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O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais

O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais

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Para a caracterização de um direito fundamental a partir de sua fundamentabilidade material, é imprescindível a análise de seu conteúdo, isto é, da circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial.

SUMÁRIO: 1. Noção de direitos fundamentais – 2. As perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais – 3. Os direitos fundamentais e suas eficácias horizontal e vertical – 4. A chamada multifuncionalidade dos direitos fundamentas – 5. O direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional – 6. O enquadramento do direito à efetividade da tutela jurisdicional na classificação funcional dos direitos fundamentais – 7. A relação entre o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito material e a realidade social – 8. Conseqüências da idéia de direito ao procedimento idôneo ao direito material e à realidade social: 8.1 Técnica processual e procedimento adequado; 8.2 Direito à técnica antecipatória; 8.3 Direito ao provimento adequado; 8.4 Direito ao meio executivo adequado – 9. Significado da aplicabilidade imediata do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva – 10. O dever de o juiz conformar o procedimento: 10.1 O dever de o juiz conformar o procedimento adequado ao caso concreto como decorrência do direito de proteção e do direito à tutela jurisdicional efetiva; 10.2 Normas como princípios gerais; 10.3 Diferença entre interpretação conforme a Constituição, declaração parcial de nulidade sem redução do texto e interpretação de acordo com a Constituição; 10.4 As regras que conferem ao juiz o poder de conceder tutela antecipatória no processo de conhecimento e de determinar a chamada medida executiva "necessária" (arts. 273, 461, 461-A, CPC e 84, CDC), ao mesmo tempo em que apontam para a idéia de que a tipificação legal não é a melhor solução para a prestação jurisdicional, deixam claro o seu dever de concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional diante do caso concreto; 10.5 A realização do direito à efetividade da tutela jurisdicional não depende apenas da análise do direito de defesa, mas também da consideração do direito material em litígio e das "tutelas dos direitos" – 11. Eficácias vertical, horizontal e vertical com repercussão lateral dos direitos fundamentais – 12. O problema da eficácia vertical do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e da sua eficácia lateral sobre os particulares.


1. Noção de direitos fundamentais

Os direitos fundamentais estão ligados, como parece óbvio, a sua "fundamentalidade", que pode ser vista nos sentidos material e formal. [1] Essa última está vinculada ao sistema constitucional positivo. A Constituição confere dignidade e proteção especiais aos direitos fundamentais, seja deixando claro que as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata (art. 5º, §1º, CF), seja permitindo a conclusão de que os direitos fundamentais estão protegidos não apenas diante do legislador ordinário, mas também contra o poder constituinte reformador - por integrarem o rol das denominadas cláusulas pétreas (art. 60, CF). [2]

Por outro lado, a fundamentalidade material parte da premissa de que os direitos fundamentais repercutem sobre a estrutura do Estado e da sociedade [3]. No Título II (arts. 5º a 17) da Constituição Federal está escrito: "Dos direitos e garantias fundamentais". O primeiro artigo desse Título, isto é, o art. 5º, afirma no seu §2º que "os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ele adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte". Essa norma permite, por meio da aceitação da idéia de fundamentalidade material, que outros direitos, ainda que não expressamente previstos na Constituição e, por maior razão, não enumerados no Título II, sejam considerados direitos fundamentais.

Como se vê, a Constituição, em seu art. 5º, §2º, institui um sistema constitucional aberto à fundamentalidade material. Portanto, se a Constituição enumera direitos fundamentais no seu Título II, isso não impede que direitos fundamentais – como o direito ao meio ambiente – estejam inseridos em outros dos seus Títulos, ou mesmo fora dela.

Mas, para a caracterização de um direito fundamental a partir de sua fundamentabilidade material, é imprescindível a análise de seu conteúdo, isto é, "da circunstância de terem, ou não, decisões fundamentais sobre a estrutura do Estado e da sociedade, de modo especial, porém, no que diz com a posição nesses ocupada pela pessoa humana". [4]


2. As perspectivas objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais

As normas consagradoras de direitos fundamentais afirmam valores, os quais incidem sobre a totalidade do ordenamento jurídico e servem para iluminar as tarefas dos órgãos judiciários, legislativos e executivos. Nesse sentido, é possível dizer que tais normas implicam em uma valoração de ordem objetiva.

A norma de direito fundamental, independentemente da possibilidade de sua subjetivação, sempre contém valoração. O valor nela contido, revelado de modo objetivo, espraia-se necessariamente sobre a compreensão e a atuação do ordenamento jurídico. Atribui-se aos direitos fundamentais, assim, uma eficácia irradiante.

Afirmar a dupla dimensão – objetiva e subjetiva – dos direitos fundamentais não significa dizer que o direito subjetivo decorre do direito objetivo. O que importa esclarecer, aqui, é que as normas que estabelecem direitos fundamentais, se podem ser subjetivadas, não pertinem somente ao sujeito, mas sim a todos aqueles que fazem parte da sociedade. Com efeito, como explica Vieira de Andrade, os direitos fundamentais não podem ser pensados apenas do ponto de vista dos indivíduos, enquanto faculdades ou poderes de que estes são titulares, mas valem juridicamente também do ponto de vista da comunidade, como valores ou fins. [5]

Uma das mais importantes conseqüências da dimensão objetiva está em estabelecer ao Estado um dever de proteção dos direitos fundamentais. Esse dever de proteção relativiza "a separação entre a ordem constitucional e a ordem legal, permitindo que se reconheça uma irradiação dos efeitos desses direitos (Austrahlungswirkung) sobre toda a ordem jurídica". [6] Diante dele fica o Estado obrigado a proteger os direitos fundamentais mediante, por exemplo, normas de proibição ou de imposição de condutas. Assim a norma que proíbe a venda de produto reputado nocivo à saúde do consumidor ou a norma que obriga a instalação de equipamento antipoluente para evitar dano ao meio ambiente.

A norma de direito fundamental, ao instituir valor, e assim influir sobre a vida social e política, regula o modo de ser das relações entre os particulares e o Estado, assim como as relações apenas entre os sujeitos privados. Nessa última perspectiva, é possível pensar na eficácia dos direitos fundamentais diante das relações entre os particulares. [7]


3. Os direitos fundamentais e suas eficácias horizontal e vertical

Não é admissível confundir as dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais com as suas eficácias horizontal e vertical. A dimensão objetiva é contraposta à dimensão subjetiva e tem por fim explicar que as normas de direitos fundamentais – além de poderem ser referidas a um direito subjetivo - também constituem decisões valorativas de ordem objetiva. Por isso, é correto falar nas dimensões objetiva e subjetiva dos direitos fundamentais quando consideradas as relações entre o Poder Público e os particulares (eficácia vertical) ou as relações entre particulares (eficácia horizontal). [8]

Com efeito, quando se fala nas eficácias vertical e horizontal, deseja-se aludir à distinção entre a eficácia dos direitos fundamentais sobre o Poder Público e a eficácia dos direitos fundamentais nas relações entre os particulares. Existe eficácia vertical na vinculação do legislador e do juiz. Há eficácia horizontal - também chamada de "eficácia privada" ou de "eficácia em relação a terceiros" – nas relações entre particulares, embora se sustente que, no caso de manifesta desigualdade entre dois particulares (hipótese de poder econômico social), também existe relação de natureza vertical. [9]

O problema que se coloca diante da eficácia horizontal é o de que nas relações entre particulares há dois (ou mais) titulares de direitos fundamentais, e por isso nelas é impossível afirmar uma vinculação (eficácia) semelhante àquela que incide sobre o Poder Público. [10] De qualquer forma, também diante da eficácia em relação aos particulares, vale a distinção entre a dimensão objetiva e a dimensão subjetiva dos direitos fundamentais. Assim, além da incidência das normas, como valores objetivos, sobre as relações entre particulares, um particular pode afirmar o seu direito em relação a outro, consideradas as particularidades da situação concreta e eventual colisão de direitos.

Há grande discussão sobre a questão da eficácia horizontal dos direitos fundamentais [11]. Há quem sustente que os direitos fundamentais possuem eficácia imediata sobre as relações entre os particulares, e outros apenas mediata.

Quando se pensa em eficácia mediata, afirma-se que a força jurídica dos preceitos constitucionais somente se afirmaria, em relação aos particulares, por meio dos princípios e normas de direito privado. Isso ocorreria através de normas de direito privado – ainda que editadas em razão do dever de proteção do Estado. [12] Além disso, os preceitos constitucionais poderiam servir como princípios de interpretação das cláusulas gerais e conceitos indeterminados suscetíveis de concretização, porém sempre dentro das linhas básicas do direito privado. [13]

De acordo com os teóricos da eficácia imediata, os direitos fundamentais são aplicáveis diretamente em relação aos particulares. Além de normas de valor, teriam importância como direitos subjetivos contra entidades privadas portadoras de poderes sociais ou mesmo contra indivíduos que tenham posição de supremacia em relação a outros particulares. Outros, chegando mais longe, admitem a incidência imediata dos direitos fundamentais em relação a pessoas "comuns". O que importa, nessa última perspectiva, é que se dispensa a intermediação do legislador – e assim as regras de direito privado – e se elimina a idéia de que os direitos fundamentais poderiam ser tomados apenas como regras de interpretação. [14]

Porém, como esclarece Vieira de Andrade, "aquilo que se deve entender por mediação na aplicabilidade dos preceitos constitucionais às relações entre iguais é, afinal, a necessidade de conciliar esses valores com a liberdade geral e a liberdade negocial no direito civil". [15] Segundo o seu entendimento, não é feliz a expressão aplicabilidade mediata, que se confunde com eficácia indireta, quando o que se quer afirmar é um imperativo de adaptação e harmonização dos preceitos relativos aos direitos fundamentais na sua aplicação à esfera de relações entre indivíduos iguais, tendo em conta a autonomia privada, na medida em que é (também) constitucionalmente reconhecida". [16]

Como já foi dito, o direito de proteção tem como destinatário o Estado, que fica obrigado a editar normas para proteger o direito do particular em relação a outros particulares. Quando uma dessas normas de proteção não é cumprida, surge ao particular – por ela protegido (p. ex., direito do consumidor [17]) – o direito de se voltar contra o particular que não a observou. Aliás, o direito de ação do particular – nessas hipóteses - poderá ser exercido mesmo no caso de ameaça de violação (ação inibitória).

Nesse último caso, há lei, embaixo da Constituição, regulando as relações entre os particulares. Porém, essa lei estabelece apenas uma presunção de que os interesses em jogo foram tratados de forma equilibrada, presunção essa que pode ser colocada em cheque ao se afirmar que a regulação, definida pela lei, afronta outra norma de direito fundamental. Tratando-se de lei restritiva, além dos valores constitucionais que justificam a restrição, deverá ser enfocado o outro direito (que deve ter o seu núcleo essencial protegido). Nessa hipótese, embora a eficácia do direito fundamental suponha a participação da lei infraconstitucional, o verdadeiro problema é o da harmonização entre o direito fundamental protegido pela norma e a autonomia privada [18].

Mas, quando não há lei (regulando a situação de forma direta), não se pode pensar que os direitos fundamentais não incidem sobre o particular [19], e assim não possam ser imediatamente tomados em consideração pelo juiz [20]. Acontece que, também nesse caso, o juiz deverá atentar para a necessidade de harmonização entre o direito fundamental e a autonomia privada. Ou melhor, nessa situação, para dar aplicação aos direitos fundamentais, o juiz poderá recorrer aos conceitos abertos do direito privado, preenchendo-os com o auxílio dos valores constitucionais ou, se for o caso, tomar em consideração os princípios gerais, valendo-se mais uma vez da regra da harmonização, sempre que possa afirmar "que há um valor ou interesse constitucionalmente relevante que se contrapõe à eficácia normativa absoluta do preceito constitucional (normalmente a autonomia privada)". [21]


4. A chamada multifuncionalidade dos direitos fundamentais

Quando a atenção recai sobre a subjetivação dos direitos fundamentais, passam a importar as diversas funções que podem exercer. Aqui não há mais preocupação em afirmar – uma vez que isso já foi esclarecido - que geralmente convivem, na norma de direito fundamental, as perspectivas objetiva e subjetiva. O que importa deixar claro é que uma mesma norma de direito fundamental – além de poder possuir ambas as perspectivas referidas – pode conter diversas funções. O que interessa, nesse momento, é destacar a chamada multifuncionalidade dos direitos fundamentais e a importância de uma classificação que, tomando em conta a sua função, possa sublinhar a importância do desenvolvimento do tema.

Se entre as mais importantes classificações funcionais estão as de Alexy e Canotilho, é justo dizer que, no Brasil, merece referência a classificação empreendida por Ingo Wolfgang Sarlet. Essas três classificações dividem os direitos fundamentais em dois grandes grupos: os direitos de defesa e os direitos a prestações.

Os direitos fundamentais foram vistos, à época do constitucionalismo de matriz liberal-burguesa, apenas como o direito do particular impedir a ingerência do Poder Público em sua esfera jurídica, ou seja, como direitos de defesa. Porém, o que importa, aqui, são os chamados direitos a prestações, ligados às novas funções do Estado diante da sociedade. É justamente em relação aos direitos a prestações que existe alguma diferença entre as classificações.

Canotilho divide o grupo dos direitos a prestações, inicialmente, em direitos ao acesso e utilização de prestações do Estado. Esses são divididos em direito originário a prestações e direitos derivados a prestações.

Aludindo ao direito originário a prestações, explica Canotilho: "afirma-se a existência de direitos originários a prestações quando: (1) a partir da garantia constitucional de certos direitos (2) se reconhece, simultaneamente, o dever do Estado na criação dos pressupostos materiais indispensáveis ao exercício efectivo desses direitos; (3) e a faculdade de o cidadão exigir, de forma imediata, as prestações constitutivas desses direitos. Exs.: (i) a partir do direito ao trabalho pode derivar-se o dever do Estado na criação de postos de trabalho e a pretensão dos cidadãos a um posto de trabalho?; (ii) com base no direito de expressão é legítimo derivar o dever do Estado em criar meios de informação e de os colocar à disposição dos cidadãos, reconhecendo-se a estes o direito de exigir a sua criação?" [22].

Ao tratar dos direitos derivados a prestações, Canotilho esclarece que, "a medida que o Estado vai concretizando as suas responsabilidades no sentido de assegurar prestações existenciais dos cidadãos (é o fenômeno que a doutrina alemã designa por Daseinsvorsorge), resulta, de forma imediata, para os cidadãos: - o direito de igual acesso, obtenção e utilização de todas as instituições públicas criadas pelos poderes públicos (exs.: igual acesso às instituições de ensino, igual acesso aos serviços de saúde, igual acesso à utilização das vias e transportes públicos); - o direito de igual quota-parte (participação) nas prestações fornecidas por estes serviços ou instituições à comunidade (ex.: direito de quota-parte às prestações de saúde, às prestações escolares, às prestações de reforma e invalidez)" [23].

Como se vê, os direitos derivados são aqueles que pressupõem o cumprimento das prestações originárias. Isso fica bem claro, no escrito de Canotilho, a partir de referência a julgado que, em Portugal, declarou inconstitucional norma que pretendeu revogar parte da lei que criou o "Serviço Nacional de Saúde": "a partir do momento em que o Estado cumpre (total ou parcialmente) as tarefas constitucionalmente impostas para realizar um direito social, o respeito constitucional desse deixa de consistir (ou deixa de consistir apenas) numa obrigação positiva, para se transformar ou passar também a ser uma obrigação negativa. O Estado, que estava obrigado a atuar para dar satisfação ao direito social, passa a estar obrigado a abster-se de atentar contra a realização dada ao direito social". [24]

Mas, além dos direitos ao acesso e utilização das prestações do Estado (subdivididos em direito originário e em direitos derivados), Canotilho prossegue em sua classificação afirmando que os direitos a prestações também devem ser vistos como direitos à participação na organização e procedimento. Nesse ponto, Canotilho alude à necessidade de "democratização da democracia" através da participação direta nas organizações, o que exigiria procedimentos. Diz ele: "os cidadãos permanecem afastados das organizações e dos processos de decisão, dos quais depende afinal a realização dos seus direitos: daí a exigência de participação no controlo das ‘hierárquicas, opacas e antidemocráticas empresas; daí a exigência de participação nas estruturas de gestão dos estabelecimentos de ensino; daí a exigência de participação na imprensa e nos meios de comunicação social. Através do direito de participação garantir-se-ia o direito ao trabalho, a liberdade de ensino, a liberdade de imprensa. Quer dizer: certos direitos fundamentais adquiririam maior consistência se os próprios cidadãos participassem nas estruturas de decisão – ‘durch Mitbestimmung mehr Freiheit’ (através da participação maior liberdade)". [25]

Alexy, no entanto, divide o grupo dos direitos a prestações em direitos a prestações em sentido amplo e direitos a prestações em sentido estrito. Os direitos a prestações em sentido estrito são relacionados aos direitos às prestações sociais, enquanto que os direitos a prestações em sentido amplo apresentam outra divisão: direitos à proteção e direitos à organização e ao procedimento. [26] Alexy anota que todo direito a um ato positivo, ou seja, a uma ação do Estado, é um direito a uma prestação. Dessa maneira, o direito a prestações seria a exata contrapartida do direito de defesa, sobre o qual recai todo o direito a uma ação negativa, vale dizer, a uma omissão por parte do Estado. [27] Se a diferença entre direito a prestação e direito de defesa é nítida, os direitos as prestações devem significar, segundo Alexy, mais do que direitos a prestações fáticas de natureza social, devendo englobar, igualmente, direitos a prestações normativas, tais como a proteção por meio de normas de direito penal (por exemplo) ou a edição de normas de organização e procedimentais. [28]

E é aqui que parece importar, até mesmo para fins didáticos, o problema relacionado ao direito ambiental. Há quem pense que o direito ambiental não é direito fundamental, apenas por não estar incluído no Título II da Constituição Federal, o que não merece maiores considerações, diante do que já foi dito quando se tratou da fundamentabilidade material dos direitos fundamentais. Contudo, há outros que entendem que o direito ambiental é dependente apenas de prestações fáticas estatais, que poderiam ser enquadradas entre as prestações em sentido estrito. Acontece que o direito ambiental exige muito mais do que isso. O meio ambiente não requer somente medidas fáticas para a sua conservação e melhoramento, mas também medidas normativas destinadas a sua proteção e dirigidas a permitir a participação na organização através de procedimentos adequados [29]

A classificação de Ingo Wolfgang Sarlet igualmente destaca os direito à proteção, os direitos à participação na organização e procedimento e os direitos a prestações em sentido estrito, colocando-os como um grupo – o dos direitos a prestações - ao lado dos direitos de defesa. A partir da formulação de Alexy, Ingo deixa claro que o indivíduo não possui somente direito de impedir a intromissão (direito a um não agir), mas também o direito de exigir ações positivas de proteção por parte do Estado [30]. Como é óbvio, o direito de impedir não pode se confundir com o direito de exigir. Por exemplo: o direito do consumidor, assim como o direito ambiental, exige medidas positivas de proteção, as quais podem consistir em normas de natureza penal, administrativa ou até mesmo em uma atuação concreta dos Poderes Públicos [31].

Voltando-se aos direitos na organização e no procedimento, sublinha Ingo que aí o problema seria respeitante à possibilidade de se exigir do Estado "a emissão de atos legislativos e administrativos destinados a criar órgãos e estabelecer procedimentos, ou mesmo de medidas que objetivem garantir aos indivíduos a participação efetiva na organização e no procedimento" [32].


5. O direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional

O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, afirma que "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito". Entende-se que essa norma garante a todos o direito a uma prestação jurisdicional efetiva.

A sua importância, dentro da estrutura do Estado Democrático de Direito, é de fácil assimilação. É sabido que o Estado, após proibir a autotutela, assumiu o monopólio da jurisdição. Como contrapartida dessa proibição, conferiu aos particulares o direito de ação, até bem pouco tempo compreendido como direito à solução do mérito

A concepção de direito de ação como direito a sentença de mérito não poderia ter vida muito longa, uma vez que o julgamento do mérito somente tem importância – como deveria ser óbvio – se o direito material envolvido no litígio for realizado - além de reconhecido pelo Estado-Juiz. Nesse sentido, o direito à sentença deve ser visto como direito ao provimento e aos meios executivos capazes de dar efetividade ao direito substancial, o que significa direito à efetividade em sentido estrito.

Mas, não há como esquecer, quando se pensa no direito à efetividade em sentido lato, de que a tutela jurisdicional deve ser tempestiva e, em alguns casos, ter a possibilidade de ser preventiva. Antigamente, questionava-se sobre a existência de direito constitucional à tutela preventiva. Dizia-se, simplesmente, que o direito de ir ao Poder Judiciário não incluía o direito à "liminar", desde que o jurisdicionado pudesse afirmar lesão ao direito e vê-la apreciada pelo juiz.

