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Impedimento e suspeição no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

Impedimento e suspeição no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)

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É possível alegar a parcialidade em julgamento no CADE, especialmente no caso em que o Conselheiro-Relator proferir publicamente um juízo de valor a respeito de caso ainda não julgado pelo Tribunal.

O presente estudo visa avaliar a possibilidade de se alegar a parcialidade em julgamento no CADE, especialmente no caso em que o Conselheiro-Relator proferir publicamente um juízo de valor a respeito de caso ainda não julgado pelo Tribunal.

Nesse caso, entendemos ser possível a declaração de nulidade do julgamento, como a seguir se explicitará.


1) Legislação Aplicável

  O CADE, autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça, tem a sua competência e funcionamento disciplinado pela Lei n. 12.529/11, que dispõe sobre a prevenção e a repressão às infrações contra a ordem econômica e dá outras providências. É nessa legislação especial que se encontra disciplinada a estrutura do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC) e as regras de processamento dos processos administrativos que tramitam no Conselho. É especialmente no Título VI que se encontram tais normas. Havendo lacunas, a lei também resolve o problema, pois possibilita a aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (art. 115) e da Lei de Processo Administrativo.

Para regulamentar essa lei, o CADE edita Resoluções , sendo importante mencionar, para o caso, a Resolução n. 16, de 9 de setembro de 1998, também denominada “Código de Ética” dos servidores da autarquia, e o seu Regimento Interno.

As resoluções são editadas no exercício de competência discricionária e, como tal, deverão ser secundum legem, ou seja, constatado conflito entre lei e a resolução, é a lei que deverá prevalecer, sob pena de ilegalidade.

Também se aplica na presente situação a Lei n. 9.784/99, que regula o processo administrativo federal. É norma que prevê as regras gerais do processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal e tem aplicabilidade complementar à Lei n. 12.529/11, até mesmo em razão do que dispõe o seu art. 69, verbis:

“Art. 69. Os procedimentos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes apenas subsidiariamente os preceitos desta lei.”

  A aplicação subsidiária do Código de Processo Civil (CPC), assim como da Lei de Processo Administrativo, está expressamente prevista na Lei n. 12.529/11, como é cediço. Por serem de aplicação subsidiária, a Lei n. 12.529/11 se sobrepõe a elas, até mesmo por se tratar de norma especial para processos administrativos no CADE.

  Em razão de a norma ser especial, ela deve prevalecer sobre a geral. Trata-se do critério da especialidade, técnica de hermenêutica jurídica utilizada na solução de antinomias, em que a norma especial revoga a geral (Lex specialis derogati generali). Esse critério decorre, inclusive, do art. 2º, § 2º, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro. A respeito, pondera Maria Helena Diniz:

“A norma geral não revoga a especial, nem a nova especial revoga a geral, podendo com ela coexistir ('Lex posterior generalis non derogat speciali', legi speciali per generalem non abrogatur '), exceto se disciplinar de modo diverso a matéria normada, ou se a revogar expressamente (Lex specialis derogat legi generali ).”

  Dispondo a Lei n. 9.784/99 de maneira diversa do CPC, prevalecerá a regra especial, a que trata do processo administrativo na esfera federal, e não a que trata do processo judicial lato sensu. O processo que tramita no CADE para a defesa da ordem econômica nada mais é senão um processo administrativo na Administração Pública Indireta Federal.

  O raciocínio é, portanto, o seguinte:

1º Aplica-se a Lei n. 12.529/11, que trata dos processos administrativos no CADE;
                                      ↓ complementarmente 
             2º Aplica-se a Lei n. 9.784/99, que trata dos processos administrativos no âmbito federal;
                                     ↓ complementarmente
             3º Aplica-se o Código de Processo Civil.

  As Resoluções são apenas regulamentações que não poderão contrariar nem se sobrepor à lei, e que contêm regras instrumentais aplicáveis.


