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A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade

A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade

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Inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional.

"Num momento em que se abre uma polêmica nacional, referente à redução da imputabilidade penal, inclusive com inúmeros projetos de lei em tramitação; num momento ainda em que a insegurança da sociedade, cada vez mais assustada com o aumento da criminalidade e da violência, gera discussões calorosas, acirradas e radicais sobre as soluções para o problema, há que se ter, antes de decisões possivelmente paliativas e equivocadas, uma visão mais ampla e profunda das características do adolescente infrator e do ato por ele cometido" (VIEIRA, 1999, p. 16).


INTRODUÇÃO

O presente trabalho objetiva compreender a responsabilização penal do adolescente infrator, que ocorre através das medidas sócio-educativas, e a sensação da ilusão de impunidade.

O principal objetivo é entender que, inobstante a mídia forneça dados inverídicos para a sociedade sobre o adolescente em conflito com a lei, fazendo crer que não há responsabilização, na verdade existe um amplo sistema de garantias e medidas previstas, estando de acordo inclusive com a normativa internacional.

Diante disso, é inevitável e essencial a exploração do tema para dirimir a ilusão de impunidade, o que só será alcançado através de uma aplicação eficaz das medidas sócio-educativas, para a recuperação dos adolescentes infratores e a conseqüente preservação da segurança pública.

A pesquisa produzida tem como finalidade primordial contribuir para a desconstrução do mito da impunidade, através do conhecimento da responsabilização penal do adolescente infrator.

Na composição e estruturação do tema, empregou-se uma metodologia baseada na pesquisa bibliográfica interdisciplinar, de forma a garantir a logicidade da pesquisa, que se divide em três capítulos.

O primeiro capítulo, Histórico e Fundamentos da Legislação voltada à Criança e ao Adolescente, consiste em considerações sobre a evolução das normas e das instituições voltadas para a proteção e responsabilização penal da criança e do adolescente, bem como a normativa internacional e os princípios orientadores.

O segundo capítulo, A Responsabilização Penal do Adolescente Infrator, aborda o perfil do adolescente em conflito com a lei e as medidas sócio-educativas, quais sejam, advertência, reparação do dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, que são analisadas individualmente.

No terceiro capítulo, A Ilusão de Impunidade, traça-se um paralelo entre os mitos existentes sobre a responsabilização penal do adolescente infrator, com o objetivo de demonstrar que existe uma ilusão de impunidade.

Aborda-se inclusive, perspectivas e propostas para a implementação do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Nas considerações finais, são sintetizadas algumas questões específicas sobre a pesquisa.


1. HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DA LEGISLAÇÃO VOLTADA À CRIANÇA E AO ADOLESCENTE

Os interesses da criança e do adolescente sempre existiram, mas nem sempre tiveram dimensão suficiente para fomentar o reconhecimento de que suas relações pudessem interessar ao Direito, como explica Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 11):

Seus interesses confundiam-se com os interesses dos adultos, como se fossem elementos de uma simbiose onde os benefícios da união estariam contemplados pela proteção jurídica destinada aos últimos. Figuravam, em regra, como meros objetos da intervenção do mundo adulto, sendo exemplificativa a utilização da velha expressão pátrio poder, indicativa de uma gênese onde o Direito tinha como preocupação disciplinar exclusivamente as prerrogativas dos pais em relação aos filhos, suas crias.

Obviamente não existia a diferenciação que se conhece hoje, de criança e adolescente [1], sendo inicialmente feita uma distinção que atualmente conhecemos como sendo de direito civil, entre menores púberes e impúberes, até chegar-se aos conceitos específicos, como o de inimputabilidade penal [2], por exemplo.

Isso se explica porque, como é sabido, nas primeiras civilizações, as mulheres, crianças e estrangeiros não eram considerados cidadãos, como informa John Boswell (apud MENDEZ, 1997, p. 11):

O resto da população permanecia, por toda a vida, numa situação jurídica equiparável à ‘ínfância’, no sentido de que tais relações permaneciam sob o controle de algum outro. Um pai, um senhor, um patrão, um marido, etc. Surge a tentação de deduzir, deste vínculo lingüístico, que as crianças ocuparam a posição de escravos, mas é mais provável que a conexão verbal seja ligada ao fato de que os próprios papéis sociais (escravo, servo, gleba, etc.) eram equivalentes ao papel social da ‘criança’, quanto a poder e condição jurídica, seja qual fosse a idade da pessoa.

Assim, a compreensão dos institutos jurídicos voltados para as crianças e os adolescentes, depende de um conhecimento, em linhas gerais, da evolução histórica desse ramo do Direito.

1.1.Precedentes Históricos

Desde a Antigüidade [3], tanto no Ocidente quanto no Oriente, os filhos não eram considerados sujeitos de direito, durante a menoridade, mas sim servos da autoridade paterna, como relata José de Farias Tavares (2001, p. 46):

O regime era comum a diversos povos, oriundo das civilizações primitivas. O poder do patriarcado romano tinha o mesmo absolutismo no mundium do Direito germânico. O pai tinha o terrível jus vitae necis sobre a pessoa do seu filho não emancipado, podendo aliená-lo, e nos tempos mais recuados, até matá-lo. O filho "pertencia" ao pater, palavra esta que, segundo alguns romanistas, significava muito mais poder que paternidade propriamente dita, no sentido atual de relação parental e afetuosa da família.

Em Esparta, a criança era objeto de Direito estatal, para ser aproveitada como futura formação dos contingentes guerreiros, com a seleção precoce dos fisicamente mais aptos, e os infantes portadores de deficiência, com malformações congênitas ou doentes, eram jogados nos despenhadeiros.

O Código de Hamurabi [4] previa a pena de morte para o homem que roubasse o filho menor de outro, demonstrando uma proteção distinta, com base na idade.

No Direito Romano [5], os juristas distinguiam os menores púberes dos impúberes, e era feita uma avaliação física para saber se o jovem era púbere. Por outro lado, o povo judeu [6] amenizava a severidade das penas quando os autores eram menores impúberes ou órfãos.

O Direito Medieval, de acordo com José de Farias Tavares (2001, p. 48), atenuou a severidade de tratamento das pessoas de idade mais tenra, em razão da influência do estoicismo e posteriormente do cristianismo. Já o Direito canônico manteve o princípio reverencial, que tinha profunda repercussão na educação doméstica cristã.

No Período Feudal, relata Maria Auxiliadora Minahim (apud SARAIVA, 2003, p. 14), que em países como a Itália e a Inglaterra, era utilizado o método da ‘prova da maçã de Lubecca’, que consistia em oferecer uma maçã e uma moeda à criança, sendo que se escolhida a moeda, considerava-se comprovada a malícia, sendo inclusive aplicada pena de morte a crianças de 10 e 11 anos.

Assim, só com o desenrolar da História, a evolução da cidadania e o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo criadas regras específicas para a proteção da infância e da adolescência.

Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 14) enumera que, do ponto de vista do Direito, em termos de responsabilização penal, é possível dividir a história do Direito Juvenil em três etapas: a) de caráter penal indiferenciado; b) de caráter tutelar e c) de caráter penal juvenil.

A primeira etapa, marcada pelo caráter indiferenciado, vai do século XIX até a primeira década do século XX, e caracterizou-se por considerar as crianças e os adolescentes da mesma forma que os adultos, na medida em que eram recolhidos no mesmo espaço.

Já o segundo momento, originado nos Estados Unidos, tem início a partir do Século XX, fase em que a norma passa a ter um caráter tutelar. A terceira etapa, a partir de 1959, inaugura um processo de responsabilidade juvenil, caracterizada por conceitos como separação, participação e responsabilidade.

1.2 Normativa Internacional

O estudo da normativa internacional [7] possui grande importância porque a legislação brasileira é influenciada, em seu ordenamento jurídico, pelas normas internacionais [8].

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 31) aduz que o primeiro Tribunal de Menores foi criado em Ilinois, EUA, em 1899, sendo que a partir da experiência americana, outros países aderiram à criação de Tribunais de Menores, instituindo seus próprios juízos especiais: Inglaterra em 1905, Alemanha em 1908, Argentina em 1921, Japão em 1922, Brasil em 1923, Espanha em 1924, México em 1927 e o Chile em 1928.

De acordo com Munir Cury (2002, p. 12), a constatação internacional de que as crianças e adolescentes necessitavam de uma legislação especial foi prevista inicialmente em 1924, através da Declaração de Genebra, que determinava a necessidade de proporcionar à criança uma proteção especial.

Os autores complementam que em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos das Nações Unidas estabeleceu o direito a cuidados e assistência especiais. Seguindo a mesma orientação, a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), em 1960, declarou em seu art. 19:

Toda criança tem direito às medidas de proteção que na sua condição de menor requer, por parte da família, da sociedade e do Estado.

A Declaração dos Direitos da Criança, celebrada em 1959, considerando os princípios proclamados na Carta das Nações Unidas, definiu os direitos universais das crianças, reconhecendo que a infância tem direito a cuidados e assistências especiais. O art. 12 [9], da Convenção, refere-se ao direito da criança manifestar a sua opinião e expressá-la livremente.

Já o art. 40, caput, reconhece que mesmo no caso de violação às leis penais, a criança e o adolescente merecem um tratamento diferenciado, de modo a promover seu sentido de dignidade e valor, objetivando-se a reintegração na sociedade:

Os Estados Partes reconhecem o direito de toda criança, a quem se alegue ter infringido as leis penais ou a quem se acuse ou declare culpada de ter infringido as leis penais, de ser tratada de modo a promover a estimular seu sentido de dignidade e valor, e fortalecerão o respeito da criança pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais de terceiros, levando em consideração a idade da criança e a importância de se estimular sua reintegração e seu desempenho construtivo da sociedade.

As Regras de Beijing, recomendadas no 7º Congresso das Nações Unidas sobre prevenção de delito e tratamento do delinqüente, realizado em Milão no período de 26.08 a 06.09.85, e adotada pela Assembléia Geral em 29.11.85, estabelecem como orientação fundamental a necessidade de promover o bem estar da criança e do adolescente, bem como de sua família, prevendo que a Justiça da Infância e da Juventude será concebida como parte integrante do processo de desenvolvimento de cada país, prevendo a Regra 7:

Respeitar-se-ão as garantias processuais básicas em todas as etapas do processo, como a presunção de inocência, o direito de ser informado das acusações, o direito de não responder, o direito à assistência judiciária, o direito à presença dos pais ou tutores, o direito à confrontação com testemunhas e a interrogá-las e o direito de apelação ante uma autoridade superior.

Deve-se às essas regras a moderna inclinação no sentido de restringir a delinqüência juvenil às infrações do Direito Penal, sem incluir assim fatos penalmente indiferentes.

Em 1980, a Convenção Internacional dos Direitos da Criança foi aprovada pela Assembléia das Nações Unidas, com natureza coercitiva, exigindo dos Estados deveres e obrigações. De acordo com Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 23): "Se fizéssemos um paralelo entre a Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Estatuto da Criança e do Adolescente poderíamos constatar a grande afinidade entre os dois normativos". Fazendo um comparativo entre a Convenção Internacional e a Declaração Universal dos Direitos da Criança, a autora (1997, p. 12) esclarece ainda que:

Nesse sentido, chama atenção o fato de que a Convenção Internacional, diferentemente da Declaração Universal dos Direitos da Criança, não se configura numa simples carta de intenções, uma vez que tem natureza coercitiva e exige do Estado Parte que a subscreveu e ratificou um determinado agir, consistindo, portanto, num documento que expressa de forma clara, sem subterfúgios, a responsabilidade de todos com o futuro.

Em 14 de dezembro de 1990 a Assembléia Geral das Nações Unidas publicou as Regras Mínimas para os Jovens Privados de Liberdade, reconhecendo a vulnerabilidade dos adolescentes, preconizando a necessidade de atenção e proteção especiais para que sejam garantidos os direitos de cada adolescente, dispondo na Regra 2:

Os adolescentes só devem ser privados de liberdade de acordo com os princípios e processos estabelecidos nestas Regras e nas Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça da Infância e da Juventude (Regras de Beijing). A privação de liberdade de um adolescente deve ser uma medida de último recurso e pelo período mínimo necessário e deve ser limitada a casos excepcionais. A duração da sanção deve ser determinada por uma autoridade judicial, sem excluir a possibilidade de uma libertação antecipada.

Ainda em 1990, foram aprovadas as Diretrizes das Nações Unidas para Prevenção da Delinqüência Juvenil – Diretrizes de Riad, reconhecendo que é necessário estabelecer critérios e estratégias nacionais, regionais e inter-regionais para prevenir a delinqüência juvenil, prevendo no art. 1º:

A prevenção da delinqüência juvenil é parte essencial da prevenção do delito na sociedade. Dedicados a atividades lícitas e socialmente úteis, orientados rumo à sociedade e considerando a vida com critérios humanistas, os jovens podem desenvolver atitudes não criminais.

Já no plano interno, a legislação brasileira é considerada a primeira, dentre as legislações dos países latino-americanos, que incorporou em seu texto tanto as regras de proteção e de garantia dos direitos do adolescente infrator como as de proteção da criança vítima de abandono ou outra violência.

Percebe-se que, a normativa internacional sobre o tema possui vastos e específicos dispositivos voltados para a proteção da infância e juventude, demonstrando a importância e seriedade que o assunto envolve no âmbito internacional, e servindo de inspiração para o legislador brasileiro.

1.3 Legislação Nacional e a Responsabilização Penal da Criança e do Adolescente

De acordo com Sônia Margarida (2002, p. 34), em palestra realizada na IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente [10], o Brasil demorou cinco séculos para construir leis de atenção à infância e à adolescência, atravessando os séculos XVI, XVII, XVIII e XIX sem editar nenhuma disposição legal sobre o tema, ponderando que:

Sabemos que este não é um dado sem significados. Isto diz muito sobre as concepções de infância e de adolescência que têm sido historicamente dominantes em nosso país, sobre as políticas que têm sido elaboradas e sobre as que não têm sido desenvolvidas e implementadas. Refletir sobre o atendimento prestado à infância e adolescência significa pensar a própria história da infância e adolescência brasileira.

A autora prossegue, dissertando sobre o tema, explicando que as primeiras medidas educativas ou de política pública para a infância brasileira foram a criação das ‘Casas de Roda’ [11], fundada na Bahia em 1726, a ‘Casa dos Enjeitados’, no Rio de Janeiro em 1738, e a ‘Casa dos Expostos’, no Recife em 1789, destinadas a abrigar crianças e adolescentes.

No período colonial [12], as crianças filhas de índios e escravos não possuíam nenhum tipo de proteção legal e não podiam dispor nem sequer de um documento de identidade, o que demonstra que não tinham nenhum direito assegurado legalmente.

No Brasil colônia, os espaços sociais eram absolutamente distintos e imóveis. Assim, havia duas infâncias e adolescências e duas formas sociais de construção dessa fase da vida humana: a infância e adolescência dos filhos brancos portugueses e a infância e adolescência dos índios (MARGARIDA, 2001, p. 35).

Até 1830, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 23) explica que vigoravam as Ordenações Filipinas, e a imputabilidade penal iniciava-se aos sete anos, eximindo-se o menor da pena de morte e concedendo-lhe redução da pena. A título de comparação com a o que estava acontecendo no cenário mundial no mesmo momento, o autor destaca que:

Na Inglaterra se construía o embrião do Direito da Infância. Era editada a primeira normativa de combate ao trabalho infantil, conhecida como Carta dos Aprendizes, de 1802, ato que limitava a jornada de trabalho à criança trabalhadora ao máximo de doze horas diárias e proibia o trabalho noturno.

O autor prossegue explicando que em 1830, o primeiro Código Penal brasileiro fixou a idade de imputabilidade plena em 14 anos, prevendo um sistema biopsicológico para a punição de crianças entre 07 e 14 anos.

Já em 1890, o Código Republicano previa em seu art. 27, § 1º, que irresponsável penalmente seria o menor com idade até 09 anos. Assim, o maior de 09 anos e menor de 14 anos submeter-se-ia a avaliação do Magistrado.

De outro lado, Paula Gomide (2002, p. 20) considera que a história da política social brasileira voltada para as crianças e adolescentes pode ser dividida em três fases.

A primeira fase caracteriza-se pela criação de programas de assistência ao menor a cargo da assistência médica, cujas principais medidas utilizadas eram de caráter profilático. Essa preocupação culminou com a fundação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Rio de Janeiro, em 1889.

Já na segunda fase, os termos ‘criança’ e ‘menor’ começam a ser diferenciados, sendo criadas instituições correcionais. É nessa etapa que surge o primeiro Código de Menores [13], criado através do Decreto-Lei nº 17.947/27-A, no dia 12 de outubro de 1927, conhecido como o ‘Código de Mello Matos’.

Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 26) relata que o Código de Mello Mattos sintetizou, de maneira ampla e aperfeiçoada, leis e decretos que se propunham a aprovar um mecanismo legal que desse atenção especial à criança e ao adolescente. A autora comenta ainda que o Código substituiu concepções obsoletas, passando a assumir a assistência ao menor de idade, sob a perspectiva educacional.

Paula Gomide (2002, p. 15) lembra que em 1930, os escritores Jorge Amado e Anton Makarenko ofereceram às comunidades científica e literária internacionais duas obras fundamentais para o entendimento das questões referentes às crianças e adolescentes marginalizados, nos seguintes termos:

MAKARENKO, consagrado educador russo, em 1933, publicou Poemas Pedagógicos, onde narrou sua extraordinária experiência ao dirigir uma instituição correcional para crianças e jovens considerados antisociais. Em Capitães da Areia, publicado em 1937, Jorge Amado retratou, com a precisão peculiar do romancista sensível que é, a realidade em que viviam os meninos abandonados da cidade de Salvador.

A terceira fase é marcada pela criação do Serviço de Assistência ao Menor (SAM), em 1941, e depois da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor (FUNABEM) [14], em 1964, através da Lei nº 4.513/64, entidade que deveria amparar, através de políticas básicas de prevenção e centradas em atividades fora dos internatos e também através da medida sócio-terapêutica, que compreendia as ações dirigidas aos infratores internados [15].

A inspiração para os discursos e para as novas legislações que serão produzidas neste momento vem da legislação americana que, em nome da proteção da criança e da sociedade, concedeu aos juizes o poder de intervir nas famílias, particularmente nas famílias pobres e nos chamados lares desfeitos, quando se julgava que, por sua influência, as crianças poderiam ser encaminhadas para o crime (ABONG, 2001, p. 37).

Nessa época, como lembra Josiane Rose Petry Veronese (1998, p. 153), o Estado brasileiro não permitia a participação popular e armava-se de mecanismos que lhe garantiam reprimir as formas de resistência popular, como por exemplo, a centralização do poder. A própria FUNABEM é um exemplo dessa centralização, pois a instituição foi delegada para ser administrada pela Política Nacional do Bem-Estar do Menor (PNBEM). A autora complementa que:

A PNBEM, como as outras políticas sociais definidas neste período do regime militar, revestiu-se com um manto extremamente reformista e modernizador, passando a colocar em relevo uma perfeição técnico-burocrática e metodológica. Dava-se ao problema do então "menor" soluções pragmáticas e imediatistas, que se propunham escamotear sua verdadeira natureza (VERONESE, 1998, p. 153-154).

O SAM tinha objetivos de natureza assistencial, enfatizando a importância de estudos e pesquisas, bem como o atendimento psicopedagógico, no entanto, não conseguiu contribuir suas finalidades, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1999, p. 32): "No entanto, o SAM não conseguiu cumprir suas finalidades, sobretudo devido à sua estrutura emperrada, sem autonomia e sem flexibilidade e a métodos inadequados de atendimento, que geraram revoltas naqueles que deveriam ser amparados e orientados".

Sobre a FUNABEM, a autora relata (VERONESE, 1999, p. 35) que serviu como instrumento de controle da sociedade civil, mas demonstrou que não estava sendo eficiente, ante o crescimento do número de crianças marginalizadas, além da incapacidade [16] de proporcionar a reeducação.

No entanto, e infelizmente, apesar dos princípios ditos tuteladores que fundamentavam a doutrina da "situação irregular", as instituições que deveriam acolher e educar esta criança ou adolescente, no mais das vezes não cumpriam este papel. Isso porque a metodologia aplicada, ao invés de socializá-lo, o massificava, o despersonalizava, e deste modo, ao contrário de criar estruturas sólidas, nos planos psicológico, biológico e social, afastava este chamado menor em situação irregular, definitivamente, da vida comunitária (VERONESE, 1997, p. 96).