Atualmente, diante da inclusão da locução "ameaça a direito" na verbalização do denominado princípio da inafastabilidade, não há mais qualquer dúvida sobre o direito à tutela jurisdicional capaz de impedir a violação do direito. [33]

Na verdade, essa conclusão é pouco mais do que óbvia, especialmente em face dos direitos ditos invioláveis, alguns erigidos a direitos fundamentais pela própria Constituição. Em outros termos, o direito à tutela inibitória está contido na própria estrutura da norma que institui algumas espécies de direitos, pois não há como conceber a existência de norma que outorgue direito inviolável sem conferir direito à inibição do ilícito.

Como se vê, o direito à inibição do ilícito está no plano do direito material, pois decorre da sanção que compõe a própria norma que outorga o direito, e não na esfera do direito processual. O processo é somente técnica para a prestação da tutela inibitória, pois essa última já é garantida pelo direito material. Porém, se o processo, diante da natureza de algumas situações de direito substancial, não estiver disposto de modo a viabilizar a outorga da tutela inibitória àquele que a ela tem direito, certamente estará negando o direito fundamental à tutela jurisdicional preventiva.

Importa, ainda, o direito à tempestividade da tutela jurisdicional [34]. O direito à tempestividade não só tem a ver com a tutela antecipatória, como também com a compreensão da duração do processo de acordo com o uso racional do tempo processual por parte do réu e do juiz.

A tutela do direito geralmente é conferida ao autor ao final do procedimento – quando a sentença for de procedência, como é óbvio. Quando há fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, admite-se que o autor possa, quando lhe for possível demonstrar a probabilidade do direito que afirma possuir, requerer a antecipação da tutela almejada. Mas, essa é apenas uma das espécies de tutela antecipatória. As outras duas, vale dizer, a baseada em abuso de direito de defesa (art. 273, II, CPC) e a fundada em incontrovérsia de parcela da demanda (art. 273, 6º, CPC), têm íntima relação com a necessidade de distribuição do ônus do tempo do processo.

Pretender distribuir o tempo implica em vê-lo como ônus, e essa compreensão exige a prévia constatação de que ele não pode ser visto como algo neutro ou indiferente ao autor e ao réu. Se o autor precisa de tempo para receber o bem da vida a que persegue, é lógico que o processo – evidentemente que no caso de sentença de procedência – será tanto mais efetivo quanto mais rápido. De modo que a técnica antecipatória baseada em abuso de direito de defesa ou em incontrovérsia de parcela da demanda possui o objetivo fundamental de dar tratamento racional ao tempo do processo, permitindo que decisões sobre o mérito sejam tomadas no seu curso, desde que presentes o abuso do direito de defesa ou a incontrovérsia de parcela da demanda. Para tanto, parte-se da premissa de que não é racional obrigar o autor a suportar a demora do processo quando há abuso do direito de defesa ou quando parcela da demanda pode ser definida no curso do processo.

Porém, como já anunciado, a questão da tempestividade não se resume à problemática da tutela antecipatória, devendo ser sempre analisada a partir da utilização racional do tempo do processo pelo réu e pelo juiz. Se o réu tem direito à defesa, não é justo que o seu exercício extrapole os limites do razoável. Da mesma forma, haverá lesão ao direito à tempestividade caso o juiz entregue a prestação jurisdicional em tempo injustificável diante das circunstâncias do processo e da estrutura do órgão jurisdicional.

Para resumir, basta evidenciar que há direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, tempestiva e, quando houver necessidade, preventiva. A compreensão desse direito depende da adequação da técnica processual aos direitos, ou melhor, da visualização da técnica processual a partir das necessidades do direito material. Se a efetividade (em sentido lato) requer adequação e a adequação deve trazer efetividade, o certo é que os dois conceitos podem ser decompostos para melhor explicar a necessidade de adequação da técnica às diferentes situações de direito substancial. Pensando-se a partir daí fica mais fácil visualizar a técnica efetiva, contribuindo-se para sua otimização e para que a efetividade ocorra do modo menos gravoso ao réu.

Tal direito não poderia deixar de ser pensado como fundamental, uma vez que o direito à prestação jurisdicional efetiva é decorrência da própria existência dos direitos e, assim, a contrapartida da proibição da autotutela. O direito à prestação jurisdicional é fundamental para a própria efetividade dos direitos, uma vez que esses últimos, diante das situações de ameaça ou agressão, sempre restam na dependência da sua plena realização. Não é por outro motivo que o direito à prestação jurisdicional efetiva já foi proclamado como o mais importante dos direitos, exatamente por constituir o direito a fazer valer os próprios direitos.


6. O enquadramento do direito à efetividade da tutela jurisdicional na classificação funcional dos direitos fundamentais

Como é fácil perceber, diante dos itens que trataram do aspecto funcional dos direitos fundamentais e do direito à efetividade da tutela jurisdicional, esse direito não pode ser pensado como direito de defesa, ou seja, como direito de natureza negativa, uma vez que consiste, como é evidente, em um direito de exigir uma prestação do Estado.

Se isso é óbvio, algumas dúvidas podem surgir diante da idéia de direitos a prestações. O direito à prestação jurisdicional efetiva não pode ser visto como um direito a uma prestação fática. Mas também não pode ser visto apenas como i) o direito à técnica processual adequada, ii) o direito de participar através do procedimento adequado ou iii) o direito à resposta do juiz. Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efetiva engloba esses três direitos, pois exige técnica processual adequada (norma processual), instituição de procedimento capaz de viabilizar a participação (p, ex., ações coletivas) e, por fim, a própria resposta jurisdicional.

Note-se, em primeiro lugar, que o direito à tutela jurisdicional efetiva tem relação com a possibilidade de participação, e por isso pressupõe um direito à participação (o Teilhaberechte dos alemães). Nessa linha, a necessidade de participação fez Canotilho relacionar o procedimento coletivo com o direito a um procedimento justo [35]. Trata-se do procedimento capaz de conferir a possibilidade de participação para a proteção dos direitos fundamentais e para a reivindicação dos direitos sociais.

Acontece que essa participação deve ser feita perante um procedimento idôneo à proteção dos direitos, até mesmo porque o direito à proteção não exige somente normas de conteúdo material, mas igualmente normas processuais [36]. Isso quer dizer que o direito à proteção dos direitos fundamentais tem como corolário o direito a pré-ordenação das técnicas adequadas à efetividade da tutela jurisdicional, as quais não são mais do que respostas do Estado ao seu dever de proteção.

Porém, o direito à tutela jurisdicional não só requer a consideração dos direitos de participação e de edição de técnicas processuais adequadas, como se dirige à obtenção de uma prestação do juiz. Essa prestação do juiz, assim como a lei, também pode significar, em alguns casos, concretização do dever de proteção do Estado em face dos direitos fundamentais. A diferença é que a lei é resposta abstrata do legislador, ao passo que a decisão é resposta do juiz diante do caso concreto. Ou seja, há direito, devido pelo Estado-legislador, à edição de normas de direito material de proteção, assim como de normas de direito instituidoras de técnicas processuais capazes de propiciar efetiva proteção [37]. Mas o Estado-Juiz também possui dever de proteção, que realiza no momento em que profere a sua decisão a respeito dos direitos fundamentais.

Entretanto, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, quando se dirige contra o juiz, não exige apenas a efetividade da proteção dos direitos fundamentais, mas sim que a tutela jurisdicional seja prestada de maneira efetiva para todos os direitos. Tal direito fundamental, por isso mesmo, não requer apenas técnicas e procedimentos adequados à tutela dos direitos fundamentais, mas sim técnicas processuais idôneas à efetiva tutela de quaisquer direitos. De modo que a resposta do juiz não é apenas uma forma de se dar proteção aos direitos fundamentais, mas sim uma maneira de se dar tutela efetiva a toda e qualquer situação de direito substancial, inclusive aos direitos fundamentais que não requerem proteção, mas somente prestações fáticas do Estado (prestações em sentido estrito ou prestações sociais).

Como se vê, embora a resposta do juiz sempre atenda ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, somente em alguns casos o objeto da decisão é outro direito fundamental, ocasião em que, na realidade, existe o direito fundamental à tutela jurisdicional ao lado do direito fundamental posto à decisão do juiz. Quando esse outro direito fundamental requer prestação de proteção, não há dúvida que a decisão configura evidente prestação jurisdicional de proteção. E no caso em que a decisão não trata de direito fundamental? Frise-se que, embora o juiz, nesse caso, não decida sobre direito fundamental, ele obviamente responde ao direito fundamental à efetiva tutela jurisdicional. Nessa hipótese, como a prestação do juiz não decide sobre direito fundamental, ela deverá ser considerada diante do próprio direito fundamental à tutela jurisdicional.

Se o juiz não tem apenas a função de resolver litígios, porém a de zelar pela idoneidade da prestação jurisdicional, sem poder resignar-se a aplicar a técnica processual que possa conduzir a uma tutela jurisdicional inefetiva, é certo dizer que o seu dever não se resume a uma mera resposta jurisdicional, pois exige a prestação de uma tutela jurisdicional efetiva. Ou seja, o dever do juiz, assim como o do legislador ao instituir a técnica processual adequada, está ligado ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional, compreendido como um direito necessário para que se dê proteção a todos os outros direitos.

Nesse sentido, compreendida a necessidade de tutela – aí entendida como proteção – dos direitos através do processo jurisdicional, é correto pensar que o juiz e o legislador, ao zelarem pela técnica processual adequada à efetividade da prestação jurisdicional, prestam proteção aos direitos e, por conseqüência, ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, os quais, não fosse assim, de nada valeriam.

O jurisdicionado não é obrigado a se contentar com um procedimento inidôneo à tutela jurisdicional efetiva, pois o seu direito não se resume à possibilidade de acesso ao procedimento legalmente instituído. Com efeito, o direito à tutela jurisdicional não pode restar limitado ao direito de igual acesso ao procedimento estabelecido, ou ao conceito tradicional de direito de acesso à justiça. Não importa apenas dizer que todos devem ter iguais oportunidades de acesso aos procedimentos e aos advogados, e assim à efetiva possibilidade de argumentação e produção de prova.

Será que o direito à tutela jurisdicional é apenas o direito ao procedimento legalmente instituído, não importando a sua capacidade de atender de maneira idônea o direito material? Ora, não tem cabimento entender que há direito fundamental à tutela jurisdicional, mas que esse direito pode ter a sua efetividade comprometida se a técnica processual houver sido instituída de modo incapaz de atender ao direito material. Imaginar que o direito à tutela jurisdicional é o direito de ir a juízo através do procedimento legalmente fixado, pouco importando a sua idoneidade para a efetiva tutela dos direitos, seria inverter a lógica da relação entre o direito material e o direito processual. Se o direito de ir a juízo restar na dependência da técnica processual expressamente presente na lei, o processo é que dará os contornos do direito material. Mas, deve ocorrer exatamente o contrário, uma vez que o primeiro serve para cumprir os desígnios do segundo. Isso significa que a ausência de técnica processual adequada para certo caso conflitivo concreto representa hipótese de omissão que atenta contra o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.

Se o dever do legislador editar o procedimento idôneo pode ser reputado descumprido diante de determinado caso concreto, o juiz, diante disso, obviamente não perde o seu dever de prestar a tutela jurisdicional efetiva. Por tal razão, o juiz tem o dever de interpretar a legislação à luz do direito fundamental à tutela jurisdicional, estando obrigado a extrair da regra processual, sempre com a finalidade de efetivamente tutelar os direitos, a sua máxima potencialidade, desde – e isso nem precisaria ser dito – que não seja violado o direito de defesa.

Portanto, deseja-se propor, nesse momento, que o direito à tutela jurisdicional, ainda que sem perder sua característica de direito de iguais oportunidades de acesso à justiça, passe a ser visto como o direito à efetiva proteção do direito material, do qual são devedores o legislador e o juiz, que então passa a ter um verdadeiro dever de se comportar de acordo com o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.


7. A relação entre o direito à tutela jurisdicional efetiva, o direito material e a realidade socia

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Se o direito à tutela jurisdicional efetiva não se contenta em ser o direito ao procedimento legalmente instituído, e se não basta mais racionar em termos de iguais oportunidades de acesso à justiça, é fundamental verificar a partir de que lugar o procedimento deve ser formatado, e assim qual é a origem da sua legitimação.

É claro que, em uma primeira análise, a legitimidade do procedimento depende da observância dos princípios constitucionais garantidores da adequada participação das partes e do juiz. Assim, juiz natural, igualdade, contraditório, publicidade e motivação das decisões.

Ainda que os princípios da igualdade e do contraditório devam ser vistos – como não poderia deixar de ser – em uma perspectiva concreta, que parte da idéia de que a igualdade de participação deve tomar em consideração as desigualdades das diferentes posições sociais, é indispensável analisar a realidade social e o direito material – vale dizer, a substância – sobre a qual o procedimento incide. Como diz Alexy, "los derechos a procedimientos judiciales y administrativos son esencialmente derechos a una ‘protección jurídica efectiva’. Condición de una efectiva protección jurídica es que el resultado del procedimiento garantice los derechos materiales del respectivo titular de derechos" [38].Na verdade, o direito à tutela jurisdicional efetiva requer que os olhos sejam postos não apenas no direito material, mas também na realidade social. Para tanto, é imprescindível que a análise considere não só a necessidade de igualdade de participação interna no procedimento, mas sobretudo a abertura para a participação por meio de diferentes espécies procedimentais.

Toma-se, aqui, a idéia de procedimento diferenciado em relação ao procedimento ordinário – esse último instituído sem qualquer consideração ao direito material e à realidade social. Existindo situações de direito substancial e posições sociais justificadoras de distintos tratamentos, a diferenciação de procedimentos está de acordo com o direito à tutela jurisdicional efetiva. Pelo mesmo motivo, a existência de apenas um procedimento para situações distintas fere o direito à tutela jurisdicional efetiva.

É fácil perceber as posições sociais legitimadoras da diferenciação dos procedimentos. Se o Estado possui o dever de viabilizar o acesso de todos à justiça (e aos bens sociais), não é difícil concluir que aqueles que merecem procedimentos (técnicas processuais) diferenciados são exatamente os que possuem dificuldades de enfrentar as formalidades do procedimento comum. Com base nessa idéia, por exemplo, foi instituído o procedimento dos Juizados Especiais.

A outra face do procedimento diferenciado está ligada às diferentes situações de direito substancial. Sendo diferentes as situações carecedoras de proteção jurisdicional, torna-se até óbvia a necessidade de técnicas processuais diferenciadas, pois um único procedimento jamais terá aptidão para dar conta de situações materiais distintas.

A expressão procedimento diferenciado poderia ser tomada como sinônimo de procedimento especial. Porém, boa parte da doutrina processual acusa os procedimentos especiais de atentarem contra a lógica da separação entre o direito processual e o direito material. Tal doutrina, entretanto, não considera o fato de que diferentes situações de direito substancial exigem procedimentos diferenciados, e que, assim, a pretensão de uniformidade de procedimentos somente pode ser vista como fruto de delírio de onipotência do processualista.

Já passou o tempo em que bastava estudar a ação una e abstrata e o universo de sentenças que estava ao seu redor. A idéia de direito de ação, como mero direito a uma sentença de mérito, não tem muita importância para quem está preocupado com um processo efetivo, isto é, com um processo capaz de dar efetividade aos direitos que precisam ser através dele protegidos.

Na fase em que se encontra o direito processual civil, é imprescindível redescobrir as relações entre o processo e o direito material, que – como bem observou Denti – a tão proclamada autonomia da ação e da relação processual acabou por obscurecer, deixando de lado a estrita dependência dos institutos do processo (de um processo em determinado momento histórico) da influência do direito substancial e, portanto, do papel que o direito hegemônico desenvolve na sociedade. [39]

Se o processo pode ser visto como instrumento, é absurdo pensar em neutralidade do processo em relação ao direito material e à realidade social. O processo não pode ser indiferente a tudo isso. Nesse sentido, é correto dizer que nunca houve autonomia do processo, mas sim uma relação de interdependência entre o direito processual e o direito material. [40]


8. Conseqüências da idéia de direito ao procedimento idôneo ao direito material e à realidade social

8.1 Técnica processual e procedimento adequado

Não há como confundir técnica processual com procedimento. O procedimento é uma espécie de técnica processual destinado a permitir a tutela dos direitos. Para se compreender o procedimento, como técnica processual autônoma, é necessário distanciá-lo da técnica antecipatória, das sentenças e dos meios executivos. Isso porque é possível distinguir direito ao procedimento de, por exemplo, direitos à sentença e ao meio executivo adequado.

O procedimento, embora possa ser visto como garantia de técnica antecipatória, sentenças e meios executivos, pode ser analisado como algo que se diferencia do procedimento ordinário de cognição plena e exauriente, e nesses termos possui importância por si só, independentemente das técnicas processuais nele inseridas.

O procedimento, como técnica processual autônoma, e assim indiferente à técnica antecipatória, às sentenças e aos meios executivos, somente pode ser visto na perspectiva da aceleração da prática dos seus atos e da limitação da cognição do juiz.

Nessa linha, é necessário demonstrar a diferença entre a sumariedade procedimental no sentido formal e a restrição da cognição (no sentido material). [41] Para se analisar essa questão, é preciso partir do procedimento ordinário de cognição plena e exauriente.

A sumariedade formal nada mais é do que o resultado da aceleração da prática dos atos processuais. De modo que o procedimento sumário é representante dessa espécie de sumariedade, porém não limita o juízo a respeito do objeto cognoscível – restringindo a produção de provas para ser atingida a chamada verossimilhança ou cognição sumária no sentido material. Ao contrário, só há juízo final de verossimilhança a respeito do objeto cognoscível nos procedimentos que se contentam com o fumus boni iuris (p. ex.: procedimento cautelar).

O procedimento de cognição sumária (essa é apenas uma das espécies da cognição em sentido material) não permite o conhecimento aprofundado do objeto cognoscível (verossimilhança), ao passo que o procedimento formalmente sumário (art. 275 e ss. CPC) sempre possibilita o conhecimento aprofundado dos fatos litigiosos, embora em um tempo inferior àquele que seria gasto pelo procedimento ordinário - diante da aceleração dos atos processuais.

A restrição da cognição no sentido material pode dar origem a vários tipos de cognição [42]. Quando se olha para a intensidade da cognição em relação ao objeto cognoscível, a cognição pode ser exauriente ou sumária, conforme se admita, ou não, a plena produção de provas. É possível dizer, nesse sentido, que a cognição está sendo observada no sentido vertical. Quando se pensa na matéria que pode ser conhecida pelo juiz – e não apenas na forma (restrição, ou não, da produção da prova) através da qual o juiz poderá chegar a um juízo sobre o objeto cognoscível -, a cognição é referida a uma perspectiva horizontal, e assim o corte não é mais feito em relação à profundidade do conhecimento (no sentido vertical). O que importa, nessa última perspectiva, é saber qual é a matéria que pode formar o objeto de cognição, e não se a cognição pode conduzir a "juízos" ditos de verossimilhança ou de certeza (porque atrelados à limitação, ou não, da produção da prova). Melhor explicando: a cognição no sentido horizontal indaga sobre "o que" (qual a matéria) pode formar o objeto cognoscível, ao passo que a cognição no sentido vertical pergunta "como" (através da plenitude probatória, ou não) se pode formar o juízo.

Pois bem, no que concerne à cognição no sentido horizontal, há cognição plena e cognição parcial. Com efeito, a cognição plena diz respeito à amplitude do conhecimento do juiz no sentido horizontal. Não importa, aqui, a possibilidade de cognição exauriente do objeto cognoscível. A contraposição entre cognição plena e parcial deve ser compreendida a partir do plano do direito material, pois, em determinadas hipóteses, a cognição do magistrado pode não atingir toda a extensão fática do conflito de interesses (em sentido pré-processual, obviamente). Nada impede, por isso, que o procedimento ordinário ou o procedimento formalmente sumário sejam de cognição plena ou de cognição parcial.

A cognição parcial é relativa aos procedimentos que delimitam o objeto cognoscível (a matéria que pode ser conhecida). Isso é feito de duas maneiras: mediante a previsão das questões que o autor pode levar a Juízo (embargos do executado) ou das alegações que podem ser apresentadas na contestação [43]. É em relação a restrição do conteúdo da defesa, e a conseqüente limitação da matéria que pode ser conhecida, que os casos são mais significativos.