2) Princípio da Imparcialidade

  A imparcialidade do julgador é princípio constitucional que deve nortear os processos administrativos e judiciais. Exige-se do julgador na órbita administrativa (e também judicial) um comportamento neutro, imparcial e impessoal no processo, devendo obediência aos critérios objetivamente fixados pela lei. Trata-se de princípio decorrente do juiz natural e da impessoalidade que deve nortear os atos administrativos, que se extraem, respectivamente, dos arts. 5º, inc. XXXVII , e 37, caput , da Constituição Federal.

  A mera característica do nosso Estado como Democrático e de Direito (art. 1º, caput, da CF) não permite outra atitude do julgador, senão a imparcialidade em suas decisões. Essa característica é, inclusive, uma garantia da tripartição dos poderes, reafirmando a independência de cada um destes.

  Nelson Nery Junior  faz excelente exposição a respeito do tema:

“A imparcialidade do juiz é atributo necessário para que possa julgar, sendo manifestação do princípio constitucional do Estado Democrático de Direito (CF 1º caput) e um dos elementos integradores do princípio constitucional do juiz natural (CF 5º XXXVII e LIII). Daí a razão pela qual o juiz tem de ser sempre imparcial, independentemente da natureza do processo ou procedimento que vai ser por ele decidido. (...) Portanto, o Estado Democrático de Direito e o juiz natural exigem a imparcialidade do juiz para proferir decisões tanto nos processos contenciosos (objetivos e subjetivos), nos procedimentos de jurisdição voluntária, bem como nos processos administrativos em geral (...)”.

  Consagrando esse princípio, a Lei n. 12.529/11 traz, no art. 8º, um rol de condutas que são vedadas aos Conselheiros porque configuram ou dão margem a sua parcialidade, e cuja constatação pode ocasionar a perda do mandato (cf. art. 7º):

“Art. 8º Ao Presidente e aos Conselheiros é vedado:

I - receber, a qualquer título, e sob qualquer pretexto, honorários, percentagens ou custas;

II - exercer profissão liberal;

III - participar, na forma de controlador, diretor, administrador, gerente, preposto ou mandatário, de sociedade civil, comercial ou empresas de qualquer espécie;

IV - emitir parecer sobre matéria de sua especialização, ainda que em tese, ou funcionar como consultor de qualquer tipo de empresa;

V - manifestar, por qualquer meio de comunicação, opinião sobre processo pendente de julgamento, ou juízo depreciativo sobre despachos, votos ou sentenças de órgãos judiciais, ressalvada a crítica nos autos, em obras técnicas ou no exercício do magistério;

VI - exercer atividade político-partidária.” g.n.

  Além disso, ao Presidente do Tribunal e aos Conselheiros, a legislação veda a utilização de informações privilegiadas obtidas em decorrência do cargo exercido, como também a representação de qualquer pessoa, física ou jurídica, perante o SBDC, nos 120 (cento e vinte) dias seguintes ao término do mandato (art. 8º, parágrafos 1º e 4º).

  A regulamentar, o Código de Ética do CADE (Resolução n. 16/98) menciona expressamente a imparcialidade como princípio norteador das atividades, elencando condutas vedadas a todos os servidores:

“Art. 5º. O servidor do CADE desempenhará suas atividades com imparcialidade e independência, abstendo-se de dar tratamento diferenciado a qualquer pessoa, independentemente de sua posição.

(...)

Art.10. É expressamente vedado ao servidor do CADE:

(...)

V – manifestar, por qualquer meio de comunicação, divulgar, fornecer ou prestar informações, assumir compromissos, fazer promessas, fornecer cópias reprográficas referentes aos processos em tramitação no CADE, pendente de julgamento, (...).” g.n.