A Constituição Federal de 1934, abordou o tema de forma genérica, referindo-se à maternidade e à infância, sendo que em todas as constituições que se seguiram foram sendo acrescentadas previsões expressas de um tratamento diferenciado para a criança e o adolescente, como explica José de Farias Tavares (1999, p. 13):

A nível constitucional a preocupação do legislador brasileiro foi consignada pela primeira vez na Constituição de 1934, art. 121, § 1º, d, e § 3º, arts. 139 e 150, parágrafo único, se bem que de forma genérica referindo-se à maternidade e à infância. Na Carta autocrática de 1937: arts. 16, XXVII, 127, 129 a 132 e 137, K, Constituição democrática de 1946: arts. 157, IX, 164, 168, I a III. A Lex Magna de 1967: arts. 158, X, 167, § 4º, 168, § 3º, II e 170, que, com a Emenda 1/69, foram remunerados para, respectivamente: arts. 165, X, 175, § 4º, 176, § 3º, II e 178.

O Código Penal de 1940 (Decreto-Lei nº 2.848, de dezembro de 1940), que está em vigor até hoje, estabeleceu a imputabilidade penal aos 18 anos de idade, em seu art. 27 [17].

Durante o regime militar, João Batista Costa Saraiva (2003, p. 50) lembra que o Código Penal Militar – Decreto-Lei nº 1.001, de 21.10.1969, fixou a imputabilidade penal, frente a crimes militares em 16, dispositivo que só veio a ser totalmente revogado pela Constituição Federal de 1988.

Em 1979, na comemoração do Ano Internacional da Criança, foi publicada a Lei nº 6.697/79, instituindo o segundo Código de Menores, fundamentado na Doutrina da Situação Irregular [18].

Através da Lei nº 7.209, de 11.07.1984, foi dada nova redação à Parte Geral do Código Penal, mantendo a imputabilidade penal aos 18 anos [19], observando assim um critério objetivo.

O governo de transição democrática editou o Decreto-Lei nº 2.318, de 30 de dezembro de 1986, que dispunha sobre a iniciação ao trabalho do menor assistido e instituía o "Programa do Bom Menino", depois, foi publicado o Decreto nº 94.337 de 1987, que regulamentou o programa. Em 1987, através da Lei nº 7.644, houve a regulamentação da atividade da ‘mãe social’ [20].

Analisando a evolução histórica da legislação nacional dispensada ao Direito da Criança e do Adolescente percebe-se que muito embora tenham sido criadas normas específicas, estas não alcançaram todos os objetivos propostos, pois as entidades de internação apresentavam graves problemas, os quais persistem até hoje, como a promiscuidade e a ausência de profissionais especializados, deixando-se assim de garantir a proteção integral ao adolescente.

Toda essa previsão legal, embora meritória mas utópica, não teve correspondência na prática, já que não encontrou campo propício ao seu desenvolvimento. É preciso, de uma vez por todas, que as nossas autoridades se conscientizem de que os problemas sociais, econômicos e mesmo políticos não se resolvem com a feitura de leis, que nunca chegam a ser aplicadas, ou por serem inexeqüíveis ou porque são elaboradas com o único propósito de se dar ao povo a impressão de que alguma coisa está sendo feita (NOGUEIRA, 1996, p. 6).

Ou seja, ao dar prioridade para políticas excludentes, repressivas e assistencialistas, o país perdeu a oportunidade de colocar em prática políticas públicas capazes de promover a cidadania, como indica Josiane Rose Petry Veronese (1998, p. 161):

Observou-se, outrossim, que a questão da criança e do adolescente não deixou de ser, ao longo da história, contemplada em leis. Todavia, raramente estas foram obedecidas, o que reforça a idéia de que o ordenamento jurídico, por si só, não resolve os problemas sociais. Urgem, portanto, medidas públicas adequadas à demanda. Faz-se necessária a implantação de políticas que garantam acesso a uma educação popular, ao trabalho e ao salário justo, como, também, é imprescindível o engajamento de toda a sociedade, sobretudo daqueles segmentos que detêm o capital e, dessa forma, têm condições de engajar-se em campanhas e projetos alternativos que visem à criança e ao adolescente, fazendo-os trilhar pelo caminho da consolidação da cidadania.

Já a Constituição de 1988 foi mais abrangente, dispondo sobre a aprendizagem, trabalho e profissionalização, capacidade eleitoral ativa, assistência social, seguridade e educação, programa de rádio e televisão, proteção como múnus público, prerrogativas democráticas processuais, incentivo à guarda, prevenção contra entorpecentes, defesa contra abuso sexual, estímulo à adoção e a isonomia filial. [21]

Assim, pela primeira vez na história da legislação brasileira, a criança e o adolescente são tratados como prioridade absoluta, sendo dever da família, da sociedade e do Estado protegê-los.

Em 1993, através da Lei nº 8.742/93, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) e da Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), surge a inspiração para a implantação dos Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente, dos Conselhos Tutelares e dos Conselhos Setoriais de políticas públicas.

Inspirando-se na legislação internacional, bem como em toda a abrangência da Constituição Federal, com o advento do ‘Brasil Novo’, a Lei nº 8.069/90 criou o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), revogando o Código de Menores, rompendo com a doutrina da situação irregular, estabelecendo como diretriz a doutrina da proteção integral.

Ressalta-se que o ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-educativas, revolucionando assim o entendimento até então existente, e servindo de alento para a sociedade vitimada pela falta de segurança.

1.4 Princípios Orientadores

O ECA é regido por uma série de princípios, que servem para orientar o intérprete, sendo os principais, conforme o entendimento de Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 15), os seguintes: Prevenção Geral, Prevenção Especial, Atendimento Integral, Garantia Prioritária, Proteção Estatal, Prevalência dos Interesses, Indisponibilidade, da Escolarização Fundamental e Profissionalização, Reeducação e Reintegração, Sigilosidade, Respeitabilidade, Gratuidade, Contraditório e Compromisso.

O Princípio da Prevenção Geral está previsto no art. 54, incisos I e VII [22], e art. 70 [23], segundo os quais, respectivamente, é dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente ensino fundamental obrigatório e gratuito, e é dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação desses direitos.

Pelo Princípio da Prevenção Especial, expresso no art. 74 [24], o Poder Público, através dos órgãos competentes, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e os horários em que sua apresentação de mostre inadequada.

O Princípio da Garantia Prioritária, consignado no art. 4, alíneas a, b, c e d [25], estabelece que a criança e o adolescente devem receber prioridade no atendimento dos serviços públicos e na formulação e execução das políticas sociais.

O Princípio da Proteção Estatal, evidenciado no art. 101 [26], significa que programas de desenvolvimento serão estabelecidos visando a formação biopsíquica, social, familiar e comunitária.

Seguindo a mesma orientação, os Princípios da Escolarização Fundamental e Profissionalização, encontrados nos arts. 120, § 1º e 124, inciso XI [27], tornam obrigatórias a escolarização e a profissionalização.

Já o Princípio da Prevalência dos Interesses do Menor, criado através do art. 6 [28], orienta que na interpretação da lei, serão levados em consideração os fins sociais a que o Estatuto se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres indisponíveis e coletivos, e condição peculiar do adolescente infrator de pessoa em desenvolvimento.

O Princípio da Indisponibilidade dos Direitos do Menor e da Sigilosidade, previsto no art. 27 [29], reconhece que o estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, observado o segredo de justiça.

O Princípio da Reeducação e Reintegração, observado no art. 119, incisos I a IV [30], estabelece a necessidade da reeducação e reintegração do adolescente infrator, através das medidas sócio-educativas e medidas de proteção, promovendo socialmente a sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência, bem como supervisionando a freqüência e o aproveitamento escolar;

Pelo Princípio da Respeitabilidade e do Compromisso, estabelecidos nos arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [31], depreende-se que é dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor, de acordo com os arts. 18, 124, inciso V e art. 178 [32], sendo que todos que assumirem a guarda ou tutela devem responder bem e fielmente pelo desempenho do seu cargo.

O Princípio do Contraditório [33], previsto inicialmente no art. 5º, LV, da Constituição Federal, garante aos adolescentes infratores ampla defesa e igualdade de tratamento no processo de apuração de ato infracional, como dispõem os arts. 171 a 190 do Estatuto.

A Constituição Federal acolheu o princípio do contraditório como um dos direitos indisponíveis do indivíduo, que, desde os primórdios, não pode ser condenado sem antes ser ouvido. Aliás, Sêneca já ensinava que é iníquo o julgador que sentencia sem ouvir o acusado (VALENTE, 2002, p. 61).

Além disso, João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 16) considera fundamental explicar que o ECA estrutura-se a partir de três sistemas de garantia: o Sistema Primário, o Sistema Secundário e o Sistema Terciário.

O Sistema Primário versa sobre as políticas públicas de atendimento a crianças e adolescentes, previstas nos arts. 4º e 87. O Sistema Secundário aborda as medidas de proteção dirigidas a crianças e adolescentes em situação de risco pessoal ou social, previstas nos arts. 98 e 101, e, por fim, o Sistema Terciário trata da responsabilização penal do adolescente infrator, através das medidas sócio-educativas, previstas no art. 112, que são aplicadas aos adolescentes que cometem atos infracionais. O autor (2003, p. 24) complementa que:

Este tríplice sistema, de prevenção primária (políticas públicas), prevenção secundária (medidas de proteção) e prevenção terciária (medidas sócio-educativas), opera de forma harmônica, com acionamento gradual de cada um deles. Quando a criança ou o adolescente escapar ao sistema primário de prevenção, aciona-se o sistema secundário, cujo grande agente operador deve ser o Conselho Tutelar. Estando o adolescente em conflito com alei, atribuindo-se a ele a prática de algum ato infracional, o terceiro sistema de prevenção, operador das medidas socioeducativas, será acionado, intervindo aqui o que pode ser chamado genericamente de sistema de Justiça (Polícia/ Ministério Público/ Defensoria/ Judiciário/ Órgãos Executores das Medidas Socioeducativas).

Do exposto, depreende-se que o ECA fundamenta-se em princípios jurídicos herdados de outras normas, como é o caso do Princípio do Contraditório, assegurado inicialmente na Constituição Federal, bem como em fundamentos previstos em legislações internacionais, e que foram previstos de forma expressa em seus artigos, tais como o Princípio da Prevenção Geral e da Proteção Estatal, expresso no art. 4º, segundo o qual:

É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Além desses princípios previstos na Constituição Federal e no ECA, não podem ser esquecidas, conforme adverte Aloysio Nunes Ferreira (2002, p. 22), em palestra na IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, das diretrizes que surgiram com o passar do tempo, através da efetivação de medidas de proteção, como é o caso do Princípio da Descentralização das Ações, que significa o dever da participação da sociedade, por meio das suas entidades representativas, na proteção e reeducação dos adolescentes.

1.5 Doutrina da Situação Irregular e Doutrina da Proteção Integral

No mundo jurídico, para Emílio Garcia Mendez (1997, p. 12), doutrina é o conjunto da produção teórica elaborada por todos aqueles ligados, de uma ou de outra forma, ao tema, sob a ótica do saber, da decisão ou execução. O autor entende ainda que:

Normalmente, em todas as áreas do direito dos adultos a produção teórica encontra-se homogeneamente distribuída entre os diferentes segmentos do sistema, o que, estimulando-se a pluralidade dos pontos de vista, assegura eficazes contrapesos intelectuais na interpretação das normas jurídicas.

A Doutrina da Proteção Integral substituiu a Doutrina da Situação Irregular, fundamento do revogado Código de Menores, sendo que para a compreensão da importância da doutrina atual faz-se necessário discorrer, brevemente, sobre a doutrina que vigorava anteriormente.

A Doutrina da Situação Irregular definia o estado de ‘patologia social’, que quando constatado, indicava que o ‘menor’ deveria ser alcançado pela norma. O revogado Código de Menores, em seu art. 2º estabelecia que se considerava em situação irregular o menor: com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária [34].

Os fundamentos jurídicos dessa doutrina remontam ao Congresso Internacional de Menores, realizado em Paris, no período de 29 de junho a 1º de julho de 1911, momento em que se consagrou, de acordo com Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA, 2003, p. 33), o binômio carência/delinqüência.

Assim, o Código de Menores não garantia uma proteção verdadeira para as crianças e adolescentes, pois se apoiava na falsa idéia de que todos teriam as mesmas oportunidades sócio-econômicas, como se o caminho do crime fosse uma opção, garantindo proteção apenas nas situações determinadas, conhecidas como ‘situações irregulares’

Sobre o mesmo assunto, Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 13) explica que:

O Código revogado não passava de um Código Penal do "Menor", disfarçado em sistema tutelar; suas medidas não passavam de verdadeiras sanções, ou seja, penas, disfarçadas em medidas de proteção. Não relacionava nenhum direito, a não ser aquele sobre a assistência religiosa; não trazia nenhuma medida de apoio à família; tratava da situação irregular da criança e do jovem, que na realidade, eram seres privados de seus direitos.

A Doutrina da Proteção Integral tem como antecedente direto a Declaração dos Direitos da Criança (1959), condensando-se em quatro documentos internacionais fundamentais: a Convenção Internacional dos Direitos da Criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Regras de Beijing), as Regras Mínimas das Nações Unidas para os Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a Administração da Justiça Juvenil (Diretrizes de Riad).

No Brasil, por sua vez, foi inicialmente prevista na Constituição Federal, no art. 227, que prevê:

É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Ou seja, de acordo com esta doutrina, todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos são especiais e específicos, no dizer de João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 15), principalmente pela condição que ostentam de pessoas em desenvolvimento. O autor complementa que:

A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição Federal, que a consagra em seu art. 277, tendo sido acolhida pelo plenário do Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos contra 8 [...] Na aplicação da Doutrina da Proteção Integral no Brasil, o que se constata é que o País, o Estado e a Sociedade é que se encontram em situação irregular.

Desta forma, consoante José de Farias Tavares (2002, p. 07), enquanto o Código de Menores preocupava-se tão somente com os menores em situação irregular, o ECA inovou [35] ao abranger toda criança e adolescente em qualquer situação jurídica, rompendo definitivamente com a doutrina da situação irregular, assegurando que cada brasileiro que nasce possa ter assegurado seu pleno desenvolvimento, mesmo que cometa um ato considerado ilícito.

Com essa nova orientação, aboliu-se o termo estigmatizante ‘menor’, que passou a ser tratado como ‘criança’ ou ‘adolescente infrator’, como sintetiza Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 15).

Na concepção técnico jurídica, "menor" designa aquela pessoa que não atingiu ainda a maioridade, ou seja, 18 anos. A ele não se atribui a imputabilidade penal, nos termos do art. 104 do ECA c/c art. 27 do CP. Se isso não bastasse, a palavra "menor", com o sentido dado pelo antigo Código de Menores, era sinônimo de carente, abandonado, delinqüente, infrator, egresso da FEBEM, trombadinha, pivete. A expressão "menor" reunia todos esses rótulos e os colocava sob o estigma da "situação irregular".

Ou seja, a partir da entrada em vigor do ECA foram estabelecidas as diretrizes para uma política pública que reconhece a condição especial de pessoa em desenvolvimento, que as crianças e os adolescentes merecem, tanto que, em seu art. 1º, prevê:

Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.

No entanto, é importante ressaltar que apesar do amplo sistema de garantias previsto nessa lei, nem todos os seus objetivos foram imediatamente alcançados, porque a sua efetivação depende de diversos fatores, tais como a existência de medidas públicas e a diminuição da criminalidade e da miséria, como lembra Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 13), ao apresentar a IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente:

Nestes anos todos de implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, os índices de violência aumentaram significativamente, assim como o empobrecimento da população. Na mesma medida, crianças e adolescentes em um maior número estão sujeitos a violações de múltiplas formas e o seu envolvimento em ações de conflito coma lei numa relação direta tem aumentado.

Destarte, o ECA é uma legislação de acordo com todas as diretrizes internacionais sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, e se não representa a solução para todos os problemas que a infância e a adolescência brasileira encontram, certamente indica o caminho, através da Doutrina da Proteção Integral.


2. A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DO ADOLESCENTE INFRATOR

O conceito de inimputabilidade penal do adolescente faz-se imprescindível na compreensão do ECA, porque embora não sejam aplicadas as sanções previstas no Código Penal, o adolescente em conflito com a lei é responsabilizado, de maneira pedagógica e retributiva, através das medidas sócio-educativas.

Apesar disso, a inimputabilidade não significa que ao adolescente serão aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma vez que há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das penas alternativas, previstas no Código Penal, como a prestação de serviços comunitários, por exemplo.Sobre a responsabilidade penal do adolescente, Emílio Garcia Mendez apud João Batista Costa Saraiva (2003, p. 74-75) ensina que:

A construção jurídica da responsabilidade penal dos adolescentes no ECA (de modo que foram eventualmente sancionados somente os atos típicos, antijurídicos e culpáveis e não os atos ‘anti-sociais’ definidos casuisticamente pelo Juiz de Menores), inspirada nos princípios do Direito Penal Mínimo constitui uma conquista e um avanço extraordinário normativamente consagrados no ECA.

Para sofrer a ação estatal, a conduta deve ser reprovável, ou seja, além de típica, deve ser antijurídica. Desta forma, não haverá culpabilidade quando houver erro inevitável sobre a ilicitude do fato, erro inevitável a respeito do fato que configuraria uma descriminante, obediência à ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico e ainda a inexigibilidade de conduta diversa na coação moral irresistível. [36]

Além das medidas sócio-educativas, podem ser aplicadas outras medidas específicas, como explica Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 100), como o encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação e acompanhamento temporários; matrícula e freqüência obrigatórias em escola pública de ensino fundamental, inclusão em programas oficiais ou comunitários de auxílio à família e ao adolescente e orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos.

O ECA construiu um novo modelo de responsabilização penal do adolescente, através de sanções aptas a interferir, limitar e até suprimir temporariamente a liberdade, possuindo além do caráter sócio-educativo, uma essência retributiva.

2.1 O Perfil do Adolescente Infrator

A adolescência, do ponto de vista da Psicologia [37], é uma fase que além das modificações do corpo humano, é caracterizada pela definição de identidades, através de mudanças na fixação do caráter e da afirmação da personalidade do indivíduo, como explica Miguel Moacir Alves Lima (2002, p. 373):

Além disso, a adolescência é uma fase evolutiva de grandes utopias que, no geral, tendem a tornar mais problemática a relação do adolescente com o ambiente social, porquanto sua pauta de valores e sua visão crítica da realidade, ora intuitiva ou reflexiva, acabam destoando da chamada ordem instituída.

O ECA, com fundamento da Doutrina da Proteção Integral, bem como Nos critérios médicos e psicológicos, considera o adolescente como pessoa em desenvolvimento, prevendo que assim deve ser compreendida a pessoa que possui entre 12 e 18 de idade [38].

Quando o adolescente comete uma conduta tipificada como delituosa no Código Penal ou em leis especiais, passa a ser chamado de ‘adolescente infrator’, e não de ‘menor’, como as legislações anteriores previam, bem como ainda diversos meios de comunicação insistem em se referir, com manchetes do tipo ‘menor assalta criança’, como esclarece João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 88):

Pela nova ordem estabelecida, não se admitem manchetes de jornal do tipo menor assalta criança, de manifesto cunho discriminatório, onde a criança era o filho bem-nascido, e o menor, o infrator. Esta espécie de manifestação, comum no Brasil, ainda hoje, ainda presente na linguagem dos próprios Tribunais, se constitui em legítimo produto de uma cultura excludente – norteador do anterior sistema – que distinguia crianças e adolescentes de menores; que fazia uma divisão entre aqueles em situação regular dos demais em situação irregular.

O adolescente infrator é inimputável perante as cominações previstas no Código Penal, ou seja, não recebe as mesmas sanções que as pessoas que possuem mais do que 18 anos de idade, vez que a inimputabilidade penal está prevista no art. 227 [39] da Constituição Federal, que fixa em 18 anos a idade de responsabilidade penal e no art. 27 [40] do Código Penal, critério de política criminal que varia entre os países [41]:

A propósito de idade de responsabilidade penal, onde seguidamente os Estados Unidos da América são invocados como paradigmas, cumpre destacar que em Estados como Califórnia, Arkansas e Wyoming a idade de imputabilidade penal está fixada em 21 anos. Já países como índia, Paraguai e Egito estabelecem a idade de imputabilidade penal em 15 anos (SARAIVA b, 2002, p. 54).

Apesar de ser inimputável, o adolescente infrator é responsabilizado pelos seus atos, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, através das medidas sócio-educativas.

Em pesquisa realizada no estado de Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira [42] constatou que entre os adolescentes infratores, o maior índice de atos infracionais é praticado por adolescentes do sexo masculino, com idade entre 16 e 17 anos:

Constatou-se que, do total de adolescentes entrevistados, 181 eram do sexo masculino (92,34%) e apenas 15 do sexo feminino (7,66%). No tocante à idade, verificou-se que a maioria dos adolescentes estava na faixa de 16 e 17 anos de idade [...] O número de adolescentes que cometem ato infracional aumenta gradativamente de acordo com o progresso na idade cronológica, de forma bastante clara (VIEIRA, 1999, p. 23).