Nos procedimentos de cognição parcial, o juiz fica impedido de conhecer as questões reservadas, ou seja, as questões excluídas pelo legislador para dar conteúdo a outra demanda. [44] Porém, as questões excluídas pelo legislador sempre poderão ser objeto de ação inversa posterior, em que serão autor e réu, respectivamente, o réu e o autor no primeiro processo. O princípio da inafastabilidade [45] (art. 5º, XXXV, CF) garante o direito do réu levar a juízo, ainda que como autor, as questões que não pode deduzir na contestação.

Através de tal técnica é possível investigar o valor que está contido em cada procedimento. Para que isso seja possível, é necessário perceber que o procedimento de cognição parcial objetiva privilegiar a certeza e a celeridade, ao permitir o surgimento de uma sentença com força de coisa julgada material em um tempo inferior àquele que seria necessário ao exame de toda a extensão da situação litigiosa.

A importância do procedimento adequado tem íntima vinculação com a cognição parcial. Ou melhor, o procedimento de cognição parcial, em certas situações, é imprescindível para a adequada tutela do direito material e ao atendimento efetivo das suas necessidades. Mas, em outras, não apresenta justificação perante o direito material e os valores da Constituição Federal, constituindo privilégio odioso.

Importa saber, desse modo, o que legitima os procedimentos especiais, até porque há quem sustente, com base em critérios denominados científicos, a impropriedade da existência de procedimentos diferenciados, e assim a utopia de um procedimento único. [46] Essa pretensão, fundada em desejos pseudo-científicos, somente pode constituir uma ilusão infundada, pois não há como se tratar de maneira igual situações desiguais. A suposição de que um único procedimento poderia atender a todos, independentemente das suas diferenças, para que então fosse possível uma melhor sistematização técnica e teórica, implica em uma absurda superposição da teoria sobre as necessidades concretas dos homens, e assim – na melhor das hipóteses - pode ser vista como um desejo egoísta.

Não há dúvida que, se um direito não pode ser tutelado por meio de procedimento de cognição plena, a ele deve ser deferido um procedimento especial. Nas ações possessórias limita-se a defesa, impedindo-se que as objeções petitórias sejam postas em discussão. Porém, o réu, sucumbindo no procedimento de cognição parcial, fica com a possibilidade de propor ação contrária contra o vencedor. Assim, permite-se que o proprietário, vencido no campo possessório, discuta suas razões de natureza petitória posteriormente, por meio da ação reivindicatória.

Note-se que o conteúdo da ação possessória não tem a ver com o procedimento no sentido formal (ordinário ou sumário), mas sim com a restrição a discussão do domínio. Porém, se a efetividade da tutela da posse depende dessa limitação a defesa, sua justificativa é sensível.

Porém, tal via de percepção não é bastante. O sistema processual deve se adequar não apenas às características dos direitos materiais, mas também às diferentes posições sociais dos litigantes. A ausência dessa adequação, diante da preferência pelo procedimento único, é um defeito que tem marcado as codificações processuais do direito continental europeu – nas palavras de Trocker demasiadamente preocupadas em desenhar um sistema linear e puro. [47]

Para se verificar a necessidade de procedimentos especiais de cognição parcial e de órgãos jurisdicionais especializados é necessário considerar os valores da Constituição Federal. O art. 3º, III, da Constituição Federal, é bem claro ao afirmar que um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil é "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais". É possível deixar claro, nessa linha de argumentação, que nem todo procedimento especial instituído pelo legislador é um procedimento legítimo à luz dos valores da Constituição. Também por uma razão óbvia: da mesma forma que não é correto tratar situações diferentes por meio de um único procedimento, não é possível conferir procedimentos distintos a situações que não merecem – à luz dos valores da Constituição – tratamento diversificado.

Se a Constituição Federal deve eliminar as desigualdades, não há como aceitar o procedimento que faz exatamente o contrário, isto é, potencializa a desigualdade, abrindo ao que tem posição social privilegiada a oportunidade de percorrer as vias da jurisdição por intermédio de um procedimento diferente daquele que é atribuído às posições sociais "comuns".

Como já dissemos [48], os procedimentos, como todos os atos do poder público, devem estar em conformidade com o princípio da igualdade. O legislador infraconstitucional é obrigado a desenhar procedimentos que não constituam privilégios, bem como, para atender aos socialmente mais carentes, a estruturar procedimentos que sejam diferenciados, na medida em que a diferenciação de procedimentos é uma exigência insuprimível para um ordenamento que se inspira na igualdade substancial [49].

O procedimento que não está de acordo com o princípio da igualdade não é due process of law. A cláusula do devido processo legal não é mais mera garantia processual, tendo se transformado, ao lado do princípio da igualdade, "no mais importante instrumento jurídico protetor das liberdades públicas, com destaque para a sua novel função de controle do arbítrio legislativo e da discricionariedade governamental, notadamente da ‘razoabilidade’ (reasonableness) e da ‘racionalidade’ (rationality) das normas jurídicas e dos atos em geral do Poder Público" [50]. A cláusula do devido processo legal no sentido substancial permite o controle da legitimidade das normas jurídicas através do princípio da isonomia. Ora, como já dizia San Tiago Dantas, nem todo ato legislativo formalmente perfeito é due process of law. Para que o seja, é necessário que esse ato, no seu conteúdo normativo, esteja de acordo com o princípio da igualdade [51].

O controle da razoabilidade da lei, realizada em virtude da garantia do devido processo legal, tem por fim evitar leis que sejam arbitrárias, ou melhor, leis que discriminem em desatenção ao princípio da igualdade, ou que deixem de diferenciar quando necessário à observância desse princípio. Isto é, a cláusula inclui "a proibição ao Poder Legislativo de editar leis discriminatórias, ou em que sejam negócios, coisas ou pessoas tratados com desigualdade em ponto sobre os quais não haja entre eles diferenças razoáveis, ou que exijam, por sua natureza, medidas singulares ou diferenciais". [52]

Há uma série de procedimentos - apontados pela melhor doutrina [53] como procedimentos especialíssimos - que não tem legitimidade alguma diante dessa perspectiva de análise. É o caso da execução privada do Decreto-lei n. 70/66 ou do procedimento da busca e apreensão do Decreto-lei n. 911/69. Nesse último caso, o réu, na contestação - segundo os termos do art. 3º, §2º - só pode "alegar o pagamento do débito vencido ou o cumprimento das obrigações contratuais". Como é óbvio, essa norma limita a defesa para imprimir maior celeridade ao procedimento. Essa rapidez é dada ao autor às custas do réu, que fica impedido – segundo o desejo da lei – de discutir as cláusulas do contrato, que consistem em matéria que poderia justificar o não pagamento das prestações. Trata-se de restrição à amplitude da defesa que não tem qualquer justificativa, mas apenas a intenção de conferir uma justiça mais rápida às instituições financeiras. A restrição ao direito de defesa, aqui, não encontra legitimidade nos valores constitucionais.

Porém, ainda que o procedimento de cognição parcial abra oportunidade para a descoberta da sua finalidade na perspectiva dos valores, há procedimentos que são instituídos com cognição parcial em razão de valores merecedores de agasalho. O Decreto-lei n. 3.365, de 21 de junho de 1941 (que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública), afirma que a contestação só poderá versar sobre vício do processo judicial ou impugnação do preço; e que qualquer outra questão somente poderá ser ventilada em ação própria (art. 20). Como já foi julgado, a lei não impede "a discussão judicial em torno do fundamento da desapropriação, no caso de eventual abuso por parte do Poder Público; também não impede que qualquer alegação seja examinada pelo Poder Judiciário. Só que tais discussões deverão ocorrer em ação própria" [54]. É evidente que a questão afastada da cognição do juiz – o fundamento da desapropriação - pode ser levada ao conhecimento do Poder Judiciário, mediante, por exemplo, o uso do mandado de segurança. O que importa é saber se é justificável limitar a contestação a eventual vício do processo e ao preço. Nesse caso, não há dúvida que a restrição à defesa é justificável, pois o fundamento da desapropriação é legitimado pelo interesse público. Assim, no processo em que se objetiva a desapropriação, não há razão para se discutir o fundamento da desapropriação, mas somente o preço. Mas, se o desapropriado desejar discutir questão que não possa ser objeto da cognição do juiz na desapropriação, isso evidentemente será possível mediante ação inversa – diante do princípio da inafastabilidade.

Pensando-se em termos de procedimento adequado, cabe considerar, por fim, a necessidade de procedimentos que viabilizem a participação dos cidadãos, ainda que por meio de entidades legitimadas, na defesa de direitos econômicos, sociais e culturais da sociedade (meio ambiente, direitos do consumidor, patrimônio público e cultural, direitos à educação e à saúde etc). [55] São os procedimentos - caracterizados especialmente i) por deferir a entes coletivos a legitimação para a causa e ii) por tratar de forma extensiva da coisa julgada material - previstos no sistema que serve à tutela dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, composto pela Lei da Ação Civil Pública e pela parte final do CDC.

8.2 Direito à técnica antecipatória

Por outro lado, o jurisdicionado possui direito à técnica antecipatória. Direito à técnica antecipatória quer dizer direito à possibilidade de requerimento e de obtenção da antecipação da tutela. Nesse sentido, o direito à técnica antecipatória é o direito à técnica processual capaz de viabilizar a antecipação da tutela. Melhor explicando: o direito à tutela antecipatória não é apenas o direito à obtenção de decisão concessiva de tutela antecipatória, mas sim o direito ao bem da vida outorgado por essa decisão. Ou seja, pensar em direito à tutela antecipatória implica em falar na sua plena e integral efetivação.

A técnica antecipatória foi estruturada de diferentes formas, tornando-se possível requerer a antecipação da tutela quando houver: i) receio de dano (arts. 273, I, 461, §3º e 461-A CPC e 84, 3º, CDC); ii) abuso de direito de defesa (art. 273, II, CPC); e iii) parcela incontroversa da demanda (art. 273, §6º, CPC).

A tutela é o bem da vida procurado pelo autor. Portanto, em princípio é concedida ao final do procedimento, pela sentença. Desse modo, a tutela é, em regra, a tutela final, que então deve ser classificada em diversas espécies, como ficará claro mais tarde.

Somente mediante a classificação das tutelas (que nada tem a ver com a classificação das sentenças) é possível saber o objeto material do processo, e assim definir as reais necessidades do direito material e, nessa perspectiva, a técnica processual que deve estar ao seu dispor. Se, em casos excepcionais - mencionados no arts. 273, 461 e 461-A CPC e 84, CDC – a tutela (que em regra deveria ser concedida ao final) pode ser concedida antecipadamente, é evidente que a sua natureza não se modificará quando antecipada. Por isso, para saber a natureza da tutela antecipada, é preciso definir a natureza da tutela final (que evidentemente se altera conforme o caso conflitivo concreto). [56]

Quando se requer tutela final inibitória, e se pede tutela antecipada para impedir a violação do direito, essa tutela antecipada será, evidentemente, tutela inibitória antecipada. No caso em que ocorreu ato contrário ao direito, mas ainda não foi produzido dano (p. ex., exposição à venda de produto nocivo à saúde do consumidor), a tutela será de remoção do ilícito, conservando a mesma natureza no caso de antecipação.

Essas duas espécies de tutelas são preventivas em relação ao dano. Isso não quer dizer que, quando já ocorreu o dano, não se possa pedir tutela antecipada contra o periculum in mora. A diferença é que, nessa última situação, a tutela antecipada urgente será requerida para evitar a produção de danos relacionados ao dano que já ocorreu. Por esse motivo, não há como aceitar a idéia de que o art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, só garante o direito à tutela antecipada de cunho eminentemente preventivo. Quando essa norma garante a tutela antecipatória, ela não objetiva somente viabilizar a aceleração da tutela de prevenção, mas também impedir que outros danos sejam ocasionados ao autor em razão da demora na reparação do dano ou no atendimento do dever ou da obrigação de adimplemento.

No estágio atual do direito processual civil, é descabido pensar que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva possa descartar os direitos a essas tutelas. Se o direito efetivo à prevenção depende da antecipação ou se o direito à tutela jurisdicional efetiva não pode permitir que o autor sofra dano em razão da demora na concessão da tutela jurisdicional final repressiva (a qual então precisa ser antecipada), é pouco mais do que evidente que a tutela antecipatória, baseada nos arts. 273, I, 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC, está albergada nesse direito fundamental.

Mas, como já foi dito, seria uma enorme contradição entender que o direito fundamental outorga o direito à concessão da tutela, porém não a sua efetivação. [57] Quando a tutela antecipada exigir um não fazer, um fazer, ou a entrega de coisa, é tranqüila e inegável a possibilidade de aplicação das regras do arts. 461, 461-A do CPC e 84 do CDC. O problema surge quando se pensa na tutela antecipatória de pagamento de soma em dinheiro. Imaginar que a forma de execução dessa tutela antecipatória deve ser feita de acordo com as normas relativas à execução de quantia certa, realizando-se por meio de expropriação, não só é pouco mais do que equivocado, como também perverso.

Pense-se, por exemplo, na necessidade de soma que surja no curso do processo de conhecimento em que se pede tutela ressarcitória pelo equivalente em razão de ato ilícito. Alguém poderia dizer que, nesse caso, a antecipação da tutela é descabida, ou que a soma antecipada deve ser executada por meio das regras relativas à sentença de condenação ao pagamento de dinheiro.

Trata-se de raciocínio preocupado unicamente com uma (pseudo) coerência processual e que faz questão de ignorar o direito material e a realidade social. Pouco importa saber qual é a regra para a execução da quantia certa devida em razão de sentença, mas sim estar em contato com a necessidade - no plano do direito material e da realidade social - do lesado que tem que esperar o tempo para a entrega da tutela jurisdicional final.

Como é óbvio, a regra processual da execução de dinheiro por expropriação – como técnica que é – foi feita para atender determinadas e específicas necessidades do direito material. Portanto, a pergunta que deve ser feita não deve recair sobre a técnica processual que é utilizada no caso de tutela final, mas sim sobre as diferentes necessidades daqueles que precisam das tutelas final e antecipada de soma em dinheiro.

A necessidade do lesado receber imediatamente dinheiro não se diferencia da necessidade do recebimento de alimentos fundados em direito de família. O lesado que, em decorrência do ilícito, precisa imediatamente de soma dinheiro para suprir necessidades primárias, de manutenção do lar, de educação dos filhos ou mesmo de saúde, não está em situação mais vantajosa do que aquele que se vê na urgência de pedir alimentos fundados em direito de família.

Em outros termos, a fonte dos alimentos – direito de família ou ato ilícito – não altera a necessidade. Se é assim, não há como dar meios de execução efetivos a um caso, esquecendo o outro. Isso constituiria lesão ao princípio da igualdade. Por essa razão, não há como retirar do art. 273 do CPC a idéia de que a tutela antecipatória de soma não pode ser executada mediante o uso dos meios de execução previstos nos arts. 733 e 734 do CPC. Se a necessidade de antecipação de soma não pode ser negada - e por isso a tutela antecipatória foi concedida - não há razão para se deixar de executar a soma por intermédio das técnicas do desconto em folha, do desconto de renda periódica ou da ameaça de prisão. [58]

Aliás, não temos qualquer receio ou dúvida em sustentar que o juiz pode e deve empregar – se houver necessidade – o expediente da multa para dar efetividade à tutela antecipatória de soma em dinheiro. [59] A multa, como se sabe, é uma técnica que se destina a atuar sobre a vontade do demandado, objetivando, dessa forma, o cumprimento da decisão judicial. Assim, não há como negar sua utilidade nos casos em que se pretende soma em dinheiro. [60]

O fato de a multa não estar prevista expressamente no art. 273 não pode ser interpretado como um recado do legislador no sentido de que a sua utilização apenas é possível nos casos de obrigações de não fazer, fazer e entrega de coisa. [61] Isso seria o mesmo que interpretar a norma processual em contrariedade à Constituição Federal. Aliás, a norma processual – quando compreendida à luz da teoria dos direitos fundamentais – deve ser interpretada conforme os direitos fundamentais. Em outras palavras, se um meio executivo é imprescindível à efetividade da tutela jurisdicional, não há como negar a possibilidade da sua utilização. A menos que se pretenda desconsiderar o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Deixe-se claro que a insistência do cabimento do uso desses meios executivos parte da premissa da necessidade da tutela antecipatória de soma – e assim de sua efetiva obtenção. Porém, essa necessidade não existirá se o autor disser que precisa imediatamente do dinheiro para melhor atender aos seus negócios ou atividades, sem provar que precisa imediatamente do dinheiro para não sofrer dano irreparável ou de difícil reparação. Além disso, a tutela antecipatória de soma somente será admissível para impedir a prática de dano que não ocorreria se o demandado não houvesse cometido o ato que se pretende ver corrigido pela tutela final. Ou melhor: se o dano temido não tem relação com o ato praticado pelo demandado, a antecipação da tutela não pode ser concedida. Se o autor precisa imediatamente de pecúnia por razões não relacionados com o ato praticado pelo réu, descabe tutela antecipatória, pois essa não pode ser vista como expediente para auxiliar o autor que, por motivos alheios à conduta do demandado, precisa imediatamente de soma em dinheiro.

Deixando-se de lado a tutela antecipatória relacionada com o perigo, cabe cogitar acerca da tutela antecipatória vinculada ao abuso de direito de defesa e à denominada parcela incontroversa da demanda no curso do processo. Essas espécies de técnicas antecipatórias estão relacionadas com o tempo do processo ou, mais precisamente, com a distribuição do ônus do tempo do processo.

Não há como negar que o tempo do processo prejudica o autor que tem razão, beneficiando na mesma proporção o réu que não a tem. [62] Dessa forma é eliminada a crença na neutralidade do tempo do processo. Mas, a partir do momento em que o tempo do processo passa a ser admitido como ônus, surge a conseqüência lógica de que ele não pode ser suportado pelo autor, pois isso seria o mesmo do que aceitar que o direito de ação constitui um ônus que recai sobre aquele que procura o Poder Judiciário.

De modo que o ônus do tempo do processo deve ser distribuído na medida da evidência do direito do autor e da fragilidade da defesa do réu. Como técnica de implementação dessa idéia, pensa-se nas regras do abuso do direito de defesa e da incontrovérsia, no curso do processo, de um dos pedidos cumulados ou de parte do pedido formulado.

Em relação ao abuso de direito de defesa, o raciocínio é tomado a partir da regra de distribuição do ônus da prova. O art. 333 do CPC, ao estabelecer que, em relação ao fato constitutivo, o ônus da prova [63] incumbe ao autor, e quanto ao fato impeditivo, modificativo ou extintivo o ônus é do réu, permite que se determine, com facilidade, qual é a parte que precisa da instrução da causa ou, em outros termos, do tempo do processo. [64]

Se o CPC afirma que cabe ao réu provar os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos, o mesmo critério deve servir de base para a distribuição do tempo do processo, pois nessa hipótese é o réu, e não o autor, quem precisa da instrução da causa e, conseqüentemente, do tempo do processo. Se os fatos constitutivos estão evidenciados, não há razão para o autor ter que arcar com o tempo que o réu utilizará para tentar demonstrar os fatos alegados na defesa. Ou seja, ao autor não pode ser imposto o peso do tempo que serve unicamente ao réu. [65]

Giovanni Scarselli, analisando a questão à luz do art. 2.697 do CC italiano [66] – que trata, à semelhança do art. 333 do CPC brasileiro, da distribuição do ônus da prova -, afirma que, na medida em que esse artigo é visto como uma norma ditada pelo bom senso para uma justiça distributiva dos ônus probatórios, também pode ser lido extensivamente como a disposição que reparte entre o autor e o réu os ônus em geral da atividade instrutória processual, que não dizem respeito somente ao aspecto estático da prova, mas também àquele dinâmico do tempo necessário a sua produção. Assim como é injusto impor ao autor o ônus da prova de todos os fatos controversos, também parece irracional que a esse venha sempre atribuído o tempo da duração do processo, sem que seja possível uma repartição imediata através da técnica da "condenação com reserva da exceção substancial indireta" [67].

A tutela antecipatória, através da técnica da "reserva da cognição da exceção substancial indireta infundada", permite a realização antecipada do direito, evitando que o tempo do processo, que serve ao réu, tenha que ser suportado pelo autor. Frise-se, porém, que essa modalidade de tutela antecipatória não encontra sustentação apenas na evidência dos fatos constitutivos do direito do autor, pois requer, ainda, que a exceção substancial indireta se mostre infundada.

