to the European ideas, and the practical influences, both in the doctrinaire plan and in the home legislation.

Keywords: General Theory of Process. Processual Law.


INTRODUÇÃO

O direito, desde o seu surgimento junto com a sociedade, tem como objetivo normatizar as relações entre os indivíduos. Para que o conjunto de normas atinja seu fim, entretanto, deve haver um meio de aplicação, o que é conhecido hoje como processo.

O processo passou por várias fases antes de chegar ao ponto de desenvolvimento em que se encontra hoje. A ciência processual em si é uma área relativamente nova quando comparada às demais áreas do direito, tendo as suas construções científicas iniciadas somente a partir da segunda metade do século XIX.

Antes do desenvolvimento científico, o processo era considerado como um direito subjetivo material, integrado ao direito objetivo ou material. A partir do momento em que o indivíduo considerasse que fora lesado de alguma maneira, este adquiria o direito de se valer do processo para a defesa dos seus interesses.

Somente a partir do século XIX é que se passou a discutir a respeito da independência do processo em relação ao direito material. Deu-se início à construção de uma nova ciência, o direito processual, um ramo autônomo dentro do direito.

Desse ponto em diante, a ciência processual propriamente dita iniciou o seu desenvolvimento, passando pela fase inicial de definição das bases teóricas e científicas, depois por uma fase crítica onde se discute sobre a efetiva aplicação da teoria no plano social e da busca pela justiça dentro do processo, e por fim uma fase recém-criada onde se debate a respeito da superação do instrumentalismo.

O trabalho então visa a explanar cada uma das fases da ciência processual, demonstrar as mudanças teóricas ocorridas e quais os rumos que estão sendo tomados na contemporaneidade.


1. PRIMEIRA FASE DO DIREITO PROCESSUAL

No período que se deu a partir da Antigüidade clássica greco-romana, o direito processual civil iniciou uma desvinculação dos conceitos religiosos existentes. O processo civil romano, durante sua fase primitiva, concebia o juiz como um árbitro cuja função era buscar uma solução para aqueles casos os quais a lei não havia previsto. O procedimento era excessivamente formal e solene, ocorrendo de forma oral nas fases in iure, que se desenvolvia perante o magistrado, com a concessão ou não da ação, e a in iudicio, que se dava diante de um árbitro - não funcionário do Estado, ou de jurados, por meio da produção de provas e do proferimento da sentença. Durante o período formulário, o sistema per formulas passou aos poucos a substituir o primitivo sistema das legis actiones de forma que praticamente todo o procedimento era oral, não havendo mais o rigor das solenidades da fase anterior e advindo o caráter obrigatório da sentença da convenção estabelecia entre autor e réu ao concordarem cumprir com o que fosse estabelecido pelo árbitro, passando a ser o advogado uma figura presente juntamente com os princípios do contraditório das partes e do livre convencimento do juiz.

O sistema da cognitio extraordinária, por sua vez, surge da atribuição das funções judiciárias pelo governo imperial aos funcionários do Estado, que passaram a presidir e dirigir o processo, proferindo a sentença e dando-lhe execução. Surge assim o juiz oficial, um funcionário do Estado no exercício da função pública de compor as lides, deixando de haver a participação dos árbitros privados. Os procedimentos davam-se de forma escrita e a obrigatoriedade das sentenças advinha do fato de ser o juiz funcionário do Estado, desenvolvendo-se o processo civil moderno a partir desta fase. Posteriormente, com a fusão do direito germânico, direito canônico e direito romano formou-se o chamado direito comum e o processo comum, que vigeram entre os séculos XI e XVI na Europa, sendo caracterizado pela forma escrita, pela complexidade e por sua lentidão.

O direito processual moderno é caracterizado pela existência de quatro fases. A primeira delas é a denominada de sincretista, também conhecida por fase imanentista ou civilista, e se prolongou até meados do século XIX. Nela não havia propriamente o direito processual, de forma que era o processo considerado mera fração do direito material, desprovido de qualquer autonomia, e como consequência dessa não distinção entre direito material e direito processual não havia uma verdadeira ciência processual, já que os conhecimentos eram puramente empíricos, não havendo a observação de princípios nem o desenvolvimento de conceitos próprios ou de um método a ser seguido; durante esse período, a “ação” era um instituto de direito material, de forma que sua promoção referia-se a este e não ao direito processual.

Dessa forma, o processo era visto em sua realidade técnica, sendo confundido com o mero procedimento, como uma sucessão de atos, não havendo a percepção da relação jurídica processual existente entre os sujeitos. Havia, pois, uma mistura do direito material com o processual e as regras de processo existentes encontravam-se no ordenamento de direito material, compondo ambas, assim, um único corpo jurídico. Ensina Ada Pellegrini:

Até meados do século passado, o processo era considerado simples meio de exercício dos direitos (daí, direito adjetivo, expressão incompatível com a hoje reconhecida independência do direito processual). A ação era entendida como sendo o próprio direito subjetivo material que, uma vez lesado, adquiria forças para obter em juízo a reparação da lesão sofrida. Não se tinha consciência da autonomia da relação jurídica processual em face da relação jurídica de natureza substancial eventualmente ligando os sujeitos do processo. Nem se tinha noção do próprio direito processual como ramo autônomo do direito e, muito menos, elementos para a sua autonomia científica. Foi o longo período de sincretismo, que prevaleceu das origens até quando os alemães começaram a especular a natureza jurídica da ação no tempo moderno e acerca da própria natureza jurídica do processo. [1]

Havia, portanto, uma visão linear do ordenamento jurídico, de forma que, com a confusão entre os planos material e processual, a jurisdição era tida como um sistema de tutela dos direitos no qual havia uma reduzida participação do juiz. A ação era compreendida como direito subjetivo material que, ao ser lesado, gerava a busca para obter em juízo a reparação da lesão sofrida; e o processo como mero instrumento nessa busca, nesse exercício de direitos, sendo o processo, a priori, visto como um contrato, cuja função era materializar os direitos resguardados pela legislação privada. É em razão da fase sincrética que acostumou-se chamar equivocadamente o direito processual civil de direito adjetivo, como se aquele fosse mero anexo do direito material, o que não mais ocorre.