Aliás, essa é a situação do resto do país, como depreende-se do resultado da pesquisa de Mário Volpi [43]:

Quanto ao gênero dos adolescentes privados de liberdade, 3.987 – 94,8% - pertencem ao sexo masculino, enquanto 320 – apenas 5,2%, portanto – pertencem ao sexo feminino [...] A permanência mais prolongada das meninas no lar tem sido apontada como um dos fatores responsáveis pela sua maior frequência à escola, pela menor presença das mesmas nas ruas e pelo seu menor envolvimento em ato infracional (VOLPI, 1999, p. 57-58).

Apesar disso, de acordo com Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino (2002, p. 20), nos Estados Unidos a taxa de crimes cometidos por adolescentes do sexo feminino vem aumentando:

Dados do Office of Juvenile Justice and Delinquency Prevention para 1996 informam que o percentual de prisões de jovens tem se tornado maior que o dos adultos e que a taxa de crimes violentos cometidos por jovens do sexo feminino vem crescendo mais do que a do sexo masculino (125% e 67%, respectivamente), entre 1985 e 1994. Mesmo assim, o patamar masculino continua muito acima do feminino.

Desta forma, a adolescência está estabelecida objetivamente com início aos 12 anos e término aos 18 anos, sendo que a maior parte dos atos infracionais é cometida por adolescentes infratores do sexo masculino, na faixa etária entre 16 e 17 anos de idade.

2.1.1 Adolescente infrator portador de doença ou deficiência mental

Quando um adolescente infrator, portador de doença ou deficiência mental, comete uma conduta tipificada na lei penal, de acordo com o art. 112, § 3º [44], do ECA, receberá atendimento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

Ou seja, assim como no Código Penal, que prevê em seu art. 26 que é isento de pena o agente que possui doença mental ou desenvolvimento penal incompleto, o ECA também estabeleceu um critério diferenciado para o atendimento dos jovens que, se fossem adultos, seriam considerados inimputáveis.

Essa é uma questão de grande importância, porque o adolescente portador de doença mental não pode ficar internado com os demais, em razão dos cuidados e atenção diferenciados que deve receber, afinal, como definiu Douglas Tavolaro (2002, p. 17), "conhecer as peculiaridades da insanidade enclausurada é tomar contato com uma realidade irreal que muitos preferem ignorar. Estão ali pacientes que convivem com regras próprias num mundo que se misturam medo, paixão e cólera".

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 80) aduz que não é possível que se permaneça a tratar igualmente os desiguais, supondo que um adolescente portador de sofrimento psíquico, incapaz de discernir e neste caso sem responsabilidade juvenil, submeta-se a uma medida sócio-educativa. O autor sugere que deve ser aplicada uma medida de proteção, como por exemplo a internação em hospital psiquiátrico.

Desta forma, são necessárias medidas que priorizem unidades especiais de atendimento, voltadas para o adolescente com deficiência mental, a fim de assegurar a sua recuperação de forma eficaz e preservar a recuperação dos outros adolescentes infratores.

2.2 Ato Infracional

O ato infracional é uma ação praticada por um adolescente, correspondente às ações definidas como crime cometidas pelos adultos, e está definido no art. 103 [45], do ECA. Para Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 15):

No direito penal, o delito constitui uma ação típica, antijurídica, culpável e punível. Já o adolescente infrator, embora inegavelmente causador de problemas sociais graves, deve ser considerado como pessoa em desenvolvimento, analisando-se aspectos como sua saúde física e emocional, conflitos inerentes à idade cronológica, aspectos estruturais da personalidade e situação sócio-econômica e familiar.

No entanto, é preciso ter em mente, como lembra José Jacob Valente (2002, p. 66), que "a cada crime ou contravenção praticado por adolescente não corresponde uma medida específica, ficando, como vimos, a critério do julgador escolher aquela mais adequada à hipótese em concreto".

Sobre os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais em Santa Catarina, de acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 48), vão desde a influência dos amigos, o uso de drogas, a evasão escolar, até a pobreza.

Verifica-se que a influência de amigos, o uso de drogas e a pobreza são as razões principais para a prática delituosa e se equilibram em termos numéricos [...] As respostas demonstram a fragilidade do adolescente à influência de terceiros e a íntima relação do ato infracional com o uso de drogas.No Brasil, além das causas mencionadas, outra grande causa da delinqüência juvenil é a falta de instrução e a evasão escolar, uma vez que sem estar estudando, o adolescente acaba ocioso e mais propenso a praticar atos infracionais. De acordo com Mário Volpi (1999, p. 56-57):

A grande maioria dos adolescentes pesquisados – 96,6% - não concluiu o ensino fundamental. A porcentagem de analfabetos é de 15,4%. O número de adolescentes que concluíram o 2º grau, conseqüentemente, torna-se praticamente nulo – 7 num total de 4.245 (cujas informações foram obtidas), o que representa a ínfima parcela de 0,1% [...] dos 4.245 adolescentes, sujeitos desta pesquisa, 2.498 – 61,2%, portanto – não freqüentavam a escola por ocasião da prática do ato infracional.

É o que aconteceu com o personagem ‘Busca-pé", do livro Cidade de Deus (LINS, 1997, p. 14), que entre a oportunidade de estudar, e os atrativos da rua, acabou sendo influenciado pela segunda opção, assim como a grande maioria dos adolescentes:

Busca-pé mecanicamente verificou a hora, constatou que estava atrasado para a aula de datilografia, mas que se foda (sic), já tinha perdido um montão de aulas, mais uma não iria alterar nada. Não estava mesmo com saco para ficar batendo à máquina por uma hora e não iria também ao colégio [...] A vermelhidão precedera um corpo humano morto. O cinza daquele dia intensificou-se de maneira apreensiva. Vermelhidão esparramando-se na correnteza, mais um cadáver.

Depreende-se assim que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem atuar com maior urgência.

2.2.1 Procedimento de apuração de ato infracional

Quando um adolescente comete um ato infracional, a polícia militar é acionada e a vítima deve registrar uma ocorrência, noticiando o fato para a autoridade policial, sendo instaurado pela polícia civil um procedimento, com as provas colhidas, que é então remetido para o Fórum.

Depois, o representante do Ministério Público (Promotor de Justiça) notifica o adolescente para comparecer, acompanhado do seu responsável, na promotoria de Justiça, para a Audiência de Apresentação.

Nesta ocasião, o Promotor de Justiça conversa com o adolescente, e dependendo das provas colhidas, gravidade da infração e de ser caso ou não de reiteração da prática de ato infracional, pode tomar as seguintes providências: arquivamento, aplicação de alguma das medidas sócio-educativas e pela remissão, ou representação.

A remissão [46] não se constitui em perdão, pois sem prejuízo de aplicação da medida sócio-educativa, busca a supressão do processo judicial. Faz-se admissível na fase pré-processual, antes do oferecimento da Representação, quando será concedida pelo Ministério Público e terá como efeito a exclusão do processo de conhecimento, ou então, na fase judicial, pelo Juiz, ocasionando a exclusão ou suspensão do processo.

Tem seu parâmetro no art. 107, inciso V [47], do Código Penal, que trata do perdão do ofendido e do perdão judicial, considerados causas extintivas da punibilidade.

É interessante notar que pode ser aplicada mesmo havendo somente indícios de autoria e materialidade, sem que existam provas concretas da prática do ato infracional, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 108):

Para a concessão da remissão não é necessário o reconhecimento ou a comprovação da responsabilidade do infrator, ou seja, que existam provas suficientes da autoria e da materialidade do ato infracional. Se existirem apenas indícios do ilícito, o perdão poderá ser aplicado, de modo que o representante do Ministério Público não dará prosseguimento ao caso, deixando de coletar provas e requisitar diligências complementares.

Vale lembrar que, de acordo com o art. 127 [48], do ECA, a remissão não implica o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes criminais.

Diferentemente das especificações previstas no Código Penal, todos os atos infracionais cometidos por adolescentes infratores processam-se por ação pública incondicionada.

Caso o representante do Ministério Público entenda que a remissão não alcançará seus objetivos, oferecerá a Representação, narrando a conduta cometida pelo adolescente infrator, dando início ao processo de apuração de ato infracional na fase judicial, sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa, que culminará com a aplicação de alguma das medidas sócio-educativas.

Após o oferecimento da Representação, é marcada uma audiência de apresentação, sendo que o juiz, após ouvir o representante do Ministério Público, pode aplicar a remissão ou dar prosseguimento ao feito, e o adolescente deve produzir sua defesa, através de testemunhas e demais provas, contando inclusive com a defesa técnica de um advogado.

Obviamente, o procedimento da apuração do ato infracional, para alcançar todos os resultados, depende de uma ação efetiva entre os membros envolvidos, bem como de celeridade [49], a fim de que a medida sócio-educativa seja aplicada logo após a prática do delito.

Após a sentença final, contra as decisões extintivas do processo, com julgamento de mérito ou não, decisões homologatórias de remissão com extinção do processo, e decisões interlocutórias, cabem os recursos previstos no Código de Processo Civil, como depreende-se do art. 198 [50], com as alterações da lei especial.

Desta forma, conclui-se que o ECA estabeleceu o procedimento a ser adotado na apuração de ato infracional, adotando normas do direito processual penal, e na fase recursal, normas do direito processual civil.

2.3 medidas sócio-educativas

O ECA, de acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 28), em face de sua organização e medidas, pode ser dividido em duas vertentes: medidas de proteção e as medidas sócio-educativas.

As medidas de proteção, elencadas no art. 101 [51], do ECA destinam-se às crianças e adolescentes, sempre que seus direitos reconhecidos forem ameaçados ou violados, bem como, no caso de uma criança praticar uma infração, a ela será aplicada alguma dessas medidas.

É o que aconteceria com o personagem ‘Dadinho’, da obra ‘Cidade de Deus’, caso fosse surpreendido pela autoridade policial (Delegado de Polícia), vez que com 06 anos de idade, só poderia receber a aplicação de uma medida de proteção, através do Conselho Tutelar:

Dadinho gostava de levar as armas até perto do local a ser assaltado e entregá-las aos bandidos. Entretanto a sua mentalidade de menino de seis anos de idade não discernia o que estava fazendo. Sabia que era errado, mas ter sempre um trocado no bolso para as guloseimas, as figurinhas dos álbuns dos times de futebol, as pipas, as linhas, as bolas de gudes e o pião valia a pena (LINS, 1997, p. 184).

Já as medidas sócio-educativas, previstas no art. 112 [52], do ECA, aplicam-se tão somente aos adolescentes autores de ato infracional, ou seja, através delas ocorre a responsabilização penal do adolescente infrator, que passa a ser sujeito responsável pelo seus atos, como aduz João Batista Costa Saraiva (2002 a, p. 45):

Não se pode ignorar que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um sistema que pode ser definido como de Direito Penal Juvenil. Estabelece um mecanismo de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção e conteúdo, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo

De acordo com Olympio Sotto Maior (2002, p. 362), trata-se de um rol taxativo, sendo portanto vedada a imposição de medidas diversas das enunciadas.

Então, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba ele medidas sócio-educativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social (CURY, 2002, p. 364).

As medidas sócio-educativas devem ser aplicadas de acordo com as características da infração, circunstâncias familiares e a disponibilidade de programas específicos para o atendimento do adolescente infrator, garantindo-se a reeducação e a ressocialização, bem como, tendo-se por base o Princípio da Imediatidade, ou seja, logo após a prática do ato infracional, conforme adverte Mário Volpi (1999, p. 42):

A aplicação de medidas socioeducativas não pode acontecer isolada do contexto social, político e econômico em que está envolvido o adolescente. Antes de tudo é preciso que o Estado organize políticas públicas infanto-juvenis. Somente com os direitos à convivência familiar e comunitária, à saúde, à educação, à cultura, esporte e lazer, e demais direitos universalizados, será possível diminuir significativamente a prática de atos infracionais cometidos por adolescentes.

Conforme os arts. 111 [53] e 113 [54], do ECA, somente deverão ser aplicadas após o exercício do direito de defesa, levando-se em conta as necessidades pedagógicas, priorizando-se aquelas medidas que visem o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

Assim, a responsabilização penal do adolescente infrator efetiva-se através da aplicação das medidas sócio-educativas, que passarão a ser explicadas, individualmente, a seguir.

2.3.1 Advertência

A Advertência é a medida sócio-educativa considerada mais branda, pois consiste em uma admoestação verbal, feita pelo Promotor de Justiça ou pelo Juiz e está definida no art. 115 [55], do ECA.

De acordo com Mário Volpi (1999, p. 23), a advertência constitui uma medida admoestatória, informativa, formativa e imediata, devendo ser observado o princípio do contraditório na sua aplicação, como explica Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 170):

A advertência poderia dispensar perfeitamente o procedimento contraditório, pois trata-se de admoestação verbal, que deveria ser imposta de plano em face do boletim de ocorrência ou relatório policial. E sua imposição estender-se-ia aos pais ou responsáveis, o que tornaria a medida mais abrangente e eficaz, sendo apenas reduzida a termo. No entanto, dado o formalismo do processo legal, que pressupõe contraditório e amplitude de defesa, assim como apego às formalidades, também a advertência como medida sócio-educativa não pode prescindir do processo legal, como, aliás, têm reconhecido os tribunais.

Ou seja, a advertência consiste em censurar verbalmente o adolescente, na presença de seus pais ou responsáveis, explicando a ilegalidade da conduta praticada, bem como as conseqüências da reiteração da prática de infrações.

Dirige-se a adolescentes que não registrem antecedentes de atos infracionais, e para os que praticaram atos de pouca gravidade, sendo possível aplicá-la tanto na fase extrajudicial, quando da concessão da remissão pelo representante do Ministério Público, homologado pelo juiz, assim como na fase judicial, quando é aplicada pela autoridade judicial, no curso da apuração do ato infracional ou após a sentença final.

À evidência, muito será exigido do juiz e do promotor de justiça, que deverão avaliar com muito critério os casos apresentados, não ultrapassando os limites do rigor nem, tampouco, sendo por demais tolerantes, sempre tendo em vista as circunstâncias e conseqüências do fato, o contexto social, da personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional (LIBERATI, 2002, p. 89).

De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 55), em Santa Catarina a advertência é a medida sócio-educativa aplicada em 26,64% dos casos, o que demonstra uma preocupação crescente na aplicação de medidas em que não há a privação da liberdade.

É importante, para que sejam obtidos resultados efetivos, que a advertência seja aplicada ao adolescente infrator logo em seguida à primeira prática do ato infracional, e que não seja repetida diversas vezes, pois pode acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos não são responsabilizados de forma concreta, o que não é verdade.

2.3.2 Obrigação de reparar o dano

A obrigação de reparar o dano caracteriza-se por ser coercitiva e educativa, levando o adolescente a reconhecer o erro e repará-lo, estando prevista no art. 116 [56], do ECA, que estabelece três hipóteses de reparação: devolução da coisa, ressarcimento do prejuízo e a compensação do prejuízo por qualquer meio.

Deve ser aplicada em procedimento contraditório, como adverte Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 89), assegurando-se ao adolescente a ampla defesa, igualdade processual, presunção de inocência e a assistência técnica de advogado.

Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 180) explica que cabe à vítima entrar com o respectivo pedido de reparação, ou executar a sentença penal condenatória, para obter o ressarcimento do dano sofrido. No entanto, o autor questiona a constitucionalidade da obrigação de reparar o dano, nos seguintes termos:

A medida de obrigação de reparar o dano, salvo melhor juízo, parece-nos de duvidosa constitucionalidade, pois não pode o Juiz de Menores impô-la como medida obrigatória, mas apenas tentar a composição do dano como previa o Código de Menores revogado (art. 103), já que nem mesmo ao adulto condenado criminalmente pode ser imposta pelo juiz a obrigação de reparar o dano causado, nem mesmo como condição do sursis, embora a não-reparação do dano causado pelo condenado constitua causa obrigatória de revogação desse benefício.

Apesar desse dissenso doutrinário, urge considerar que se trata de uma medida com grande caráter pedagógico, pois ensina ao adolescente o respeito por tudo que pertence às outras pessoas, proporcionando o desenvolvimento, como explica Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 90), "do senso por responsabilidade daquilo que não é seu".

Em Santa Catarina, é aplicada em 1,10% dos casos, conforme comprovou Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 59):

A medida sócio-educativa de obrigação de reparar o dano, embora simples, de fácil aplicação e bastante pedagógica, não foi muito usada nas Comarcas pesquisadas [...] Tal fato reflete, talvez, um certo esquecimento por parte de Promotores de Justiça e Juízes da Infância e Juventude dos benefícios desta, ressalvada, é claro, a possibilidade do adolescente em compensar o prejuízo causado.

Assim, depreende-se que a obrigação de reparar o dano é uma das medidas que mais possui caráter pedagógico, porque através de uma imposição, faz com que o adolescente reconheça a ilicitude dos seus atos, bem como garante à vítima a reparação do dano sofrido e o reconhecimento de que o adolescente é responsabilizado por seus atos.

Contudo, a efetividade da reparação do dano, através do ressarcimento do prejuízo, esbarra na impossibilidade do cumprimento, ante as condições financeiras do adolescente infrator e da sua família, o que pode ser agravado quando se tratam de irmãos que cometem o mesmo ato.

2.3.3 Prestação de serviços à comunidade

A Prestação de Serviços à Comunidade [57] que constitui, na esfera penal, pena restritiva de direitos, está prevista no art. 117 do ECA, propondo a ressocialização do adolescente infrator através de um conjunto de ações, como alternativa à internação.

Deve ser aplicada de acordo com a gravidade e os efeitos do ato infracional cometido, a fim de mostrar ao adolescente os prejuízos causados pelos seus atos, sendo necessária a colaboração da comunidade, na fiscalização do cumprimento da medida.

O ideal seria que o serviço fosse prestado de acordo com o ato infracional praticado. Assim, o pichador de paredes ficaria obrigado a limpá-las; o causador de algum dano a repará-lo [...] Mas, para que esse tipo de punição surtisse efeito, seria indispensável a colaboração da comunidade na sua aplicação, pois a simples imposição, sem a correspondente fiscalização do seu cumprimento, torna-se uma medida inócua sem qualquer resultado (NOGUEIRA, 1996, p. 182-183).

É importante considerar que as tarefas não podem prejudicar o horário escolar, tendo como tempo de execução máximo um semestre, devendo ser atribuídas conforme a aptidão do adolescente.

A medida favorece o desenvolvimento do sentimento de solidariedade, pela oportunidade de conviver com desfavorecidos, desvalidos, doentes mentais e excluídos sociais, através da realização de tarefas de interesse coletivo.

Foi a medida mais aplicada aos adolescentes infratores em Santa Catarina, entre os anos de 1995 a 1998, possibilitando assim aos adolescentes a reeducação sem a privação da liberdade:

A medida de prestação de serviços à comunidade foi a mais aplicada entre todas as medidas sócio-educativas (39,23%), sendo que Florianópolis, Itajaí, Blumenau, Chapecó e Lages apresentam números significativos. Tal fato, como dito anteriormente, mostra a preocupação crescente em adequar-se a medida às condições do adolescente, preferindo-se aquela que o mantém no próprio meio e que lhe possibilite reflexão sobre si próprio e sua conduta, no contexto social (VIEIRA, 1999, p. 59-60).

Desta forma, a prestação de serviços à comunidade garante ao adolescente infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em que vive, mostrando-se útil, através da realização de tarefas não remuneradas.

2.3.4 Liberdade assistida

A Liberdade Assistida consiste em acompanhar e orientar o adolescente, objetivando a integração familiar e comunitária, através do apoio de assistentes sociais e técnicos especializados, e está prevista nos arts. 118 [58] e 119 [59], do ECA.

Constitui-se numa medida coercitiva quando se verifica a necessidade de acompanhamento da vida social do adolescente (escola, trabalho e família). Sua intervenção educativa manifesta-se no acompanhamento personalizado, garantindo-se os aspectos de: proteção, inserção comunitária, cotidiano, manutenção de vínculos familiares, freqüência à escola, e inserção no mercado de trabalho e/ou cursos profissionalizantes e formativos (VOLPI, 2002, p. 24).

O programa de liberdade assistida exige uma equipe de orientadores sociais, que são designados pelo juiz, sendo que "deverão os técnicos ou as entidades desempenhar sua missão através de estudo de caso, de métodos de abordagem, organização técnica da aplicação da medida e designação de agente capaz" (LIBERATI, 2002, p. 93).

A duração da medida é limitada a seis meses, de acordo com o parágrafo 2º, do art. 118, do ECA, e pode ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida. É interessante notar, através dos incisos do art. 119, que essa medida cuida também de preservar os laços familiares, a escolaridade e a profissionalização.

Deve ser aplicada nos casos de reincidência ou prática habitual de atos infracionais, enquanto o adolescente demonstrar que necessita de acompanhamento e orientação, vez que o ECA não prevê prazo máximo para o cumprimento da medida.

Em Santa Catarina, a liberdade assistida vem sendo aplicada em 25,87% dos casos (VIEIRA, 1999, p. 60), o que denota a existência de programas específicos, bem como o reconhecimento do benefício pedagógico da medida.