Como se vê, tal espécie de tutela antecipatória abre oportunidade para a distribuição do tempo do processo na medida em que o réu abusa de seu direito de defesa, apresentando uma exceção substancial indireta infundada para protelar o momento da realização do direito. [68]

Por fim, não há como deixar de considerar a novíssima e fundamental modalidade de tutela jurisdicional prevista no art. 273, §6º do CPC, e assim também considerada espécie de tutela antecipatória. De acordo com esse parágrafo, "a tutela antecipada também poderá ser concedida quando um ou mais dos pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso".

Diante da alusão expressa a "incontroverso", poder-se-ia imaginar que essa tutela somente seria possível no caso de não-contestação ou reconhecimento jurídico parcial da demanda. Porém, se é certo que essas duas hipóteses justificam a tutela antecipatória, é inegável que há outra situação capaz de fazer surgir a "incontrovérsia" suficiente para a concessão da tutela - como dissemos em livro publicado em 1996. [69]

Se um pedido cumulado (ou sua parte) está evidenciado no curso do procedimento que ainda deve prosseguir para a elucidação - através da produção de provas - de outro pedido (ou da outra parte do pedido), não há racionalidade em obrigar o autor a esperar o tempo necessário para o término do procedimento, para somente então poder obter a tutela do direito que se tornou incontroverso, e que nesses termos era um "direito evidente". [70]

O direito à tempestividade da tutela jurisdicional implica no direito à definição do pedido maduro para julgamento, ou que não requer a produção de outras provas para ser definido. Ora, tal direito (à tempestividade) é um direito fundamental, de modo que o processo civil deve estar estruturado de forma a possibilitar a sua realização plena e concreta. [71]

Portanto, falar em "incontrovérsia" é pensar na sentida e há muito proclamada necessidade de tutela dos "direitos evidentes", vale dizer, dos direitos que não exigem mais esclarecimentos probatórios no curso do procedimento. [72]

8.3 Direito ao provimento adequado

Como a prestação efetiva da tutela do direito depende do provimento adequado, é claro que não há como falar em direito à tutela sem pensar em direito ao provimento que seja capaz de prestá-la. Antes de mais nada, cabe esclarecer que, quando aludimos a provimento, estamos nos referindo à decisão interlocutória e à sentença. Evitamos falar apenas em sentença em razão do fato de que a decisão interlocutória (e não somente a sentença) também deve assumir formas variadas para poder tutelar de maneira adequada os direitos.

É necessário lembrar que a sentença declaratória apenas regula formalmente uma relação jurídica, e assim não é dotada da capacidade de atuar sobre a vontade do demandado. Por isso, diante da ameaça da prática de ilícito, não se apresenta como provimento adequado.

Por outro lado, como é sabido, a sentença condenatória é a única sentença da classificação trinária que não basta por si mesma, e assim a sua natureza foi definida – como não poderia deixar de ser - a partir dos meios executivos que foram a ela ligados. Essa sentença – por uma série de motivações culturais e políticas – foi atrelada aos meios de execução por sub-rogação tipificados na lei. [73] Não foi ligada aos meios de execução indireta e jamais permitiu que o juiz concedesse meios executivos não expressamente previstos na lei ou que a execução atuasse sem a propositura de ação de execução.

Como a sentença condenatória – em seu conceito - é ligada à ação de execução, ela é incapaz de prestar, por exemplo, a tutela inibitória e a tutela de remoção do ilícito. Não há como imaginar que a sentença condenatória – vale dizer, a sentença conceituada como condenatória [74] - seja capaz de impedir a violação de um direito ou mesmo de viabilizar, de pronto e sem a necessidade da ação de execução, a remoção de um ilícito.

Se é assim, é inevitável concluir que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva jamais poderá ser atendido por meio dos provimentos da classificação trinária. Tal direito depende de provimentos mandamentais e executivos. [75]

8.4 Direito ao meio executivo adequado

Como a definição da natureza da sentença depende da consideração dos meios executivos a ela ligados, poder-se-ia pensar que o item anterior seria suficiente para englobar o direito ao meio executivo adequado.

Acontece que os provimentos mandamental e executivo podem se ligar a vários meios de execução indireta e direta, e assim é necessário verificar aquele que deve ser utilizado no caso concreto. Além disso, diante especialmente dos arts. 461 e 84 do CDC, confere-se ao juiz o poder de conceder provimento (ou meio executivo) diferente do solicitado, quebrando-se, assim, a rigidez do princípio que obriga à congruência entre a sentença e o pedido. Por fim, atualmente, em razão dos arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC, permite-se ao autor requerer na fase executiva, bem como ao juiz impor de ofício – no caso em que a sentença não foi capaz de viabilizar a tutela -, meio executivo capaz de atender ao direito à tutela jurisdicional.

A plasticidade desses provimentos, bem como a possibilidade da concessão de provimento (ou meio executivo) diverso do solicitado e da imposição de meio executivo diferente daquele que não conduziu ao resultado objetivado, deve ser compreendida a partir da necessidade de se conferir ao juiz poder suficiente à efetivação da tutela jurisdicional.

A sentença condenatória, por natureza atrelada aos meios de execução por sub-rogação previstos na lei, é ligada ao chamado princípio da tipicidade dos meios de execução. Segundo esse princípio, o vencedor, com a propositura da ação de execução, somente pode se valer dos meios executivos tipificados na legislação. Isso constituiria – como disse Chiovenda e confirmou Denti [76] de forma crítica – uma garantia de liberdade do réu contra a possibilidade de arbítrio do Poder Público. [77] Porém, se a tipicidade dos meios de execução, como garantia contra o arbítrio do Estado-Juiz, era justificável há cem anos atrás, isso não tem razoabilidade nos dias de hoje. O problema da sociedade contemporânea não é mais apenas garantir a liberdade do indivíduo contra a ameaça de opressão Estatal, porém sim viabilizar a tutela efetiva dos direitos, muitos deles essenciais para a sobrevivência digna do homem.

Em razão disso, confere-se maior extensão e potencialidade à efetivação da tutela jurisdicional. Isso é corolário do próprio direito fundamental à tutela jurisdicional. Contudo, se é inegável que o meio executivo deve ser hábil para proporcionar, em abstrato ou em termos de efetividade social, a tutela dos direitos, esse meio executivo deverá gerar a menor restrição possível à esfera jurídica do réu [78].

Seria até dispensável dizer – por ser óbvio – que a regra de que a execução deve ser feita da maneira menos gravosa ao réu se aplica em qualquer lugar em que se esteja frente à utilização de meio executivo. A execução deve ter os seus graus de efetividade e de interferência medidos de acordo com o caso conflitivo concreto. Em razão da necessidade de se dar maior elasticidade à atividade executiva, abandonou-se o dogma de que a lei poderia prever todas as situações concretas, e assim fixar os meios de execução que poderiam ser utilizados na prática. Porém, se essa ampliação de poderes é justificável diante das limitações da lei, é evidente que o uso dos provimentos e a atividade executiva do juiz deverão ser controlados.

Considere-se, assim, em primeiro lugar, os diferentes meios de execução que podem ser ligados aos provimentos. Não é possível escolher um ou outro de forma aleatória e despreocupada. Como proceder na escolha entre os meios de execução direta e os meios de execução indireta? A legitimidade da escolha do autor diante dos provimentos e dos meios executivos, bem como a legitimidade da preferência do juiz por provimento ou meio executivo diferente do solicitado, depende não só de sua "adequação" para a efetivação da tutela do direito, mas também o de ser adequado, idôneo e o "menos oneroso" ao demandado.

A prisão, como é óbvio, é o mais excepcional de todos eles, sendo passível de utilização quando a multa e os meios de execução direta são incapazes de levar à tutela do direito e, além disso, quando não objetivar o cumprimento de ordem judicial que demande disposição de patrimônio (ou gasto de dinheiro). Em relação à multa e aos meios de execução direta não há como pensar, abstratamente, em quando um deve preferir o outro. Até porque, diante do novo contexto em que vive a execução, o uso da multa deve preferir – em regra – o dos meios de execução direta, pois está totalmente ultrapassada a idéia de que a multa deve ficar reservada aos casos em que a execução direta não possa atuar (assim às hipóteses de obrigações infungíveis).

Entretanto, o juiz deve explicar as razões que o levaram a admitir ou a preferir determinado provimento ou meio de execução. A necessidade de o juiz explicar os seus motivos de maneira bastante precisa advém do fato de que hoje não mais vigora o princípio da tipicidade dos meios executivos, que congelava a possibilidade de se outorgar verdadeira efetividade à tutela jurisdicional, em razão da impossibilidade de se escolher o provimento e o meio executivo adequados diante das diferentes situações concretas.

Perceba-se que, pelo fato de o juiz ter poder para a determinação da melhor maneira de efetivação da tutela, exige-se dele, por conseqüência, a justificação das suas escolhas. A justificativa permite controle crítico sobre o poder do juiz. O equívoco da justificativa é que evidenciará a ilegitimidade da escolha do juiz, e assim que a sua atividade não ficou contida nas advertências das regras da "adequação" e da "necessidade". Nesse sentido se pode dizer que a justificativa é a outra face do incremento do poder do juiz.

Essas formas de exercício e controle do poder de execução são fundamentais diante dos direitos da sociedade contemporânea, constituindo pura manifestação da crescente necessidade de se pensar o direito diante do caso concreto.

No contexto da efetividade dos meios de execução, nada parece tão relevante quanto o problema da tutela ressarcitória na forma específica. Como é sabido, o direito ao ressarcimento na forma específica prefere ao ressarcimento pelo equivalente. Porém, como se percebe na prática forense, o ressarcimento pelo equivalente é -muitas vezes imaginado como o único possível de ser obtido. Isso ocorre, como é óbvio, em razão de que o CPC instituiu, como veículo processual destinado ao ressarcimento na forma específica, a sentença condenatória e a ação de execução de obrigação de fazer - quando, uma vez não cumprido o fazer necessário para a reparação, o exeqüente teria que requerer que essefosse prestado por um terceiro às custas do devedor. Como o executado que não faz geralmente não paga para um terceiro fazer, a probabilidade do lesado ter que pagar para a reparação na forma específica era muito grande, e assim praticamente inviabilizava o ressarcimento na forma específica.

Porém, se reparar significa, antes de mais nada, fazer ou entregar coisa em substituição à destruída, nada pode impedir que, atualmente, seja empregada a multa para dar efetividade ao ressarcimento na forma específica (arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC).

É verdade que não há procedência em obrigar o réu a reparar – ou seja, a fazer -, quando ele é destituído de capacidade técnica para tanto. Porém, isso constitui circunstância meramente acidental em relação ao dever de reparar – que é, acima de tudo, dever de ressarcir na forma específica, e não simples obrigação de pagar dinheiro.

O dever de reparar na forma específica não se extingue no caso em que o demandado prova não ter capacidade técnica para fazer. Ou seja, a demonstração de incapacidade técnica não tem o condão de transformar o direito ao ressarcimento na forma específica em direito a indenização em pecúnia.

Assim, demonstrada a incapacidade técnica e não cumprida a sentença, o juiz deve utilizar a multa para compelir o infrator a pagar para que terceiro preste o fazer necessário ao ressarcimento. Nesse caso, a multa não estará sendo utilizada para compelir o infrator a pagar, mas sim para viabilizar o ressarcimento na forma específica. Como é evidente, a incapacidade técnica do lesado não pode transformar o seu dever de ressarcir em obrigação de pagar dinheiro.

Na realidade, em todos os casos em que a multa for o único meio capaz de conferir a tutela do direito, o seu uso será evidentemente sustentado pelo direito fundamental à efetividade da tutela jurisdiciona [79]. Isso ocorre no caso de tutela antecipatória de soma em dinheiro (com visto atrás) e no caso de tutela ressarcitória na forma específica. Perceba-se que a não utilização da multa, mesmo para compelir o infrator a custear o fazer, inutiliza o ressarcimento na forma específica. Ou melhor: a multa, embora não expressamente prevista, é absolutamente necessária para a efetividade da tutela antecipatória de soma em dinheiro e para a tutela ressarcitória na forma específica. Sendo assim, não há como argumentar que, pelo fato dela não ser expressamente prevista para essas situações, o seu uso fica vedado. É que a omissão do legislador em dar efetividade ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como é óbvio, não pode ser interpretada em seu desfavor.

Recentemente, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou ação rescisória "de sentença de procedência proferida em ação em que se pedia devolução de reserva de poupança, a qual impôs multa diária para obrigar o réu a cumprir sua obrigação". [80] Afirmou-se, na ação rescisória, que a sentença teria violado o disposto nos arts. 644 do CPC e 84, §4º do CDC, "eis que essa pena só poderia ser imposta na hipótese de se tratar de obrigação de fazer ou não fazer" (TJRS, 6ª. CC, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, Ação Rescisória n. 599263183, julgado em 26/04/2000).

Diante disso, o Desembargador (e Professor Titular de Direito Processual Civil da Universidade Federal do Rio Grande do Sul) Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, em seu voto, discutiu a respeito da possibilidade de o juiz impor multa – nos termos da prevista nos arts. 461, §4º, CPC e 84, §4º, CDC – no caso de sentença de condenação ao pagamento de soma em dinheiro. E sua conclusão foi no sentido positivo. Disse ele: "Para o autor, a sentença ao assim entender teria violado texto de lei, pois somente em se tratando de obrigação de fazer ou não fazer seria lícita a fixação de multa diária. Esse modo de ver entra em aberto conflito, no entanto, com uma visão mais atualizada do exercício da jurisdição. Nos dias atuais, as medidas coercitivas vêm se caracterizando como instrumento de concretização do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, de tal sorte que o seu emprego não pode ser excluído de maneira apriorística. Como bem pondera Marcelo Lima Guerra (Execução Indireta, São Paulo, RT, 1998, p. 54), ‘o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar as medidas que se revelem necessárias para melhor atender aos direitos fundamentais envolvidos na causa, a ele submetida’. E o jurista, com toda pertinência, invoca o ensinamento de Vieira de Andrade (Os direitos fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 256), no sentido de que na falta de lei que concretize determinado direito fundamental, ‘o princípio da aplicabilidade directa vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua perfeição, isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com esse fim os concretizarem por via interpretativa’. Tal significa, no âmbito do processo de execução, que o juiz tem o poder-dever de, mesmo e principalmente no silêncio da lei, determinar os meios executivos que se revelem necessários para melhor atender à exigência de prestação de tutela executiva eficaz (Marcelo Guerra, ob. cit., p. 57). No campo da execução por quantia certa não se passa de modo diverso, justificando-se o emprego de medidas coercitivas, como a astreinte, por concretizar o valor constitucional protegido da efetividade da tutela jurisdicional. Por tal razão, o uso de tais medidas não pode ser obstado nem por expressa disposição infraconstitucional, muito menos pelo silêncio dessa legislação" (TJRS, 6ª. CC, Rel. Des. Osvaldo Stefanello, Ação Rescisória n. 599263183, julgado em 26/04/2000).

Não há dúvida de que a multa pode contribuir (como meio coercitivo) para dar efetividade à sentença que impõe o pagamento de soma em dinheiro [81]. Mas, a multa coercitiva somente poderá ser imposta quando necessária para dar efetividade à tutela jurisdicional (o atual sistema do CPC – art. 652 - determina a citação do condenado para pagar ou nomear bens à penhora). Essa necessidade apenas aparecerá quando a execução por expropriação for inadequada para dar efetividade ao direito de crédito.

Se não for assim, ou seja, se a multa puder ser imposta em qualquer caso, o intérprete terá que partir da premissa de que a expropriação é sempre inadequada para a satisfação do crédito. Porém, as necessidades de satisfação do crédito são variadas. Por isso, do mesmo modo que as necessidades do acidentado não são iguais as do empresário que teve cheque - passado em seu favor - inadimplido, não é possível concluir que a expropriação jamais será adequada à tutela do direito de crédito.

Não se diga que a utilização da multa elimina o direito de defesa do condenado. A multa – quando admitida em razão de sua necessidade para a efetividade da tutela de certa situação de direito material – não irá retirar do réu o direito de se defender. A multa dará ao condenado a possibilidade de pagar ou de se defender – o que fica na dependência da nomeação de bens na ordem do art. 655 do CPC. [82] A diferença é a de que a defesa (ou os embargos), nesse caso, não suspenderá a execução, aplicando-se, mais uma vez, a regra da proporcionalidade. [83]

É preciso deixar claro que, diante de sentença condenatória, os limites da defesa são restritos. Anteprojeto relativo ao "cumprimento de sentença que condena ao pagamento de quantia certa", ora em fase de estudos, afirma que o condenado poderá, quando intimado para cumprir a condenação, apresentar defesa designada de "impugnação". Por meio dela, poderão ser argüidas as seguintes matérias (art. 475-L do Anteprojeto): "i) - falta ou nulidade da citação, se o processo correu à revelia; ii) - penhora incorreta ou avaliação errônea; iii) - ilegitimidade das partes; iv) - excesso de execução; v) - qualquer causa impeditiva, modificativa ou extintiva da obrigação, como pagamento, novação, compensação, transação ou prescrição, desde que superveniente à sentença; e vi) - ser a sentença fundada em lei ou ato normativo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, em ação direta de inconstitucionalidade". Parágrafo único: quando o executado alegar que o exeqüente, em excesso de execução, pleiteia quantia superior à resultante da sentença, cumprir-lhe-á declarar de imediato o valor que entende correto, sob pena de rejeição liminar dessa impugnação". Nesse Anteprojeto, a impugnação somente deve ser recebida no efeito suspensivo quando, além de relevantes os seus fundamentos, o prosseguimento da execução for "manifestamente suscetível de causar ao executado grave dano, de difícil ou incerta reparação" (Anteprojeto, art. 475-M, caput). [84]

Voltando ao atual sistema do CPC, e ainda considerando a especial necessidade do credor (que legitimaria o uso da multa): o fato de o executado ter nomeado imóvel (por exemplo) à penhora quando da apresentação de embargos, não pode impedir o exeqüente de verificar se o executado possui dinheiro penhorável depositado em conta bancária. Para tanto poderá solicitar que o juiz requisite informações a bancos ou ao Banco Central. Descoberta a existência de dinheiro, a multa deve ser considerada, pois o executado não observou a ordem judicial. O mesmo acontecerá se o devedor restar inerte – não nomeando qualquer bem à penhora.

Porém, a multa não pode incidir em relação ao devedor destituído de patrimônio sem atentar contra direito fundamental que merecerá prevalência, no caso concreto, diante do direito à tutela jurisdicional efetiva. Poder-se-ia imaginar que a aplicação da multa seria inócua no caso de ausência de patrimônio, e que, portanto, essa discussão não teria cabimento e utilidade. Acontece que, se o valor do débito puder ser aumentado com a multa, o valor final encontrado será, em tese, exigível, e assim poderá ser praticamente realizado caso o devedor adquira patrimônio. Porém, não há racionalidade em admitir que o valor da multa possa ser retirado de patrimônio que venha a ser adquirido pelo devedor, pois a multa tem por objetivo intimidar o devedor a pagar – considerado o seu patrimônio atual – e não castigar o devedor que não possui patrimônio no momento em que o crédito é exigido.

É por isso que o devedor deve ter a oportunidade de justificar o não pagamento e a não nomeação de bens. Nessa justificativa, o executado deverá apresentar relação do seu patrimônio e rendimentos, inclusive a situação das suas contas bancárias, bem como os motivos que justificam o não pagamento da soma em dinheiro e as provas que demonstram a veracidade de suas alegações. Em razão da apresentação dessa justificativa, o juiz fica investido do poder-dever de requisitar informações a quaisquer órgãos públicos e/ou privados, tais como Receita Federal, Banco Central, bancos privados, empregador e outras empresas com as quais o devedor mantenha vínculos.


9. Significado da aplicabilidade imediata do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva

Está escrito no art. 5º, §1º, da Constituição Federal, que "as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata". [85] O que importa, nesse momento, é saber o significado e o alcance dessa norma em relação ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Ao se afirmar que a norma relativa a um direito fundamental possui aplicabilidade imediata, deseja-se evidenciar sua força normativa. Como a essa norma não se pode atribuir função retórica, não há como supor que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva somente possa se expressar em conformidade com a lei, e que assim seja dela dependente.

De modo que a norma do art. 5º, §1º, da Constituição Federal, já seria suficiente [86] para demonstrar a tese de que o juiz não só deve interpretar a lei processual em conformidade com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, como ainda deve concretizá-lo, através da via interpretativa, no caso de omissão ou de insuficiência de lei.

De qualquer forma, ainda que os princípios da força normativa da Constituição e da efetividade possam parecer uma superafetação diante da norma que afirma que o direito à tutela jurisdicional efetiva tem aplicabilidade imediata (art. 5º, §1º, CF), parece importante mencioná-los, especialmente porque o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, embora se dirija contra o Estado, inclusive contra o juiz, repercute sobre a esfera jurídica da parte, e assim pode ser pensado – como se verá no item 7.11 – como um direito de eficácia vertical, mas com eficácia lateral sobre os particulares.

