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A eficácia das medidas socioeducativas

A eficácia das medidas socioeducativas

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A inflação carcerária implicará um contingente maior de pessoas submetidas às condições degradantes do encarceramento, afastando-as de qualquer perspectiva de reintegração social.

RESUMO: O desiderato deste trabalho é a compreensão das causas originárias da atividade delitiva dos jovens através de reflexões interdisciplinares, em contexto com o ambiente familiar, a organização social e a atuação do Estado na consecução do bem comum, analisando a eficácia das medidas socioeducativas da legislação em vigor frente à ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores.

Palavras chave: menor infrator; medidas socioeducativas; eficácia.


INTRODUÇÃO

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), exsurge como expressão do paradigma democrático enunciado pelas normas internacionais e difundidas pela Constituição Federal (CF) de 1988, delineando a nova concepção de proteção integral, voltada essencialmente à formação salutar da personalidade humana.   

Porém, o recorrente detrimento das relações sociais tende a nortear ações incompatíveis com a condição legal de incapacidade das crianças e dos adolescentes, contribuindo para o aumento da criminalidade.

O presente artigo propõe a compreensão das causas originárias da atividade delitiva dos jovens, analisando a eficácia das medidas socioeducativas da legislação em vigor frente à ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores, com vistas à resolução da problemática menoril.

Para tanto, inicialmente serão analisados aspectos gerais e específicos concernentes às medidas socioeducativas ministráveis aos menores em conflito com a lei.

Na sequência, serão abordadas as causas da delinquência infanto-juvenil, à luz da realidade política, econômica e social subjacente e, finalmente, a eficácia das medidas socioeducativas no que tange à ressocialização do menor infrator.


1 Das medidas socioeducativas

Atualmente, é assente entre os menoristas, a falibilidade do sistema penal repressivo irrogado aos imputáveis. Por tal razão, o processo de formação do adolescente autor de ato infracional não deve ser relegado ao âmbito do Direito Penal punitivo, mas às medidas contextualizadas com o princípio da proteção integral, tendentes a interferir na reeducação do menor e promover sua efetiva integração social.

Com acerto, observou Antônio Chaves (1997, p. 508):

O divisor de águas entre Direito do Menor e Direito Penal está em que este leva o magistrado, em seu julgamento, a colocar, em primeiro lugar, o ato praticado e daí a pena básica; depois pode olhar para o homem que está julgando, para examinar sua personalidade, passado, contexto social e, só então, fixa a pena definitiva. Ao contrário, o juiz de menores encara, primeiro, a pessoa que tem a sua frente e, então, considera o ato criminoso praticado. Essa é a essência desse Direito tuitivo, centrado na reeducação (cf. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª ed., São Paulo, LTr, 1997, p. 508).

O art. 112 do Estatuto da Criança e do Adolescente, in verbis, relaciona, de forma exaustiva, as medidas socioeducativas aplicáveis quando devidamente constatada a prática de ato infracional por adolescente. Não podemos nos olvidar que a conduta antissocial atribuída à criança, enseja a ministração das medidas de proteção arroladas no art. 101 do mesmo diploma legal, destinadas, sobretudo, ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, com vistas ao pleno desenvolvimento de sua personalidade (ECA, art.105).

“Art.112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas:

I – advertência;

II – obrigação de reparar o dano;

III – prestação de serviços à comunidade;

IV – liberdade assistida;

V – inserção em regime de semiliberdade;

VI – internação em estabelecimento educacional;

VII – qualquer uma das previstas no art.101, I a VI”.

Parágrafo 1º. A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração.

Parágrafo 2º. Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado.

Parágrafo 3º. Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições”.

Ao lado das medidas consagradas pelo revogado Código de Menores (Lei 6.697/79), exsurgem como inovações a obrigação de reparar o dano e a prestação de serviços à comunidade, além das medidas protetivas constantes do art.101 do Estatuto.

No parágrafo 1º, o legislador fixa como critério balizador da atividade jurisdicional, as efetivas condições de exequibilidade da medida aplicada, ante a capacidade que o adolescente dispõe para cumpri-la. Na sequência, em atenção à eficácia do processo educativo, dispõe acerca da necessidade de correlação entre a medida imposta e o ato infracional apurado, como pressuposto de justiça da própria decisão.

O parágrafo 2º, ao especializar garantia constitucional constante do art. 5º, XLVII, “c”, veda, enfaticamente, a prestação de trabalho forçado. Com efeito, a finalidade educativa da atividade laboral restaria prejudicada se não contasse com o consentimento do adolescente na sua realização.

Finalmente, o parágrafo 3º, amparado no art.227, parágrafo 1º, inc. II da Constituição Federal e no enunciado constante do art. 11 do próprio Estatuto, estende ao adolescente portador de deficiência e autor de ato infracional, o direito a um tratamento individualizado compatível com suas necessidades especiais.