Para Olympio Sotto Mayor (2002, p. 364), a liberdade assistida é a medida que se mostra com as melhores condições de êxito, nos seguintes termos:

Nesta ótica, não temos dúvida em afirmar que, do elenco das medidas sócio-educativas, que se mostra com as melhores condições de êxito é a da liberdade-assistida, porquanto se desenvolve direcionada a interferir na realidade familiar e social do adolescente, tencionando resgatar, mediante apoio técnico, as suas potencialidades. O acompanhamento, como a inserção no sistema educacional e do mercado de trabalho, certamente importarão o estabelecimento de projeto de vida capaz de produzir ruptura com a prática de delitos, reforçados que restarão os vínculos entre o adolescente, seu grupo de convivência e a comunidade.

A liberdade assistida é assim uma medida aplicada aos adolescentes que cometem atos infracionais considerados de maior gravidade, mas que ainda não comportam a privação total da liberdade, significando assim a possibilidade de o adolescente infrator reconhecer a responsabilidade de seus atos e repensar a sua conduta, vez que vai contar com o apoio psicológico e de assistentes sociais, durante o processo do cumprimento da medida.

2.3.5 Semiliberdade

A medida sócio-educativa de semiliberdade está prevista no art. 120 [60], do ECA, sendo coercitiva, vez que afasta o adolescente do convívio familiar e da comunidade, sem contudo restringir totalmente o direito de ir e vir, pois se destina aos adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à noite recolhem-se em uma entidade específica.

De acordo com Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 95), existem duas formas de semiliberdade, sendo a primeira a determinada pela autoridade judiciária desde o início, após a prática do ato infracional, através do devido processo legal, e a segunda, ocorre quando o adolescente internado é beneficiado com a mudança de regime, de internamento para a semiliberdade.

A medida consiste na permanência do adolescente infrator em algum estabelecimento próprio, determinado pelo Juiz, com a possibilidade de atividades externas, sendo obrigatórias a escolarização e a profissionalização.

No Brasil, a aplicação desse regime esbarra na falta de unidades específicas para abrigar os adolescentes só durante a noite, e aplicar medidas pedagógicas durante o dia, como constatou Mário Volpi (2002, p. 26):

A falta de unidade nos critérios, por parte do judiciário na aplicação de semiliberdade, bem como a falta de avaliações das atuais propostas, têm impedido a potencialização dessa abordagem. Por isso propõe-se que os programas de semiliberdade sejam divididos em duas abordagens: uma destinada a adolescentes em transição da internação para a liberdade e/ou regressão da medida; e a outra aplicada como primeira medida sócio-educativa (VOLPI, 2002, p. 26).

Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 61) chegou à mesma conclusão, no sentido de que a inaplicabilidade da medida deve-se à inexistência de programas específicos:

Sendo uma medida de transição para o meio aberto ou determinada desde o início, é incontestável sua necessidade em muitos casos. Contudo, é fácil deduzir que a sua não-utilização na grande maioria das Comarcas catarinenses ocorre devido à absoluta inexistência de um programa a ampará-la, fato constatado no Inquérito Civil Público nº 01/95, instaurado pelo Procurador-Geral de Justiça, para apurar as Políticas Públicas na área da Infância e Juventude.

Paulo Lúcio Nogueira (1996, p. 186) relata que em São Paulo também não existem estabelecimentos que permitam o cumprimento da semiliberdade:

Também é de reconhecer que não existem estabelecimentos no Estado de São Paulo que comportem o regime de semiliberdade para os adolescentes, os quais deveriam passar o dia trabalhando externamente e só se recolher à noite ao estabelecimento.

Ou seja, a medida sócio-educativa de semiliberdade, apesar do evidente caráter pedagógico a que se propõe, em permitir que o adolescente trabalhe e estude durante o dia, não vem recebendo aplicabilidade na prática, pela ausência de programas específicos.

2.3.6 Internação

A medida sócio-educativa de Internação consiste na privação da liberdade do adolescente infrator, e está prevista no art. 121 [61], do ECA, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento [62] do adolescente.

O tempo da internação poderá ser de no mínimo 6 meses e não pode exceder o prazo de três anos, sendo que o adolescente deve ser liberado quando completar 18 anos de idade [63].

Deve ser proposta pelo representante do Ministério Público e aplicada pelo Juiz somente nos casos mais graves, que se fizer realmente necessária, como depreende-se do art. 122 [64], do ECA, ou seja, nos casos de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa, por reiteração no cometimento, por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta, sendo um rol taxativo e exaustivo.

É a mais severa das medidas sócio-educativas estabelecidas no Estatuto. Priva o adolescente de sua liberdade física - direito de ir e vir – à vontade [...] O adolescente poderá trabalhar e estudar fora do estabelecimento onde é recolhido, se não oferecer perigo à segurança pública ou à sua própria incolumidade, segundo avaliação criteriosa da equipe interprofissional que assessora a Justiça da Infância e da Juventude (TAVARES, 1999, p. 118).

Deve ser aplicada somente quando se fizer realmente necessária, pois como lembra Wilson Donizeti Liberati (2002, p. 99), provoca nos adolescentes insegurança, agressividade e frustração, e além disso, afasta-se dos objetivos pedagógicos das outras medidas.

Na verdade, por melhor que seja a entidade de atendimento, a internação deve ser aplicada de forma excepcional, porque provoca no adolescente os sentimentos de insegurança, agressividade e frustração, acarreta exacerbado ônus financeiro e não responde às dimensões do problema.

O ideal é que a entidade de internação seja dotada de profissionais especializados, com propostas pedagógicas, pautadas em critérios de criminologia, para permitir a reeducação do adolescente infrator.

Até porque, a falta de entidades especializadas, com profissionais preparados, já mostrou suas conseqüências, quais sejam, as rebeliões na FEBEM, nas grandes cidades.

O adolescente infrator privado de liberdade possui direitos específicos, delimitados no art. 124 [65], do ECA, como o de entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público, receber visitas, ter acesso aos meios de comunicação social e permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais.

Ou seja, a contenção não é em si a medida sócio-educativa, é a condição para que ela seja aplicada. De outro modo ainda: a restrição da liberdade deve significar apenas limitação do exercício pleno do direito de ir e vir e não a outros direitos constitucionais, condição para sua inclusão na perspectiva cidadã (VOLPI, 1999, p. 28).

De acordo com o art. 122, inciso III [66], do ECA, existe a possibilidade da aplicação da internação, em caso do descumprimento reiterado e injustificado da medida anteriormente imposta. Como exemplo, pode ser determinada a internação do adolescente que não cumpre todo o período da prestação de serviços à comunidade, de forma reiterada.

Conforme Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 185) quando da elaboração deste dispositivo, houve quem argumentasse a necessidade do internamento por até três meses, para dar um "susto" no adolescente, sendo que ele ponderou o seguinte:

Inconformado com tal naipe de raciocínio, respondi que só defendia esse ponto de vista quem tinha certeza de que os próprios filhos jamais seriam encaminhados para uma unidade de internação, onde o susto pelo qual se quer que os filhos dos outros passem pudesse implicar a prática de violências físicas, psicológicas e sexuais.

A internação objetiva assim, através da privação da liberdade do adolescente infrator, a ressocialização e a reeducação, demonstrando ao adolescente que a limitação do exercício pleno do direito de ir e vir é a conseqüência da prática de atos delituosos.


3. A ILUSÃO DE IMPUNIDADE

A delinqüência juvenil vem se mostrando um tema angustiante, porque a maioria das pessoas desconhece o amplo sistema de garantias do ECA e acredita que o adolescente infrator, por ser inimputável, acaba não sendo responsabilizado pelos seus atos, o que não é verdade, conforme se demonstrou, vez que a responsabilização penal do adolescente se dá através das medidas sócio-educativas, como sintetiza Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 100):

O Estatuto da Criança e do Adolescente não incorporou em seus dispositivos o sentido da acusação. Apesar de não ocultar a necessidade de responsabilização social do adolescente infrator, no entanto, esta não resulta em pena. Ser-lhe-á aplicada uma medida sócio-educativa – art. 112 -, que poderá ser a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços comunitários, a imposição da liberdade assistida, e a internação em estabelecimento educacional, a qual será sempre breve e de caráter excepcional – art. 227, parágrafo 3º, V da CF.

Na verdade, a opinião pública é baseada nas informações passadas pela mídia [67], que com freqüência alerta para o aumento da violência, tentando fazer crer que os adolescentes infratores são os responsáveis pelo aumento desses índices, bem como que nada acontece para os adolescentes que cometem ato infracional, formando uma visão preconceituosa e reacionária contra o adolescente em confronto com a lei.

Como alerta Karina Sposato [68] (2001, p. 54), que realizou uma pesquisa sobre a relação entre a criminalidade e a televisão, o grau de violência com que a opinião pública vai atuar está relacionado com a importância com que as pessoas atribuem a determinado acontecimento.

É preciso considerar também que, além da influência dos meios de comunicação, a ilusão de impunidade foi herdada da Doutrina da Situação Irregular, que ainda se faz presente no imaginário coletivo, como aduz João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 31):

A expressão com menor não dá nada, de vezo discriminatório e preconceituoso, ainda se faz presente no inconsciente coletivo, decorrente de uma apreensão equivocada da legislação. Percepção distorcida, que se faz produto da antiga doutrina da situação irregular, montada sobre a idéia fundante de que o infrator necessitava de um certo tratamento, como se portador de uma moléstia.

Assim, os meios de comunicação veiculam diariamente informações sem respaldo em dados concretos, tentando disseminar diversos mitos, que podem ser classificados, de acordo com Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p. 33), em três categorias, quais sejam: mito do hiperdimensionamento do problema, mito da periculosidade do adolescente, e o mito da impunidade, que serão analisados individualmente, adiante.

- 3.1 Mito do Hiperdimensionamento do Problema

O mito do hiperdimensionamento do problema resulta de uma manipulação de informações, por parte da mídia, que passa à opinião pública a falsa idéia de que há cada vez mais adolescentes envolvidos com a criminalidade.

Esse mito atinge a sociedade dentro da perspectiva do medo, através de um conjunto de hipóteses segundo as quais efetivamente há um elevado número de adolescentes cometendo delitos, elevando assim a insegurança.

No entanto, não há qualquer dado que autorize afirmar o crescimento da delinqüência juvenil, como concluiu Mário Volpi (apud SARAIVA, 2002 b, p. 34), analisando informações extraídas do Censo Penitenciário Brasileiro, do Ministério da Justiça, concluindo que para cada 88 presos adultos, existem apenas 3 adolescentes internados:

Em 1994, havia 88 presos (adultos) para cada cem mil habitantes no Brasil, enquanto a proporção para adolescentes privados de liberdade era de 3 para os mesmos cem mil habitantes. A proporção entre delitos por adultos e delitos por adolescentes se manteve inalterada três anos depois, pelos dados obtidos oficialmente em 1997.

No mesmo sentido é o entendimento de Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 14), que explica que dos crimes praticados no país, apenas 10% são cometidos por adolescentes infratores, sendo que 90% são delitos contra o patrimônio:

Sob o aspecto do enfrentamento aos absurdos índices de violência com os quais somos obrigados a conviver, é sabida a ineficácia de tal iniciativa. Dos delitos praticados no país, em torno de 10% são atribuídos a adolescentes e, destes, cerca de 90% são delitos contra o patrimônio e não contra a vida.

De acordo com a pesquisa realizada por Karina Sposato (2001, p. 54) analisando durante uma semana a programação dos canais abertos da televisão brasileira, os telespectadores assistiram a 1211 cenas de crimes, sendo que o furto apareceu 0,4%, apesar de ser o crime mais praticado no Brasil, enquanto o tráfico de drogas, o seqüestro e o estupro foram super representados, aparecendo dez vezes mais na televisão do que o número de vezes em que eles ocorreram de fato. A conclusão foi que:

Então, a primeira constatação é que as emissoras optam pela divulgação de determinados crimes em detrimento de outros, e, nos parece, a preferência é pelos de mais clamor e apelo popular, como os crimes sexuais, tráfico de drogas, seqüestro e crimes contra o patrimônio, cuja veiculação exagerada acaba gerando uma sensação generalizada de insegurança, o que a gente chama de síndrome do mundo perigoso. Em função desta síndrome, todo mundo que assiste a tais programações da TV fica com medo de ser assassinado, estuprado, ou seqüestrado.

Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas, não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do problema.

3.2 Mito da Periculosidade do Adolescente Infrator

A outra idéia que se passa para a sociedade, através dos meios de comunicação e da persistência da Doutrina da Situação Irregular, no imaginário coletivo, é de que os atos infracionais praticados por adolescentes revestem-se cada vez mais de intensa violência, incutindo assim o mito da periculosidade do adolescente infrator.

É claro que há casos em que adolescentes infratores envolvem-se em crimes bárbaros, porém, de acordo com as pesquisas realizadas, não há que se falar em alta periculosidade com relação ao adolescente infrator, pois dos 20 milhões de adolescentes brasileiros, apenas 0,1% está envolvido na prática de atos infracionais, como explica Joacir Della Giustina (2001, p. 36):

Segundo o último Censo, os adolescentes brasileiros são 20 milhões. Deste total, 20 mil estão envolvidos com atos infracionais, isto é, 0,1% daquele total. Destes 20 mil, cerca de 6 mil estão com a medida sócio-educativa da internação, compreendendo-se assim que 14 mil não detêm a denominada "alta periculosidade".

João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 35) partilha do mesmo pensamento, alertando ainda que os delitos graves (homicídios, estupros e latrocínios) constituem apenas 19% dos delitos praticados pelos adolescentes infratores, ou seja, menos de 2% dos delitos.

O ato infracional típico da adolescência em conflito com a lei é o furto. Homicídios, latrocínios, estupros ocorrem, mas o percentual destes dados não se fazem impressionantes, tanto que delito com violência praticado por adolescente (felizmente) ainda dá manchete de jornal, ante a banalização da violência (SARAIVA b, 2002, p. 37).

Em Santa Catarina, Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 45) chegou à mesma conclusão, tendo sido o furto praticado em 51,33% dos casos analisados.

Além disso, para agravar o mito da periculosidade do adolescente infrator, os meios de comunicação divulgam dados inverídicos sobre os atos infracionais cometidos, apenas relacionados ao momento da consumação, privando o telespectador de informações sobre o prosseguimento do feito, a instrução e a sentença, o que induz a sociedade a imaginar que está vivendo em um caos, onde aparentemente os crimes não estão sendo julgados, nem seus autores condenados, como comprovou Karina Sposato (2001, p. 55):

Contudo, a proporcionalidade dos crimes mostrada na TV não é a real. A segunda constatação é que a cobertura dos telejornais dos canais de TV aberta se concentra muito mais no momento do crime. A descoberta da autoria é negligenciada, assim como toda a fase de instrução e julgamento dos processos pela justiça, o que induz falsamente a sociedade pensar que nós estamos vivendo um caos, pois muitos crimes aparentemente não estão sendo desvendados e seus autores devidamente julgados e condenados. Assim, à sensação de insegurança soma-se também a sensação de impunidade.

Conclui-se assim que a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja, não se revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito da periculosidade do adolescente em conflito com a lei.

3.3 Mito da Impunidade

A ilusão de impunidade, além de ser ocasionada pela mídia, é uma das principais heranças da Doutrina da Situação Irregular. Fundamenta-se na falsa idéia que o adolescente infrator não é responsabilizado pelos seus atos, provocando assim no sistema de atendimento aos adolescentes uma presunção de inidoneidade, até porque, como ensina Emílio Garcia Mendez (apud SARAIVA b, 2002, p. 43), é suficiente que "um problema seja definido como um mal para passar a tornar-se mal".

No entanto, é preciso considerar que essa argumento está mal focado, pois como restou demonstrado no capítulo anterior, o ECA prevê um amplo sistema de medidas sócio-educativas que são aplicadas aos adolescentes, quando praticam atos infracionais, compatíveis com sua condição de pessoa em desenvolvimento e ao fato delituoso em que se envolveu, como aduz João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 48):

Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo

A idéia da impunidade decorre de uma apreensão equivocada da Lei, como prossegue o autor, fundamentalmente da ignorância e desconhecimento de que o ECA é um instrumento de responsabilidade do Estado, da sociedade, da família e do próprio adolescente, complementando que os meios de comunicação, por não conhecerem a diferença entre impunidade e inimputabilidade [69], induzem em erro a opinião pública, distorcendo os fatos.

VIEIRA (1999, p. 21) lembra que vigora na sociedade a idéia de que as entidades de internação seriam ‘pré-escolas’ para o crime, e que a passagem pela Justiça da Infância e da Juventude antecede a prisão quando o adolescente torna-se imputável penalmente. Contudo, essa idéia é falsa, como comprovou em sua pesquisa, constatando que o índice de reincidência, após alcançar a maioridade penal, é de 8,86%:

Verifica-se [...] que apenas 8,86% dos cidadãos recolhidos nas penitenciárias e presídios catarinenses que prestaram as informações solicitadas, tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, quando adolescentes [...] Na verdade, o número de presos que tiveram passagem pela Justiça da Infância e Juventude, enquanto adolescentes, é relativamente baixo, contrariando o pensamento generalizado de que a delinqüência juvenil leva obrigatoriamente ao crime (VIEIRA, 1999, p.21).

Ou seja, o resultado da pesquisa demonstra que as medidas sócio-educativas possuem eficácia, pois estando apoiadas em caráter pedagógico, afastam o adolescente infrator da prática de novos crimes.

Para aqueles que acreditam que as medidas sócio-educativas são apenas paliativas, é importante considerar que, do ponto de vista das sanções previstas no Código Penal, há medidas previstas no ECA com a mesma correspondência, como a prestação de serviços à comunidade. Inclusive, a Internação possui caráter aflitivo, vez que priva a liberdade do adolescente, ou seja, não há fundamento na idéia de que nada acontece ao adolescente, ou que a medida apenas abranda a situação.

Na realidade, o ECA disponibiliza um aparato de caráter retributivo e pedagógico, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, apto a, como explica João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 50), "trazer a resposta que a sociedade almeja enquanto instrumento de segurança pública, bem como propondo paralelamente, a construção de políticas básicas fundamentais de caráter preventivo."

3.3.1 Redução da idade penal

A violência urbana, com seus reflexos em todos os segmentos do país, produzem um sem-número de proposições para o enfrentamento da questão. Na esteira do mito da impunidade, a primeira solução encontrada para aqueles que desconhecem o amplo sistema de garantias previstos no ECA é a redução da idade penal.

João Batista Costa Saraiva (2003, p. 70) afirma que no debate, posicionam-se em um extremo os partidários da Doutrina do Direito Penal Máximo, e no outro extremo, os seguidores da idéia do Abolicionismo Penal.

O autor complementa que a Doutrina do Direito Penal Máximo, baseada no movimento Lei e Ordem, propugna que com que mais rigor, mais pena e mais cadeia, ou seja, com mais repressão em todos os níveis, haverá mais segurança.

De outro lado, o Abolicionismo Penal sugere que o direito Penal faliu, e que a questão da segurança é essencialmente social, preconizando a necessidade de um direito tutelar.

De acordo com Dalmo de Abreu Dallari (2001, p. 24), desconhecendo o que dispõe a legislação sobre o adolescente, de vez em quando um parlamentar propõe a redução da inimputabilidade, de 18 anos para 16 anos.

O autor complementa que, pela importância do assunto e pelo grande interesse da população, é necessário esclarecer alguns pontos fundamentais, a partir dos aspectos jurídicos envolvidos, pois qualquer proposta de mudança da legislação visando a redução da idade de responsabilidade penal deverá, antes de tudo, estar de acordo com a Constituição Federal.

Conforme o art. 60, § 4º [70], da Constituição Federal, não poderá ser objeto de deliberação proposta de emenda constitucional tendente a abolir garantias individuais. Ou seja, qualquer proposta de alterar a legislação, e aplicar as sanções previstas no Código Penal aos menores de 18 anos representará o fim do tratamento diferenciado, sendo portanto inconstitucional.

De outro lado, de uma forma geral, os partidários da redução da idade penal argumentam que o indivíduo maior de 16 anos, na sociedade atual, já é perfeitamente capaz de entender o caráter ilícito da sua conduta, tanto que inclusive possui direitos políticos, como o voto, por exemplo.

Contudo, é preciso ter em mente que a quantidade de informações a que o adolescente tem acesso atualmente não significa que as informações sejam de qualidade, pois a constante exposição a cenas de violência não conscientiza o adolescente a não ser violento, mas sim o contrário, ele acaba repetindo o que vê pela televisão, não podendo assim ser considerado mais responsável do que no passado.