  Também o Regimento Interno do CADE, em seu art. 4º, dispõe que a perda do mandato dos Conselheiros e do Presidente pode ocorrer nos casos do art. 8º da Lei n. 12.529/11 e, em seu art. 5º, dispõe que “Aplicam-se ao Presidente, aos Conselheiros, ao Superintendente-Geral, ao Economista-Chefe e ao Procurador-Chefe as hipóteses de impedimento e suspeição previstas nos arts. 134 e 135 da Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.” 

  O impedimento ou a suspeição podem ser declarados de ofício pela autoridade ou arguidos pela parte interessada, em petição nos autos, cabendo à autoridade afetada emitir a decisão (art. 5º, parágrafos 2º e 3º, do Regimento Interno).

  Além disso, o art. 6º do Regimento Interno prevê que, se houver dentre os Conselheiros, “cônjuges, parentes consanguíneos ou afins, em linha reta ou em terceiro grau da linha colateral, o primeiro que conhecer da causa, por meio de qualquer manifestação nos autos, impede que o outro participe da instrução e do julgamento.”

  A legislação concorrencial não permite que os Conselheiros e o Presidente se manifestem em público, por qualquer meio de comunicação, a respeito de processo pendente de julgamento, pois se trata de conduta ameaçadora da imparcialidade e independência do julgamento, viciando-o de ilegalidade. Essa conduta é tão grave que permite a aplicação da penalidade máxima em termos disciplinares: a perda do cargo.

A legislação pátria trata os casos de imparcialidade do julgador com ênfase nas situações de impedimento e suspeição.

O impedimento decorre de situação de maior gravidade, de parcialidade absoluta, ou seja, provada a causa do impedimento, o julgador deve ser imediatamente afastado do processo, já que ele é considerado, ipso facto, impedido. A suspeição, por sua vez, traz os casos de maior subjetividade, em que a parcialidade é relativa, podendo ser afastada mediante prova em contrário.

No nosso entendimento, não há dúvidas de que o rol do art. 8º da Lei n. 12.529/11, por trazer condutas vedadas e objetivamente definidas na norma, equivale à situação em que o Conselheiro estaria impedido de julgar.

A lei de processo administrativo (Lei n. 9.784/99) e o Código de Processo Civil também arrolam as situações em que o julgador deverá ser afastado do processo.

Nesse sentido, são casos de impedimento e suspeição da autoridade administrativa, disciplinados nos arts. 18 a 21 da lei de processo administrativo, os seguintes:

“Art. 18. É impedido de atuar em processo administrativo o servidor ou autoridade que:

I - tenha interesse direto ou indireto na matéria;

II - tenha participado ou venha a participar como perito, testemunha ou representante, ou se tais situações ocorrem quanto ao cônjuge, companheiro ou parente e afins até o terceiro grau;

III - esteja litigando judicial ou administrativamente com o interessado ou respectivo cônjuge ou companheiro.

Art. 19. A autoridade ou servidor que incorrer em impedimento deve comunicar o fato à autoridade competente, abstendo-se de atuar.

Parágrafo único. A omissão do dever de comunicar o impedimento constitui falta grave, para efeitos disciplinares.

Art. 20. Pode ser argüida a suspeição de autoridade ou servidor que tenha amizade íntima ou inimizade notória com algum dos interessados ou com os respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o terceiro grau.

Art. 21. O indeferimento de alegação de suspeição poderá ser objeto de recurso, sem efeito suspensivo.” g.n.

  No Código de Processo Civil, por sua vez, as hipóteses são as seguintes:

“Art. 144.  Há impedimento do juiz, sendo-lhe vedado exercer suas funções no processo:

I - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como membro do Ministério Público ou prestou depoimento como testemunha;

II - de que conheceu em outro grau de jurisdição, tendo proferido decisão;

III - quando nele estiver postulando, como defensor público, advogado ou membro do Ministério Público, seu cônjuge ou companheiro, ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

IV - quando for parte no processo ele próprio, seu cônjuge ou companheiro, ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive;

V - quando for sócio ou membro de direção ou de administração de pessoa jurídica parte no processo;

VI - quando for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de qualquer das partes;

VII - em que figure como parte instituição de ensino com a qual tenha relação de emprego ou decorrente de contrato de prestação de serviços;

VIII - em que figure como parte cliente do escritório de advocacia de seu cônjuge, companheiro ou parente, consanguíneo ou afim, em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, mesmo que patrocinado por advogado de outro escritório;

IX - quando promover ação contra a parte ou seu advogado.