A base do direito processual encontra-se arraigada ao direito civil, principalmente pelo fato da primeira codificação ser um código civil. Na França, visando manter a unidade do país, o rei concentrou em si os poderes políticos. Com isso, o Parlamento de Paris assumiu a posição de órgão central da jurisdição, construindo um processo próprio que se baseava no procedimento romano-canônico, através do emprego de elementos germânicos. A partir do século XIV começaram assim a ser emitidas ordenações régias, dentre elas a Ordenação Civil de Luiz XIV, em 1667, que instaurou as bases do posterior Código de Processo Civil francês de 1806, que guiaria-se pela simplicidade, oralidade, publicidade dos atos, princípio dispositivo e pela livre apreciação da prova pelo juiz, formando as leis processuais francesas um modelo que seria seguido por grande parte dos países europeus.

No que diz respeito ao Brasil, os momentos durante a égide da coroa portuguesa são os caracterizados nesta fase. Em 1446, o rei Afonso V promulgou o primeiro Código português, as Ordenações Afonsinas, seguidas pelas Manuelinas em 1521, e em 1603 foram promulgadas as Ordenações Filipinas ou Ordenações do Reino; tal sistema também foi utilizado no Brasil, enquanto colônia de Portugal, sendo o processo civil no Brasil disciplinado pelas leis portuguesas. As principais características do processo, descritas pelas Ordenações eram as seguintes: divisão em fases; forma escrita; alguns atos ocorriam em segredo de Justiça; predominância do princípio dispositivo, realizando-se as fases processuais por impulso das partes; as provas ficavam a cargo da parte.


2. A SEGUNDA FASE DO DIREITO PROCESSUAL

A segunda fase evolutiva do direito processual consiste, basicamente, na separação deste do direito objetivo, mais precisamente do direito civil. Essa autonomia foi possível por conta do estabelecimento das bases da ciência processual, e a consequente criação de um novo ramo do direito.

Uma das grandes evoluções em relação à fase anterior é que se deixou de considerar o processo como parte integrante de um direito subjetivo, um mecanismo interno através do qual este se faria valer, e passou-se a vê-lo como uma relação jurídica, independente das relações privadas que viriam a juízo.

Além disso, outro importante passo realizado entre a primeira e segunda fases foi o estabelecimento do Estado como prestador único da função jurisdicional. Derivado da independência do direito civil, que era o ramo que predominantemente regulava os procedimentos, deixou o processo de ser um contrato ou quase-contratoe passou a ser uma prestação da jurisdição pelo poder estatal.

Outra diferença se mostrou no ponto em que, como a prestação jurisdicional passou a ser função do Estado, o processo passou a ser um instrumento de aplicação das leis criadas por esse poder. A finalidade do processo passa a ser a obtenção da composição da lide, onde compor a lide se coloca como resolvê-la de acordo com o direito objetivo, fazendo atuar a vontade da lei.

Com essa independência, se mostrou necessária a criação de uma área específica para o estudo do processo. Foram estabelecidas assim as bases da ciência processual, feitas através do estabelecimento dos pressupostos processuais e das condições da ação.

Um dos grandes mentores dessa evolução foi Oscar Von Bülow, que apesar de não ter propriamente criado a teoria do processo como uma relação, pois já existiam textos anteriores e outros autores que já acatavam essa ideia, foi a partir dele que o desenvolvimento começou. Isso se deu porque na sua teoria, não se demonstra somente uma intuição a respeito da possível existência da separação entre o direito material e o processo, mas ele efetivamente a sistematiza. Deixa então o processo de ser considerado como procedimento, um mero rito formal onde não se passa de uma coordenação de uma sucessão de atos, e passa a ser visto como uma efetiva relação entre as partes que o compõem.

Cabe notar, entretanto, que o processo não seja somente a própria relação processual, como expressões sinônimas. Ele é uma entidade complexa, que não deve ser confundida nem como um mero procedimento e nem se encerra no puro conceito de relação jurídica processual.

2.1. A NATUREZA JURÍDICA DO PROCESSO E SUAS TEORIAS

No processo de sistematização e expansão da ciência processual, os grandes processualistas despenderam grandes esforços para definir qual a natureza jurídica do processo. Diversas teorias foram desenvolvidas, como aquelas referentes à primeira fase processual onde o processo era considerado como um contrato e, posteriormente, como um quase-contrato.

Somente a partir da teoria de Bülow, que trata o processo como uma relação jurídica é que vamos ter o início da segunda fase. Apesar de terem sido tecidas acirradas críticas a respeito dela, ela se consolidou como a teoria dominante, tendo influências inclusive no ordenamento brasileiro, ainda que de maneira tardia. Esses ataques podem ser vistos em teorias como a de Goldschmidt[2] que negava a existência de obrigações processuais para as partes; e a de Fazzalari[3], que propõe a substituição da relação jurídica pelo contraditório.