A aplicação das medidas socioeducativas consistentes na obrigação de reparar o dano, prestação de serviços à comunidade, liberdade assistida, inserção em regime de semiliberdade e internação, pressupõe comprovação conclusiva acerca da existência do ato infracional e da autoria atribuída ao adolescente. Nesse sentido é a determinação legal:

“Art.114. A imposição das medidas previstas nos incs. II a IV do art. 112 pressupõe a existência de provas suficientes da autoria e da materialidade da infração, ressalvada a hipótese de remissão, nos termos do art.127.

Parágrafo único. A advertência poderá ser aplicada sempre que houver prova da materialidade e indícios suficientes da autoria”.

A ressalva concentra-se nas medidas ministradas em sede de remissão. Por razões de ordem procedimental, a concessão do benefício obsta a realização da instrução, quando concedido pelo Ministério Público como forma de exclusão do processo, ou impede que ela se ultime, se conferido pela autoridade judiciária, implicando na suspensão ou extinção do procedimento. Ademais, além do caráter transacional, determinado pela aquiescência do adolescente, ao lado de seus pais ou responsável, a remissão não prevalece para efeito de antecedentes nem tampouco pode incluir a aplicação de medidas privativas de liberdade (ECA, art. 127).

A imposição da medida socioeducativa consistente na advertência, contudo, se afigura possível mesmo na ausência de prova direta e inequívoca da autoria do ato infracional. Assim, a autoridade judiciária deverá apoiar-se em elementos de convicção, embora não manifestamente concludentes, porém fortemente indicativos, excluídas, portanto, as meras presunções.

Em razão da omissão estatutária, parece-nos que o legislador pretendeu dispensar a comprovação de autoria e materialidade da infração no tocante às medidas de proteção a que se refere o inc. VII do art.112. Logo, por não implicar restrição aos direitos do adolescente, sua aplicação requer, tão somente, observância das hipóteses permissivas constantes do art. 98 do ECA. 

Por expressa autorização legal constante do art. 99 do Estatuto, extensivo às medidas socioeducativas por força do art. 113 do mesmo diploma legal, afigura-se possível a aplicação cumulativa das multicitadas medidas, bem como a substituição, a qualquer tempo, da medida anteriormente aplicada.

Quanto à possibilidade de cumulação, inexistindo incompatibilidade, a imposição simultânea das medidas é perfeitamente viável à finalidade pedagógica pretendida. Assim, exemplificativamente, nada obsta a aplicação de liberdade assistida em conjunto com obrigação de reparar o dano ou, ainda, advertência e prestação de serviços à comunidade.

Relativamente à substituição, ante às mudanças incessantes inerentes ao processo de desenvolvimento da criança e do adolescente, o legislador optou por excepcionar a regra geral determinante da imutabilidade das decisões, excluindo do âmbito de incidência da coisa julgada a fixação de medidas socioeducativas pela autoridade judiciária competente. É de se ressaltar, contudo, que a substituição da medida anteriormente aplicada pressupõe manifestação do Ministério Público e do próprio adolescente, assegurada a plenitude de defesa.

1.1 Da advertência

A primeira das medidas relacionadas no art. 112 da legislação menorista, tem sua definição legal enunciada pelo art. 115:

“Art. 115. A advertência consistirá em admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada”. 

A expressão admoestação verbal deve ser entendida no sentido de adversão, repreensão, censura à conduta antissocial atribuída ao adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece a advertência também como medida de proteção aplicável aos pais ou responsável (art. 129, VII), bem como às entidades de atendimento, governamentais ou não, atuantes no desenvolvimento de programa de internação (art. 97, I, “a”, e II, “a”).

Na modalidade de medida socioeducativa, sua adoção deve ser reservada às infrações leves, cujas consequências revelem menor potencialidade lesiva à ordem social. Por prescindir de comprovação inequívoca acerca da autoria (ECA, art. 114, parágrafo único), poderá ser cumulada com a remissão concedida como forma de exclusão, suspensão ou extinção do processo (ECA, art. 127, in fine), bem como ministrada na decisão proferida ao final do procedimento contraditório instaurado para apuração do ato infracional atribuído ao adolescente. 

1.2 Da obrigação de reparar o dano   

O legislador estatutário enunciou no art. 116, in verbis, as diretrizes a serem observadas pela autoridade judiciária na aplicação da medida socioeducativa consistente na obrigação de reparar o dano.

“Art. 116. Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima.

Parágrafo único. Havendo manifesta impossibilidade, a medida poderá ser substituída por outra adequada”.  

A expressão “a autoridade poderá determinar, se for o caso...” denota o caráter facultativo da medida socioeducativa em comento, de sorte que o magistrado proceda à exata individualização do caso concreto, atendendo às circunstâncias do ato infracional apurado e às condições pessoais do menor.

Em contraposição ao revogado Código de Menores, se frustrada a tentativa mediada de composição do dano, o Estatuto confere à autoridade judiciária a faculdade de impor a reparação do prejuízo suportado pela vítima em decorrência da conduta antissocial atribuída ao adolescente. Se, de um lado, satisfaz-se prontamente o interesse da vítima, de outro, destaca-se a finalidade pedagógica da alternativa compensatória fixada, incutindo na consciência do menor as consequências negativas de seus atos, na esperança de uma ressocialização satisfatória.