Ademais, pensando nas conseqüências de uma eventual alteração da legislação, urge considerar que os adolescentes seriam enviados para os presídios, locais super-lotados, e que não garantem recuperação, nem ressocialização, ao contrário das medidas sócio-educativas, como lembra Cláudio Augusto Vieira da Silva (ABONG, 2001, p. 16):

Ainda cabe lembrar a histórica e aguda falência do nosso sistema penal, que hoje em dia conta com um déficit significativo de vagas para os que já lá se encontram, estima-se em 80.000, sem contar os inúmeros mandados de prisão que estão sem execução, o que tornaria este sistema ainda mais abarrotado de gente

Assim, a redução da idade penal, além de ser inconstitucional, é uma solução injusta, pois vai afastar os adolescentes de todos os programas de reeducação e ressocialização, acabando com a chance que eles possuem de integrar-se na sociedade, e não na "vida do crime", o que com certeza os presídios brasileiros não vão conseguir evitar.

3.4 Propostas para a Implementação do ECA

As medidas sócio-educativas, se forem adequadamente colocadas em funcionamento, revelam-se eficazes diante dos atos infracionais praticados, contudo, para a implementação, é preciso a operacionalização dos órgãos relacionados, bem como a criação de todo um aparato, afinal, o ECA ensina o que fazer, e não como fazer.

Tendo-se por base que o adolescente é considerado pela lei como sujeito de direitos e em peculiar condição de desenvolvimento, bem como cidadão capaz de ser responsabilizado pelos seus atos, urge considerar que as medidas sócio-educativas dependem de uma aplicação correta, para alcançar plena efetividade.

No caso da mediada sócio-educativa de internação, é preciso fugir da lógica dos internatos do sistema anterior, bem como de diversas entidades de internações, as quais persistem sendo orientadas em meios de correção com violência.

O problema da delinqüência juvenil, embora grave, como alerta Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 17) talvez possa ser enfrentado com poucos recursos materiais, caso haja conhecimento adequado, reflexão e vontade política. A autora conclui que: "De uma tomada plena de consciência sobre a importância deste tema depende, em parte, o futuro de nossa democracia.

3.4.1 Educação

Antes de falar em reeducação, que é o objetivo principal das medidas sócio-educativas, é preciso falar de educação, afinal, é impossível reeducar adolescentes que nunca receberam educação, bem como é improvável obter êxito em ressocializar adolescentes que sempre foram marginalizados.

De acordo com Maria Stela Santos Graziani (2002, p. 187), o fracasso institucional escolar tem raízes históricas, citando como causas o acesso não democratizado à escola, a falta de qualidade do ensino e a inadequação na formação do educador.

A verdade é que vários anos de deterioração do ensino público conduziram a grandes disparidades, entre as escolas públicas e as particulares.

Conforme os dados expressos nas Diretrizes Nacionais para a política de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p. 24), cerca de 46,7% dos alunos do ensino fundamental apresentam distorção idade-série. Na educação infantil, apenas 33% da população de crianças de 4 a 6 anos recebem atendimento na pré-escola e 5% de zero a 3 anos têm acesso a creches.

Que as crianças e adolescentes brasileiros precisam de educação, não é novidade, mas a proposta para efetivação do ECA é um sistema educativo capaz de instruir e prevenir a delinqüência juvenil, e no caso da prática do crime, garantir que não voltará a delinqüir.

Dentre os direitos fundamentais consagrados à infância e juventude, como lembra Olympio de Sá Sotto Maior Neto (2001, p. 58), avulta em significado a educação, considerando-se que o sistema educacional, ao lado da família, constitui-se em importante meio de socialização do ser humano.

De acordo com o art. 205 [71] da Constituição Federal, a educação destina-se ao pleno desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho, e principalmente, o preparo para o exercício da cidadania.

Para a efetivação do ECA, são necessárias atividades direcionadas à garantia da Educação Infantil, além de ingresso, permanência e sucesso no Ensino Fundamental, bem como programas suplementares de material didático-escolar, transporte e alimentação.

De acordo com Henriqueta Scharf Vieira (1999, p. 25), em Santa Catarina, dos adolescentes infratores entrevistados, 59,18% não estavam estudando quando da prática do ato infracional, o que demonstra que a ausência de instrução é uma das causas da delinqüência juvenil. A autora complementa que:

Analisando as razões que fazem com que o adolescente abandone os estudos, mantendo os índices de evasão escolar em patamares preocupantes, precisamos refletir sobre a qualidade das escolas públicas, sobre as condições que estas dispõem para proporcionar o conhecimento adequado e, ao mesmo tempo, sobre os atrativos existentes para criar e conservar o necessário interesse.

É preciso que os professores recebam uma formação especializada, e saibam identificar os sinais de desvio de comportamento nas crianças e adolescentes, e procedam a um encaminhamento, dando curso assim a uma dinâmica de recuperação.

Na verdade, a escola precisa compensar a desestrutura familiar da criança, criando uma espécie de proteção, que vai ser importante na redução da violência, inclusive nos finais de semana.

No entanto, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, aprovada em 1996, os Parâmetros Curriculares Nacionais publicados a partir de 1996, a criação do Fundo de manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério – FUNDEF, e a ampliação do Programa de Distribuição Gratuita de livros didáticos são exemplos de iniciativas para a melhoria do ensino público.

Como estratégias para reverter o atual quadro, o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA) elenca, nas Diretrizes Nacionais para a política de atenção à infância e à adolescência (2001/2005, p. 25) as seguintes metas: a necessidade da valorização do profissional da educação, por meio da capacitação e da justa remuneração; promover a integração escola-família-comunidade; estimular a implantação da escola de tempo integral, e assegurar um aumento progressivo dos investimentos em educação, atingindo 10% do PIB até 2009.

3.4.2 Mídia

De acordo com Karina Sposato (2001, p. 55), um levantamento da UNESCO concluiu que no Brasil há 210 televisores para cada 1000 habitantes, ou seja, a televisão alcança grande parte da população, em uma velocidade espantosa, favorecendo assim a construção de um imaginário, nem sempre de acordo com a realidade.

O art. 247 [72], do ECA, prevê que não é permitida a divulgação do nome do adolescente que esteja envolvido em ato infracional, no entanto, através da televisão é possível tomar conhecimento da cidade, da rua, dos nomes dos pais, enfim, de todos os dados referentes aos adolescentes infratores, ou seja, nas matérias divulgadas as emissoras não se preocupam com os efeitos que essa divulgação pode trazer.

Essa situação demonstra que os meios de comunicação tem a obrigação de checar melhor as informações antes de publicá-las, e retificar as informações anteriormente divulgadas.

A pesquisadora propõe que sejam criados novos mecanismos legais restritivos para esse tipo de distorção, como também sejam utilizados os mecanismos já disponíveis.

Até porque, conforme o art. 17 [73] da Convenção Internacional dos Direitos da Criança, cada país signatário tem o compromisso de não só encorajar programas educativos e que respeitem a situação de desenvolvimento peculiar do adolescente e da criança, mas também de zelar pela integridade e por esse desenvolvimento.

Por outro lado, já que os meios de comunicação são responsáveis pela disseminação de diversos mitos, que ocasionam a ilusão de impunidade, percebe-se a necessidade de utilizar esse espaço tão abrangente para instruir de forma ética e cultural a sociedade sobre o assunto, como explica Marcos Colares (ABONG, 2001, p. 169).

Através de parcerias com emissoras de rádio, televisão, jornais e empresas de marketing, podem ser realizadas campanhas publicitárias, para socializar o conhecimento sobre a responsabilidade penal do adolescente infrator, bem como que a miséria não corresponde necessariamente à prática de ato infracionais.

3.4.3 Lei de execução das medidas sócio-educativas

Considerando que o ECA não prevê a execução das medidas sócio-educativas, há necessidade de uma regulamentação, ou seja, de uma lei de execução das medidas sócio-educativas, definindo procedimentos e estabelecendo com clareza os limites de responsabilidade, para que as medidas sócio-educativas sejam eficazes, como adverte João Batista Costa Saraiva (2003, p. 87):

Do ponto de vista normativo, há necessidade que imediatamente seja regulamentado por lei o processo de execução das medidas socioeducativas, face o que se fez lacônico o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90). Desta lacuna legislativa tem resultado o avanço da discricionariedade e do arbítrio na execução das medidas sócioeducativas.

Inclusive, em junho de 2001 a Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude criou uma proposta de anteprojeto de lei, objetivando dar forma procedimental à execução das medidas sócio-educativas, que está no Anexo A desta monografia.

O anteprojeto possui oito títulos, desmembrados em capítulos. O Título I (Disposições Gerais), estabelece o critério da municipalização das medidas, a exigência da proposta pedagógica e a prevalência sobre o caráter sancionatório, dispondo em seu art. 1º que:

A presente Lei destina-se a regular a aplicação das medidas socioeducativas previstas no art. 112, da Lei 8.069/90, bem como disciplinar sua execução, estabelecendo suas diretrizes.

O Título II (Da formação do título executivo) prevê a forma do início da execução e os documentos que devem acompanhar a peça de encaminhamento. O art. 12 prevê que:

A aplicação de medida socioeducativa não privativa de liberdade em sede de remissão pressupõe a concordância expressa do adolescente, na presença de defensor nomeado ou constituído, devendo no termo respectivo constar a advertência de que o não cumprimento da medida ajustada poderá importar em sua regressão, na forma do disposto no art. 122, inciso III e § 1º da Lei n° 8.069/90.

O Título III (Das atribuições dos operadores do sistema), disciplina sobre os órgãos e execução das medidas, estabelecendo-os no art. 18:

São órgãos da execução das medidas socioeducativas: I – o Juízo da Execução; II – O Ministério Público; III – A Defensoria Pública; IV – As Entidades de Execução de Medidas em Meio Aberto; V – As Entidades de Execução de Medidas Privativas de Liberdade.

O Título IV (Do processo de execução) propõe um plano individual para a execução, com características personalíssimas para o seu adequado cumprimento. De acordo com o art. 38:

A individualização da execução socioeducativa dependerá de um plano individual para o cumprimento da respectiva medida, devendo os programas socioeducativos conter, fundamentalmente, a proposta pedagógica que os oriente.

O Título V (Das medidas sócio-educativas) trata sobre casa uma delas. O Título VI estabelece as regras sobre os incidentes da execução, o Título VII fica o recurso cabível para as decisões do Juiz da execução e por fim, o Título VIII (Disposições Finais e Transitórias), conclui as regras básicas.

3.4.4 Perfil dos operadores

De acordo com João Batista Costa Saraiva (2002 b, p. 83), a partir da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, estabeleceu-se um novo paradigma relativamente à questão da Infância e da Juventude, compreendidos todos os operadores deste sistema e considerado o seu conteúdo interdiciplinar.

É que como o procedimento da apuração de ato infracional é diferenciado dos outros procedimentos, os operadores convergem, ou devem convergir, em favor do adolescente infrator, como alerta Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 101):

Todas as figuras que atuam no processo de apuração de ato infracional praticado por adolescente, seja o juiz, o advogado, o promotor de justiça (este último é o responsável pela representação), todos convergem ou devem convergir em favor deste adolescente infrator, na busca da melhor medida a ser aplicada, levando em consideração as circunstâncias em que ocorreu o ato delituoso e as condições do agente (biológicas, psíquicas e sociais).

É preciso que todos os operadores, desde o policial que surpreende o adolescente cometendo o crime, até o monitor da entidade de internação, comprometam-se com a Doutrina da Proteção Integral e com as normas previstas no ECA.

Como alertou Cláudio Augusto Vieira da Costa (ABONG, 2001, p. 20), isso envolve todo o sistema previsto no Estatuto, desde aquele que em primeiro lugar entra em contado com o adolescente, passando pelo Sistema Judiciário, pelo Ministério Público, pelas Unidades Executoras, assim como todos os profissionais envolvidos.

Até porque, em uma entidade de internação, todos os funcionários têm papel fundamental na efetivação da medida sócio-educativa, através das atividades pedagógicas e terapêuticas, articulando as experiências pelo contexto institucional.

Na pesquisa realizada no Rio de Janeiro pelas psicólogas Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino [74], constatou-se que metade das jovens entrevistadas relatou ter sofrido agressão por parte dos policiais.

A adolescente ‘Úrsula’ relatou que:

Eles me arrastaram, pegaram um pedaço de pau daqueles grossos, aí começaram a me bater, começaram a me arrastar, enrolaram o meu cabelo assim, me arrastaram na lama. Enfiavam minha cabeça na poça d’água até eu perder o fôlego. Falava: quando quiser falar, levanta a mão que eu tiro. Eu levantava a mão, ele tirava a minha cabeça, eu pegava um ar, aí começava de novo [...] Jogava minha cabeça na parede, pegava o fio, me enforcava [...] Nossa, eu sofri muito, muita paulada nas costa (sic).

Assim, é essencial que a polícia seja capacitada para lidar com as especificidades do universo adolescente, recebendo treinamento para enfrentar com respeito, e ser punida quando praticar violência. Como lembram Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino (2001, p. 269), trata-se de uma questão de treinamento e de capacitação, que pode ser prioridade para o Ministério da Justiça e para a Secretaria de Segurança Pública.

Com relação aos profissionais que trabalham nas entidades de internação, é preciso que sejam treinados para dar apoio aos adolescentes. De acordo com Cláudio Augusto Vieira da Silva (2001, p. 20), nas entidades de internação são comuns funcionários terceirizados, duas ou três formas de contratação, salários aviltantes, pouco investimento em formação ou descontinuidade no contrato de trabalho, o que provoca uma rotatividade desnecessária e o desperdício dos investimentos feitos na formação, situação que precisa ser revertida.

Por exemplo, a contratação de funcionários pode ocorrer por processo de seleção pública, com critérios rigorosos, que avaliem a capacidade dos funcionários de trabalharem na reeducação do adolescente.

Outro ponto interessante é a necessidade da defesa técnica por advogado, no procedimento de apuração do ato infracional, uma vez que além de ser um primado de ordem constitucional, conforme o art. 133 [75] da Constituição Federal, não só em procedimento judicial, mas também na audiência preliminar de apresentação, e muito embora o art. 186, § 2º, do ECA, sugira a necessidade da nomeação de defensor somente em caso de infração grave.

Ademais, é importante que o advogado seja uma pessoa preparada para atuar nesta área específica, como diz Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 101):

Indiscutivelmente, o profissional que atuar nesta área específica terá que ser uma pessoa preparada, pois os processos de apuração de ato infracional praticado pelo adolescente não podem ter o mesmo enfoque que é dado pelo advogado que tem seu campo de atuação na esfera criminal. Cuide-se, por exemplo, que o interrogatório não possui perguntas prontas: são interrogados, também, os pais ou responsável do infrator; na audiência o defensor não pedirá a absolvição se deu cliente, pois o que lhe será aplicado são medidas sócio-educativas, lembrando-se que não há condenação.

Por fim, como adverte Mário Volpi (1999, p. 18), é necessária a integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, preferencialmente no mesmo local, para efeito de agilização do atendimento e garantia dos direitos processuais ao adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional.

3.4.5 Acompanhamento de egressos

De acordo com o art. 94 [76], inciso XVIII, do ECA, as entidades que desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o prazo de internação e ser colocado em liberdade, o adolescente deve receber um acompanhamento pela entidade, a fim de assegurar a ressocialização.

Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram a medida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato infracional e o reingresso no programa.

Até porque, a maneira como se procede o desligamento do jovem é fundamental para que ele possa dar encaminhamento a sua vida, como adverte Sônia Altoé (2002, p. 296):

Se isto não ocorrer, será fácil ver toda a tentativa de trabalho de atendimento no internato ser pouco útil, e a chance de que este indivíduo repita atos infracionais será enorme. Este serviço deve também levar em conta a possibilidade de egressos voltarem e requisitarem algum tipo de apoio. Sempre que possível, deve ser encorajada ao egresso a possibilidade de apoio e acompanhamento que o programa puder oferecer para auxiliá-lo a enfrentar as dificuldades com que provavelmente se defrontará ao sair do internato.

Como idéia, os projetos poderiam possibilitar a formação e inserção no mercado de trabalho dos jovens egressos, fortalecendo assim a identidade e a auto-estima dos mesmos, como prevê o Programa de Execução de Medidas Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade do Rio Grande do Sul (PEMSEIS) [77]:

É necessário, portanto, reforçar e ressignificar o objetivo de inserção social dos adolescentes privados de liberdade [...] a inclusão em espaços da comunidade, por sua vez, não visa somente à não-reincidência, mas à conquista da cidadania, a qual contempla a crença no futuro, a autonomia e a emancipação destes jovens (PEMSEIS, 2001, p. 162).

Na verdade, a efetividade dessa proposta depende de uma co-responsabilização, por parte da família, da comunidade e dos órgãos de atendimento, desde o período da internação até o desligamento.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através desta monografia, foi realizado um estudo sobre a responsabilização penal do adolescente infrator, analisando cronologicamente as disposições legais e institutos criados, bem como as medidas sócio-educativas, e a ilusão de impunidade.

Com o desenrolar da História e o aperfeiçoamento das legislações, foram sendo elaboradas regras específicas para a proteção da infância e da adolescência, sendo que desde as primeiras civilizações o homem demonstrou sua preocupação em tratar de forma diferenciada a proteção e a responsabilização das crianças e dos adolescentes.

Evidenciou-se que a política de atendimento aos direitos da criança e adolescente, no que tange ao adolescente autor de ato infracional, deve acatar os princípios da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança, as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Infância e da Juventude e para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade.

De acordo com a Doutrina da Proteção Integral, prevista inicialmente no art. 227, da Constituição Federal e servindo como fundamento para o ECA, todos os direitos da criança e do adolescente devem ser reconhecidos, sendo que estes direitos são especiais, principalmente pela condição que os adolescentes infratores ostentam de pessoas em desenvolvimento.

Com base nas pesquisas e estatísticas realizadas sobre o assunto, por vários dos autores consultados, concluiu-se que os motivos que levam o adolescente a cometer atos infracionais resultam dos problemas econômicos, sociais e culturais, bem como pela influência de amigos, a evasão escolar, o uso de drogas e a pobreza, indicando assim as áreas que as políticas públicas devem atuar com maior urgência.

O ECA, além de prever a proteção integral, elevou o adolescente a categoria de responsável pelos atos considerados infracionais que cometer, através da aplicação das medidas sócio-educativas.

As medidas sócio-educativas comportam aspectos de natureza coercitiva, uma vez que são punitivas, e também aspectos educativos, no sentido da proteção integral, com oportunidade de acesso à formação e à informação.

Apesar disso, a inimputabilidade não significa que ao adolescente serão aplicadas medidas mais brandas do que aos maiores de 18 anos, uma vez que há medidas sócio-educativas que têm a mesma correspondência das penas alternativas, previstas no Código Penal.

A advertência, que consiste em uma admoestação verbal, para que obtenha êxito, deve ser aplicada ao adolescente infrator logo em seguida à primeira prática do ato infracional, e que não seja repetida diversas vezes, pois pode acabar incutindo na mentalidade do adolescente que seus atos não são responsabilizados de forma concreta.

A obrigação de reparar o dano é uma medida com grande caráter pedagógico, porque através de uma imposição, faz com que o adolescente reconheça a ilicitude dos seus atos, bem como garante à vítima a reparação do dano sofrido.

Já a prestação de serviços à comunidade garante ao adolescente infrator a possibilidade de ressocializar-se perante o ambiente em que vive, mostrando-se útil, através da realização de tarefas não remuneradas.

A liberdade assistida é aplicada aos adolescentes que cometem atos infracionais considerados de maior gravidade, mas que ainda não comportam a privação total da liberdade, possibilitando ao adolescente reconhecer a responsabilidade de seus atos e repensar a sua conduta.

A semiliberdade, também de caráter pedagógico, não vem recebendo aplicabilidade na prática, pela ausência de programas específicos, o que indica a necessidade de criação de entidades específicas.

A internação, como medida privativa da liberdade, o que por si só já inibe qualquer possibilidade de ressocialização, para que obtenha a efetividade que o ECA determina, depende de projetos pedagógicos e de instituições adequadamente preparadas para receber o adolescente.

O presente estudo mostrou também a importância de compreender que existe uma ilusão de impunidade com relação a problemática da delinqüência juvenil, e que a questão está mal focada, existindo três mitos, quais sejam, do hiperdimensionamento do problema, da periculosidade do adolescente intrator e da ilusão de impunidade, todos causados pela herança da Doutrina da Situação Irregular, ainda presente no imaginário coletivo, bem como pelas informações falsas passadas pela mídia.

Ou seja, embora os adolescentes também sejam responsáveis pelo aumento da violência no Brasil, é preciso considerar que o índice dos atos infracionais cometidos é baixo, como comprovaram as pesquisas realizadas, não havendo assim fundamento para o mito do hiperdimensionamento do problema.

Ademais, a maioria dos atos infracionais cometidos pelos adolescentes são os delitos contra o patrimônio, em especial o furto. Ou seja, não se revestem de grave ameaça, ou violência, não havendo sentido no mito da periculosidade do adolescente em conflito com a lei.