Na teoria do processo como relação jurídica existe uma relação entre as partes e o juiz, diversa da relação de direito material, onde os sujeitos participantes, investidos dos poderes dados pela lei, atuam visando alcançar um objetivo comum, que é a prestação jurisdicional.

O processo então é considerado por Bülow como uma relação jurídica de direito público entre o tribunal e as partes, sendo por isso autônoma em face da relação de direito material. E como relação jurídica, estabelece direitos e deveres recíprocos em relação àqueles que nela participam, além de ônus e poderes, todos coordenados para um mesmo fim, o que torna a relação complexa a relação processual.

Além disso, a relação processual também se mostra dinâmica, pois se realiza em atos sucessivos. Também é uma, pois permanece igual desde seu começo até seu encerramento, ainda que porventura ocorram mudanças nos sujeitos que a componham ou mesmo nos pedidos que a comandem. O caráter de relação de direito público se dá por conta de que os direitos e deveres processuais visão ao exercício da função jurisdicional, esta que é função do Estado. Assim, se extingue a visão de que esta é como a das relações contratuais de direito privado, onde se atua fora da intervenção do Estado-juiz.

Na teoria do processo como relação jurídica tambémhá a divisão deste em dois planos distintos. O do direito material, que são os bens jurídicos que as partes afirmam ter; e o do direito processual, onde se dá a discussão sobre esses direitos conflitantes.

A teoria de Bülow sobre a natureza jurídica do processo foi inicialmente recebida na Alemanha, e posteriormente na Itália, por volta do início do século XX. A difusão para os povos latinos se deu principalmente por Chiovenda, entretanto no Brasil os efeitos só seriam efetivamente sentidos depois, especialmente a partir da Constituição de 1937 e o posterior Código de Processo de 1939.

2.2. AS BASES DA CIÊNCIA PROCESSUAL: AS CONDIÇÕES DA AÇÃO E OS PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS

Quando do desenvolvimento da ciência processual, se fez necessária a criação dos alicerces da teoria do processo, para que a partir dali fossem feitas as posteriores construções teóricas e científicas. Essas bases foram colocadas como sendo as condições da ação e os pressupostos processuais.

Ambos esses conceitos são requisitos para que a atividade jurisdicional atinja o seu objetivo de fazer valer a vontade da lei. Entretanto, essas duas categorias não se confundem[4]. Na explicação de Adriano Sant’Ana Pedra, em artigo sobre o assunto,

(...) as condições da ação correspondem aos requisitos prévios necessários para que a parte possa exercer o seu direito à tutela jurisdicional, e os pressupostos processuais aos requisitos prévios necessários para que o processo seja considerado existente e desenvolvido de forma válida e regular[5].

As condições da ação são atinentes ao direito da prestação jurisdicional. Ou seja, são requisitos para que o indivíduo possa requerer a ação do Estado-Juiz para a resolução daquela lide. Existe divergência doutrinária a respeito desse assunto, existindo duas correntes: a primeira afirma que as condições da ação são condições de existência da própria ação, enquanto a segunda coloca que são condições referentes ao exercício do direito. Tal se dá porque ainda que alguém não possua nenhuma das condições satisfeitas, pode este indivíduo requerer a prestação jurisdicional, ainda que a resposta do Juiz se exaure na pronúncia de carência da ação.

Colocam-se como condições, atualmente: a possibilidade jurídica do pedido, onde pedidos ilegais ou impossíveis já são excluídos de pronto da apreciação do ordenamento jurídico; o interesse de agir, onde o autor deve dar início à prestação de maneira adequada e quando necessário[6], não sendo dever do Estado fazê-lo; e a legitimidade ad causam, onde o titular da ação somente poderá pleitear direitos próprios, como estabelecido pelo art. 6° do Código de Processo Civil de 1973: “ninguém poderá pleitear, em nome próprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei”.

Os pressupostos processuais, por sua vez, são os requisitos para que a relação processual se desenvolva e exista validamente, e para que atinja por fim o seu objetivo de um pronunciamento a respeito da demanda.

Existem duas tendências sobre a delimitação de quais os pressupostos devem ser seguidos dentro da ação. A primeira é a de sentido amplo, que inclui todos os requisitos necessários ao nascimento e desenvolvimento válido e regular do processo. São divididos em objetivos e subjetivos: os primeiros subdividem-se em positivos (petição inicial apta, citação válida e regularidade procedimental) e negativos (litispendência, coisa julgada e perempção); e os subjetivos dizem respeito às partes que compõem a relação processual, o Juiz (investidura, competência e imparcialidade) e os polos (capacidades de ser parte, de estar em juízo e postulatória).

A segunda tendência dá um sentido mais restrito, limitando os requisitos ao pedido, à capacidade de quem formula e à investidura do destinatário. Estão, assim, os pressupostos restritos aos requisitos para o nascimento de um processo válido.

2.3. AS DIFERENÇAS ENTRE A RELAÇÃO DE DIREITO PROCESSUAL E A DE DIREITO MATERIAL

Com a independência do direito processual em relação aos demais direitos, gerando um ramo autônomo, alguns conceitos comuns a todas as áreas jurídicos foram diferenciados. Isso foi feito de maneira a reforçar a afirmação da separação feita em relação ao direito material.

