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O idoso e o plano de saúde

O idoso e o plano de saúde

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Em meio aos festejos do dia comemorativo da terceira idade, coroado com o ingresso no mundo jurídico do Estatuto do Idoso, sancionado pelo Presidente Luís Inácio Lula da Silva em 01 de outubro de 2003, exsurge discussão pertinente à relação deste com os planos de saúde.

Permissa vênia dos especialistas, expomos brevemente nosso entendimento a respeito, relevando que são conclusões preliminares, com o objetivo de suscitar a discussão, sem nenhuma pretensão de esgotarmos o assunto.

O Estatuto do Idoso apresenta princípios de proteção aos maiores de 60 (sessenta) anos, reconhecendo sua condição de hipossuficientes, tais quais o da prevenção geral (dever do Estado e da sociedade em garantir às necessidades básicas do idoso), do atendimento integral (direito à vida, à saúde, a alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, necessários ao seu desenvolvimento pessoal), da garantia prioritária (primazia nas assistências de saúde, jurídica, etc) e da proteção estatal (que visa a manutenção da saúde bio-psíquica social, familiar e comunitária, através de programas de desenvolvimento), entre outros dimanados a partir do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.

Tratando-se do escopo desse texto, objeto de divergência e, talvez, de enormes demandas judiciais, o art. 15, do EI, assim dispõe:

Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos.

§ 1° A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por meio de:

I – cadastramento da população idosa em base territorial;

II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;

III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas de geriatria e gerontologia social;

IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural;

V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das seqüelas decorrentes do agravo da saúde.

§ 2° Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente, medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.

§ 3° É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela

cobrança de valores diferenciados em razão da idade.

§ 4° Os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante terão atendimento especializado, nos termos da lei.

Este dispositivo traz inovações no âmbito da assistência à saúde, confrontando-se com a Lei nº 9656/98 (Lei dos Planos de Saúde) e suas normas complementares, que autoriza os planos de saúde a cobrarem mensalidades distintas em função da idade distribuída em 7 (sete) faixas, correspondendo o valor da última faixa em até 6 (seis) vezes o valor da primeira.

Em nota divulgada nos órgãos de imprensa em 02 de outubro de 2003, o Ministério da Saúde informou que forneceu parecer pugnando pelo veto a este artigo, porque entende que "esse assunto já encontra guarida na Lei 9656/98", baseados em três argumentos: que a Lei dos Planos de Saúde já protege o idoso, porque proíbe a cobrança da última faixa etária superior a seis vezes da primeira; que o maior de sessenta anos, com dez anos de permanência no plano de saúde já não sofrem reajustes por mudanças de faixa; e que em recente decisão liminar, o Supremo Tribunal Federal definiu pela não retroatividade da Lei 9656/98, o que anula os benefícios previstos no parágrafo 3º do artigo 15 do Estatuto do Idoso para aquelas pessoas que sejam beneficiárias de planos antigos.

Data Máxima Vênia, parece-nos equivocadas as motivações do Ministério da Saúde, talvez porque elaboradas às pressas ou pressionado, ainda na efervescência dos comentários do Min. Humberto da Costa, preocupado em defender determinados interesses.

Ora, os benefícios impostos por uma lei anterior não torna a sua ampliação por lei posterior "inócua", como expressou o MS na nota em comento. O teto de cobrança em até seis vezes da mensalidade da última faixa, em relação à primeira, foi uma conquista do consumidor para impedir os abusos que as operadoras de plano de saúde cometiam, assim como a garantia legal de um plano-referência, sem limites de consultas, exames ou internações. São benefícios que protegem a vida do hipossuficiente na relação consumerista.

O mesmo pensamento se aplica ao não reajuste das mensalidades por mudança de faixa para aqueles usuários que completam 60 (sessenta) anos, com mais de 10 (dez) anos no plano de saúde. Este direito se fulcra, principalmente, na compensação do montante pago pelo consumidor (mínimo de 120 mensalidades), que estabelece o equilíbrio contratual em qualquer cálculo atuarial realizado pela operadora de plano de saúde.

Portanto, estas alegações do Ministério da Saúde são sofismas, meros sofismas, ampliados com a alegação pueril de que a medida liminar do STF impede a retroatividade da Lei 9656/98.

Bem, liminar, como é cediço, aplica-se quando identificados os pressupostos de periculum in mora e fumus boni iuris. Não diz o direito pleiteado, não define a controvérsia, expressando somente o entendimento preliminar do magistrado, que sopesa qual o caminho mais viável para garantir a reparação em caso da concessão da liminar. Ainda assim, a irretroatividade apreciada pelo STF foi quanto à Lei 9656/98, e não quanto ao Estatuto do Idoso.

Em sentido visceralmente oposto ao entendimento do MS, a Lei de Introdução ao Código Civil dispõe, em seu § 1º, art. 2º, que a "lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a anterior", tornando o Estatuto do Idoso eficaz legalmente e socialmente.

Ademais, como é comum às leis de proteção ao hipossuficiente nas diversas relações jurídicas (ECA, CDC, CLT, EI, etc), as normas deverão ser interpretadas de forma que beneficie o lado mais fraco da relação. Pinçando um exemplo do Direito do Trabalho, quando há divergência entre acordos e convenções, aplica-se o mais benéfico de ambas. O mesmo pode ocorrer no caso em tela, sem prejuízos para as partes.

Reforce-se que a aplicação do Estatuto do Idoso não é apenas uma questão legal, mas também moral. As mensalidades cobradas na última faixa (acima de 70 anos) pelas principais operadoras no Rio Grande do Norte, Unimed e Amil, são extremamente altas. A Unimed cobra por um plano-referência integral, com acomodação em apartamento, a importância de R$ 700,00 (setecentos reais), exatas 6 (seis) vezes mais que a primeira faixa (de 0 a 17 anos), que é de R$ 125,00 (cento e vinte e cinco reais). Na Amil, o mesmo acontece, inviabilizando a assistência à saúde para a esmagadora maioria dos idosos.

Alegam os planos de saúde, com certa razão, que reduzir os preços dos idosos poderia impactar em aumento nas faixas mais jovens, uma vez que os custos médico-hospitalares permaneceriam os mesmos. Aliás, esse anelante equilíbrio contratual é uma discussão antiga das operadoras, que suportam o ônus da desinformação dos usuários e da ambição de alguns profissionais de saúde.

Entretanto, existem alternativas que podem viabilizar o direito do idoso, sem onerar em demasia o contrato. Exemplos, até praticados por alguns planos de saúde, são a adoção de uma rede referenciada, negociando os valores da prestação de serviços; acompanhamento eficaz do consumo do usuário; investimento em sensibilização e motivação do usuário, conscientizando-o da importância de uma utilização responsável; cobrança ao Estado de órteses e próteses cobertas pelos planos de saúde em função da gratuidade insculpida no § 2º do artigo 15 do EI, entre outras e outras medidas que mitigam, em médio e longo prazo, o impacto nas contas.

Pelo exposto, entendemos, s.m.j., que o Estatuto do Idoso revoga as disposições normativas da Lei 9656/98 e suas alterações, autorizando os idosos, inclusive aqueles que já possuem planos de saúde, a não sofrerem mais reajustes em função da mudança de faixa etária.

Busquemos alternativas para conciliarmos o direito à prática, garantindo perenidade para as operadoras e uma assistência à saúde digna e viável para os maiores de 60 (sessenta) anos. Afinal todos nós um dia chegaremos lá.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIÓGENES, Kennedy Lafaiete Fernandes. O idoso e o plano de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 120, 1 nov. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4409. Acesso em: 29 mar. 2024.