Ou seja, embora a aplicabilidade imediata desse direito seja inegável, a tarefa interpretativa do juiz, por repercutir na esfera jurídica de alguém que não faz parte da relação vertical estabelecida em virtude do direito, não pode deixar de considerar os princípios que com ele possam colidir no caso concreto.

Como diz Hesse, "a interpretação adequada é aquela que consegue concretizar, de forma excelente, o sentido (Sinn) da proposição normativa dentro das condições reais dominantes numa determinada situação". [87] Ou seja, o princípio da força normativa da Constituição [88] dá base às interpretações que conferem aos direitos fundamentais, diante das circunstâncias concretas, uma eficácia ótima [89].

O princípio da efetividade [90] (relativo à interpretação constitucional), por sua vez, sintetiza a idéia de que os direitos fundamentais devem ser interpretados em um sentido que lhes confira a maior efetividade possível. Ou melhor, no caso de dúvida deve prevalecer a tese que dê a maior efetividade possível ao direito fundamental [91].


10. O dever de o juiz conformar o procedimento

10.1 O dever de o juiz conformar o procedimento adequado ao caso concreto como decorrência do direito de proteção e do direito à tutela jurisdicional efetiva

Como já foi dito, o dever de proteção se dirige contra o Poder Público, e não apenas, como se poderia pensar, contra o legislador. Se o Estado tem o dever de proteger os direitos, seria incoerente supor que esse dever depende apenas de ações normativas.

O dever de proteção requer, é certo, regras de direito material. Mas não pode se resumir a isso. Depende, ainda, de ações fáticas do Estado - como, por exemplo, da atuação da Administração Pública na proteção do consumidor, da saúde pública e do meio ambiente – e da prestação jurisdicional.

Ademais, a proteção, mesmo no plano normativo, não pode ficar restrita a normas de direito material, pois o processo civil também se constitui em mecanismo de proteção dos direitos fundamentais, seja para evitar a violação ou o dano ao direito fundamental, seja para conferir-lhe o devido ressarcimento.

Por ser um instrumento de proteção, é evidente que o processo civil não pode deixar de se estruturar de maneira idônea à efetiva tutela dos direitos. Note-se, aliás, que o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva não requer apenas a proteção dos direitos fundamentais, mas sim a tutela de quaisquer direitos. Tratando-se da tutela de direitos não-fundamentais, o único direito fundamental em jogo é o próprio direito à efetividade da tutela, que obviamente não se confunde com o direito objeto da decisão. É por esse motivo, aliás, que o direito de ação, ou o direito de ir ao Poder Judiciário, deve ser pensado como o direito à efetiva tutela jurisdicional, para o qual não basta uma sentença, mas sim a possibilidade de efetivação concreta da tutela buscada. A doutrina espanhola mais moderna, ao se debruçar sobre o art. 24 [92] da Constituição Espanhola de 1978, vem deixando de lado as velhas discussões em torno da ação como mero direito de ir a juízo ou com simples direito a uma sentença de mérito. David Vallespín Pérez, por exemplo, em livro que acaba de ser publicado (2002), assim escreve: "El derecho a la tutela judicial efectiva que consagra el art. 24 CE no agota su contenido en la exigencia de que el interessado tenga acceso a los Tribunales de Justicia, pueda ante ellos manifestar y defender su pretensión jurídica en igualdad con las otras partes y goce de la libertad de aportar todas aquellas pruebas que procesalmente fueran oportunas y admisibles, ni se limita a garantizar la obtención de una resolución de fondo, fundada en derecho, sea o no favorable a la pretensión formulada, si concurren todos los requisitos procesales para ello. Exige también que el ‘fallo se cumpla’ y que el recurrente sea repuesto en su derecho y compensado, si hubiere lugar a ello, por el daño sufrido. Lo contrario sería convertir las decisiones judiciales y el reconocimiento de los derechos que ellas comportan en favor de alguna de las partes en meras declaraciones de intenciones" [93].

O que falta, porém, é atentar para que, se a técnica processual é imprescindível para a efetividade da tutela dos direitos, não se pode supor que, diante da omissão do legislador, o juiz nada possa fazer. Isso por uma razão simples: o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional não se volta apenas contra o legislador, mas também se dirige contra o Estado-Juiz. Por isso, é absurdo pensar que o juiz deixa de ter dever de tutelar de forma efetiva os direitos somente porque o legislador deixou de editar uma norma processual mais explícita. [94]

Como conseqüência disso, há que se entender que o cidadão não tem simples direito à técnica processual evidenciada na lei, mas sim direito a um determinado comportamento judicial que seja capaz de conformar a regra processual com as necessidades do direito material e dos casos concretos.

Como é óbvio, não se pretende dizer que o juiz deve "criar" a técnica processual adequada, ou mesmo pensar o processo civil segundo seus próprios critérios. O que se deseja evidenciar é que o juiz tem o dever de interpretar a legislação processual à luz dos valores da Constituição Federal [95]. Como esse dever gera o de pensar o procedimento em conformidade com as necessidades do direito material e da realidade social, é imprescindível ao juiz compreender as tutelas devidas ao direito material e perceber as diversas necessidades da vida das pessoas.

Nesse sentido não é suficiente pensar que, diante de duas interpretações possíveis da regra processual, o juiz deve preferir aquela que não seja contrária à Constituição. É que, diante de certa regra processual, podem existir duas interpretações que sejam razoáveis na perspectiva constitucional. Nesse caso, o juiz tem o dever de preferir a interpretação que garanta à máxima efetividade à tutela jurisdicional, considerando sempre o objeto que deve ser tutelado (a tutela do direito material) e a realidade social.

Diante de uma visão simplificadora, alguém poderia supor que estamos propondo que o juiz retire a máxima efetividade da regra processual, pouco importando o resultado de sua interpretação. Não se trata disso, porém. Deixe-se claro que o juiz não tem a possibilidade – e nem poderia ter – de interpretar a regra processual como se fosse alheio aos valores da Constituição. O seu dever é interpretar a regra processual para dar a máxima efetividade à tutela jurisdicional, ou mesmo suprir eventual omissão legislativa através da aplicação do critério da harmonização, compreendidas as necessidades do caso concreto e considerados os valores constitucionais que dão proteção ao réu,, como o direito de defesa.

10.2 Normas como princípios e regras

Robert Alexy, ao desenvolver sua teoria dos direitos fundamentais, adverte que a distinção qualitativa entre regras e princípios tem importante papel nesse setor. Afirma que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes, ao passo que regras são normas que podem ser cumpridas ou não, uma vez que, se uma regra é válida, há de ser feito exatamente o que ela exige, nem mais nem menos. Por isso, os princípios, ao contrário da regras, são chamados de mandatos de otimização, que podem ser realizados em diferentes graus, consoante as possibilidades jurídicas e fáticas [96].

As regras contêm determinações em um âmbito fática e juridicamente possível. Enquanto isso, a realização dos princípios depende das possibilidades jurídicas e fáticas. Essas possibilidades são condicionadas pelos princípios opostos, e assim exigem a consideração dos pesos dos princípios em colisão segundo as circunstâncias do caso concreto [97].

Note-se que, no caso de conflito de regras, o problema é de validade, enquanto que, na hipótese de colisão de princípios, a questão é de peso [98]. Quando há colisão de princípios, um deve ceder diante do outro, conforme as circunstâncias do caso concreto. Isso significa que, aí, não há como se declarar a invalidade do princípio de menor peso, uma vez que ele prossegue íntegro e válido no ordenamento, podendo merecer prevalência, em face do mesmo princípio que o precedeu, diante de outro caso concreto. [99]

Esse juízo, pertinente ao peso dos princípios, é um juízo de ponderação, que assim permite que os direitos fundamentais tenham efetividade diante de qualquer caso concreto, considerados os princípios que com eles possam colidir.

Frise-se que os direitos fundamentais têm natureza de princípio. Assim, se os princípios constituem mandatos de otimização, dependentes das possibilidades, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva (por exemplo) – que então pode ser chamado de princípio à tutela jurisdicional efetiva – também constitui um mandato de otimização que deve ser realizado diante de todo e qualquer caso concreto, dependendo somente de suas possibilidades, e assim da consideração de outros princípios ou direitos fundamentais que com ele possam se chocar.

Como se vê, a partir do momento em que se constata que o direito à tutela jurisdicional efetiva possui natureza principial, deduz-se a conseqüência de que ele não se submete à lógica da aplicação das regras. Esse direito fundamental não pode ser negado na perspectiva da validade, pois o que importa, para sua efetiva incidência, é o caso concreto, e assim a consideração de outros princípios que a ele possam se contrapor. Ou seja, ele será sempre válido, ainda que tenha que vir a ser harmonizado com outro princípio diante das circunstâncias de um caso concreto.

Isso quer dizer que, com a distinção entre princípio e regra, também resta fácil ao juiz prestar a tutela jurisdicional efetiva, ainda que exista omissão legislativa. Basta-lhe harmonizar esse direito fundamental e o outro princípio que possa com ele colidir, considerando as circunstâncias do caso concreto, e especialmente as regras da "adequação" e da "necessidade".

10.3 Diferença entre interpretação conforme a Constituição, declaração parcial de nulidade sem redução de texto e interpretação de acordo com a Constituição

Demonstrada a natureza principial do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, não pode restar dúvida quanto ao dever de o juiz conformar o procedimento adequado ao caso concreto, utilizando a técnica processual capaz de dar efetividade ao direito, desde que não seja violado princípio ou direito que com ele se choque.

Para chegar à técnica processual adequada à situação concreta, o juiz, além de partir do princípio da efetividade da tutela jurisdicional, deve considerar a omissão legislativa ou a regra processual incapaz de propiciar a efetividade da prestação jurisdicional. A conclusão a respeito da omissão ou da inidoneidade da regra processual exige a prévia análise da tutela prometida pelo direito material e das necessidades concretas da parte. Se a conclusão for no sentido de que a omissão ou a regra processual, diante das exigências do direito material e da realidade social, impedem a prestação jurisdicional na forma efetiva, o juiz não pode fugir do dever de aplicar a técnica processual adequada ao caso concreto. Pouco importa a omissão ou a inidoneidade da regra processual, uma vez que o juiz, diante do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, tem o dever de aplicar a técnica processual hábil à tutela do direito material.

Mas, para tanto, é necessário compreender que o sistema processual deve ser interpretado de acordo com a Constituição, especialmente com o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva. Quando se pensa nisso, muitas vezes confunde-se interpretação de acordo com a Constituição, declaração parcial de nulidade sem redução de texto e interpretação conforme a Constituição [100], embora essas também sejam importantes para a realização do direito à tutela jurisdicional efetiva.

As duas últimas são instrumentos de controle da constitucionalidade das leis e atos normativos [101], ao passo que a primeira representa apenas método de interpretação da lei. A diferença entre as duas últimas reside no fato de que a interpretação conforme deve ser utilizada nos casos de leis manifestamente inconstitucionais e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto nas hipóteses de leis em princípio compatíveis com a Constituição [102].

A interpretação conforme estabelece uma única interpretação conforme a Constituição, declarando que todas as outras são com ela incompatíveis. Na declaração parcial de nulidade, declara-se a inconstitucionalidade de algumas interpretações, preservando-se a literalidade do texto legal. Na declaração parcial de nulidade os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública ficam proibidos de realizar determinadas interpretações, enquanto que, na interpretação conforme, estabelece-se uma única interpretação cabível [103].

Em ação direta de inconstitucionalidade, o STF poderá julgar parcialmente procedente o pedido para declarar inconstitucionais todas as interpretações possíveis, exceto uma, estabelecida expressamente no acórdão, ou para declarar inconstitucionais algumas interpretações, nele hipotetizadas. No primeiro caso há interpretação conforme, que possui efeitos erga omnes e vinculante sobre todos os órgãos do Poder Judiciário e da Administração Pública, impedindo-os de dar interpretação diversa. No segundo caso há declaração parcial de nulidade, também com efeitos erga omnes e vinculante, proibindo os juízes e a Administração Pública de adotar qualquer uma das interpretações declaradas inconstitucionais. [104]

No controle difuso [105], o juiz poderá deparar-se com lei processual (por exemplo) substancialmente inconstitucional ou com lei processual substancialmente constitucional, mas com possíveis interpretações inconstitucionais. Na primeira hipótese, verificando o juiz que a lei não é inconstitucional quando interpretada em um determinado sentido, deve adotá-la expressamente como razão para decidir. Quando o juiz conclui que algumas interpretações da lei processual são inconstitucionais, além de declará-las, deve apontar a interpretação que irá pautar o julgamento, embora possa existir outra compatível com a Constituição.

A interpretação conforme e a declaração parcial de nulidade sem redução de texto permitem ao juiz, no controle difuso, i) interpretar a lei processual (sempre por exemplo) para estabelecer a única interpretação compatível com a Constituição [106], bem como ii) interpretar a lei processual para, eliminando algumas interpretações inconstitucionais, declarar a adequada ao caso concreto, ainda que possam existir outras compatíveis com o texto constitucional. Nesses casos, como é óbvio, não há que se pensar em efeito vinculante, a impedir outros juízes e órgãos da Administração Pública de decidir em sentido contrário.

Ou seja, o juiz, diante do direito fundamental à tutela jurisdicional, além de ter o dever de rejeitar as interpretações que a ele não correspondem, deve optar expressamente pela interpretação que lhe confira a maior efetividade [107].

Frise-se, porém, que a interpretação de acordo com a Constituição não se constitui em instrumento de controle da constitucionalidade, mas sim em método de interpretação [108]. O juiz é obrigado a interpretar as normas de acordo com a Constituição ou, em uma acepção mais rente ao que aqui interessa, de acordo com os direitos fundamentais. Essa última afirmação é decorrência imediata da dimensão objetiva dos direitos fundamentais, ou melhor, da força jurídica objetiva desses direitos. Fala-se, nesse sentido, em eficácia irradiante dos direitos fundamentais, "no sentido de que esses, na sua condição de direito objetivo, fornecem impulsos e diretrizes para a aplicação e interpretação do direito infraconstitucional". [109] Tal eficácia irradiante é que faz surgir a tese da interpretação de acordo com os direitos fundamentais.

Entretanto, não seria possível esquecer dos casos em que não existe legislação, ou que essa é insuficiente, hipóteses denominadas por Vieira de Andrade como de "falta de lei". [110] Nesse caso – esclarece o jurista português -, "o princípio da aplicabilidade direta vale como indicador de exeqüibilidade imediata das normas constitucionais, presumindo-se a sua ‘perfeição’. Isto é, a sua auto-suficiência baseada no caráter líquido e certo do seu conteúdo de sentido. Vão, pois, aqui incluídos o dever dos juízes e dos demais operadores jurídicos de aplicarem os preceitos constitucionais e a autorização para com que esse fim os concretizarem por via interpretativa". [111]

Na hipótese que o Estado se omite em editar técnica processual adequada à efetiva prestação da tutela jurisdicional, o juiz deve justificar que a sua aplicação é necessária em face das necessidades do direito material (das tutelas que devem ser prestadas para que ocorra a efetividade do direito). Partindo-se da premissa de que não há dúvida de que o juiz deve prestar a tutela efetiva, é fácil justificar, em conformidade com a Constituição, que determinada técnica é imprescindível à tutela da situação concreta.

Assim, se o juiz, diante da lei processual, é obrigado a optar pela interpretação de acordo com o direito fundamental, cabe a ele, em caso de omissão ou de insuficiência legal, aplicar diretamente a norma que institui o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, considerando os princípios que com ele possam se chocar diante do caso concreto.

10.4 As regras que conferem ao juiz o poder de conceder tutela antecipatória no processo de conhecimento e de determinar a chamada medida executiva "necessária" (arts. 273, 461, 461-A, CPC e 84, CDC), ao mesmo tempo em que apontam para a idéia de que a tipificação legal não é a melhor solução para a prestação jurisdicional, deixam claro o seu dever de concretizar o direito fundamental à tutela jurisdicional diante do caso concreto

A possibilidade de o juiz conceder tutela antecipatória no processo de conhecimento, analisando apenas o fundado receio de dano, o abuso de direito de defesa e a incontrovérsia de parcela da demanda, entra em confronto com a tese de que a tutela antecipatória deve estar prevista em procedimentos especiais específicos.

Na verdade, a outorga de poder para a concessão de tutela antecipatória no procedimento comum deriva da percepção de que a necessidade da tutela antecipatória deve ser aferida em face do caso concreto, verificando-se a situação de perigo que pode tornar imprescindível a antecipação da tutela, o modo como a defesa é exercida e o fato de parcela da demanda ter se tornado incontroversa no curso do processo.

A possibilidade da concessão da tutela antecipatória nessas hipóteses parte da premissa de que a efetividade da tutela jurisdicional depende da consideração de todas essas situações, as quais obviamente não podem ser pensadas em abstrato, mas apenas em face das situações conflitivas concretas.

O mesmo fundamento está atrás da idéia de se dar ao juiz o poder de conceder a medida executiva necessária e adequada, conforme previsões dos arts. 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC. Ou seja, a impossibilidade de o legislador prever, diante das diferentes situações de conflito, i) quando a tutela antecipatória deve ser concedida e ii) as medidas executivas necessárias e adequadas, fez com que esse poder fosse transferido ao juiz. Note-se, contudo, que essas previsões legais são apenas indicativos de que o juiz não pode deixar de ter poder para aplicar a técnica processual adequada, pois se fosse aceitável a tese de que a tarefa do juiz está subordinada à expressa previsão de meio executivo, a legislação processual poderia negar-lhe as ferramentas necessárias para o cumprimento do seu dever e para o respeito ao direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Por isso mesmo, não se pode pensar que o juiz assumiu poder apenas para tratar das medidas adequadas em face das obrigações de não-fazer, de fazer ou de entregar coisa. Perceba-se que, se o juiz incorporou o dever de prestar tutela antecipatória diante das necessidades das variadas situações de direito substancial, ele evidentemente passou a ter poder para conferir-lhe efetividade, mediante a aplicação do meio executivo adequado. Até porque seria absurdo pensar que o juiz tem poder para conceder a tutela antecipatória, mas não para fazê-la efetiva.

Assim, no caso em que se mostra necessária a tutela antecipatória de soma em dinheiro, é errado supor que o juiz deva aplicar as modalidades executivas que servem à tradicional "execução de quantia certa", apenas porque não foi expressamente prevista medida executiva adequada, como a multa. Diante dessa hipótese, basta ao juiz justificar a necessidade dessa técnica executiva, aludindo à situação carente de tutela, para que então a multa possa ser aplicada com base no direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

Na realidade, o juiz tem poder-dever de dar efetividade ao seu trabalho, prestando a tutela jurisdicional de forma efetiva. Assim, qualquer que seja a situação concreta, o juiz não pode se esquivar do seu dever de determinar o meio executivo adequado, cruzando os braços diante de omissão legislativa [112] ou de falta de clareza da lei, como se o dever de prestar a tutela jurisdicional não fosse seu, mas estivesse na exclusiva dependência do legislador.

10.5 A realização do direito à efetividade da tutela jurisdicional não depende apenas da análise do direito de defesa, mas também da consideração do direito material em litígio e das "tutelas dos direitos"

O direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional obviamente exige a análise da esfera jurídica do réu. Porém, não basta pensar em direito de defesa, pois isso não é suficiente para legitimar o emprego da técnica processual.

A adequação da técnica processual deve ser medida em face das necessidades do direito material e da situação concreta, vale dizer, das necessidades de tutela do direito material, que muitas vezes depende de confronto com o direito material do réu.

Se o direito do autor deve ser efetivamente protegido, a técnica processual capaz de lhe outorgar tutela poderá interferir de forma mais, ou menos, incisiva sobre a esfera jurídica do réu, e por isso o poder do juiz, nessa perspectiva, não pode deixar de ser controlado através da regra da proporcionalidade.

Quando a análise recai sobre regras processuais que fixam os procedimentos de cognição parcial e as liminares, é necessário considerar o direito material e a realidade social que está atrás dos direitos de ação e de defesa. Não é possível pensar na potencialização da efetividade do direito de ação, e na restrição do direito de defesa, sem considerar a substância que se encontra atrás das posições de autor e de réu. Para pensar em balanceamento não é possível imaginar, por lógica, que as posições são neutras. É necessário levar em conta os "bens materiais" que se confrontam. [113]

Em relação aos procedimentos de cognição parcial, como já dito, é preciso verificar se a restrição da possibilidade de alegação é legitimada pelos valores da Constituição. Ou melhor, se os valores constitucionais amparam a tutela que é buscada às custas da restrição da possibilidade de alegação.