§ 1o Na hipótese do inciso III, o impedimento só se verifica quando o defensor público, o advogado ou o membro do Ministério Público já integrava o processo antes do início da atividade judicante do juiz.

§ 2o É vedada a criação de fato superveniente a fim de caracterizar impedimento do juiz.

§ 3o O impedimento previsto no inciso III também se verifica no caso de mandato conferido a membro de escritório de advocacia que tenha em seus quadros advogado que individualmente ostente a condição nele prevista, mesmo que não intervenha diretamente no processo.

Art. 145.  Há suspeição do juiz:

I - amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados;

II - que receber presentes de pessoas que tiverem interesse na causa antes ou depois de iniciado o processo, que aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa ou que subministrar meios para atender às despesas do litígio;

III - quando qualquer das partes for sua credora ou devedora, de seu cônjuge ou companheiro ou de parentes destes, em linha reta até o terceiro grau, inclusive;

IV - interessado no julgamento do processo em favor de qualquer das partes.

§ 1o Poderá o juiz declarar-se suspeito por motivo de foro íntimo, sem necessidade de declarar suas razões.

§ 2o Será ilegítima a alegação de suspeição quando:

I - houver sido provocada por quem a alega;

II - a parte que a alega houver praticado ato que signifique manifesta aceitação do arguido.” g.n.

É relevante, para o caso, a conduta de estar interessado na causa/matéria em julgamento. Trata-se de conceito abrangente, mas a lei de processo administrativo deixa evidente que esse interesse pode ser de duas ordens: direto e indireto. O interesse direto é próprio, e pode ser de natureza econômica ou jurídica stricto sensu. O indireto, por sua vez, se caracteriza por “toda e qualquer circunstância que possa comportar uma parcialidade do juiz que prescinda de titularidade de uma relação jurídica dependente ou conexa com o objeto do processo”.

  A adoção de determinada linha de pensamento político, filosófico ou ideológico não caracteriza interesse na causa, no entanto, o julgador pode ser considerado parcial se adiantar a sua opinião sobre caso concreto que está ou estará sob julgamento (prejulgamento).

  A caracterização do prejulgamento é bem elucidada por Nelson Nery Junior:

“Fazer considerações apriorísticas sobre qualquer questão deduzida na causa, processual ou material, antes de decidi-la efetivamente, antecipando juízo de valor sobre essas questões, constitui causa de suspeita de parcialidade do juiz, caracterizando prejulgamento. (...) O prejulgamento se verifica se há adiantamento sobre caso concreto, isto é, matéria que se encontra sub iudice e o juiz da causa sobre ela se manifesta.”

  Como é possível extrair das normas reproduzidas, a conduta de interesse na matéria em julgamento é tratada no processo administrativo como impedimento e, no processo civil, como suspeição. Tendo em vista que, no nosso entendimento, a lei especial (lei do processo administrativo) prevalece sobre a geral (Código de Processo Civil), ficamos com o posicionamento de que se trata de hipótese de impedimento do Conselheiro.

  A parcialidade do julgador é conduta gravíssima dentro de um Estado Democrático do Direito. Por isso, é, inclusive, considerada como improbidade administrativa em nosso ordenamento jurídico, pelo art. 11 da Lei n. 8.429/92:

“Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições (...)”  

   Toda e qualquer autoridade administrativa, portanto, deve pautar os seus atos, em especial os decisórios, com imparcialidade, sob pena de ilegalidade.  