Existem então três aspectos fundamentais em relação à diferenciação: “(...) a relação jurídica processual se distingue da de direito material por três aspectos: a) pelos seus sujeitos (autor, réu e Estado-Juiz); b) pelo seu objeto (a prestação jurisdicional); c) pelos seus pressupostos (os pressupostos processuais).” [7]

Nota-se, seguindo os ensinamentos dos citados doutrinadores, que Bülow estabeleceu uma estrutura triangular do processo, composta por três partes. O Estado, representado pelo juiz, estaria no vértice superior, igualmente distante das duas partes litigantes, tendo direitos e deveres frente a estes. E nos ângulos inferiores, à mesma altura, estão as partes, que possuem direitos e deveres tanto para com o Juiz quanto entre si.

A outra diferença reside no objeto da relação processual. Nas relações jurídicas de direito material, o objeto é o chamado bem da vida, isso é, o próprio objeto que é disputado entre as partes (uma importância em dinheiro, um direito de usucapir, um imóvel). Na relação processual, por sua vez, o objeto não reside no bem da vida propriamente, mas na própria prestação jurisdicional, sendo esse objeto alcançado mediante o provimento final dado em cada processo.

O objeto da relação processual é considerado como secundário frente ao da relação material, que é considerado como o primário. Tal ocorre porque a prestação jurisdicional, nessa segunda fase do desenvolvimento do processo, é considerada como um instrumento de concretização dos bens da vida em litígio.

Por fim, a última diferença está nos pressupostos dos direitos materiais e processuais. Como já explanado no tópico anterior, os pressupostos processuais, independentemente da teoria a ser adotada (a de sentido amplo ou a de sentido restrito), eles têm como objetivo que a relação processual se desenvolva normalmente e sem ilegalidades, do início ao seu término. As relações de direito material, por sua vez, seguem pressupostos diferentes. No ordenamento jurídico brasileiro, estes são estabelecidos pelo Código Civil no sei artigo 104, que define os requisitos gerais de validade dos atos e negócios jurídicos, que são a capacidade do agente, a forma prescrita ou não defesa em lei, e o objeto lícito, possível e determinado ou determinável.

2.4. AS INFLUÊNCIAS DA SEGUNDA FASE DA CIÊNCIA PROCESSUAL NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

As influências da segunda fase no direito brasileiro só se deram de maneira tardia. Enquanto o desenvolvimento das teorias em si se deu a partir da metade do século XIX, no Brasil essas teorias só passaram a ser discutidas e inseridas a partir da década de 1940, através do italiano Enrico Tullio Liebman.

Esse doutrinador foi o criador de um dos principais grupos de estudo que surgiram no Brasil em relação ao direito processual, a “Escola Processual de São Paulo” – denominação dada por um autor estrangeiro, não uma autodenominação. Esse grupo teve como importantes características o alinhamento em relação a certos pressupostos metodológicos fundamentais, como a relação jurídica processual distinta e independente da matéria, a autonomia da ação e a instrumentalidade do processo.

Em relação ao ordenamento jurídico em si, traços das teorizações feitas na fase de ouro começaram a surgir a partir do Decreto n. 763 de 1890, no governo republicano. Esse dispositivo estendeu a abrangência do regulamento 737[8] às causas civis em geral, dando as primeiras formas de um Código de Processo.

Após a promulgação da Constituição de 1891, a competência para legislar a respeito de matéria processual passou a ser conjunta tanto da União quanto dos Estados, de maneira que cada unidade da federação criou o seu próprio Código de Processo Civil. A maioria, entretanto, limitou-sea copiar o antigo regulamento, onde somente Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia tiveram legislações mais desenvolvidas. Somente a partir da Constituição de 1934 a competência voltou a ficar concentrada na União, o que culminou na posterior promulgação do Código de Processo Civil de 1939.

Foi só a partir da codificação de 1973, entretanto, que passaram a ser efetivamente aplicados os elementos da fase autonomista. Esse código foi fruto de um anterior que era eivado de defeitos por conta da fraca possibilidade de aplicações práticas.

O vigente Código, que já está em vias de ser aposentado, apesar de seguir as diretrizes da fase de ouro, “nasceu” antigo. Tal ocorre, pois à época que entrou em vigência, a terceira fase já estava em desenvolvimento. O processo como instrumento de aplicação da norma concreta estava dando espaço à instrumentalidade do processo, que supre a ausência da segunda fase no aspecto social e de aplicações concretas do processo.


3. A TERCEIRA FASE DO DIREITO PROCESSUAL

A fase instrumentalista do processo é a que vivenciamos atualmente, e possui representantes como Mauro Cappelletti, José Carlos Barbosa Moreira, Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini Grinover e Rosemiro Pereira Leal. Surgiu, dentre outros fatores, da universalização dos direitos humanos. Com a variedade de novos direitos, principalmente os de quarta e quinta geração, o número de demandas aumentou, meio que “sufocando” o Judiciário. Foi então que se percebeu que o apego ao formalismo da segunda fase não permitia o efetivo exercício de tais direitos, e era necessário inovar, tornar o processo mais crítico, célere, seguro. Inicia-se então a fase instrumentalista, marcada com a obra “A Instrumentalidade do Processo”, de Cândido Rangel Dinamarco[9]. Sobre o assunto, cita o autor:

Insistir na autonomia do direito processual constitui, hoje, como que preocupar-se o físico com a demonstração da divisibilidade do átomo. (...) O que conceitualmente sabemos dos institutos fundamentais deste ramo jurídico já constitui suporte suficiente para o que queremos, ou seja, para a construção de um sistema jurídico-processual apto a conduzir aos resultados práticos desejados.