No que diz respeito à tutela antecipatória prevista em procedimentos especiais - de maneira descartada da demonstração de perigo -, cabe analisar se a situação de direito material que se pretende tutelar justifica a restrição do direito à produção de prova. Perceba-se que, nas hipóteses em que se requer a demonstração do perigo (arts. 273, I, 461 e 461-A do CPC e 84 do CDC), é preciso compreender os motivos que podem justificar a concessão da tutela antecipatória no caso concreto. O perigo legitima a restrição da produção da prova e, assim, a "verossimilhança". Porém, quando a concessão da tutela antecipatória puder causar prejuízo irreversível ao direito do réu, será necessário tomar em consideração os "bens materiais" em litígio. Nesse caso, a possibilidade de restrição ao direito à prova deve caminhar na razão proporcional direta do valor do bem afirmado pelo autor, e na razão proporcional inversa do valor do bem afirmado pelo réu.

Por outro lado, o meio executivo eleito no caso concreto deve ser adequado (legítimo) para o fim que o autor objetiva alcançar. Esse fim é a tutela almejada. Nessa direção, o meio executivo somente é adequado quando capaz de legitimamente atingir a tutela pleiteada.

Além da adequação, deve-se verificar se esse meio executivo é idôneo – no que diz respeito à sua eficácia – para proporcionar, em termos concretos, a tutela buscada. Tal meio, contudo, além de ser adequado e idôneo à tutela, deve ser aquele que traz a "menor restrição possível" à esfera jurídica do réu [114].

Falar em menor "restrição possível" traz embutida a suposição de que o meio idôneo é o mais suave [115]. A regra da necessidade - que se desdobra nas sub-regras do meio idôneo e da menor restrição possível - tem relação com o que Lerche chama de proibição de excesso, que traz à tona as idéias de "justa medida" e "equilíbrio", as quais desejam evidenciar a impossibilidade de o direito do autor ser protegido por meios que tragam conseqüências "desmedidas" ao réu. [116]

A aplicação da regra da proporcionalidade implica na idéia de "justa medida" [117]. Essa idéia - como explica Larenz - tem uma relação estreita com a de "justiça", tanto no exercício dos direitos como na imposição de deveres e ônus, de equilíbrio de interesses reciprocamente contrapostos na linha do menor prejuízo possível. [118] Nesse sentido, o meio executivo somente pode ser dito "justo" quando, além de adequado e idôneo, não traz prejuízos excessivos e desrazoáveis ao demandado.

Porém, o meio executivo não pode deixar de atentar para eventual colisão, no plano substancial, entre os direitos do autor e do réu. Se é inegável que o meio mais idôneo é aquele que deve proporcionar a menor restrição possível, é necessário admitir que esse pode variar de acordo com a dimensão dos valores colidentes. Isso quer dizer, em outras palavras, que nos casos em que a tutela do direito do autor depender da restrição de um direito fundamental, como o direito à liberdade, o juiz, na escolha do meio executivo, não pode esquecer de que está harmonizando bens em conflito.

Entretanto, no caso em que não se trata de harmonizar, no plano substancial, bens em colisão, o meio mais idôneo deve ser encontrado apenas diante das necessidades de tutela do direito material e do direito de defesa. Tais necessidades nada mais são do que as tutelas prometidas pelo direito material, as quais, assim, devem obrigatoriamente ser proporcionadas pelo processo. Daí, aliás, o interesse pelo seu resultado jurídico-substancial e, enfim, pela sua instrumentalidade substancial.

Eis outro motivo fundamental para a elaboração de uma classificação das tutelas (e não apenas das sentenças). Se os operadores do direito, inclusive o juiz, não souberem precisar as necessidades do direito material (portanto, as tutelas), será impossível ao autor pedir e ao juiz impor o meio executivo hábil à prestação da tutela do direito. Do mesmo modo, e por igual razão, será impossível às partes (autor e réu) controlarem a imposição do meio de execução, ou discutirem se esse é o "mais idôneo" e o que causa a "menor restrição possível". [119]


11. Eficácias vertical, horizontal e vertical com repercussão lateral dos direitos fundamentai

s

Já falamos das eficácias dos direitos fundamentais sobre o Estado (eficácia vertical) e sobre as relações entre os particulares (eficácia horizontal). Porém, é chegado o momento de acrescentar algo à exata compreensão de tais eficácias.

Canaris, ao abordar a questão da repercussão dos direitos fundamentais sobre os particulares, afirma que não é certo falar em eficácia imediata em relação aos terceiros, propondo a observância da distinção entre eficácia imediata e vigência imediata. Afirma que, a não ser assim, "também a vinculação imediata aos direitos fundamentais do legislador privado poderia ser designada como uma eficácia imediata em relação a terceiros" [120]. Adverte que os "destinatários das normas dos direito fundamentais são, em princípio, apenas o Estado e os seus órgãos, mas não os sujeitos de direito privado" [121]. Nessa linha, conclui que o objeto de controle "segundo os direitos fundamentais são, em princípio, apenas regulações e atos estatais, isto é, sobretudo leis e decisões judiciais, mas não também atos de sujeitos de direito privado, ou seja, e sobretudo, negócios jurídicos e atos ilícitos" [122].

Canaris, ao destacar a distinção entre vigência imediata e eficácia imediata dos direitos fundamentais, chega ao resultado de que esses direitos têm vigência imediata, embora se dirijam apenas contra o legislador e o juiz, quando então não se pode pensar em eficácia imediata em relação a terceiros. Como é fácil perceber, Canaris está preocupado com o art. 1º, n. 3, da LF alemã, que afirma que os direitos fundamentais vinculam, "como direito imediatamente vigente", o legislador e os órgãos jurisdicionais.

Note-se, porém, que mesmo que se aceite que apenas o legislador e o juiz são os destinatários dos direitos fundamentais, não se pode negar que a decisão do juiz incide sobre a esfera jurídica do particular. Ou melhor, que o juiz, ainda nesse caso, tomará em consideração a vigência (que seja) dos direitos fundamentais sobre os particulares.

Porém, quando Canaris afirma que apenas a decisão do juiz – além obviamente da lei – deve ser objeto de controle a partir dos direitos fundamentais, ele deixa claro que também os particulares podem controlá-la com base nos direitos fundamentais – como não poderia deixar de ser [123]. Ora, ao se permitir que o juiz tome em consideração a incidência dos direitos fundamentais sobre o particular, admite-se, implicitamente, que os direitos fundamentais têm valor perante os sujeitos privados independentemente de lei. Assim, o problema de se saber se os direitos fundamentais incidem sobre as relações dos particulares acaba recebendo uma resposta por outra via.

Na linha do raciocínio de Canaris, sendo o Estado o destinatário dos direitos fundamentais, a atividade do legislador e do juiz não pode ser compreendida como eficácia imediata perante terceiros. Ou melhor, nessa direção não se pensa em eficácia horizontal direta, mas apenas na intermediação da lei e do juiz para a projeção dos direitos fundamentais. Com efeito, Canaris não nega que a decisão do juiz, como destinatário dos direitos fundamentais, produz efeitos sobre as relações entre os particulares, afirmando que isso ocorre mediatamente, quando os direitos fundamentais são considerados na concretização das cláusulas gerais [124].

Como a doutrina de Canaris foi influenciada pela LF alemã, a sua preocupação básica foi a de deixar claro que os direitos fundamentais vinculam o legislador e o juiz, ainda que possam ser tomados em consideração para a definição dos litígios que envolvem os particulares. Canaris adverte que os direitos fundamentais também têm função de mandamento de tutela, obrigando o legislador a proteger um cidadão diante do outro. No caso de inexistência ou insuficiência dessa tutela, o juiz deveria tomar essa circunstância em consideração, projetando o direito fundamental sobre as relações entre os sujeitos privados. Nessa linha, se, por exemplo, o legislador não atuou de modo a proteger o empregado diante do empregador, quando tal era imperioso em face do direito fundamental, houve omissão de tutela ou violação do dever de proteção estatal.

Note-se, porém, que esse raciocínio dá valor à decisão judicial, e não à dimensão material do direito fundamental. Ou seja, o direito fundamental não é compreendido como voltado a influir diretamente sobre os sujeitos privados, mas apenas a apontar eventual violação do dever do legislador proteger um particular contra o outro. Parece que Canaris, ao pensar nas relações entre o direito fundamental material e o processo, adota o modelo da legitimidade procedimental, supondo que o direito é apenas o resultado do procedimento, e assim recusa legitimidade material aos direitos fundamentais.

Acontece que, ao menos no direito brasileiro, é importante buscar a integração dos modelos da justiça material e da legitimação procedimental, considerando as funções que os direitos fundamentais podem exercer diretamente sobre os particulares [125]. É inquestionável, por exemplo, que os direitos fundamentais tem grande importância na regulação do modo de ser das relações entre o empregador e o empregado, o que somente pode significar uma eficácia imediata e direta dos direitos fundamentais sobre os privados [126].

Não obstante, essa eficácia horizontal direta ou imediata não exclui a eficácia horizontal mediata ou indireta, que se dá através da lei e da decisão judicial. Explique-se melhor: os direitos fundamentais incidem sobre os particulares de forma imediata, ainda que possam vir a ser apreciados na decisão jurisdicional. Nessa última hipótese é que a eficácia será mediata, obviamente em relação às partes do processo.

Porém, essa eficácia mediata em relação às partes não pode ser confundida com uma eficácia lateral. É que a relação do Estado com os direitos fundamentais pode ser vista de duas formas. Pode-se pensar na i) atividade estatal (p,. ex., decisão jurisdicional) que liga o direito fundamental aos particulares e ii) no direito fundamental como algo que somente pode incidir sobre o órgão estatal, porque dirigido a vincular a forma do seu próprio proceder.

Perceba-se que o conteúdo da decisão do juiz, ao tomar em consideração o direito fundamental, incide sobre os particulares. Ou seja, o direito fundamental, no caso, é tomado em conta para incidir em relação aos sujeitos privados. Trata-se, portanto, de uma eficácia sobre os particulares – e, assim, horizontal - mediada pelo juiz – e, por isso, mediata ou indireta. Ou melhor, no caso há eficácia vertical em relação ao juiz e eficácia horizontal mediata diante dos particulares.

Porém, algo distinto acontece quando se pensa na incidência do direito fundamental em face dos órgãos estatais – que também é eficácia vertical – para efeito de sua vinculação no seu modo de proceder e atuar. Nessa hipótese, o direito fundamental, ainda que tenha por objetivo vincular o modo de atuação estatal perante o particular, não se projeta sobre as relações entre os sujeitos privados, pois não tem qualquer objetivo de regular-lhes. O direito fundamental, aí, tem eficácia apenas em face do órgão estatal, pois se presta a vincular o seu modo de atuação, que possui a função de atender não apenas aos direitos fundamentais que se destinam a regular as relações entre os particulares, mas sim a quaisquer direitos.

É essa a exata situação do juiz em relação ao direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Esse direito se dirige contra o juiz, não se confundindo com os outros direitos fundamentais que podem ser levados à sua decisão. Esses "outros direitos" têm eficácia perante o particular. Porém, o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional implica apenas na vinculação ou em um dever do juiz, não incidindo, antes ou depois da decisão, sobre o particular.

Na realidade, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, ao ser tomado em conta pelo juiz, pode apenas repercutir sobre o particular, conforme a maior ou menor efetividade da técnica processual empregada no caso concreto, o qual pode nada ter a ver com um "outro direito fundamental".

Nessa dimensão, para se evitar a confusão entre a eficácia do direito fundamental objeto da decisão judicial, e a eficácia do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional sobre a atividade do juiz, deve ser feita a distinção entre eficácia horizontal mediata e eficácia vertical com repercussão lateral, essa última própria do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional.


12. O problema da eficácia vertical do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva e da sua eficácia lateral sobre os particulares

Como restou claro, o direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva é dirigido contra o Poder Público, mas repercute sobre a esfera jurídica das partes. Nesse caso, como demonstrado, não há intermediação do juiz em relação aos direitos fundamentais – no moldes do que ocorre com a lei -, mas simples observância do direito fundamental pelo juiz como agente do Estado, na sua atividade de prestar a tutela jurisdicional.

A própria regra processual, que constitui resposta ao dever do Estado, existe para permitir ao juiz prestar a tutela jurisdicional, quando então incide sobre os particulares. Algo não muito diferente ocorre na hipótese em que se defere ao juiz uma dimensão de poder que lhe permite a escolha entre duas ou mais alternativas para a prestação da tutela jurisdicional da melhor forma possível – exemplo do poder conferido ao juiz para a determinação das modalidades executivas dos arts. 461 do CPC e 84 do CDC -, pois aí, diante do caso concreto, só existirá uma alternativa ótima ou correta, quando o "modo" de prestação da tutela jurisdicional apenas repercutirá sobre os particulares.

Se nessas hipóteses o direito fundamental (a efetividade da tutela jurisdicional) põe em relação o particular e o Estado (eficácia vertical), a eficácia que diz respeito aos particulares somente pode ser lateral, e não horizontal. Para se compreender melhor, é necessário perceber que o Estado, além de obrigado a não agredir os direitos fundamentais e de fazê-los respeitar pelos particulares, deve tomar em conta o direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional para proteger os direitos com efetividade, dando razão de ser ao próprio ordenamento jurídico.

Como é fácil perceber, tal modo de ver a teoria dos direitos fundamentais é importante diante do direito à tutela jurisdicional efetiva, pois se esse direito è voltado contra o Estado, ele indubitavelmente repercute sobre os particulares.

Quando o juiz presta a tutela jurisdicional, seja exercendo a escolha da modalidade executiva adequada, seja suprindo eventual omissão legislativa, deve aplicar a regra da proporcionalidade. Isso porque o exercício do poder jurisdicional, ainda que resulte de um direito fundamental, pode afetar não somente o titular desse direito, mas também direito fundamental de particular que a ele se contraponha, vale dizer, direito fundamental do réu. Além disso, ainda que existindo regra expressa sobre a aplicação de determinada técnica processual, ela obviamente não pode deixar de valorada na perspectiva da regra da proporcionalidade.

Há visível relação entre o direito à efetividade da tutela jurisdicional e o direito de defesa, no sentido de que a progressão do primeiro pode implicar na restrição do segundo. Lembre-se, considerando-se esses direitos, i) que o procedimento de cognição parcial implica na restrição ao direito à alegação; ii) que a tutela antecipatória – dita com base em verossimilhança – implica na restrição do direito à produção de prova; iii) que os provimentos executivos e mandamentais podem se ligar a meios executivos diversos; iv) que o juiz pode conceder provimento e meio de execução diverso do pedido; v) que o juiz pode, de ofício, ainda que depois do trânsito em julgado da sentença, conceder meio executivo diferente do fixado na sentença; e, enfim, vi) que a omissão do legislador, em instituir técnica necessária para a efetividade da tutela de um direito, deve ser suprida diante do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva.

É certo que os procedimentos de cognição parcial e a tutela antecipatória instituída em procedimentos especiais, quando vistos como módulos legais, constituem frutos do dever do legislador. Acontece que o procedimento deve ser pensado como um componente necessário à realização do direito fundamental à efetividade da tutela jurisdicional. Nesse sentido, existe para incidir sobre os particulares, e, portanto, pode ser questionado ao ser aplicado pelo juiz.

Se o procedimento ou a tutela antecipatória são postos em normas processuais específicas que incidem sobre os particulares (módulos legais), presume-se a sua legitimidade e um equilíbrio entre os valores, de modo que somente poderão deixar de ser aplicados quando essa presunção for destruída, em razão de conterem limitações não fundadas na idéia que determina que a restrição deve estar amparada nos valores constitucionais.

No caso de omissão legislativa em relação a meio executivo adequado, não há como pensar, por óbvio, em controle da constitucionalidade da lei, mas sim se a técnica processual pretendida encontra amparo na harmonização do direito à efetividade da tutela jurisdicional com o direito de defesa, sempre compreendidos no contexto das necessidades do caso concreto. Aqui, ao contrário da situação anterior, não é o caso de destruir uma presunção, mas sim de demonstrar uma omissão. Nessa hipótese, em face da aplicabilidade imediata do direito fundamental à tutela jurisdicional efetiva, basta verificar se a técnica processual pretendida é necessária para a realização desse direito e se nada impede, diante da análise do direito do réu, a sua concessão.

Quando o legislador afirma que a melhor resposta ao direito fundamental a efetividade da tutela jurisdicional é conferir ao juiz, diante de cada caso concreto, o poder para a escolha do meio executivo mais idôneo, a preocupação não será a de destruir presunção ou evidenciar omissão (até porque elas não existem), mas sim a de controlar o poder de escolha do juiz por meio da regra da "necessidade". Nesse último caso, tanto o autor quanto o réu podem controlar a escolha do juiz, pois se o autor tem direito à efetividade da tutela do seu direito, e assim ao meio executivo idôneo, o réu tem direito que esse meio seja aquele que lhe cause a menor restrição possível [127].


Notas

1 Sobre os conceitos de direito fundamental em sentido material e formal, ver José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira, Fundamentos da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 1991, p. 93 e ss; Miguel José Faria, Direitos Fundamentais e Direitos do Homem, Lisboa, ISCPSI, 2001, p. 3 e ss; Jorge Miranda, Manual de Direito Constitucional, Coimbra, Coimbra Editora, 2000, p. 137 e ss; Jorge Miranda, Direitos fundamentais na ordem constitucional portuguesa, Revista de Direito Público, v. 82, p. 5 e ss.

2 Ingo Wolfgang Sarlet, Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1988, Revista de Direito do Consumidor, v. 30, p. 98 e ss.

3 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 81. Sobre a dignidade da pessoa humana como norma fundamental para a ordem jurídico-constitucional, ver ainda Ingo Wolfgang Sarlet, Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 61 e ss. Ver, também, Maria Celina Bodin de Moraes, O conceito de dignidade humana: substrato axiológico e conteúdo normativo, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003.

4 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 81.

5 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 144-145.

6 Gilmar Ferreira Mendes, Âmbito de proteção dos direitos fundamentais e as possíveis limitações, Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais, Brasília, Brasília Jurídica, 2002, p. 209.

7 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1993, p. 590 e ss; José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 270 e ss; Ingo Wolfgang Sarlet, Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, in: A constituição concretizada – Construindo pontes com o público e o privado, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 107 e ss.

8 "A regra formal da liberdade não é suficiente para garantir a felicidade dos indivíduos e a prosperidade das nações, antes serve para aumentar a agressividade e acirrar os antagonismos, agravar as formas de opressão e instalar as diferenças injustas. A paz social, o bem-estar coletivo, a justiça e a própria liberdade não podem realizar-se espontaneamente numa sociedade industrializada, complexa, dividida e conflitual. É necessário que o Estado regule os mecanismos econômicos, proteja os fracos e desfavorecidos e promova as medidas necessárias à transformação da sociedade numa perspectiva comunitariamente assumida de bem público. Perante esta lição dos fatos, o sistema dos direitos fundamentais torna-se mais complexo e diferenciado. Por um lado, não pode pura e simplesmente remeter o Estado para a categoria fixa do ‘inimigo público’. Por outro lado, torna-se patente que os indivíduos não estão isoladamente contrapostos ao Estado como pressupunham as teorias liberais-burguesas. A área da sociedade deixa de ser (ou de poder ser vista como) o palco de atuações individuais, à medida que se verifica a profunda imbricação entre os interesses das pessoas e se multiplica a atividade dos grupos de interesse – sindicatos, associações patronais, igrejas, grupos econômicos, associações cívicas, desportivas, etc. – que, por vezes, dispõem de elevado poder social" (José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 273-274).

9 ".. a existência de algum detentor de poder privado num dos pólos da relação jurídico-privada poderá, isto sim, justificar uma maior intervenção e controle no âmbito do exercício do dever de proteção imposto ao Estado; em outras palavras, uma maior intensidade na vinculação destes sujeitos privados, bem como uma maior necessidade de proteção do particular mais frágil" (Ingo Wolfgang Sarlet, Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, in: A constituição concretizada – Construindo pontes com o público e o privado, cit., p. 155).

10 Ingo Wolfgang Sarlet, Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, in: A constituição concretizada – Construindo pontes com o público e o privado, cit., p. 155.