3) Consequências de Ato Parcial em Processo Administrativo

Do art. 7º da Lei n. 12.529/11 extrai-se uma das possíveis consequências da atuação parcial por Conselheiro do CADE: a perda de seu mandato. Trata-se de penalidade disciplinar máxima, mas que se relaciona apenas com o sujeito ativo da parcialidade no julgamento.

Eventual atuação parcial viola dispositivos legais e contraria princípios constitucionais (juiz natural e impessoalidade) e também resulta em prática de conduta vedada expressamente pela lei de defesa da concorrência, sendo ilegal e, como tal, deve ser afastada do mundo jurídico.

A decisão em processo administrativo nada mais é senão um ato administrativo com conteúdo decisório. Sendo esse ato administrativo ilegal, caracteriza-se como inválido, porque não foi expedido em absoluta conformidade com as exigências legais, ainda que tenha a possibilidade de produzir efeitos.

O sujeito é pressuposto de validade do ato administrativo; se irregular a sua atuação, inválido será o ato e, nesse sentido, é possível pleitear a sua nulidade.

A invalidação do ato é a sua supressão ou da relação jurídica dele nascida, porque foram produzidos em desconformidade com a lei. Uma decisão eivada de parcialidade deve ser declarada nula, retroativamente, porque o vício de que padece o sujeito não é passível de convalidação e, se novamente produzido, pelo mesmo sujeito, permaneceria maculado de ilegalidade.

Conforme dispõe Celso Antônio Bandeira de Mello , “Na conformidade desta perspectiva, parece-nos que efetivamente os atos unilaterais restritivos da esfera jurídica dos administrados, se eram inválidos, todas as razões concorrem para que a sua fulminação produza efeitos ex tunc, exonerando por inteiro quem fora indevidamente agravado pelo Poder Público das conseqüências onerosas.”

A corroborar, a imparcialidade é pressuposto intrínseco de validade da relação processual. Se o Juiz for parcial, o processo poderá ser extinto, sem resolução do mérito, porque verificada “a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo” (art. 485, IV, CPC). 


4) Medidas Cabíveis

  No Regimento Interno do CADE, a regra é a de que tanto a suspeição quanto o impedimento, devem ser alegados de ofício ou por meio de petição fundamentada, na primeira oportunidade me que couber à parte falar nos autos (art. 5º, par. 1º).

  Se a parcialidade for constatada apenas na decisão, é possível pretender o reconhecimento de sua nulidade já que proferida por juiz parcial, em ofensa aos princípios constitucionais do juiz natural (art. 5º, XXXVII e LIII), da impessoalidade (art. 37, caput) e do Estado Democrático de Direito (art. 1º). Assim, competirá à parte “alegar e provar – ou requerer ao Tribunal a produção de provas – os motivos de parcialidade, para que obtenha êxito em sua pretensão recursal de anulação da sentença”.

  O impedimento é insuscetível de preclusão, tamanha a sua gravidade. Por isso, pode ser alegado a qualquer momento. Mas, se já proferido o julgamento, deve ser postulada a sua nulidade por intermédio de recurso (após o trânsito em julgado da sentença no processo civil, pode haver a impugnação por meio de ação rescisória). Nesse sentido, reproduzimos, a seguir, a lição de Nelson Nery Júnior:

“Não há prazo para a alegação do impedimento, porque insuscetível de preclusão. No entanto, para que se consiga afastar o juiz impedido da causa, a fim de que não julgue a demanda, é preciso que se oponha a exceção até o momento imediatamente anterior ao do julgamento. Proferido este, não se pode mais afastar o juiz da causa, objetivo da exceção de impedimento. Depois de proferido o julgamento pelo juiz impedido, a parte ou o interessado poderá pleitear a nulidade do julgado, por intermédio de recurso, sob o fundamento de que a decisão é nula por ter sido proferida por juiz parcial (impedido). (...) Caso tenha transitado em julgado a sentença ou acórdão, de mérito, proferido por juiz impedido, ainda assim é possível sua impugnação por meio da ação rescisória.”