Quanto à ilusão de impunidade, não merece prosperar, porque o ECA prevê a responsabilização penal do adolescente em conflito com a lei, através da aplicação das medidas sócio-educativas.

Com relação à proposta de redução da idade penal, demonstrou-se que além de ser inconstitucional, é uma solução injusta, pois vai afastar os adolescentes de todos os programas de reeducação e ressocialização, acabando com a chance que eles possuem de integrar-se na sociedade, o que com certeza os presídios brasileiros não vão conseguir evitar.

Acreditando que o ECA sempre pode ser aperfeiçoado, foram elaboradas algumas propostas, sintetizadas a seguir.

Com relação à educação, sugere-se que o ensino seja capaz de ir além dos seus principais objetivos, através de uma estrutura que garanta que a delinqüência não seja a única chance de mudar de vida para todos os adolescentes infratores.

Para tanto, é preciso a valorização do profissional da educação, por meio da capacitação e da justa remuneração, a integração escola-família-comunidade, o estímulo da implantação da escola de tempo integral, e assegurar um aumento progressivo dos investimentos nesse setor.

Outro grande desafio é a universalização dos programas e ações de cultura, esporte e lazer na integração com as demais políticas, como direito que deve ser assegurado no processo de desenvolvimento de todas as crianças e adolescentes.

O mais importante é o desenvolvimento de projetos, com modelos alternativos, primando pelo atendimento individualizado, através da interdisciplinaridade, aproximando-se mais da estrutura da família.

Quanto à mídia, é preciso que sejam criados mecanismos que proíbam a distorção dos fatos, que produz a invenção de mitos, que apavoram a sociedade e servem para marginalizar os adolescente em conflito com a lei, bem como tentar utilizar esse espaço tão abrangente para instruir a sociedade sobre o assunto, através de campanhas publicitárias, por exemplo.

Considerando que a arbitrariedade é totalmente contrária a todos os princípios do Direito, é necessária a criação de uma lei de execução, definindo procedimentos e estabelecendo com clareza os limites da responsabilidade penal do adolescente infrator, para que as medidas sócio-educativas sejam eficazes.

Sobre a proposta da Lei de Execução, cumpre ressaltar que não possui nenhum dispositivo referente ao tratamento diferenciado sobre a execução da medida com relação ao adolescente portador de deficiência mental, o que é necessário, ante a sua necessidade de um tratamento especial.

É necessária ainda a integração operacional dos órgãos do Judiciário, Ministério Público, Segurança Pública e Assistência social, bem como o aperfeiçoamento de todos os integrantes, desde o policial que surpreende o adolescente praticando o ato infracional, até o monitor da entidade de internação.

Ademais, com base no art. 94, inciso XVIII, do ECA, as entidades que desenvolvem programas de internação devem manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos, o que significa que após cumprir o prazo de internação o adolescente deve receber um acompanhamento pela entidade, a fim de assegurar a ressocialização.

Através do acompanhamento dos adolescentes que cumpriram a medida sócio-educativa de internação, será promovido o processo do retorno à sociedade, com vistas a reduzir a reincidência no cometimento do ato infracional e o reingresso.

Ressalta-se que houve a comprovação de todas as hipóteses vez que, conforme restou demonstrado, existe uma ilusão de impunidade com relação à responsabilização penal do adolescente infrator.

Por fim, espera-se que esta monografia possa servir para alertar sobre a necessidade urgente da desconstrução da ilusão de impunidade e o reconhecimento de que o adolescente infrator é um ser em desenvolvimento, capaz de ser reconduzido ao convívio social e de se tornar útil à sociedade.


NOTAS

1. O Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu art. 2º, considera ‘criança’ a pessoa até doze anos de idade incompletos e ‘adolescente’ aquela entre doze e dezoito anos de idade.

02. De acordo com o art. 104 do ECA, são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos.

03. Período da História correspondente às mais antigas civilizações. A cronologia tradicional do Ocidente o define como situado entre a utilização da escrita (c. 4000 a.C.) e a queda do Império Romano (476 d.C.).

04. Hamurabi foi o sexto rei da primeira dinastia da Babilônia (1793-1759 a. C.), e elaborou um texto jurídico com 282 artigos, gravado sobre uma Estela de diorito, representando Shamash, deus-sol e mestre da justiça. DEMO (2000, p. 24) lembra que a Lei de Hamurabi vai muito além do Talião, constituindo-se em um dos melhores textos legais do Oriente Antigo, não sendo um direito religioso, mas tão-somente de inspiração divina. De acordo com TAVARES (2001, p. 47), o Código de Hamurabi cuidava de vários aspectos das questões relacionadas ao tema. Cominava a pena de morte para o homem livre que roubasse um filho menor de outro homem livre (art. 14). No artigo 29, favorecia com indenização o filho de menor idade impossibilitado de assumir os negócios no lugar do pai feito prisioneiro de guerra. A adoção (arts. 185, 187, 188), em princípio ato irrevogável, seria, entretanto, desfeita, se o adotado revelasse desejo de voltar à família de origem (art. 186).

05. A história de Roma vai de 753 a.C. a 476 d.C., sendo uma história de 22 séculos. De acordo com Wilson Demo (2000, p. 62), é importante destacar que os romanistas consideram o Direito romano apenas aquele que se estende até a morte de Justiniano (566 d. C.), e depois, até a queda de Bizâncio, ter-se-ia o Direito bizantino.

06. O Islão surgiu em 630, quando Maomé se apoderou de Meca. As fontes do Direito muçulmano são, basicamente, quatro: Corão, Suna, Idjmã e Qyias. A fonte principal é o Alcorão, escrito em 114 suras (revelações).

07. Normativa Internacional é a expressão que designa o conjunto dos documentos internacionais (convenções, tratados, acordos...) relacionados à criança e ao adolescente.

08. A política do atendimento aos direitos da criança e do adolescente, no que tange ao adolescente autor de ato infracional, deve acatar os princípios da Convenção Internacional Sobre os Direitos da Criança (artigo 40); as Regras Mínimas da Nações Unidas para a Administração da Infância e da Juventude (Regras de Beijing – Regra 7); as Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção de Jovens Privados de Liberdade (Regra 2; a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (VOLPI, 1999, p. 16-17).

09. Art 12 – 1. Os Estados Partes assegurarão à criança que estiver capacitada formular seus próprios juízos e o direito de expressar suas opiniões livremente sobre todos os assuntos relacionados com a criança, levando-se em consideração essas opiniões, em função da idade e da maturidade da criança. 2. Com tal propósito, se proporcionará à criança, em particular, a oportunidade de ser ouvida em todo processo judicial ou administrativo que afete a mesma, quer diretamente quer por intermédio de um representante ou órgão apropriado, em conformidade com as regras processuais de legislação nacional.

10. A IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente foi realizada em Brasília/DF, entre os dias 19 e 22 de novembro de 2001, contando com a participação de diversos palestrantes, entre eles, Sônia Margarida, Pesquisadora do Centro de Estudo Pesquisa e Extensão Aldeia Juvenil – Cepaj, no Painel "História do Atendimento à Criança e ao Adolescente", podendo ser encontrada, na íntegra, nos Anais da IV Conferência Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, obra citada nas referências bibliográficas desta monografia.

11. De acordo com a Introdução das Diretrizes Nacionais para a Política de Atenção Integral à Infância e à Adolescência de 2001 a 2005 (apud RIZZINI, 2000), nessas casas havia uma espécie de roleta, onde as crianças eram deixadas sem que se pudesse identificar quem as abandonava, portanto, a roda não era apenas para crianças pobres, mas atendia também aquelas oriundas de famílias ricas que precisavam esconder os filhos nascidos fora do casamento.

12. O período colonial perdurou desde o século XVI até o século XIX.

13. O primeiro Código de Menores inspirou-se no Código Penal de 1890, e perdurou por 60 anos, quando sofreu, em 1979, uma reformulação, em que se introduziu a doutrina da situação irregular do menor, não se modificando, contudo, a concepção de criança e do adolescente como ‘menor abandonado’ e ‘delinqüente’.

14. Paula Gomide (2002, p. 17) explica que com o fim da ditadura militar, integrantes dos movimentos populares de defesa do menor como os próprios dirigentes da FUNABEM e FEBEM´s dos Estados passaram a fazer sérias e contundentes denúncias das condições em que viviam os menores atendidos nos internatos, estes maus tratos iam desde a violência física, o uso de psicotrópicos e o adestramento até realizações de cirurgias indevidas.

15. Paula Gomide (2002, p. 16) lembra também que a extinção do SAM foi justificada devido à política repressora que permeava as ações deste órgão, vez que as instalações eram inadequadas, amontoavam-se os adolescentes em condições promíscuas, os técnicos era despreparados, os dirigentes omissos, os espaçamentos sofridos pelas crianças eram inúmeros. Contra tudo isso, surgiu a FUNABEM.

16. Josiane Rose Petry Veronese (1997, p. 96) relata que em São Paulo, o jornalista Luppi denunciou durante o período de vigência do revogado Código, a atitude das instituições paulistas – FEBEM (s), que aplicavam aos internados verdadeiras técnicas de tortura, que iam desde os "pau-de-arara", nos quais eram espancados com os pés e as mãos presas, até as "bananinhas", choques elétricos de 100 a 220 voltz no interior da pessoa, passando pelos "telefones", socos com a mão aberta nos ouvidos, cafuas e drogas. Verificou-se até mesmo a aplicação de hormônios femininos que pouco a pouco provocavam graves alterações na personalidade das crianças e dos adolescentes e, ainda, estavam a mercê de todo o tipo de humilhação.

17. Art. 27: Os menores de dezoito anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas pela legislação especial.

18. A doutrina da situação irregular era o fundamento do Código de Menores, segundo o qual o adolescente, somente em circunstâncias determinadas na lei, seria considerado em situação irregular, e receberia o tratamento do Código.

19. Diz a exposição de motivos da Parte Geral do Código Penal: "Manteve o Projeto a inimputabilidade penal ao menor de 18 (dezoito) anos. Trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social na medida em que não socializado e instruído. O reajustamento do processo de formação do caráter deve ser cometido à educação, não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito anos), do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária".

20. De acordo com Paulo Lúcio Nogueira (1998, p. 06), mãe social é aquela que se dedica à assistência ao menor abandonado dentro do sistema de casas-lares, sendo que estas quando agrupadas, formam uma aldeia assistencial ou vila de menores.

formam,quando agrupadas, uma aldeia assistencial ou vila de menores

21. O art. 7º, XXXIII, combinado com o art. 227, § 3º, incisos I, II e III da Constituição Federal dispõem sobre a aprendizagem, trabalho e profissionalização; o art. 14, § 1º, II, c, prevê a capacidade eleitoral ativa; os arts. 195, 203, 204, 208, I, IV, e art. 7º, XXV; o art. 220, § 3º, I e II dispõem sobre a programação de rádio e televisão; o art. 227, caput, dispõe sobre a proteção integral.

22. Art. 54 – É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; IV – atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.

23. Art. 70 – É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente.

24. Art. 74 – O Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.

25. Art. 4º – É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo único: a garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) procedência de atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude.

26. Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III – matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental. IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos; VII – abrigo em entidade; VIII – colocação em família substituta.

27. Art. 120 – O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1º - É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. Art. 124 – São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: XI – receber escolarização e profissionalização.

28. Art. 6º - Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.

29. Art. 27 – O reconhecimento do estado de filiação é direito personalíssimo, indisponível e imprescritível, podendo ser exercitado contra os pais ou seus herdeiros, sem qualquer restrição, observado o segredo de justiça.

30. Art. 119 – Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros: I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV – apresentar relatório do caso.

31. Art. 18 – É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.

32. Art. 178 – O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias a sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.

33. Na época da Inquisição Religiosa, no séc. XV, a Justiça era baseada no sistema Inquisitivo, ou seja, o Juiz promovia a persecução penal, a acusação e o julgamento, não sendo assegurados o contraditório, nem a ampla defesa. Para ilustrar esta situação, BENAZZI e FRANÇA apud Paulo Rangel (2001, p. 46) citam o julgamento de Joana D’Arc, que teve como seus defensores, seus próprios acusadores, e acabou sendo condenada à morte, pela fogueira.

34. Art. 2º do Código de Menores - Para os efeitos deste Código, considera-se em situação irregular o menor : I. Privado de condições essenciais a sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsáveis; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável de provê-la; II. Vítima de maus-tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III. Em perigo moral, devido: a) encontrar-se em atividade contrária aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes; IV. Privado de representação ou assistência legal, pela falta eventual dos pais ou responsável; V. Com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI. Autor de infração penal.

35. Apesar disso, SARAIVA (2002 a, p. 14) pondera que a Doutrina da Situação Irregular constituiu um avanço em face da Escola anterior, do Direito Penal do Menor, na medida em que: "(...) faz da criança e do adolescente o interesse da norma não apenas pela questão penal, parte do pressuposto que haveria uma situação regular, padrão, e que a criança e o adolescente tornam-se interesse do direito especial quando apresentam uma patologia social".

36. D. Luciano Mendes de Almeida, ao comentar a criação da nova lei, disse que: Este Estatuto será semente de transformação do País. Sua aplicação significa o compromisso de que, quanto antes, não deverá haver mais no Brasil vidas ceifadas no seio materno, crianças sem afeto, abandonadas, desnutridas, perdidos pelas ruas, gravemente lesadas em sua saúde e educação (CURY, 2002, p. 13).

37. Art. 20 - CP : O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. § 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.

Art. 21 -CP: O desconhecimento da lei é inescusável, o erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminuí-la de um sexto a um terço.

Art. 22 -CP: Se o fato é cometido sob coação irresistível ou em estrita obediência a ordem, não manifestamente ilegal, de superior hierárquico, só é punível o autor da coação ou da ordem.

38. Miguel Moacyr Alves Lima (in CURY, 2002, p. 373), explica que a adolescência é um período crítico de definição da identidade do eu cujas repercussões podem ser de graves conseqüências para o indivíduo e a sociedade, pois representa uma fase crítica do processo evolutivo em que o indivíduo é chamado a fazer importantes ajustamentos de ordem pessoal e de ordem social.

39. As medidas sócio-educativas somente são aplicadas aos adolescentes autores de ato infracional, porque às crianças a lei reserva as medidas protetivas previstas no art. 101, do ECA.

40. Art. 228, da CF – São penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos sujeitos às normas da legislação especial.

41. Os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial.

42. No Anexo B desta monografia há um quadro comparativo da idade da responsabilidade penal juvenil, maioridade da idade penal e maioridade da idade civil, na Europa.

43. Henriqueta Scharf Vieira, promotora de justiça, realizou uma pesquisa entre os anos de 1995 e 1999, com 196 adolescentes, nas comarcas de Florianópolis, Lages, Chapecó, Curitibanos, Joinville, Itajaí, Blumenau, Joaçaba, Balneário Camboriú e Criciúma, definindo assim o perfil do adolescente infrator em Santa Catarina.

44. Sob coordenação de Mário Volpi, foi realizada uma pesquisa quantitativa, através de coleta de dados, sobre os adolescentes privados de liberdade no Brasil, tendo por base 4.245 crianças e adolescentes, que pode ser encontrada na obra ‘O Adolescente e o Ato Infracional’, 3.ed, Editora Cortez.

45. Art. 112, § 3º: Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições.

46. Art. 103 – Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.

47. De acordo com SARAIVA (2002 a, p. 57), o instituto da remissão encontra sua origem no art. 11 do texto das Regras de Beijing. O conceito foi extraído da versão oficial em espanhol, que define o instituto como remisión. No documento em inglês, o instituto chama-se diversion, que poderia ser traduzido para o português como ‘encaminhamento diferente do original’. O autor considera ainda que a remissão deve ser "concertada" e não "concedida", porque a remissão tem evidente caráter de transação.

48. Art. 107 – Extingue-se a punibilidade: V – pela renúncia do direito de queixa ou pelo perdão aceito, nos crimes de ação privada.

49. Art. 127 – A remissão não implica necessariamente o reconhecimento ou comprovação da responsabilidade, nem prevalece para efeito de antecedentes, podendo incluir eventualmente a aplicação de qualquer das medidas previstas em lei, exceto a colocação em regime de semiliberdade e a internação.

50. SARAIVA (2002 a, p. 24) comenta que há um projeto, chamado ‘Justiça Instantânea’, em Porto Alegre-RS, onde o procedimento de apuração do ato infracional é célere, contando com a ação efetiva de todos os agentes envolvidos, sendo que a Polícia, o Ministério Público, a Defensoria e o Poder Judiciário funcionam em unidade integrada, no mesmo prédio, dando solução quase imediata às situações de flagrância trazidas pela Polícia Militar ou pela própria Polícia Civil. O adolescente é ouvido pelo Delegado, forma-se o procedimento, submetido ao Promotor, com assistência de advogado, e, feita a representação, o adolescente é imediatamente apresentado ao Juízo, ouvindo-se vítima e testemunhas, se for o caso. Ali, de regra, são imediatamente solucionados, com sentença.

51. Art. 198 – Nos procedimentos afetos à Justiça da Infância e da Juventude fica adotado o sistema recursal do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, e suas alterações posteriores, com as seguintes adaptações: I – os recursos serão interpostos independentemente de preparo; II – em todos os recursos, salvo o de agravo de instrumento e de embargos de declaração, o prazo para interpor e para responder será sempre de dez dias; III – os recursos terão preferência de julgamento e dispensarão revisor; IV – o agravado será intimado para, no prazo de cinco dias, oferecer resposta e indicar as peças a serem transladadas; V – será de quarenta e oito horas o prazo para a extração, a conferência e o conserto do traslado; VI – a apelação será recebida em seu efeito devolutivo. Será também conferido efeito suspensivo quando interposta contra sentença que deferir a adoção, por estrangeiro e, a juízo da autoridade judiciária, sempre que houver perigo de dano irreparável ou de difícil reparação; VII – antes de determinar a remessa dos autos à superior instância, no caso de apelação, ou do instrumento, no caso de agravo, a autoridade judiciária proferirá despacho fundamentado, mantendo ou reformando a decisão, no prazo de cinco dias; VIII – mantida a decisão apelada ou agravada, o escrivão remeterá os autos ou o instrumento à superior instância dentro de vinte e quatro horas, independentemente de novo pedido do recorrente; se a reformar, a remessa dos autos dependerá de pedido expresso da parte interessada ou do Ministério Público, no prazo de cinco dias, contados da intimação.

52. Art. 101 – Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas: I – encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; II – orientação, apoio e acompanhamento temporários; III matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; IV – inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e ao adolescente; V – requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial; VI – inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos, VII – abrigo em entidade; VIII – colocação em família substituta.

53. Art. 112 – Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I – advertência; II – obrigação de reparar o dano; III – prestação de serviços à comunidade; IV – liberdade assistida; V – inserção em regime de semiliberdade; VI – internação em estabelecimento educacional; VII – qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.

54. Art. 111 – São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: I - pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; II – igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; III – defesa técnica por advogado; IV assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; V – direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; VI – direito de solicitara presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento.

55. Art. 113 – Aplica-se a este Capítulo o disposto nos arts. 99 e 100. Art. 99 – As medidas previstas neste Capítulo poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente, bem como substituídas a qualquer tempo. Art. 100 – Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.

56. Art. 115 - A advertência consistirá na admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada.

57. Art. 116 – Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Parágrafo único – Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada.

58. De acordo com NOGUEIRA (1996, p. 182), a Prestação de Serviços à Comunidade é uma novidade do ECA, vez que o Código de Menores não a contemplava.

59. Art. 118 – A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente. § 1º A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento. § 2º A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de 6 (seis) meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvido o orientador, o Ministério Público e o defensor.

60. Art. 119: Incumbe ao orientador, com apoio e supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros: I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de auxílio e assistência social; II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula; III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho; IV – apresentar relatório de caso.

61. Art. 120 – O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial. § 1º É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo, sempre quer possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade. § 2º A medida não comporta prazo determinado aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação.

62. Art. 121 – A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. § 1º Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário. § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior; o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida. § 5º A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade. § 6º Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público.

63. Por brevidade, entende-se que a medida sócio-educativa deve ser cumprida pelo adolescente logo em seguida à prática do ato infracional; o princípio da excepcionalidade significa que a medida sócio-educativa de internação deve ser aplicada apenas em casos extremos, quando não couber nenhuma das outras medidas, que não comportem privação de liberdade; e por fim, o respeito à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento significa que devem existir propostas pedagógicas e de ressocialização, para que a medida cumpra seu efeito.

64. Embora o § 5º, do art. 121, estabeleça que a liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade, é preciso considerar que, por força do novo código civil, este parágrafo está revogado.