Uma das principais características do instrumentalismo processual é a procura da efetividade da tutela jurisdicional e da produção de uma ordem jurídica justa. Aqui, os horizontes do processo de ampliam, indo bem além do aspecto formal. A técnica processual se interessa em solucionar de maneira adequada os grandes problemas sociais, políticos e jurídicos da sociedade. Segundo Dinamarco, no aspecto social seria necessário conscientizar as pessoas de seus direitos e deveres, além de pacificar as tensões de maneira mais justa possível; no aspecto político seria necessário, por um lado, valorizar mais a liberdade e a participação do cidadão, proporcionando dignidade e limitando o poder do Estado, mas, por outro lado, não esquecer da capacidade de decisões imperativas por parte deste último, necessárias para sustentar o ordenamento jurídico; no aspecto jurídico, seria necessário adequar o processo aos novos anseios sociais, que, como já foi dito anteriormente, têm crescido com as novas gerações de direitos humanos.

Dessa maneira, o professor Dinamarco ensina que o instrumentalismo tem duas facetas, uma positiva e uma negativa. A faceta negativa se traduz em conter os exageros para evitar um isolamento do processo frente ao material, combatendo as influências fortemente autônomas da segunda fase. A faceta positiva, por sua vez, é representada pela nova função do processo de resolver os conflitos sociais, políticos e jurídicos, dando efetividade ao cumprimento dos objetivos traçados. O processo, portanto, deve estar mais próximo do cidadão, buscando sempre avanços para atender aos anseios sociais. O principal exemplo disto é a criação do princípio de acesso à justiça por Mauro Capelleti.

O acesso à justiça é um importante instrumento na busca pela efetivação dos direitos fundamentais, buscando sempre trazer reformas processuais que tornem a jurisdição mais efetiva. São exemplos de reformas no Processo Civil: a antecipação da tutela (art. 273); a tutela inibitória (art. 461 e 84 do CDC); a execução específica das obrigações de fazer e de não fazer; a simplificação do processo de execução; a audiência prévia de conciliação e saneamento; as alterações na sistemática recursal (Leis 9.139/96 e 9.756/98); e ainda, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990); a Lei da Ação Civil Pública (Lei 7.347, de 24 de julho de 1985); as leis dos Juizados Especiais Estaduais e Federais (Leis 9.099, de 26 de setembro de 1995 e 10.259, de 12 de julho de 2001). Capelletti tem razão quando ensina que “o acesso [à justiça] não é apenas um direito social fundamental, crescentemente reconhecido; ele é, também, necessariamente, o ponto central da moderna processualística; seu estado pressupõe um alargamento e aprofundamento dos objetivos e métodos da moderna ciência jurídica”[10].

Havia, há alguns anos, alguns obstáculos que precisavam ser superados para que o acesso à justiça fosse exercido com maior efetividade. O principal deles era em relação às custas processuais. Isso porque, primeiramente, os honorários advocatícios são altos, o que distancia grande parcela da população desses espaço de litígio, principalmente em pequenas causas, onde o custo dificilmente será maior que o “lucro”. Além disso, como o processo se “arrasta” por anos, os custos aumentam, e a tendência é que a parte economicamente mais fraca abandone o litígio ou aceite um acordo injusto, em que recebe um valor bem abaixo daquele que tem direito. Dessa forma, era perceptível que o maior prejudicado era o pobre e em pequenas causas.

Atualmente, várias mudanças têm colaborado para melhorar o sistema de assistências judiciárias. Dentre eles, merecem destaque os juizados especiais para a apreciação de pequenas causas, cuja implementação visa um modelo de prestação jurisdicional mais adequado à realidade social. Para haver justiça com equidade, é necessário dar as mesmas oportunidades a todos, igualando as desigualdades. Os juizados especiais beneficiam principalmente as pessoas de baixa renda, descomplicando as formalidades processuais, reduzindo as custas judiciais e promovendo igualdade. Cappelletti, sobre isso, afirma:

Nosso Direito é frequentemente complicado e, se não em todas, pelo menos na maior parte das áreas, ainda permanecerá assim. Precisamos reconhecer, porém, que ainda subsistem amplos setores nos quais a simplificação é tanto desejável quanto possível. Se a lei é mais compreensível, ela se torna mais acessível às pessoas comuns. No contexto do movimento de acesso à justiça, a simplificação também diz respeito à tentativa de tornar mais fácil que as pessoas satisfaçam as exigências para a utilização de determinado remédio jurídico.[11]

E, ainda, Marinoni:

[acesso à justiça] quer dizer acesso a um processo justo, a garantia de acesso a uma justiça imparcial, que não só possibilite a participação efetiva e adequada das partes no processo jurisdicional, mas que também permita a efetividade da tutela dos direitos, consideradas as diferentes posições sociais e as específicas situações de direito substancial.[12]

Portanto, é perceptível que os juizados especiais tornam o processo mais próximo da realidade social, principalmente porque, ao se utilizar bastante do princípio da oralidade, se torna mais claro para aqueles que não compreendem as formalidades e a linguagem rebuscada do Direito.