11 Sobre a eficácia dos direitos fundamentais sobre os particulares, ver José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 290 e ss; José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos, liberdades e garantias no âmbito das relações entre particulares, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2002, p. 1270 e ss; José Joaquim Gomes Canotilho, Dogmática de direitos fundamentais e direito privado, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, Coimbra, Almedina, 2003; Claus-Wilhelm Canaris, A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; Jörg Neuner, O Código Civil da Alemanha (BGB) e a Lei Fundamental, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; Juan María Bilbao Ubillos, En qué medida vinculan a los particulares los derechos fundamentales?, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003.

12 Segundo Canotilho, para a teoria da eficácia mediata, "os direitos, liberdades e garantias teriam uma eficácia indireta nas relações privadas, pois a sua vinculatividade exerce-se-ia prima facie sobre o legislador, que seria obrigado a conformar as referidas relações obedecendo aos princípios materiais positivados nas normas de direito, liberdades e garantias" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 593).

13 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 276-277.

14 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 278 e ss; José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, Coimbra, Almedina, 1993, p. 593 e ss;; Ingo Wolfgang Sarlet, Direitos fundamentais e direito privado: algumas considerações em torno da vinculação dos particulares aos direitos fundamentais, in: A constituição concretizada – Construindo pontes com o público e o privado, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2000, p. 120 e ss.

15 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 289.

16 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 290.

17 Uma amostra do dever de proteção do Estado em relação ao consumidor pode ser vista no trabalho de Cláudia Lima Marques, Solidariedade na doença e na morte: sobre a necessidade de "ações afirmativas" em contratos de planos de saúde e de planos funerários frente ao consumidor idoso, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003.

18 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 291.

19 A respeito da chamada "constitucionalização do direito privado" e da repercussão dos direitos fundamentais sobre o Código Civil, ver Eugênio Facchini Neto, Reflexões histórico-evolutivas sobre a constitucionalização do direito privado, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; Luiz Edson Fachin e Carlos Eduardo Pianovsky Ruzyk, Direitos fundamentais, dignidade da pessoa humana e o novo Código Civil: uma análise crítica, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; Judith Martins-Costa, Os direitos fundamentais e a opção culturalista do novo Código Civil, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003.

20 Sobre a eficácia horizontal dos direitos fundamentais dos trabalhadores, ver João Caupers, Os Direitos Fundamentais dos Traballhadores e a Constituição, Coimbra, Almedina, 1985, p. 147 e ss; Aldacy Rachid Coutinho, A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003; José Antônio Peres Gediel, A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2003.

21 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 291.

22 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 543.

23 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 541-542.

24 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p.542.

25 José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p.547.

26 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, Madrid, Centro de Estúdios Constitucionales, 1997, p. 419 e ss.

27 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit, p. 427.

28 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit., p. 428.

29 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit., p. 429.

30 Abordando os direitos fundamentais segundo o dever correlativo, ver João dos Passos Martins Neto, Direitos Fundamentais - Conceito, Função e Tipos, São Paulo, Ed. RT, 2003, p. 149 e ss.

31 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 195.

32 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 200.

33 Ao tratarmos da questão da proibição da concessão de tutela urgente pelo legislador ordinário, assim já escrevemos: "É de observar que a existência efetiva de periculum in mora diz respeito ao mérito e não ao direito à tutela. O direito à tutela urgente, portanto, não pode ser suprimido por norma infraconstitucional, para um determinado caso concreto, com base na afirmação de que inexistirá periculum in mora. A aferição do periculum in mora não pode ser subtraída do Poder Judiciário e chamada ao plano da norma, sob pena de desrespeito ao direito à adequada tutela jurisdicional. O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o ‘pedido de medida cautelar’ na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 223-6-DF, que teve por objeto a Medida Provisória 173/90 – que proibiu a concessão de liminares e a execução provisória da sentença nas ações cautelares e nos mandados de segurança –, concluiu, através da ótica do controle da razoabilidade das leis, que não deveria ser deferida a medida postulada. O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do acórdão, afirmou ‘que a solução estará no manejo do sistema difuso, porque nele, em cada caso concreto, nenhuma medida provisória pode subtrair ao juiz da causa um exame da constitucionalidade, inclusive sob o prisma da razoabilidade, das restrições impostas ao seu poder cautelar, para, se entender abusiva essa restrição, se a entender inconstitucional, conceder a liminar, deixando de dar aplicação, no caso concreto, à medida provisória, na medida em que, em relação àquele caso, a julgue inconstitucional, porque abusiva’. Ora, é óbvio que é possível o controle difuso da constitucionalidade. O que não é viável é a apreciação da Medida Provisória em face de diferentes casos concretos apresentados ao juiz. É que nesta hipótese o juiz estará penetrando no mérito e, portanto, admitindo a tutela e a conseqüente inconstitucionalidade da Medida Provisória, para depois poder afirmar que admite a constitucionalidade da Medida Provisória porque inexiste, por exemplo, periculum in mora, ou porque a restrição à tutela não é desrazoável. Na verdade, não é possível o controle da razoabilidade da restrição sem o exame do mérito. Fica evidente, portanto, que o objeto da ação de inconstitucionalidade, ou do controle difuso da constitucionalidade, somente pode ser a possibilidade da eliminação, em abstrato, da tutela de urgência. A análise desta questão somente pode ser feita em abstrato, e não em face de diferentes casos conflitivos concretos. O Ministro Moreira Alves afirmou que ‘a inovação que a atual Constituição introduziu no inc. XXXV do art. 5o (a alusão expressa à ameaça a direito: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito"), dificilmente poderá levar à conclusão de que a lei não poderá restringir a utilização de medidas liminares porque, com isso, se estaria suprimindo parcialmente uma das espécies de processo (o processo cautelar) e, portanto, de certa maneira, excluindo da apreciação do Poder Judiciário a ameaça ao direito. Com efeito, para que não houvesse dúvida de que a vedação da exclusão da apreciação por parte do Poder Judiciário alcançava não apenas o direito já violado (lesão de direito), mas também o direito apenas ameaçado (o que dá margem inclusive a ações como as de mandado de segurança, declaratória, relativas à ameaça à posse, para aqueles que consideram esta como direito, ações essas que não pertencem ao âmbito do processo cautelar), esse inciso da atual Constituição mencionou, expressamente, a ameaça a direito. Mas, com isso, teria impedido que se restringisse o uso de medidas liminares ou de procedimentos especiais outros, desde que não se obstasse a que, no mínimo por ação ordinária, o Poder Judiciário apreciasse lesão ou ameaça a direito, pois o que é vedado é excluir de apreciação, é eliminar, não admitir, privar, o que não sucede, evidentemente, se por meio ordinário se admite tal apreciação? Aliás, se desse a extensão extraordinária que alguns pretendem dar a esse preceito constitucional, ter-se-ia que a simples vedação de exclusão de apreciação por parte do Poder Judiciário da lesão a direito já impediria qualquer restrição às medidas liminares, que não são utilizáveis, apenas, para afastar, provisoriamente, a ameaça a direito, mas, também, para, evitar, provisoriamente, a persistência à lesão a direito, como ocorre com a liminar que suspende ato administrativo acoimado de ilegal e que já produziu a lesão a direito (como o que impediu a entrega de mercadoria importada)’. Com o devido respeito, não se pode afirmar que é possível restringir o uso da liminar desde que a lesão ou a ameaça a direito possa vir a ser apreciada através de ação ordinária. É por demais evidente que determinadas situações de direito substancial somente se compatibilizam com tutelas de urgência. E as tutelas urgentes, para estes casos, concretizam o direito à adequada tutela jurisdicional. A restrição do uso da liminar, portanto, significa lesão evidente ao princípio da inafastabilidade. Do contrário, teremos que raciocinar com um dado absurdo, ou seja, com a possibilidade de se estabelecer (através de lei), de forma absoluta, a inexistência de necessidade de tutela urgente para determinados casos, o que significaria, ainda, subtrair da valoração do juiz, e transplantar para o domínio da norma, a própria aferição da existência do periculum in mora. Ora, se a norma preceitua que está proibida a concessão de liminar, ela está, em outras palavras, afirmando que jamais existirá necessidade de tutela urgente, ou seja, está valorando aquilo que somente pode ser objeto da cognição do magistrado" (Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 7ª. ed., cit., p. 159 e ss).

34 Sobre o direito à tempestividade da tutela jurisdicional, especificamente em relação à idéia de "ragionevole durata" dos processos, expressamente presente no novo art. 111 da Constituição italiana, ver Giuseppe Tarzia, L’art. 111 Cost. e le garanzie europee del processo civile, Rivista di Diritto Processuale, 2001, p. 1 e ss; Giuseppe Tarzia, Il giusto processo di esecuzione, Rivista di Diritto Processuale, 2002, p. 329 e ss; Giuseppe Tarzia, Sul procedimento di equa riparazione per violazione del termine ragionevole del processo, Giurisprudenza Italiana, 2001, p. 2430 e ss; Sergio Chiarloni, Il nuovo art. 111 Cost. e il processo civile, Rivista di Diritto Processuale, 2000, p. 1010 e ss; Vincenzo Caianiello, Riflessioni sull’art. 111 della Costituzione, Rivista di Diritto Processuale, 2001, p. 42 e ss; Mauro Bove, Art. 111 Cost. e "giusto processo civile", Rivista di Diritto Processuale, 2002, p. 479 e ss.

35 "O direito a um procedimento justo implicará hoje a existência de procedimentos colectivos (Massenverfahren na terminologia alemã), possibilitadores da intervenção colectiva dos cidadãos na defesa de direitos econômicos, sociais e culturais de grande relevância para a existência colectiva (exemplo: ‘procedimentos de massas’ para a defesa do ambiente, da saúde, do patrimônio cultural, dos consumidores). Trata-se, aqui, de um tipo de procedimento que visa satisfazer os mesmos objectivos da acção popular de natureza jurisdicional, e, por isso, deve considerar-se abrangido pelo âmbito de protecção do artigo 52.º/3 da CRP" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 665).

36 Como escreve Alexy, "una comparación de los derechos a procedimiento en sentido estricto con los derechos a competencias de derecho privado muestra claramente los diferentes objetivos que se persiguen en el ámbito de la organización y el procedimiento. Mientras que los derechos a competencias de derecho privado aseguran, sobre todo, la posibilidad de que puedan realizarse determinadas acciones iusfundamentalmente garantizadas, los derechos a procedimiento en sentido estricto sirven en primer lugar, para la protección de posiciones jurídicas existentes frente al Estado y frente a terceros. Por ello, es posible tratar a estos últimos también dentro del marco de los derechos a protección" (Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit, p. 474). Ingo Sarlet também salienta a importância das regras processuais para a realização do direito de proteção: "impõe-se a referência ao fato de que sob a rubrica dos direitos a prestações em sentido amplo, considerando-se excluídos os direitos em sentido estrito (direitos a prestações fáticas), se enquadram fundamentalmente os direitos a prestações normativas por parte do Estado, que podem incluir tanto direitos a proteção mediante a emissão de normas jurídico-penais, quanto o estabelecimento de normas de organização e procedimento" (Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 194-195).

37 Em seus seminários no Curso de Mestrado em Portugal, Canotilho destacou a importância da interdependência relacional entre direitos fundamentais e procedimento (José Joaquim Gomes Canotilho, Tópicos de um Curso de Mestrado sobre Direitos Fundamentais, Procedimento, Processo e Organização, Boletim da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, v. LXVI, p. 151 e ss).

38 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit., p. 472.

39 Vittorio Denti, Un progetto per la giustizia civile, Bologna, Il Mulino, 1982, p. 12.

40 Andrea Proto Pisani, Appunti sulla giustizia civile, Bari, Cacucci, 1982, p. 11.

41 Sobre a diferença entre procedimento formalmente sumário e restrição à cognição no sentido material, ver Victor Fairen Guillén, Juicio ordinario, plenarios rápidos sumario, sumarisimo, in Temas del ordenamiento procesal, Madrid, Tecnos, 1969, v. 2, p. 825-830.

42 Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, São Paulo, Ed. RT, 1987, p. 85 e ss.

43 Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, cit., p. 87.

44 Ver Ovídio Baptista da Silva, Comentários ao Código de Processo Civil, São Paulo, Ed. RT, 2000, v. 13, p. p. 48.

45 Kazuo Watanabe, Da cognição no processo civil, cit., p. 88.

46 "O engajamento dos processualistas numa postura eminentemente cientificista (com o propósito de edificar as bases científicas do processo civil) levou à adoção da ação como pólo metodológico do processo civil. A adoção da ação (una, abstrata e incondicionada) como pólo metodológico concentrou os esforços dos processualistas no procedimento ordinário (enquanto arquétipo com foros de universalidade) e levou ao abandono dos velhos modelos sumários dos praxistas. Hoje, no entanto, não se pode mais aceitar argumentos intrassistemáticos, qual seja, isolados pelo sistema processual civil, sem qualquer justificativa social, visto que fundados apenas na necessidade – discutível – de dar autonomia científica ao direito processual. Não se pode viver à sombra da utopia da ação processual única e abstrata para quaisquer tipos de conflitos. (...) De nossa parte, entendemos que há um princípio filosófico por trás de toda essa concepção que, nas palavras de Bachelard, sob o pretexto de fundar logicamente o conhecimento objetivo em detrimento da diferenciação da realidade e dos pensamentos, acaba por assumir um caráter reducionista e involutivo: trata-se do princípio da identidade. Se, para Heidegger, é a suprema lei do próprio pensamento, para o lógico contemporâneo – e aqui lembramos Newton da Costa – tal princípio dever ser devidamente relativizado, eis que sua formulação clássica é hoje inadequada. Na obra de Adorno, mais que um entrave de ordem meramente lógica, o princípio da identidade significa a própria submissão do não-idêntico e de suas particularidades, em proveito da totalização devidamente padronizada e uniformizada. Em outras palavras (a interpretação que Rouanet faz da teoria adorniana), o princípio da identidade traduz a redução da diversidade à totalidade, a subsunção do não-idêntico ai idêntico, a nivelação dos pluralismos ao universal abstrato do conceito – enquanto categoria do conhecimento. A tese do procedimento ordinário (único e universal) soa então como verdadeira projeção do princípio da identidade, a submeter o não-idêntico (as diversas situações de direito material), violando suas particularidades (p. ex., juízos sumários) em proveito de uma totalização, que se exprime numa padronização que redunda na inefetividade do processo. Daí a necessidade do resgate do não-idêntico, qual seja, das situações diferenciadas de direito material, tarefa que no campo da filosofia coube – com ressalvas – a Adorno, e que no campo do direito processual – guardadas as devidas proporções, é claro – seria representado pela pluralização das tutelas jurisdicionais" (Laércio Alexandre Becker, Contratos Bancários, cit., p. 236, 239-240).

47 Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, Milano, Giuffrè, 1974, p. 698.

48 Luiz Guilherme Marinoni, Efetividade do processo e tutela de urgência, cit., p. 73-74.

49 Como escreve Nicolò Trocker, Processo civile e costituzione, cit., p. 701

50 Carlos Roberto de Siqueira Castro, O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova Constituição do Brasil, 2ª ed., Rio de Janeiro, Forense, 1989, p. 31.

51 F. C. de San Tiago Dantas, Problemas de direito positivo, Rio de Janeiro, Forense, 1953, p.34

52 Cf. Francisco Campos, Igualdade de todos perante a lei, Revista de Direto Administrativo, v. 1, p. 412.

53 Laércio Alexandre Becker, Contratos Bancários, cit., p. 63 e ss.

54 RTFR, 102/94.

55 Ver José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 665.

56 Note-se que, em caso de tutela inibitória antecipada, a prova a ser exigida será completamente diferente da prova da tutela ressarcitória antecipada (por exemplo). Além disso, no caso de tutela inibitória, a pretensão à antecipação pode ser vista como regra, o que não acontece nos casos em que a tutela final é (ainda por exemplo) ressarcitória.

57 Não há dúvida que o direito à tutela jurisdicional efetiva engloba o direito à execução das decisões. É nesse sentido a lição de Canotilho: "Finalmente, a existência de uma proteção jurídica eficaz pressupõe a exequibilidade das sentenças (‘fazer cumprir as sentenças’) dos tribunais através dos tribunais (ou, evidentemente, de outros órgãos), devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do juiz. Esta dimensão da proteção jurídica é extensiva, em princípio, à execução de sentenças proferidas contra o próprio Estado (CRP, artigo 208º/2 e 3, e, em termos constitucionalmente claudicantes, o Decreto-Lei n. 256/-A/77, de 17 de junho, artigo 5º segs, e Decreto-Lei n. 267/85, de 12 de julho, artigo 95o ss). Realce-se que, no caso de existir uma sentença vinculativa reconhecedora de um direito, a execução da decisão do tribunal não é apenas uma dimensão da legalidade democrática (‘dimensão objetiva’), mas também um direito subjetivo público do particular, ao qual devem ser reconhecidos meios compensatórios (indenização), medidas compulsórias ou ‘ações de queixa’ (cfr. Convenção Européia dos Direitos do Homem, artigo 6º), no caso de não execução ilegal de decisões dos tribunais" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 654).

58 Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 7ª. ed., cit, p. 253-261.

59 Luiz Guilherme Marinoni, A antecipação da tutela, 7ª. ed., cit, p. 245-249.

60 Sem razão, assim, Eduardo Talamini, Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer, São Paulo, Ed. RT, 2001, p. 469.

61 No mesmo sentido, Marcelo Lima Guerra, Direitos fundamentais e a proteção do credor na execução civil, São Paulo, Ed. RT, 2003, p. 150, José Roberto dos Santos Bedaque, Tutela cautelar e tutela antecipada, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 395.

62 Ver Italo Andolina, "Cognizione"ed "esecuzione forzata" nel sistema della tutela giurisdizionale, Milano, Giuffrè, 1983.

63 Sobre o ônus da prova, ver Salvatore Patti, Prove, Disposizioni generali, cit.; Gian Antonio Micheli, Onere della prova, Padova, 1966, p. 177 et seq.; Luigi Paolo Comoglio, "Le prove", Trattato di diritto privato (diretto da Rescigno), v. 19, p. 193 et seq.; Giovanni Verde, "Prova", Enciclopedia del diritto, v. 37, p. 628 et seq.; Gerhard Walter, Libre apreciación de la prueba, Bogotá, 1985; Ovídio Baptista da Silva, Curso de processo civil, Porto Alegre, 1987, p. 281 et seq.; José Carlos Barbosa Moreira, O novo processo civil brasileiro, Rio de Janeiro, 1994, p. 112 et seq.; Munir Karam, "Ônus da prova: noções fundamentais", RePro, v. 17, p. 50.

64 Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, São Paulo, Ed. RT, 2002, 5a. ed.

65 Cf. Giuliano Scarselli, La condanna con riserva, Milano, Giuffrè, 1989, p. 560.

66 Art. 2.697, CC italiano: "Onere della prova. – Chi vuol far valere un diritto in giudizio deve provare i fatti che ne costituiscono il fondamento. Chi eccepisce l’inefficacia di tali fatti ovvero eccepisce che il diritto si è modificato o estinto deve provare i fatti su cui l’eccezione si fonda".

67 Giuliano Scarselli, La condanna con riserva, cit., p. 560-561.

68 Como diz Pisani, a técnica da "condenação" com reserva das exceções pode satisfazer a exigência de evitar o abuso do direito de defesa: "com base nesta, o juiz, conhecidos apenas os fatos constitutivos, concede uma tutela relativa ao mérito, remetendo a uma fase processual sucessiva a cognição das exceções do réu" (Andrea Proto Pisani, Lezioni di diritto processuale civile, Napoli, Jovene, 1994, p. 627).

69 Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória, julgamento antecipado e execução imediata da sentença, São Paulo, Ed. RT, 1996.