65. Art. 122 – A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

66. Art. 124 – São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes: I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Público; II – peticionar diretamente a qualquer autoridade; III – avistar-se reservadamente com seu defensor; IV – ser informado de sua situação processual, sempre que o solicitar; V – ser tratado com respeito e dignidade; VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsável; VII – receber visitas, ao menos semanalmente; VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos; IX – ter acesso aos objetos necessários à higiene e asseio pessoal; X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade; XI – receber escolarização e profissionalização; XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer; XIII – ter acesso aos meios de comunicação social; XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje; XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade; XVI – receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis à vida em sociedade.

67. Art. 122 – A medida de internação só poderá ser aplicada quando: III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

68. Nesta monografia, o conceito de mídia significa os meios de comunicação social: rádio, televisão, internet, cinema, revistas e jornais.

69. Karina Sposato, pesquisadora do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente - ILANUD, realizou a pesquisa ‘Crime e TV’, que avaliou durante uma semana a programação dos sete canais abertos da televisão brasileira. A partir disso, realizou um levantamento de como a criminalidade foi retratada, quais são os crimes mais veiculados e qual o impacto causado. Dados da pesquisa foram publicados na IV Conferência dos Direitos da Criança e do Adolescente, realizada em Brasília/DF, nos dias 19- 22/11/2001.

70. Inimputabilidade é a vedação de submeter-se o adolescente ao regramento previsto no Código Penal, ao passo que impunidade é a ausência de sanção penal.

71. Art. 60: A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: IV – os direitos e garantias individuais.

72. :Art. 205: A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

73. Art. 247 – Divulgar, total ou parcialmente, sem autorização devida, por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo a criança ou adolescente a que se atribua ato infracional: Pena – multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência.

74. Art. 17 – Os Estados Partes reconhecem a função importante desempenhada pelos meios de comunicação e zelarão para que a criança tenha acesso a informações e materiais procedentes de diversas fontes nacionais e internacionais, especialmente informações e materiais que visem a promover seu bem-estar social, espiritual e moral e sua saúde física e mental. Para tanto, os Estados Partes: a) incentivarão os meios de comunicação a difundir informações e materiais de interesse social e cultural para a criança, de acordo com o espírito do Artigo 19; b) promoverão a cooperação internacional na produção, intercâmbio e na divulgação dessas informações e desses materiais procedentes de diversas fontes culturais, nacionais e internacionais; c) incentivarão a produção e difusão de livros para crianças; d) incentivarão os meios de comunicação no sentido de, particularmente, considerar as necessidades lingüísticas da criança que pertença a um grupo minoritário ou que seja indígena; e) Promoverão a elaboração de diretrizes apropriadas a fim de proteger a criança contra toda informação e material prejudiciais ao seu bem-estar, tendo em conta as disposições dos Artigos 13 e 18.

75. As psicólogas Simone Gonçalves de Assis e Patrícia Constantino realizaram uma pesquisa para definir o perfil das adolescentes infratoras cumprindo medida de internação, no Rio de Janeiro, entre os anos de 1998 e 1999, que resultou na obra ‘Filhas do Mundo: Infração Juvenil Feminina no Rio de Janeiro.

76. Art. 113 – O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.

77. Art. 94 - As entidades que desenvolvem programas de internação têm as seguintes obrigações, entre outras: XVIII – manter programas destinados ao apoio e acompanhamento de egressos.

78. O Programa de Execução de Medidas Sócio-Educativas de Internação e Semiliberdade do Rio Grande do Sul foi elaborado pela Diretoria Sócio-Educativa da FEBEM/RS, integrando o planejamento estratégico que orienta a gestão institucional da fundação (2001/2002). De acordo com o programa, o acompanhamento dos egressos contará com uma coordenação específica, objetivando o fortalecimento do vínculo familiar e a inserção dos jovens egressos do sistema de privação e restrição de liberdade, apoiando e acompanhando o jovem e a sua família no processo de retorno à sociedade.


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ANEXOS

Anexo A - Projeto da Lei de Execução das medidas sócio-educativas

I – Disposições Gerais:

Art.1º - A presente Lei destina-se a regular a aplicação das medidas socioeducativas previstas no art.112, da Lei 8.069/90, bem como disciplinar sua execução, estabelecendo suas diretrizes.

Art.2º - A medida socioeducativa tem natureza sancionatória e conteúdo prevalentemente pedagógico.

Art.3º - O procedimento socioeducativo, em observância ao princípio constitucional da prioridade absoluta, insculpido no art.227, caput, da Constituição Federal, deverá tramitar de forma célere e, juntamente com todos os demais feitos relativos à área da infância e juventude, terá preferência de instrução e julgamento sobre todos os demais processos em tramitação no mesmo Juízo ou Tribunal.

Art.4º - Aos municípios cabe, preferencialmente, a criação e manutenção de programas socioeducativos em meio aberto, ficando os Estados e o Distrito Federal incumbidos da criação e manutenção de programas de semiliberdade e internação, inclusive provisória, sendo em qualquer caso facultada a parceria com órgãos e entidades governamentais e não governamentais.

Art.5º - A medida socioeducativa não comporta prescrição.

§ 1º - Em razão do decurso do tempo entre a conduta infracional e o momento do início ou reinício do cumprimento da medida sócio-educativa, poderá o juiz da execução, ouvido o Defensor e o Ministério Público, mediante decisão fundamentada declarar sua extinção em razão da perda do objeto sócio-educativo.

§ 2º - O disposto no parágrafo anterior também se aplica a procedimentos ainda em curso, que em tal caso serão declarados extintos sem a análise de seu mérito.

Art.6º - Os órgãos e entidades encarregadas da execução das medidas socioeducativas deverão especificar, em seus programas de atendimento, as respectivas propostas pedagógicas, em que conste, dentre outros, os princípios de conduta e ações destinadas a proporcionar, junto ao adolescente e sua família, a superação de conflitos pessoais e sociais baseados em valores humanos e promoção da cidadania.

Art.7º - Comprovadas autoria e materialidade da infração, a aplicação da medida socioeducativa mais adequada pressupõe, além do contido no art.112, § 1.º da Lei n.º 8.069/90, a análise minuciosa das condições pessoais, familiares e sociais do adolescente, na busca de suas reais necessidades pedagógicas.

§ 1º - Quando entender cabível a aplicação de medidas socioeducativas privativas de liberdade, deverá a autoridade judiciária demonstrar, além da adequação do fato às hipóteses do art.122 da Lei n.º 8.069/90, as razões que o levaram a concluir pela inadequação das medidas socioeducativas em meio aberto.

§ 2º - A gravidade do ato infracional praticado não é motivo que, por si só, justifique a aplicação de medida socioeducativa privativa de liberdade.

Art.8º - A falta de programas de proteção e/ou socioeducativos em meio aberto não pode ser invocada como motivo ensejador da aplicação de medida socioeducativa privativa de liberdade;

Parágrafo Único - Em sendo constatada a falta de programas de proteção e/ou socioeducativos em meio aberto no município, a autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes, fará comunicação formal da deficiência estrutural verificada ao Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente local, que deverá deliberar pela implantação de uma política socioeducativa própria.

Art.9º - Cumpridos integralmente os 3 meses de privação de liberdade na forma do disposto no art.122, 1º, da Lei n.º 8.069/90, será decretada a extinção da medida socioeducativa originalmente aplicada, sem embargo da aplicação das medidas de proteção que se fizerem necessárias.

Art.10 - Em sendo verificado, a qualquer momento do procedimento socioeducativo, que o adolescente se encontra em situação de risco na forma do disposto no art.98 da Lei n.º 8.069/90, a autoridade judiciária competente, de ofício ou a requerimento das partes, promoverá a imediata aplicação das medidas previstas nos arts.101 e 129, do mesmo Diploma Legal citado que se fizerem necessárias, podendo para tanto acionar o Conselho Tutelar do local do domicílio dos pais ou responsável daquele.

Art.11 – O adolescente portador de deficiência ou perturbação da saúde mental, inclusive quando resultante de dependência química, terá direito a tratamento especializado a ser prestado em entidade própria ou em ala separada de entidade que execute programa socioeducativo, sendo em qualquer caso garantido o atendimento por profissionais da área médica, em regime ambulatorial ou hospitalar.

Parágrafo Único – A ocorrência da situação a que se refere o caput do presente artigo não impede, necessariamente, a aplicação da medida socioeducativa, cuja execução, conforme o caso, poderá ser suspensa enquanto durar o tratamento especializado de que o adolescente necessite.

II – Da Formação do Título Executivo:

Art.12 - A aplicação de medida socioeducativa não privativa de liberdade em sede de remissão pressupõe a concordância expressa do adolescente, na presença de defensor nomeado ou constituído, devendo no termo respectivo constar a advertência de que o não cumprimento da medida ajustada poderá importar em sua regressão, na forma do disposto no art.122, inciso III e § 1º, da Lei n. 8.069/90;

§ 1º - O adolescente será devidamente representado ou assistido por seus pais, responsável ou curador especialmente nomeado para o ato;

Art.13 - A autoridade judiciária não poderá alterar, de ofício, as medidas ajustadas com o Ministério Público quando da concessão de remissão como forma de exclusão do processo, devendo proceder na forma do disposto no art.181, § 2.º, da Lei n.º 8.069/90.

Art.14 - Homologada a remissão cumulada com medida socioeducativa na forma do disposto no art.181, § 1.º da Lei n. 8.069/90, a autoridade judiciária designará audiência admonitória, que deverá ser realizada no prazo máximo de 05 (cinco) dias, onde será o adolescente formalmente advertido e cientificado das condições da medida aplicada e conseqüências de seu descumprimento.

Parágrafo Único - Para o ato serão pessoalmente intimados o adolescente e, sempre que possível, seus pais ou responsável, devendo ser designada data para o início do cumprimento da medida por parte do primeiro.

Art.15 – O início da execução da medida sócio-educativa de internação decretada antes da sentença, prevista pelo art. 108, da Lei n.º 8.069/90, dar-se-á após a formalização do respectivo processo, devendo a autoridade judicial expedir ofício à autoridade administrativa competente, no qual conterá obrigatoriamente :

a) o nome, a qualificação e filiação do sócio-educando, juntando o respectivo documento de identidade, inclusive título de eleitor, se houver;

b) a data do início do cumprimento da medida;

c) a natureza do ato infracional praticado e da medida em execução;

d) cópia das principais peças do processo, entre as quais o boletim de ocorrência circunstanciado ou auto de apreensão, representação, laudos técnicos, assim como a respectiva decisão proferida na forma do art. 108, parágrafo único, da Lei n.º 8.069/90;

e) informações sobre os antecedentes;

f) histórico escolar, se houver.

Art. 16 – O início da execução das medidas sócio-educativas de prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, semiliberdade e internação, previstas, respectivamente, nos arts. 117, 118 e 119, 120 e 122, incisos I e II, da Lei n.º 8.069/90, dar-se-á com a expedição de guia de execução pela autoridade judiciária à autoridade administrativa competente, na qual conterá obrigatoriamente os requisitos exigidos no artigo anterior, além de cópia da respectiva sentença.

Art. 17 – O início da execução da medida de internação, prevista no art. 122, inciso III, da Lei n.º 8.069/90, dar-se-á com a expedição de guia de execução pela autoridade judiciária à autoridade administrativa competente, na qual conterá os seguintes requisitos:

a)cópia da sentença que aplicou a medida descumprida;

b)cópia da representação oferecida diante do descumprimento da medida;

c)cópia da manifestação da Defesa;

d)cópia da decisão que aplica a medida de internação em razão do reiterado e injustificável descumprimento da medida anteriormente imposta.

III – Das atribuições dos operadores do sistema

Art.18 - São órgãos da execução das medidas socioeducativas:

I-O Juízo da Execução

II-O Ministério Público

III_A Defensoria Pública

IV-As entidades de execução de medidas em meio aberto

III. Do Juízo da Execução

Art.19 - A execução das medidas socioeducativas competirá ao Juiz indicado na Lei de Organização Judiciária local.

Art.20 - Compete ao Juiz da execução:

a)manter, substituir, progredir, regredir, restabelecer e extinguir a medida aplicada, assim como decidir todos os incidentes que ocorram durante a execução;

b)aplicar aos casos julgados lei posterior que de qualquer forma favoreça o adolescente;

c)instaurar, através de portaria, procedimento de apuração de irregularidade em entidade de atendimento;

d)processar e julgar ações de apuração de irregularidade em entidade de atendimento, aplicando as medidas cabíveis;

e)comparecer mensalmente aos estabelecimentos destinados ao cumprimento de medidas socioeducativas privativas ou restritivas de liberdade, ouvindo pessoal, individual e reservadamente os socioeducandos que assim o desejarem;

f)responder a petições encaminhadas pelos socioeducandos;

g)determinar, de ofício ou a requerimento do interessado, o encaminhamento de socioeducando portador de doença ou deficiência mental, inclusive quando resultante de dependência química, a tratamento individual e especializado, em local adequado às sua condições;

h)ouvir familiares e responsáveis dos socioeducandos.

III. 2 - Do Ministério Público

Art.21 - O Ministério Público oficiará em todos os processos e respectivos incidentes de execução de medida socioeducativa.

Art.22 - São atribuições do Ministério Público:

a) requerer todas as medidas necessárias à formação e ao desenvolvimento do processo socioeducativo;

b) requerer a manutenção, substituição, progressão, regressão, restabelecimento e extinção das medidas socioeducativas;

c) requerer o encaminhamento de socieducandos portadores de doença ou deficiência mental, inclusive quando resultante de dependência química, a tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições;

d) interpor recursos das decisões proferidas pela autoridade judiciária nos processos de execução;

e) promover as ações judiciais cabíveis para obrigar o Poder Público a criar e manter estruturas suficientes para cumprimento das exigências legais relacionadas com a execução de todas as medidas socioeducativas, bem como assegurar alternativas em caso de interdição de estabelecimento;

f) comparecer mensalmente aos estabelecimentos destinados ao cumprimento de medidas socioeducativas privativas ou restritivas de liberdade, ouvindo pessoal, individual e reservadamente os socioeducandos que assim o desejarem;

g) responder a petições encaminhadas por socioeducandos;

h) velar para que sejam respeitados os direitos e a segurança dos socioeducandos;

i) ajuizar procedimento de apuração de irregularidade em entidade de atendimento de medida socioeducativa;

h) ouvir familiares e responsáveis dos socioeducandos.

III.3 - Da Defensoria Pública

Art.23 - A Defensoria Pública exercerá a defesa dos socieducandos que dela necessitem, atuando em todo o processo de execução da medida socioeducativa.

Art.24 - São atribuições da Defensoria Pública:

a) prestar assistência integral a todos os socieducandos que dela necessitem;

b) adotar as providências necessárias para o pleno e satisfatório cumprimento das medidas socieducativas;

c) manifestar-se sobre a manutenção, progressão, regressão, substituição e extinção da medida socioeducativa;

d) interpor recursos das sentenças e decisões judiciais quando cabíveis ou quando houver manifestação do interessado

e) impetrar habeas corpus em favor do socioeducando, quando cabível;

f) ouvir pessoal e individualmente o socioeducando, bem como seus familiares e responsáveis;

g) comparecer mensalmente às entidades destinadas à execução de medidas socioeducativas privativas ou restritivas de liberdade, representando ao Ministério Público acerca das irregularidades verificadas.

III.4 - Das Entidades de Execução das Medidas em Meio Aberto

Art. 25 - Os municípios deverão implantar e manter programas de atendimento destinados ao cumprimento de medidas socioeducativas em regime de prestação de serviços à comunidade e liberdade assistida, facultada a parceria com órgãos e entidades governamentais e não governamentais.

Art.26 - As entidades destinadas ao cumprimento de medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade deverão proceder a inscrição de seus programas junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, devendo constar Proposta Pedagógica detalhada, assim como estabelecer regras para o atendimento individualizado ao socioeducando.

Art.27 - A execução das medidas será acompanhada por equipe interdisciplinar habilitada.

Art.28 - Incumbe ao programa de atendimento:

I. Participar, por representante previamente credenciado, das audiências admonitórias de início de medida;

II. Indicar o orientador ou entidade adequados ao perfil do socioeducando;

III. Propor ao Juízo da Execução a substituição de orientador ou entidade, quando necessário;

IV. Em avaliação periódica, propor ao Juízo da Execução, fundamentadamente, a manutenção, progressão, regressão ou extinção da medida;

V. Selecionar, preparar, credenciar, acompanhar e avaliar cada orientador no exercício de suas funções;

VI. Efetuar entrevistas com o socioeducando e seus pais ou responsável, informando-lhes sobre as condições de execução da medida;

VII. Realizar entrevista de encerramento da medida com o socioeducando, seus pais ou responsável.

III.5 - Das Entidades de Execução de Medidas Privativas de Liberdade

Art.29 - As entidades destinadas ao cumprimento de medidas de internação e semiliberdade deverão proceder a inscrição de seus programas junto ao Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente, devendo constar o regime de atendimento e Proposta Pedagógica detalhada, assim como estabelecer regras para o atendimento individualizado ao socioeducando.

Parágrafo Único – Deverá constar obrigatoriamente do programa:

I – Critérios objetivos de merecimento para análise de progressão de medida;

II – Definição da natureza e gravidade das faltas disciplinares, relacionando as sanções correspondentes;

III - Critérios objetivos que autorizem o afastamento do socioeducando do grupo e/ou a suspensão ou restrição das atividades coletivas, assegurando-se-lhe, em qualquer caso, atendimento técnico individual;

IV - Existência de uma Comissão Interna de Disciplina, formada, no mínimo, por três pessoas, que deliberará motivadamente pela aplicação de sanções disciplinares previstas no Programa, assegurando-se ao socioeducando o contraditório e a ampla defesa, sem prejuízo de pedido de revisão ao Juízo da Execução, observando-se o seguinte:

a) As decisões da Comissão Interna de Disciplina poderão ser revistas pelo Juízo da Execução, a pedido de quem tenha legítimo interesse;

b) Das decisões da Comissão Disciplinar serão notificados pessoalmente o socioeducando e seus pais ou responsável, que poderão formular pedido revisional em 48 horas.

c) Havendo pedido de revisão, serão os autos do procedimento disciplinar remetidos ao Juízo da Execução em 24 horas, que ouvirá o Ministério Público e decidirá em 24 horas.

d) As decisões que impuserem sanções disciplinares em razão da prática de falta grave, como tal definida no programa de atendimento, deverão ser comunicadas ao Juízo da Execução.

V - Acompanhamento e assistência ao egresso, independentemente de sua inserção em medidas socioeducativas em meio aberto ou de proteção, que deverá incluir, obrigatoriamente:

a) Orientação e apoio para reintegrá-lo à vida em liberdade, à família, à comunidade, à escola, a cursos profissionalizantes, ao trabalho e ao atendimento profissional que necessite, de acordo com o plano de desligamento;

b) Prover, quando necessário, condições de habitação e alimentação pelo prazo de seis meses, prorrogável a critério da coordenação do programa.

Art.30 - A capacidade e arquitetura das unidades deverão atender às finalidades socioeducativas, principalmente pedagógica e de segurança, e às necessidades de lazer e reabilitação do socioeducando, respeitando o direito à intimidade, aos estímulos sensoriais e à participação em atividades esportivas e culturais.

Parágrafo Único – Compete do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente a definição da capacidade e concepção arquitetônica de cada unidade destinada à execução de medidas privativas de liberdade.

Art.31 - Os jovens entre dezoito e vinte um anos em cumprimento de medidas socioeducativas privativas de liberdade deverão ser encaminhados para unidades próprias, distintas daquelas destinadas a adolescentes, com observância do disposto nos arts.123 e 124, da Lei n.º 8.069/90.

Art.32 - A internação provisória a que se refere o art.108 da Lei n.º 8.069/90, assim como a Internação-sanção prevista no art.122, inciso III, do mesmo Diploma Legal, deverão ser cumpridas em entidades próprias, preferencialmente localizadas em centros urbanos, podendo funcionar junto a unidades de internação socioeducativa, desde que observada a completa separação física das unidades e dos internos, com propostas pedagógicas também diferenciadas.

Art.33 - As Unidades destinadas ao cumprimento da medida de inserção em regime de semiliberdade devem situar-se preferecialmente em área urbana e caracterizar-se pela ausência de obstáculos físicos contra a fuga.

Art.34 - Deverá haver unidade ou ala de unidade, destinada a dar tratamento individual e especializado a socioeducandos submetidos a medidas privativas ou restritivas de liberdade portadores de doença ou deficiência mental, que não possam, temporária ou permanentemente, conviver com os demais.

Art.35 – A direção das unidades de internação e semiliberdade deverá ser exercida por pessoas que satisfaçam os seguintes requisitos:

a) possuir diploma de nível superior;

b) possuir experiência administrativa na área da Infância e Juventude;

c) ter reconhecida idoneidade moral e aptidão para o desempenho da função.

Art.36 - Em cada unidade deverá haver uma equipe técnica habilitada.