Uma mudança que também colaborou bastante para um acesso à justiça mais efetivo foi a criação das Defensorias Públicas, cuja função prevista pela Constituição em seus artigos 5º, LXXIV e 134 é proteger aqueles que não têm condições econômicas, prestando assistência jurídica em todas as áreas do Direito, processual ou extraprocessualmente, aos que comprovarem insuficiência de recursos. É claro que a Defensoria Pública ainda enfrenta muitas dificuldades, principalmente no tocante à autonomia, estrutura, recursos e quantidade de defensores, mas é um avanço nos termos do acesso à justiça, ajudando a cumprir mais efetivamente a função constitucional de garantir aos mais necessitados a justiça da qual são privados.

Outro ponto importante a ser tratado na fase instrumentalista é quanto ao embate celeridade X segurança jurídica. Nesta fase, o processo é visto não mais como completamente autônomo, mas sim como instrumento de efetivação dos direitos oriundos do ordenamento jurídico. Quanto à celeridade, esta foi impulsionada pelo princípio do Devido Processo Legal, pois há muitos fatores que contribuem para a morosidade processual (excesso de leis, sistema formal com excessivos atos e recursos, abarrotamento do Judiciário, poucos juízes para muitos casos, etc). Era necessário, portanto, agilizar o processo para garantir o efetivo exercício jurisdicional. Mas, a brevidade não pode colocar em risco princípios basilares da segurança jurídica, como o contraditório e a ampla defesa. Dessa maneira, somente quando segurança e celeridade estiverem conciliadas, haverá a verdadeira efetividade processual.

Assim, a prestação jurisdicional deve ser mais célere, mas sem sacrificar a segurança, pois é de extrema importância preservar os princípios basilares do Estado Democrático de Direito. E por outro lado, o foco somente na segurança jurídica pode acabar engessando o processo ao ponto de haver perdas de direitos. Esses dois princípios nem podem colidir, nem podem se sobrepor um ao outro; precisam, pelo contrário, se complementar, e o limite de cada um deve ser respeitado. É necessário cautela para que em todos os atos do procedimento haja celeridade, mas caso seja constatado que a segurança jurídica está sendo colocada em segundo plano, haverá a necessidade de “desacelerar” o processo. Resume o professor José Carlos Barbosa Moreira[13], “se uma Justiça lenta demais é decerto uma Justiça má, daí não se segue que uma Justiça muito rápida seja necessariamente uma Justiça boa. O que todos devemos querer é que a prestação jurisdicional venha a ser melhor do que é. Se para torná-la melhor é preciso acelerá-la, muito bem: não, contudo, a qualquer preço”.

Por fim, falar-se-á do neoinstrumentalismo e das críticas à fase instrumentalista. Primeiramente, é importante citar que a teoria da instrumentalidade de Dinamarco vem sofrendo duras críticas de inconsistência, principalmente por estudiosos como Rosemiro Pereira Leal, Dierle Nunes e André Cordeiro Leal. Isso porque, para muitos doutrinadores, a teoria não teve o resultado pretendido, pois seus objetivos não foram bem explorados, apesar de a proposta ser abrangente e ter dominado o meio processual brasileiro nos últimos vinte anos. Nas palavras de Henrique e Alexandre Araújo Costa[14], “a proposta de Dinamarco terminou sendo reduzida, no senso comum dos juristas, à afirmação de uma instrumentalidade das formas, no sentido de que a interpretação das normas processuais deve estar mais vinculada ao conteúdo finalístico dos dispositivos que ao respeito literal às formas estabelecidas”. Para os autores, a teoria de Dinamarco perdeu força e deixou de ser uma teoria sobre a problemática processual, transformando-se em “topos argumentativo na dogmática contemporânea”.

É importante citar aqui o professor Rosemiro Pereira Leal, autor de uma das críticas mais ferrenhas sobre a instrumentalidade. Ele critica o modo atual de pensar o mundo e defende que o processo é “uma instituição constitucionalizada”, questionando se a efetividade e celeridade podem ser aplicadas indistintamente, independentemente das demais garantias fundamentais decorrentes do princípio do devido processo legal (art. 5, LIV, CF). Afirma ainda que o atual modelo não representa um abordagem constitucional ao processo e sim uma continuação da tradição civilista.

A tese neoinstrumentalista de Rosemiro Leal decorre, principalmente, das soluções apontadas por Capelletti para combater a morosidade processual, nas quais o poder maior é do juiz e as partes não possuem participação efetiva. Na década de 80, quando o instrumentalismo foi lançado, havia o fenômeno da diminuição do Estado, incompatível com as exigências da doutrina de Capelletti; logo, a solução encontrada foi dar à magistratura o poder de atuar segundo sua sensibilidade para cumprir sua missão de fazer valer valores constitucionais. Porém, para que o processo exerça sua função democratizante, é necessária a participação mais ampla das partes, e não somente sua submissão à percepção do juiz. Caso assim não seja, falta legitimidade, que é justamente o que o neoinstrumentalismo defende.


4. A QUARTA FASE DO DIREITO PROCESSUAL

A partir da evolução dessas fases, com a influência do neoconstitucionalismo surge a hipótese de uma quarta fase. A existência desta não é unânime para a doutrina; havendo quem o nomeie como “neoprocessualismo”, a exemplo de Eduardo Cambi; como “formalismo valorativo”, para outros, como Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, e como Fredie Didier Júnior de “neopositivismo” ou “positivismo reconstruído”.