 A Lei n. 9.784/99 prevê que a anulação de atos ilegais é um dever da Administração Pública (art. 53). Se já houver julgamento no processo administrativo, e considerando-se que as decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo (art. 9º, par.2º, da Lei n. 12.529/11), restam apenas duas opções na esfera administrativa: Embargos de Declaração e Reapreciação, ambos instrumentos previstos no Regimento Interno da autarquia (arts 218 a 226).

  Os Embargos de Declaração são cabíveis no prazo de 5 (cinco) dias da publicação da ata de julgamento, em petição dirigida ao Conselheiro-Relator, indicando o ponto obscuro, contraditório ou omisso, cuja declaração se imponha. Tem, portanto, a finalidade de clarificar o julgado e, como regra, não tem o condão de substituir/modificá-lo. Não obstante, no processo civil, aplicável ao caso , os embargos declaratórios podem ter, excepcionalmente, caráter infringente quando utilizados para a) correção de erro material manifesto; b) suprimento de omissão; c) extirpação de contradição , situação na qual poderá o recurso ter caráter modificativo. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça já admitiu o uso dos embargos para declarar nulo o julgamento do qual participou juiz suspeito:

“SUSPEIÇÃO – JULGAMENTO – COLEGIADO INTEGRADO POR JUIZ SUSPEITO. Acolhem-se os EDcl para declarar nulo o julgamento do qual participou, por equívoco, julgador que se dera anteriormente por suspeito.” (STJ, 4ª Turma, EDclREsp 225322-DF, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, v.u., j. 24.10.2000, DJU 18.12.2000, p. 201)

  Se o impedimento é considerado uma questão de ordem pública e configura um erro manifesto no processo, podemos concluir pela possibilidade de interposição de Embargos Declaratórios no caso, objetivando efeitos infringentes.

  Ainda que não fosse possível tal providência, pelo fato de tratar-se de um ato ilegal, que a Administração Pública tem o dever de corrigir, uma mera petição dirigida à Presidência do CADE poderia questionar a lisura do julgamento, sugerindo a realização de um novo, redistribuindo-se a Relatoria.

  A Reapreciação, por sua vez, tem cabimento para a reconsideração do julgamento plenário que negar aprovação do ato ou contrato, quando houver fundamento em fato ou documento novo, capazes, por si só, de lhes assegurar pronunciamento mais favorável, desde que as partes venham a ter conhecimento depois da data do julgamento, ou de que antes dela estavam impedidas de fazer uso comprovadamente.  Pela simples leitura dos requisitos, grifados, entendemos que esse instrumento não seria o mais adequado para arguir a parcialidade no julgamento, pois não seria um fato ou documento novo que, por si só, já melhoraria a situação da parte.

  A nossa opinião seria pela utilização dos Embargos de Declaração, até mesmo por força de seu efeito suspensivo (art. 221 do Regimento Interno), enquanto que a Reapreciação, muito embora possa ser solicitada no prazo de 15 (quinze) dias da publicação da ata de julgamento, ela não suspende a execução da decisão atacada (art. 225 do Regimento Interno).

  Dessa maneira, na esfera administrativa, é possível tentar a nulidade da decisão, por vício de ilegalidade e por força do impedimento, por meio de simples petição nos autos do processo ou por meio de Embargos de Declaração.

  Há, ainda, a possibilidade de se ingressar com ação judicial que vise a declaração de nulidade do ato administrativo decisório, com discussão ou não de mérito, solicitando-se, ainda, um provimento que suspenda liminarmente os efeitos da decisão da autarquia.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARDINALI, Adriana Laporta. Impedimento e suspeição no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4940, 9 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54918. Acesso em: 20 maio 2024.