70 "Por exemplo: o autor cumula dois pedidos, postulando no primeiro que o réu seja inibido a não usar mais a sua marca comercial, e no segundo que ele seja condenado a pagar perdas e danos. O autor possui provas documentais do registro da marca em seu nome e de que o réu está utilizando-a em suas embalagens (tais provas estão anexas à petição inicial), mas necessita de prova pericial para demonstrar o seu direito às perdas e danos. Na audiência preliminar, por inexistir necessidade de outras provas em relação ao pedido que objetiva a inibição, esse estará maduro para julgamento, abrindo oportunidade para uma decisão fundada em cognição exauriente, mas o pedido relativo às perdas e danos ainda exigirá mais tempo da "justiça", obrigando à produção de prova pericial. Ora, a pergunta que naturalmente surge é a seguinte: é justo obrigar o autor a esperar o tempo para a produção da prova pericial para poder obter a tutela que impeça o uso da sua marca comercial. A resposta não pode ser outra: é evidente que não! Mas se não couber a tutela antecipatória mediante o julgamento do pedido cumulado, e não houver "perigo de dano" (que abre ensejo para a tutela antecipatória do art. 273, I), o que fazer? A resposta também é simples: nada! Se ninguém dúvida que é cabível tutela baseada na aparência do direito (art. 273, I), é completamente equivocado supor que não cabe tutela do direito evidenciado. Alguém poderia dizer que a primeira exige "fundado receio de dano", ao passo que a não concessão da segunda não ocasionará prejuízo algum. Pensar assim é desconsiderar o direito a tempestividade da tutela jurisdicional, e admitir que o procedimento pode estar estruturado em desatenção aos direitos fundamentais, o que certamente é um absurdo. Perceba-se que não há sentido em estimular o cidadão a cumular pedidos, em homenagem ao princípio da economia processual, e não possibilitar que o pedido cumulado, que pode se apresentar maduro para julgamento antes do outro, possa ser definido imediatamente. Ou seja, não tem qualquer lógica pensar que o princípio da economia processual pode colocar em segundo plano o direito à tempestividade da tutela jurisdicional. Se ninguém ousaria dizer que o juiz, diante da evidência de parte do direito postulado, deve simplesmente cruzar os braços e assistir à produção de uma prova que somente tem a ver com a outra parcela do direito, não há como não admitir a tutela antecipatória mediante o julgamento antecipado da parcela do pedido ou de um dos pedidos cumulados" ( Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, 5ª. ed, cit, p. 150 e ss).

71 Como escreve Adolfo di Majo, "il discorso sulla tutela dei diritti implica dunque necessariamente la riflessione sui mezzi di tutela che l’ordinamento prevede nell’ipotesi di violazione del diritto. L’argomento della tutela avrebbe mero valore declamatorio ove esso non si confrontasse con le previsioni di diritto positivo sui mezzi attraverso i quali i diritti sono tutelati" (Aldolfo di Majo, La tutela civile dei diritti, Milano, Giuffrè, 1993, p. 4).

72 Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela antecipatória e julgamento antecipado, 5ª. ed, cit.

73 Ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela inibitória, São Paulo, Ed. RT, 2003, 3ª. ed., p. 309-347.

74 Quando se pensa em classificação há que se tomar em conta os conceitos que levaram à sua formação, e não outros.

75 Lembre-se que a definição da natureza das sentenças não pode prescindir da consideração de seus meios de execução.

76 Vittorio Denti, Il processo di cognizione nella storia delle riforme, Rivista Timestrale di Diritto e Procedura Civile, 1993, p. 808.

77 O princípio da tipicidade deseja significar que os meios de execução devem estar previstos na lei, e assim que a execução não pode ocorrer através de formas executivas não tipificadas. O seu objetivo é, de um lado, impedir que meio executivo não previsto em lei possa ser utilizado e, de outro, garantir o jurisdicionado contra a possibilidade de arbítrio judicial na fixação da modalidade executiva. Se o jurisdicionado sabe, em razão de previsão legal, que a sua esfera jurídica somente poderá ser invadida através de determinadas modalidades executivas, confere-se a ele a possibilidade de antever a reação ao seu inadimplemento, bem como a garantia de que a jurisdição não determinará ou permitirá a utilização de meio executivo diverso daqueles previstos.

78 A respeito da regra da proporcionalidade e de suas sub-regras, ver, no direito brasileiro, Paulo Bonavides, Curso de Direito Constitucional, São Paulo, Malheiros, 1993, p. 314 e ss; Luis Roberto Barroso, Interpretação e aplicação da Constituição, São Paulo, Saraiva, 1996; Raquel Denize Stumm, Princípio da proporcionalidade no direito constitucional brasileiro, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 1995, Suzana de Toledo Barros, O princípio da proporcionalidade e o controle da constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, Brasília, Brasília Jurídica, 1996; Paulo Arminio Tavares Buechele, O princípio da proporcionalidade e a interpretação da Constituição, Rio de Janeiro, Renovar, 1999.

79 Como escreve Canotilho, "a existência de uma protecção jurídica eficaz pressupõe o direito à execução das sentenças (‘fazer cumprir as sentenças’) dos tribunais através dos tribunais (ou de outras autoridades públicas), devendo o Estado fornecer todos os meios jurídicos e materiais necessários e adequados para dar cumprimento às sentenças do juiz. Esta dimensão da proteção jurídica é extensiva, em princípio, à execução de sentenças proferidas contra o próprio Estado (CRP, artigo 205.º/2 e 3, e, em termos constitucionalmente claudicantes, o Decreto-Lei n. 256/A/77, de 17 de junho, artigo 5.º ss., e Decreto-Lei n. 267/85, de 12 de julho, artigo 95.ºss). Realce-se que, no caso de existir uma sentença vinculativa reconhecedora de um direito, a execução da decisão do tribunal não é apenas uma dimensão da legalidade democrática (‘dimensão objectiva’), mas também um direito subjectivo público do particular, ao qual devem ser reconhecidos meios compensatórios (indemnização), medidas compulsórias ou ‘acções de queixa’ (cfr. Convenção Européia dos Direitos do Homem, artigo 6.º), no caso de não execução ilegal de decisões dos tribunais (cfr. o caso Hornsby, de 19/03/1997, em que o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sublinha o momento de execução como dimensão intrínseca da Declaração do Processo)" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Coimbra, Almedina, 2002, p. 496).

80 Ver tal julgado, com comentários de Roberto Benghi Del Claro, no v. 27 da Revista de Direito Processual Civil (Genesis Editora).

81 Ver, no direito italiano, Michele Taruffo, Note sul diritto alla condanna e all’esecuzione, Rivista Critica del Diritto Privato, 1986, p. 668; Luigi Paolo Comoglio, Principi costituzionali e processo di esecuzione, Rivista di Diritto Processuale, 1994, p. 450 e ss.

82 O executado também terá, é claro, a possibilidade de justificar o não pagamento, demonstrando a sua impossibilidade.

83 Como diz Delosmar Mendonça Junior, "a efetividade do processo não é direito antagônico à ampla defesa, em tese, no plano abstrato. É possível a realização da pretensão com a observância da ampla defesa. No plano dinâmico, podem ocorrer colisões entre os direitos fundamentais por circunstâncias em que um deve ter maior peso, maior força, porém sem desprezar o outro direito" (Delosmar Mendonça Junior, Princípios da ampla defesa e da efetividade, São Paulo, Malheiros, 2001, p. 76).

84 A suspensividade da defesa somente é admitida em casos excepcionais, quando a própria execução puder acarretar dano grave ao executado. Porém, mesmo que deferido o efeito suspensivo, o exeqüente poderá levar adiante a execução caso preste caução suficiente e idônea (Anteprojeto, art. 475-M, §1º). Justamente porque a suspensão da execução somente se justifica diante da probabilidade de dano grave, admite-se que o credor, prestando caução, elimine a razão de ser do efeito suspensivo, e então possa prosseguir com a execução até a satisfação do seu direito.

85 A respeito do tema, ver João Pedro Gebran Neto, A aplicação imediata dos direitos e garantias individuais, São Paulo, Ed. RT, 2003.

86 Referindo-se ao art. 5º, §1o da CF e a normas semelhantes, previstas na Lei Fundamental da República Federal da Alemanha e na Constituição Portuguesa de 1976, escreve Sergio Fernando Moro: "Logo, tais dispositivos seriam a princípio desnecessários. Talvez os constituintes os tenham formulado com propósito unicamente didático, preocupados com as posições, hoje ultrapassadas, de que as normas constitucionais dirigiam-se exclusivamente ao legislador, o que os teria levado a declarar no próprio texto constitucional o equívoco de tais posicionamentos. Independentemente do que quiseram os constituintes, o fato é que consta na Carta Constitucional brasileira dispositivo que diz expressamente que as normas de direito fundamental têm aplicação imediata" (Sergio Fernando Moro, Desenvolvimento e efetivação judicial das normas constitucionais, São Paulo, Max Limonad, 2001, p. 67).

87 Konrad Hesse, A força normativa da Constituição, Porto Alegre, Fabris, 1991, p. 23.

88 Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, cit., p. 96.

89 "Na solução dos problemas jurídico-constitucionais deve dar-se prevalência aos pontos de vista que, tendo em conta os pressupostos da constituição (normativa), contribuem para uma eficácia ótima da lei fundamental. Conseqüentemente, deve dar-se primazia às soluções hermenêuticas que, compreendendo a historicidade das estruturas constitucionais, possibilitam a ‘atualização’ normativa, garantindo, do mesmo pé, a sua eficácia e permanência" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 229)

90 Referindo-se a esse princípio, mas a ele atribuindo o nome de princípio da máxima efetividade, escreve Canotilho: "Esse princípio, também designado por princípio da eficiência ou princípio da interpretação efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da atualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais)" (José Joaquim Gomes Canotilho, Direito Constitucional, cit., p. 227).

91 Por outro lado, como conseqüência dessa mesma orientação, a interpretação que vale no caso de lei restritiva de direito fundamental é a que minimiza essa restrição. Assim, se de um lado há que se pensar em interpretação que dê a maior efetividade possível ao direito fundamental, de outro há que se cogitar de interpretação que minimize a restrição ao direito fundamental.

92 Art. 24, I da Constituição da Espanha: "Todas las personas tienen derecho a obtener la tutela efectiva de los jueces y tribunales en el ejercicio de sus derechos e intereses legítimos sin que, en ningún caso, pueda producirse indefensión".

93 David Vallespín Pérez, El modelo constitucional de juicio justo em el ámbito del proceso civil, Barcelona, Atelier, 2002, p. 142-143. Ver também Álvaro Gil-Robles, Los nuevos límites de la tutela judicial efectiva, Madrid, Centro de Estudios Constitucionales, 1996, p. 85 e ss.

94 Não se trata de aplicar a idéia, já intuída há muito tempo, de adaptação do procedimento ao caso concreto. Deixar um espaço de ação para o juiz melhor aplicar a técnica processual, nada mais é do que ter consciência de que, diante de determinadas situações, não há como antever a forma procedimental adequada. Porém, se essa adaptação somente pode ser feita dentro de limites previamente considerados, aqui se vai além. O que se deseja evidenciar é a necessidade de o juiz conformar o procedimento ao caso concreto em todos os casos em que a técnica processual não for capaz de atender ao direito material e à realidade social. Nesse caso, o juiz deverá considerar as tutelas prometidas pelo direito material, a realidade social e os valores da Constituição.

95 Referindo-se aos poderes do juiz, ainda que no processo cautelar, afirmou Carlos Alberto Alvaro de Oliveira que aí "fica o juiz investido de maior discricionariedade na determinação do objeto do processo, podendo às vezes ‘construir’ no caso concreto o provimento mais adequado às exigências de tutela, e até agir de ofício segundo certa doutrina, prescindindo portanto de demanda da parte" (Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no processo civil, São Paulo, Saraiva, 2003, p. 120).

96 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit, p. 86 e ss.

97 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit, p. 86 e ss.

98 Ronald Dworkin, na obra Taking Rights Seriously, afirma que as regras obedecem a lógica do "tudo ou nada", enquanto que os princípios a do "peso" ou da "importância" (Ronald Dworkin, Taking Rights Seriously, Cambridge, Harvard University Press, 1978, p.70 e ss). Ver, ainda, Cristina Queiroz, Direitos Fundamentais (Teoria Geral), Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 127 e ss; Ruy Samuel Espíndola, Conceito de Princípios Constitucionais, São Paulo, Ed. RT, 2002, p. 69; Ana Paula de Barcellos, A Eficácia Jurídica dos Princípios Constitucionais, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 77 e ss. Sobre o Direito como sistema de regras e princípios na obra de Dworkin, ver Cláudio Pereira de Souza Neto, Jurisdição Constitucional, Democracia e Racionalidade Prática, Rio de Janeiro, Renovar, 2002, p. 220 e ss. A respeito dos princípios como "supernormas de Direito", ver Carlos Ayres Britto, Teoria da Constituição, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p. 178 e ss.

99 Robert Alexy, Teoria de los derechos fundamentales, cit, p. 88-92.

100 Sobre o tema, não há como deixar de consultar Clèmerson Merlin Clève, A Fiscalização Abstrata da Constitucionalidade no Direito Brasileiro, São Paulo, Ed. RT, 2000, 2ª. ed., p. 263 e ss.

101 Wilson Antônio Steinmetz, Colisão de direitos fundamentais e princípio da proporcionalidade, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2001, p. 100.

102 Eduardo Fernando Appio, Interpretação conforme a Constituição, Curitiba, Juruá, 2002, p. 75 e ss.

103 Eduardo Fernando Appio, Interpretação conforme a Constituição, cit., p. 78-79.

104 Como as duas têm "eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública Federal, Estadual e Municipal" (art. 28, Lei 9.868/99), a doutrina adverte "que a diferença é sutil, considerando que, sob o ângulo cassatório, ambas eliminam algumas das interpretações possíveis", mas não deixa de sublinhar que, "enquanto a declaração parcial de nulidade possui efeito principal negativo (em relação a determinadas interpretações, hipotetizadas pelo julgador), a interpretação conforme tem efeito principal positivo, na medida em que elege a única interpretação possível, vinculando juízes e administração" (Eduardo Fernando Appio, Interpretação conforme a Constituição, cit., p. 78-79).

105 Impedir a aplicação da interpretação conforme e da declaração parcial de nulidade sem redução de texto "pelos juízes e tribunais inferiores seria restringir a própria modalidade de controle difuso; seria uma espécie de meio-controle" (Lenio Luiz Sreck, Jurisdição Constitucional e Hermenêutica, Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002, p. 518).

106 "A limitação na aplicabilidade da interpretação conforme à Constituição se assenta na expressão literal do texto impugnado, quando este seja vazado em termos técnicos, colhidos na ciência, os quais o juiz não pode substituir validamente. Nos demais casos, dada a indeterminação da norma, poderá o julgador preencher o conteúdo semântico utilizando-se de sua interpretação" (Eduardo Fernando Appio, Interpretação conforme a Constituição, cit., p.151).

107 Sobre a relação entre a prestação jurisdicional efetiva e a interpretação constitucional, ver Flávia de Almeida Viveiros de Castro, Rio de Janeiro, Lumen juris, 2002.

108 "Trata-se, antes de mais, de conceder todo o relevo, dentro do elemento sistemático da interpretação, à referência à Constituição. Com efeito, cada norma legal não tem somente de ser captada no conjunto das normas da mesma lei e no conjunto da ordem legislativa; tem outrossim de se considerar no contexto da ordem constitucional; e isso tanto mais quanto mais se tem dilatado, no século XX, a esfera de acção desta como centro de energias dinamizadoras das demais normas da ordem jurídica positiva" (Jorge Miranda, Teoria do Estado e da Constituição, Coimbra, Coimbra Editora, 2002, p. 659).

109 Ingo Wolfgang Sarlet, A eficácia dos direitos fundamentais, cit., p. 148.

110 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 256.

111 José Carlos Vieira de Andrade, Os direitos fundamentais (na Constituição Portuguesa de 1976), cit., p. 256-257.

112 Sobre a questão das "omissões legislativas", ver José Joaquim Gomes Canotilho, Constituição dirigente e vinculação do legislador, Coimbra, Coimbra Editora, 2001, p. 325 e ss.

113 Cabe aqui reproduzir o que dissemos em livro publicado em 1995: "É fundamental para o encontro da real efetividade do processo a tomada de consciência de que são de natureza vária os bens envolvidos nos litígios. O novo processo não é mais um ‘processo neutro’, mas um processo que sabe que, da mesma forma que todos não são iguais, os bens que constituem os litígios não têm igual valor jurídico" (Luiz Guilherme Marinoni, A Antecipação da tutela, 7ª. ed., cit., p. 25).

114 Como observa Juarez Freitas, "proporcionalidade significa, sobremodo, sacrificar o mínimo para preservar o máximo de direitos fundamentais" (Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 3ª. ed., São Paulo, Malheiros, 2002, p. 194).

115 De acordo com Paulo Bonavides, fundado na lição de Maunz/Dürig, de todas as medidas que igualmente servem à obtenção de um fim, cumpre eleger aquela menos nociva aos interesses do cidadão, podendo assim, o princípio da necessidade ser também chamado princípio da escolha do meio mais suave (Paulo Bonavides, Curso de direito constitucional, cit., p. 319).

116 Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, cit., p. 514.

117 Como diz Carlos Roberto Siqueira Castro, "proporcionalidade encerra, assim, a orientação deontológica de se buscar o meio mais idôneo ou a menor restrição possível, a fim de que a lesão de um bem da vida não vá além do que seja necessário ou, pelo menos, defensável em virtude de outro bem ou de um objetivo jurídico revestido de idoneidade ou reconhecido como de grau superior. Trata-se, pois, de postulado nuclear que se converte em fio condutor metodológico da concretização judicial da norma, à qual, segundo Pierre Muller, ‘devem obedecer tanto os que exercem quanto os que padecem o poder’" (Carlos Roberto Siqueira Castro, A Constituição Aberta e os Direitos Fundamentais, Rio de Janeiro, Forense, 2003, p.82).

118 Karl Larenz, Metodologia da ciência do direito, Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 514.

119 Ou seja, a classificação das tutelas (não apenas das sentenças) é imprescindível em face da nova realidade do direito processual civil. Sobre isso, ver Luiz Guilherme Marinoni, Tutela Inibitória, 3ª. ed., cit., p. 434-475; Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart, Manual do Processo de conhecimento, 3ª. ed., cit.

120 Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, cit, p. 54.

121 Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, cit, p. 55.

122 Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, cit, p. 55; Claus-Wilhelm Canaris, A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), cit., p. 236-237.

123 Claus-Wilhelm Canaris, Direitos Fundamentais e Direito Privado, cit, p. 56.

124 Claus-Wilhelm Canaris, A influência dos direitos fundamentais sobre o direito privado na Alemanha, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), cit., p. 236.

125 Lembre-se, aliás, que a Constituição Portuguesa afirma expressamente, no seu art. 18, I, que "os preceitos constitucionais respeitantes aos direitos, liberdades e garantias são directamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas".

126 Como escreve José Antônio Peres Gediel "concretamente, a autonomia privada e os direitos e deveres contratuais dela derivados, sempre que entrarem em conflito com os direitos fundamentais, devem ser examinados à luz do critério ou princípio da proporcionalidade. Os direitos fundamentais interferem na autonomia privada e tornam ofensivas à dignidade e lesivas aos direitos de personalidade do trabalhador todas as exigências contratualizadas ou pré-contratuais, que extrapolem a exata finalidade e os limites da operação econômica e venham a atingir o núcleo da pessoa (José Antônio Peres Gediel, A irrenunciabilidade a direitos da personalidade pelo trabalhador, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), cit., p. 160). É necessário ver, também, a preciosa lição de Aldacy Rachid Coutinho: "Toda a realidade está dominada pelo contrato de trabalho que se traduz na tomada do corpo e do intelecto da pessoa humana, colocados à disposição dos interesses do capital. Mas as condições da entrega da força de trabalho não refletem tão-somente questões de natureza eminentemente patrimonial, senão também situações jurídicas pessoais traduzidas em direitos. Assim, por exemplo, o trabalho em local insalubre não é juridicamente relevante só enquanto um adicional legal de 40%, 20% ou 10% sobre o salário mínimo, mas especialmente como um possível e eventual dano à saúde – direito fundamental – ou a revista não é só uma questão de poder ou sua limitação, mas a expressão da inviolabilidade do direito à vida privada e à intimidade – direito fundamental. A possibilidade de negociação, neste campo, deve ser extirpada, e a vontade reconhecida como inexistente. A manutenção da visão de contratualidade explicitada pela autonomia da vontade serve para esvaziar a teoria dos direitos fundamentais" (Aldacy Rachid Coutinho, A autonomia privada: em busca da defesa dos direitos fundamentais dos trabalhadores, in Constituição, Direitos Fundamentais e Direito Privado (org. por Ingo Wolfgang Sarlet), cit., p. 180).

127 Oportuna, assim, a lição de Juarez Freitas: "Faz-se, por conseguinte, merecedora de encômios a Carta que abriga valores ou princípios, à primeira vista, contraditórios. Quer parecer que uma Constituição democrática forçosamente haverá de apresentar tensão interna congênita, sob pena de não encarnar, de modo legítimo e em permanente legitimação, os multifacéticos anseios alojados no corpo e no espírito da sociedade, suscitando ou impondo o permanente labor interpretativo de compatibilização e de ‘dação de vida’ organizada e proporcional às prescrições fragmentárias" (Juarez Freitas, A Interpretação Sistemática do Direito, 3ª. ed., cit., p. 196).


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARINONI, Luiz Guilherme. O direito à tutela jurisdicional efetiva na perspectiva da teoria dos direitos fundamentais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 378, 20 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5281. Acesso em: 28 mar. 2024.