O chamado formalismo valorativo, pensado por Carlos Alberto Álvaro de Oliveira, defende a importância da segurança jurídica, da eticidade e da concretividade das normas por meio do processo, de forma que o formalismo valorativo confrontaria o formalismo excessivo. Ensina o autor:

A efetividade e a segurança apresentam-se como valores essenciais para a conformação do processo em tal ou qual direção, com vistas a satisfazer determinadas finalidades, servindo também para orientar o juiz na aplicação das regras e princípios. Poder-se-ia dizer, numa perspectiva deontológica, tratar-se de sobreprincípios, embora sejam, a sua vez, também instrumentais em relação ao fim último do processo, que é a realização da Justiça do caso. Interessante é que ambos se encontram em permanente conflito, numa relação proporcional, pois quanto maior a efetividade menor a segurança, e vice-versa. Assim, por exemplo, o exercício do direito de defesa, garantia ligada à segurança, não pode ser excessivo nem desarrazoado. Nos casos não resolvidos pela norma, caberá ao órgão judicial, com emprego das técnicas hermenêuticas adequadas, ponderar qual dos valores deverá prevalecer. Na verdade, garantismo e eficiência devem ser postos em relação de adequada proporcionalidade, por meio de uma delicada escolha dos fins a atingir. [15]

A escola mineira de processo, que tem como uma de suas bases teóricas o método habermasiano, também acredita na vivência de uma nova fase metodológica pelo processo civil brasileiro, fase que denomina de neoinstitucionalista. Para Rosemiro Pereira Leal, o neoinstitucionalismo é uma conquista pós-moderna da própria cidadania, a partir da qual o processo ganhou contornos discursivos constitucionalizados, havendo uma preocupação nesta fase com a conformidade do processo com texto constitucional- o que também é abarcado pelas fases apontadas como formalismo valorativo e neoprocessualismo. Para a fase neoinstitucionalista o processo é uma conquista da cidadania que a fundamenta por meio dos princípios e institutos, com o marco da teoria discursiva em seu bojo. Afirma o autor:

No plano do Direito Processual, em sua matriz neo-institucionalista, encontra-se uma proposta teórica consistente que explica como a principiologia constitucional do processo (contraditório, ampla defesa e isonomia) pode ser entendida como assecuratória dessas condições de legitimidade decisória, explicando como o princípio do discurso pode ser institucionalizado (princípio de democracia). [16]

A chamada onda neoprocessualista, pensada por Fredie Didier Jr, defende o surgimento de um processo civil voltado para o procedimento constitucional descrito na vigente Constituição Federal 88. Entende o autor que tal fase está sendo vivenciada atualmente, de forma que o neoprocessualismo abarca este novo modelo teórico que trabalha sob a ótica da Constituição, buscando valorar a ética na aplicação processual. A fase neoprocessualista e a metodológica denominada de formalismo-valorativo seriam as mesmas, na visão de Didier, apenas com nomenclaturas distintas, tendo ambas o pressuposto no respeito aos direitos fundamentais Constitucionais. O formalismo-valorativo, determina como paradigmas interpretativos do processo civil brasileiro a efetividade e a segurança jurídica, além de realçar o caráter publicístico do processo, distanciando-se este de uma conotação eminentemente privada, e aproximando-se do valor social, passando a ser visto com um meio para realizar a justiça à disposição do Estado.

Há entre elas um entendimento consensual de que a ciência processual vem passando por uma quarta fase metodológica, na qual, de acordo com os autores, o instrumentalismo avança para o formalismo valorativo, havendo um aprimoramento entre processo e Constituição, de forma que aquele se afasta da lei inerte e aproxima-se das exigências do devido processo constitucional, deixando, a ciência processual, as técnicas duvidosas e burocráticas, formalismos excessivo e vazios e priorizando a  interpretação das regras processuais sob as lentes da Constituição, alinhando-se o processo com a necessidade existente de se  implementar os direitos fundamentais e de assegurar as garantias de um processo justo.

Com um passado essencialmente positivista no qual o juiz deveria tão somente descobrir e revelar a solução contida na norma, impondo-se as leis como expressão máxima do direito, nosso ordenamento tem se voltado cada vez mais aos princípios constitucionais, num contexto onde se ter por base a Constituição não é mais uma opção, sendo sua influência sobre a realidade social um meio de efetivar os princípios de justiça, igualdade e liberdade, de forma que, acompanhando tal movimento, desenvolveu-se a ideia de um direito processual civil que busque a teoria dos direitos fundamentais e a força normativa da Constituição. Com base no neoconstitucionalismo, seus métodos e resultados não podem estar mais desconexos do Texto Constitucional.

De acordo com essa nova fase processual, a solução para um conflito levado a juízo não se encontra puramente na norma, tornando-se mister a imersão da norma na realidade social, havendo assim uma integração do sistema jurídico positivado com a realidade. O processo passa a ser visto como uma ferramenta indispensável na concretização da justiça e da pacificação social, que permite a realização de valores constitucionais. Tal relação entre a Constituição e o processo se dá de forma direta, quando a Constituição determina os direitos e garantias fundamentais no processo, e as instituições essenciais na realização da justiça e indireta, quando permite que o legislador infraconstitucional preveja regras processuais específicas e para que o juiz concretize a norma jurídica no caso concreto. Nessa linha, hoje se visa à “tutela dos interesses particulares juridicamente relevantes” [17].