Parágrafo Único – Compete à equipe técnica:

a) recepcionar o socioeducando, juntamente com a direção, quando de seu ingresso na unidade;

b) elaborar, em conjunto com o socioeducando, familiares ou responsável, o Plano Individual de Atendimento;

c) revisar mensalmente o Plano Individual de Atendimento;

d) informar o Juízo da execução sobre as dificuldades para o cumprimento do plano, especialmente a falta de colaboração ou o descumprimento de deveres por parte do sócioeducando, assim como a falta de cooperação dos encarregados da execução, sejam eles funcionários da unidade ou de outras repartições, familiares ou responsável;

e) prestar atendimento individual ao socioeducando, com ele mantendo contato pessoal de forma frequente e sistemática, de acordo com suas necessidades pedagógicas;

f) prestar atendimento aos familiares ou responsável pelo socioeducando de forma freqüente e sistemática;

g) trabalhar no sentido do restabelecimento, fortalecimento e preservação dos vínculos familiares;

h) velar pelo respeito aos direitos do socioeducando, comunicando ao Juízo da execução qualquer ameaça ou violação;

i) encaminhar ao Juízo da Execução relatório avaliativo fundamentado, no máximo a cada cinco meses, ao Juízo da execução, propondo a manutenção, progressão, regressão ou restabelecimento da medida, do qual deverá constar plano de atendimento da próxima etapa do processo socioeducativo;

j) proceder a estudo psicossocial de cada caso;

l) informar o socioeducando e seus familiares ou responsável, sobre a situação processual;

m) acompanhar o egresso, promovendo sua reinserção social e familiar, independentemente de haver recebido medidas socioeducativas em meio aberto ou medidas de proteção, apresentando relatório ao Juízo da execução em 60 dias;

n) participar das audiências de reavaliação das medidas socio-educativas;

o) acompanhar o aproveitamento escolar e formação profissional do socioeducando;

p) responder pela permanente qualificação e especialização do programa;

q) acompanhar e oferecer subsídios técnicos à atividade dos monitores e educadores;

r) participar da permanente avaliação dos resultados do programa, com a proposição de alternativas para a superação das dificuldades;

s) atestar as situações em que se mostre inviável ou impossível o reatamento dos vínculos familiares, propondo alternativas.

IV – Do Processo de Execução

IV.1 – Da Competência

Art.37 - A execução socioeducativa competirá ao Juiz indicado na respectiva Lei de Organização Judiciária ou, na omissão desta, ao Juízo do local onde deva ser cumprida a sentença.

§ 1º - Proferida a Sentença no processo de conhecimento, forma-se o processo de execução em autos próprios;

§ 2º – Será formado um único processo de execução para cada espécie de medida;

§ 3º – Devendo a medida socioeducativa ser cumprida em comarca diversa, o Juiz da sentença remeterá os autos da execução ao Juízo competente;

§ 4º – Os incidentes processuais relacionados com a internação provisória competem ao Juiz do respectivo processo de conhecimento, ficando os demais a cargo do Juiz da execução.

IV.2 – Do Plano Individual de Atendimento

Art.38 – A individualização da execução socioeducativa dependerá de um plano individual para o cumprimento da respectiva medida, devendo os programas socioeducativos conter, fundamentalmente, a proposta pedagógica que os oriente.

§ 1º - O plano individual de atendimento deverá ser discutido com o socioeducando e, sempre que possível, na presença dos pais ou responsável;

§ 2º - O plano conterá descrição da proposta pedagógica, dos passos a seguir e dos objetivos pretendidos com a medida correspondente, de acordo com os princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente, desta Lei e da Doutrina da Proteção Integral;

§ 3º - O plano, em se tratando de medida a ser cumprida em meio aberto, deve estar concluído em sete dias e, em quinze dias, quando se tratar de medida privativa de liberdade;

§ 4º - Concluída a elaboração do plano, este será encaminhado ao Juízo da Execução, que abrirá vista às partes para manifestação em cinco dias, decidindo em igual prazo.

§ 5º - Tratando-se de internação ou semiliberdade o plano conterá, no mínimo:

I – a designação do estabelecimento ou seção onde deva ser cumprida a medida;

II – a fixação de critérios para as possíveis saídas da unidade;

III – a definição das atividades educativas, terapêuticas, desportivas, ocupacionais, sociais, culturais e outras, individuais ou em grupo;

IV – as medidas especiais de assistência e tratamento, sempre que necessário;

V – as propostas de integração da família ou dos referenciais parentais do socioeducando no acompanhamento da medida.

§ 6º - O conteúdo do plano individual de atendimento deverá manter-se atualizado de acordo com o desenvolvimento do socioeducando e os resultados obtidos.

Art.39 – O plano deve ser reavaliado, conforme os resultados obtidos, no máximo, a cada três meses.

§ 1º - Por ocasião da reavaliação, os encarregados da execução informarão trimestralmente ao Juiz da Execução sobre os avanços ou obstáculos para o cumprimento do plano, enfatizando aspectos do ambiente familiar e comunitário, de modo a obter a mais rápida reintegração social, com o estabelecimento ou restabelecimento de vínculos familiares e comunitários.

§ 2º - Sendo necessário, o Juiz da Execução, ouvido o Ministério Público e o Defensor, poderá ordenar aos órgãos públicos que incluam a família do socioeducando em programas de apoio, auxílio e orientação;

§ 3º - É obrigatória a participação dos pais ou responsável, sujeitando-se aqueles que dificultarem ou se opuserem às diretrizes do plano individual de atendimento às sanções do art.129, incisos VII a X, da Lei n.º 8.069/90.

Art.40 – O plano individual de atendimento será elaborado por equipe interdisciplinar habilitada.

Art.41 – A equipe ou o encarregado da execução do plano poderá:

I – entrevistar pessoas;

II – requerer informações a respeito do socioeducando a entidades públicas e particulares;

III – realizar diligências;

IV – acionar o Conselho Tutelar para fins de aplicação de medidas específicas de proteção e destinadas aos pais ou responsável, na forma dos arts.101 e 129, da Lei n.º 8.069/90.

TÍTULO V – Das Medidas Socioeducativas

Art.42 - O Processo de Execução de todas as espécies de medidas socioeducativas terá início em audiência admonitória, na qual será dada ciência ao socioeducando do conteúdo da medida ou medidas a serem cumpridas.

§ 1º - a esta audiência serão intimados, além do socioeducando e seus pais ou responsável, o Defensor, o Ministério Público e o representante da entidade encarregada da execução da medida;

§ 2º - na audiência admonitória de início de medida socioeducativa, o socioeducando será informado dos critérios de avaliação a serem utilizados, bem como advertido das implicações do descumprimento injustificado da medida.

Art.43 - A Execução das medidas socioeducativas rege-se pelo princípio da progressividade, visando a garantir ao socioeducando, na medida de seus méritos, a evolução de uma medida socioeducativa mais gravosa para outra mais branda.

§ 1º – Admite-se o restabelecimento da medida socioeducativa privativa de liberdade quando a medida que a substitui se mostre insuficiente para os fins socioeducativos almejados;

§ 2º – As medidas socioeducativas em meio aberto podem ser substituídas umas pelas outras a qualquer tempo, na forma do disposto nos arts.99 e 113, da Lei n.º 8.069/90;

§ 3º – A regressão de medida para semiliberdade ou internação deverá observar o disposto no art.122, inciso III e § 1.º, da Lei n.º 8.069/90, ressalvado o disposto no §1.º deste artigo e observada a regra contida no art.9.º desta Lei.

§ 4º – Para fins do disposto nos parágrafos anteriores, o Juiz da Execução deverá obrigatoriamente realizar audiência para oportunizar ao socioeducando a sua justificação, produzindo a prova que for requerida, para ao final decidir, ouvido o Ministério Público e o defensor.

CAPÍTULO I – Da Advertência

Art.44 - A advertência será aplicada pelo Juiz no processo de conhecimento, na forma do art.115, da Lei n.º 8.069/90, observado o disposto no art.37, § 3.º, desta Lei.

Parágrafo Único – Quando da homologação de remissão ajustada pelo Ministério Público que inclua a medida socioeducativa de advertência, o Juiz competente designará audiência admonitória ao socioeducando.

CAPÍTULO II – Da Reparação do Dano

Art.45 - A reparação do dano consiste na restituição da coisa ou ressarcimento do prejuízo causado pelo ato infracional.

§ 1º - A restituição da coisa será efetuada mediante termo de entrega;

§ 2º - Não sendo possível a devolução, proceder-se-á, de comum acordo entre o socioeducando e a vítima, a substituição por soma em dinheiro, utilizando recursos do próprio adolescente;

§ 3º - Havendo impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra, caso em que o Ministério Público ou a Defesa formulará requerimento indicando a medida que entenda adequada.

CAPÍTULO III – Da Prestação de Serviços à Comunidade

Art.46 - O socioeducando, em audiência admonitória, será informado das condições de cumprimento da medida socioeducativa, apresentado ao responsável pela entidade onde doravante deverá exercer suas atividades em cumprimento da medida e advertido das conseqüências de seu descumprimento.

Art. 47 – Caberá à equipe técnica informar ao Juiz da execução:

I – A entidade ou o programa, junto ao qual o socioeducando irá desenvolver atividades gratuitamente, de acordo com as suas aptidões;

II – O tipo de serviço que deve prestar;

III – O orientador da entidade que acompanhará o serviço e o socioeducando.

Art.48 - O Juízo da execução deverá credenciar uma ou mais entidades governamentais e/ou não-governamentais, que ficarão encarregadas do encaminhamento do socioeducando aos órgãos e entidades onde irá prestar o serviço comunitário, bem como assistir-lhe no decurso da execução da medida, fornecendo relatórios mensais ou sempre que solicitado.

Art.49 – Recebida a guia de execução, instruída na forma do artigo 16, a entidade ou a equipe técnica elaborará, na forma do art.38 desta Lei, o plano individual de atendimento.

§ 1º – O serviço deverá estar de acordo com as qualidades e capacidades do socioeducando e visará a fortalecer os princípios de convivência social, observada a ênfase educacional.

§ 2º – O encarregado da execução remeterá, mensalmente, ao Juízo da execução relatório a respeito da evolução da medida.

Art.50 - O encarregado da execução informará ao Juízo da execução sempre que houver o descumprimento injustificado da medida.

CAPÍTULO IV – Da Liberdade Assistida

Art.51 – Recebida a guia de execução, expedida com os requisitos do art.16 desta Lei, a entidade, a equipe técnica ou o orientador, se ainda não elaboraram, formularão o plano individual de atendimento, na forma do art.38 desta Lei.

Art.52 - O socioeducando, em audiência admonitória, será apresentado a seu orientador, informado das condições de cumprimento da medida socioeducativa e advertido das conseqüências de seu descumprimento.

Art.53 - O orientador, ao menos trimestralmente, comunicará ao Juízo da execução as providências no sentido do cumprimento do disposto no art.119, da Lei 8.069/90, observado o art.38 desta Lei.

Art.54 – As condições para cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida serão estabelecidas por ocasião da sentença, da elaboração do plano individual ou no curso de sua execução, podendo incluir, dentre outras:

I – não mais se envolver em atos infracionais;

II – não andar em companhia de determinadas pessoas;

III – não frequentar determinados locais;

IV – recolher-se à habitação em horários estabelecidos;

V – matrícula e frequência à escola;

VI – assumir ocupação lícita;

VII – apresentar, na presença do Juiz, desculpas aos lesados pela sua conduta;

VIII – apresentar-se regularmente ao orientador, à instituição ou em Juízo;

IX – submeter-se a tratamento médico, psicológico ou outro especializado, inclusive em razão de dependência química.

Art.55 – O Juízo da execução deverá credenciar uma ou mais entidades governamentais e/ou não-governamentais que ficarão encarregadas da execução da medida socioeducativa de liberdade assistida, fornecendo relatórios mensais ou sempre que solicitado.

Parágrafo Único – A medida deverá ser executada o mais próximo possível da comunidade de origem do socioeducando, com o apoio familiar disponível, enfatizando a inserção ou reinserção no processo escolar, e a inclusão em atividade profissionalizante, de acordo com suas condições pessoais.

Art.56 – O encarregado da execução da medida, no relatório, poderá sugerir a mudança das condições da liberdade assistida, a progressão ou regressão da medida, sempre que lhe pareça necessário.

CAPÍTULO V – Da Semiliberdade

Art.57 – O cumprimento da medida far-se-á preferencialmente na comarca de residência do socioeducando ou naquela situada na mesma região metropolitana, observado o disposto no art.33 desta Lei.

Art.58 - A direção da unidade deverá encaminhar ao Juízo da execução, ao menos mensalmente, informe a respeito do socioeducando, com os seguintes requisitos mínimos:

I – se está cumprindo os horários de entrada e saída;

II – se está cumprindo as atividades constantes do plano individual de atendimento;

III – os obstáculos para o cumprimento das atividades e as formas de superá-los;

IV – os trabalhos e estudos que está desenvolvendo;

V – a disciplina.

Art.59 - O socioeducando será advertido, em audiência admonitória, das condições do regime de semiliberdade e de que seu descumprimento reiterado e injustificado poderá implicar em regressão, nos termos do art.122, inciso III, da Lei n.º 8.069/90 ou no restabelecimento da internação, na forma do art.43, § 1º, desta Lei.

Parágrafo Único - O socioeducando prestará compromisso de observância dos horários e condições da medida socioeducativa, sempre que possível na presença dos pais ou responsável.

Art.60 - A medida socioeducativa de semiliberdade pressupõe a imposição de limitações de horários ao socioeducando, especialmente no período noturno, bem como restrição de finais de semana e feriados, com recolhimento à unidade.

Parágrafo Único – Poderão ser aplicadas ao socioeducando as mesmas condições estabelecidas no art.52 desta Lei.

Art.61 - As atividades externas desenvolvidas pelo socioeducando serão realizadas sem monitoramento ou vigilância, porém sujeitas a um programa previamente estabelecido, onde serão fixados horários e metas a serem alcançadas.

Art.62 – O ingresso no regime de semiliberdade por progressão ou regressão de medida pressupõe a aceitação, pelo socioeducando, do seu programa e das condições impostas pelo Juiz da Execução.

Parágrafo Único – O Juiz da Execução, ouvida a equipe técnica, o Ministério Público e o Defensor, poderá modificar suas condições, de ofício, a requerimento do interessado, da autoridade administrativa ou dos pais ou responsável.

CAPÍTULO VI – Da Internação

Art.63 – A medida socioeducativa de internação somente será cumprida sem direito a atividades externas quando assim houver se pronunciado o Juiz da sentença.

§ 1º - Ainda quando vedadas na sentença, dado ao princípio da progressividade, as atividades externas poderão vir a ser autorizadas pelo Juiz da Execução no curso desta;

§ 2º - Em não havendo vedação expressa na sentença, a direção da unidade está autorizada a imediatamente incluir o socioeducando em atividades externas.

Art.64 – Consideram-se atividades externas todas as ações fora dos limites da unidade que vierem a ser desenvolvidas pelo soioeducando, sob vigilância de monitores, educadores ou pessoas designadas para a função.

Parágrafo Único - A direção da unidade, com parecer favorável da equipe técnica, dadas as condições pessoais do socioeducando poderá, para fins de visitas a familiares, frequência escolar, trabalho ou a cursos profissionalizantes, dispensar a vigilância do socioeducando, devendo comunicar essa deliberação ao Juízo da execução.

Art.65 - A medida socioeducativa de internação será executada em forma progressiva para medida menos gravosa dentre qualquer uma daquelas relacionadas no art.112, da Lei n. 8.069/90, sem prejuízo de vir a ser declarada sua extinção.

Parágrafo Único – A decisão será motivada e precedida de laudo da equipe técnica, ouvidos a Defesa e o Ministério Público, observado o disposto no art.63, caput, desta Lei.

Art.66 - A periodicidade da reavaliação da medida privativa de liberdade fica a cargo da equipe técnica da unidade, respeitados os prazos máximos previstos pelos arts.121, § 2. e 122, § 1., ambos da Lei n. 8.069/90;

Parágrafo Único – O Juiz da execução, de ofício ou a requerimento da parte, poderá a qualquer momento determinar a realização da reavaliação de que trata o caput do presente artigo, cujo relatório conclusivo deverá ser apresentado no prazo máximo de 15 (quinze) dias.

Art.67 - Recebido o relatório de que trata o artigo anterior, o Juiz da execução dele abrirá vista ao Ministério Público e ao Defensor, sucessivamente pelo prazo de cinco dias, decidindo a seguir em igual prazo.

Parágrafo Único - A gravidade do ato infracional praticado e o tempo de duração da medida não são fatores que, por si só, justificam a manutenção da medida privativa de liberdade.

Art.68 – Com a proposta de extinção ou progressão da medida, deverá a equipe interprofissional encarregada do acompanhamento de sua execução indicar, se for o caso, quais as medidas socioeducativas e/ou protetivas que ainda se fizerem necessárias ao socioeducando.

Parágrafo Único – A preparação e conscientização dos familiares e da comunidade, bem como a execução das medidas de proteção referidas no parágrafo anterior, poderão ser realizadas com o apoio dos Conselhos Tutelares das respectivas localidades.

Art.69 – Quando do ingresso e desligamento das unidades far-se-á verificação sumária sobre o estado físico e de saúde do socioeducando.

TÍTULO VI – Dos Incidentes da Execução

Art.70 - Quando sobrevier aplicação de nova medida socioeducativa privativa de liberdade pela prática de ato infracional anterior ao início de cumprimento da medida socioeducativa de internação em execução, o Juiz da execução procederá sua subsunção àquela.

Parágrafo Único – A providência de que trata o caput deste artigo não implica no agravamento do prazo máximo de privação de liberdade estabelecido no art.121, §3º, da Lei n.º 8.069/90, assim como não se aplica à hipótese do art.122, inciso III do mesmo Diploma Legal.

Art.71 - Se durante a execução da medida socioeducativa privativa de liberdade sobrevier sentença aplicando medida da mesma natureza por fato praticado após o início do cumprimento daquela, o limite temporal a que alude o art.121, § 3º, da Lei n.º 8.069/90, passará a fluir da data do início de cumprimento dessa nova medida.

Art.72 – Para execução das medidas socioeducativas em meio aberto aplica-se, no que couber, o disposto nos artigos anteriores.

Art.73 – Quando, no curso da execução da medida privativa de liberdade, sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental, inclusive se resultante de dependência química, o Juiz da execução, de ofício, a requerimento do defensor, dos pais ou responsável, do encarregado da execução e do Ministério Público, poderá determinar a internação do socioeducando, em entidade de saúde pública que possua condições adequadas de segurança, suspendendo a medida socioeducativa em execução.

Parágrafo Único – A providência a que se refere o caput deste artigo não isenta o encarregado pela execução das obrigações estabelecidas nesta Lei.

TÍTULO VII – Dos Recursos

Art.74 – O sistema recursal adotado por esta Lei é aquele preconizado pelo art.198, da Lei n. 8.069/90.

Art.75 – Das decisões proferidas pelo Juiz da execução caberá recurso de agravo, sem efeito suspensivo.

Parágrafo Único: Interposto o recurso de agravo no Juízo recorrido, no mesmo instante em que for determinada a formação do instrumento, poderá o Juiz da execução, de ofício ou a requerimento do recorrente, atribuir-lhe efeito suspensivo, desde que verifique a existência de circunstância que justifique esta providência.

TÍTULO VIII – Das disposições finais e transitórias

Art.76 - Os Conselhos de Direitos da Criança e do Adolescente a nível Federal, estadual e municipal, em conjunto com os respectivos ministérios e secretarias de educação, deverão elaborar, no prazo de 06 (seis) meses a partir da publicação desta Lei, políticas próprias voltadas à inserção ou reinserção de adolescentes autores de atos infracionais no sistema educacional, em qualquer fase do período letivo.

Art.77 - No prazo de 06 (seis) meses contados da publicação desta Lei, as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação, em conjunto com os Conselhos de Educação e de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente dos respectivos níveis, deverão elaborar e implementar políticas e programas destinados ao atendimento educacional especializado de adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas privativas de liberdade, contemplando proposta educacional adequada a atender as diversas faixas etárias e níveis de instrução que os mesmos apresentem.

Parágrafo Único - As políticas e programas referidos neste artigo deverão contemplar a integração dos egressos ao sistema de ensino regular.

Art.78 - O mandado de busca e apreensão expedido em desfavor do adolescente, salvo se decorrente de sentença que aplica a medida socioeducativa de internação nas hipóteses do art.122, incisos I e II da Lei n. 8.069/90, terá vigência máxima de 02 (dois) anos, contados da data de sua decretação, devendo se necessário ser renovado após este prazo.

Art.79 - A manutenção dos programas socioeducativos atualmente sob a responsabilidade do Poder Judiciário, será progressivamente transferida ao Poder Executivo, na forma do disposto no artigo 4. desta Lei.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COLPANI, Carla Fornari. A responsabilização penal do adolescente infrator e a ilusão de impunidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 162, 15 dez. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/4600. Acesso em: 26 abr. 2024.