O processo é, nesse diapasão, um importante mecanismo de afirmação dos direitos reconhecidos na Constituição, chamando a atenção do operador para que este perceba que o Direito não deve permanecer engessado, focando nas mudanças paradigmáticas e pensamentos contemporâneos que visem sua concretização, em um Direito que mantém-se ligado à realidade e às multiplicidades sociais, políticas e econômicas, combatendo o imobilismo conceitual, e buscando atentar à construção de uma sociedade livre justa e solidária, àquilo que a Constituição determina como seus objetivos fundamentais.


CONCLUSÃO

Mediante a análise feita, percebe-se que o Direito Processual partiu de uma fase de sincretismo, em que não havia uma separação nítida entre o processual e o material, nem consciência do direito processual como ramo autônomo do direito. Passou-se então para uma fase autonomista, marcada pelas grandes construções científicas de direito processual, em que foram desenvolvidas teorias sobre a natureza jurídica da ação, do processo e das condições processuais, traçando as estruturas do sistema. Atualmente vivencia-se a fase instrumentalista. Nela, a principal preocupação é eliminar as dificuldades econômicas que impeçam ou desanimem as pessoas (principalmente as que não têm recursos) de litigar ou dificultem o oferecimento da defesa adequada. Sobre essa fase, afirma Ada Pellegrini Grinover:

A fase instrumentalista, ora em curso, é eminentemente crítica. O processualista moderno sabe que, pelo aspecto técnico-dogmático, a sua ciência já atingiu níveis muito expressivos de desenvolvimento, mas o sistema continua falho na sua missão de produzir justiça entre os membros da sociedade. É preciso agora deslocar o ponto-de-vista e passar a ver o processo a partir de um ângulo externo, isto é, examiná-lo nos seus resultados práticos. Como tem sido dito, já não basta encarar o sistema do ponto-de-vista dos produtores do serviço processual (juízes, advogados, promotores de justiça): é preciso levar em conta o modo como os seus resultados chegam aos consumidores desse serviço, ou seja, à população destinatária.[18]

Há ainda uma quarta fase, hipotética, que defende um formalismo valorativo que supera o instrumentalismo, mas ainda não chegamos nela. O certo é que, na atual fase, busca-se maior efetividade do processo. Para isso, é imprescindível derrubar as já citadas barreiras para que a missão social do processo seja alcançada. É preciso tomar consciência dos problemas sociais e políticos, pois só assim será possível aumentar a qualidade da prestação jurisdicional, fazendo justiça. Para tanto, é preciso analisar o processo de um ângulo mais prático, levando em consideração os resultados concretos para a sociedade.


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Notas

[1]CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. Pág. 44.

[2] Na teoria de Goldschmidt o direito assume uma condição dinâmica no processo, operando-se nele uma mutação estrutural. O que era direito subjetivo se degrada em diversos modos: em possibilidades de praticar atos voltados para o reconhecimento do direito; em expectativas de se obter esse reconhecimento; em perspectivas do provimento jurisdicional ou não; e do ônus de praticar certos atos, cedendo a imperativos ou de próprio interesse. Onde havia direito há agora meras chances.

[3] Fazzalari propõe na sua teoria que se passe a considerar o processo como “o procedimento realizado mediante o desenvolvimento da relação entre os seus sujeitos, presente o contraditório”.

[4] No ordenamento brasileiro há a separação entre condições da ação e pressupostos processuais, como pode ser visto nos incisos IV e VI do Código de Processo Civil de 1973, onde no quarto se trata a respeito dos pressupostos e no sexto das condições. Todavia, ordenamentos como o alemão não fazem tal distinção, onde os pressupostos são mais abrangentes e englobam as condições no seu conceito.

[5] PEDRA, Adriano Sant’Ana. Processo e pressupostos processuais. Pág. 8.

[6] Entende-se como necessário quando resta impossível para o sujeito obter a satisfação do alegado direito sem a intervenção do Estado; e como adequado é entendido como a aptidão do pedido feito de sanar o mal do qual o autor se queixa.

[7] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo. GRINOVER, Ada Pellegrini. DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria geral do processo. Pág. 278.

[8] O Regulamento 737, editado no ano de 1850, ainda no governo imperial, tinha como objetivo inicial a regulação do direito comercial no país. Entretanto, no governo republicano essa regulação processual passou a ser mais abrangente.

[9] DINAMARCO, A Instrumentalidade do Processo, 2013, p. 22-23.

[10] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.13.

[11] CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1988, p.12.

[12] MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 4ª ed. São Paulo : Malheiros Editores, 2000. p.28

[13] MOREIRA. O futuro da justiça: alguns mitos. 2001. p.232.

[14] ARAÚJO COSTA, Henrique e ARAÚJO COSTA, Alexandre. Instrumentalismo x Neoinstitucionalismo: Uma avaliação das críticas neoinstitucionais à teoria da instrumentalidade do processo, CEAD-UnB, p. 3.

[15] OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. O formalismo valorativo no confronto com o formalismo excessivo.

[16] LEAL, André Cordeiro. Instrumentalidade do processo em crise. Pág. 148.

[17] GRECO, Leonardo. Instituições de direito processual civil. Pág. 73.

[18] CINTRA, GRINOVER E DINAMARCO. Teoria Geral do Processo. 31ª ed. 2015. P. 66-67.


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BRANCO, Amanda Leal Castelo; FERREIRA, Vinícius et al. As linhas evolutivas do direito processual. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4450, 7 set. 2015. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/42269. Acesso em: 6 maio 2024.