Há de se enfatizar, contudo, que a prestação de serviços como forma de compensação dos prejuízos causados à vítima, só será válida se contar com a aquiescência do adolescente, nos moldes do art. 112, parágrafo 2º do próprio Estatuto.

Acaso a reparação do dano não se afigure possível, ante a incapacidade do adolescente ou de seus pais ou responsável em cumpri-la, compete ao magistrado substituí-la por outra medida mais adequada às peculiaridades do caso.

1.3 Da prestação de serviços à comunidade

A aplicação da medida socioeducativa em referência, prevista no artigo 117 do ECA, in verbis, permite que o adolescente infrator cumpra as imposições restritivas junto da família, no interesse geral da comunidade, a salvo, portanto, dos inconvenientes da institucionalização.

“Art. 117. A prestação de serviços comunitários consiste na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais.

Parágrafo único. As tarefas serão atribuídas conforme as aptidões do adolescente, devendo ser cumpridas durante jornada máxima de oito horas semanais, aos sábados, domingos e feriados ou em dias úteis, de modo a não prejudicar a freqüência à escola ou à jornada normal de trabalho”.

Diante da vedação legal constante do art. 112. parágrafo 2º do Estatuto, Wilson Donizeti Liberati (2001, p. 107), assevera  que: “a prestação de serviços comunitários “não deve, contudo, ser imposta contra a vontade do adolescente; do contrário, corresponderia a trabalho forçado e obrigatório, o que seria proibido” (cf. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 7ª ed., São Paulo, Malheiros Editores Ltda., p.107). 

Na fixação dos parâmetros de execução da medida, constata-se que o legislador estatutário preocupou-se em ressalvar a escolarização e a relação empregatícia a que está subordinado o adolescente, limitando à oito horas semanais a jornada de prestação dos serviços comunitários.

De resto, as tarefas consignadas devem considerar as habilidades inatas do adolescente, observado o prazo máximo de seis meses.

1.4 Da liberdade assistida

Trata-se de medida socioeducativa destinada a assistir o adolescente infrator no exercício de sua liberdade, criando condições para fortalecer os vínculos familiares e comunitários.

“Art. 118. A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente.

Parágrafo 1º. A autoridade designará pessoa capacitada para acompanhar o caso, a qual poderá ser recomendada por entidade ou programa de atendimento.

Parágrafo 2º. A liberdade assistida será fixada pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida, ouvindo o orientador, o Ministério Público e o defensor”.

Antônio Chaves (1997, p.523) com acerto, ensina que “a liberdade assitida consiste em submeter o menor, após entregue aos responsáveis, ou após liberação do internato, à assistência (inclusive vigilância discreta), com o fim de impedir a reincidência e obter a certeza da reeducação. Com isto, nota-se que não é tão-só vigilância, mas primordialmente, assistência ampla” (cf. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente, 2ª ed., São Paulo, LTr, p. 523).

O art. 119 do Estatuto, abaixo transcrito, arrola exemplificativamente as atividades de acompanhamento a serem desenvolvidas pelo orientador designado enquanto perdurar a execução da medida.

“Art.119. Incumbe ao orientador, com o apoio e a supervisão da autoridade competente, a realização dos seguintes encargos, entre outros:

I – promover socialmente o adolescente e sua família, fornecendo-lhes orientação e inserindo-os, se necessário, em programa oficial ou comunitário de assistência social;

II – supervisionar a freqüência e o aproveitamento escolar do adolescente, promovendo, inclusive, sua matrícula;

III – diligenciar no sentido da profissionalização do adolescente e de sua inserção no mercado de trabalho;

IV – apresentar relatório do caso”. 

Indubitavelmente, a falta de estrutura familiar, ao lado da baixa escolaridade e das reduzidas possibilidades laborais, aumentam a vulnerabilidade à prática de condutas antissociais. Por essa razão, o orientador deve interferir ativamente no processo de formação do adolescente, estimulando-o na construção de um projeto de vida que conduza ao desenvolvimento pleno de sua personalidade.

O relatório a que se refere o inc. IV deverá conter todos os elementos relevantes para a formação de um juízo acerca do resultado obtido com a execução das tarefas, especificando o comportamento do adolescente diante das atividades desenvolvidas, bem como as conclusões aconselhadas no sentido da revogação, prorrogação ou substituição da medida.

Por fim, cumpre ao orientador atentar-se às novas circunstâncias verificadas no desdobramento das atividades, promovendo as adaptações que se fizerem necessárias, contando sempre com o apoio e a supervisão da autoridade competente na resolução de problemas que excedam o nível de suas atribuições.  

1.5 Do regime de semiliberdade

Nos termos do art. 120 do Estatuto menorista, in verbis, a inserção em regime de semiliberdade implica necessariamente a realização de atividades externas, sobretudo escolarização e profissionalização, com vistas à efetiva integração social do adolescente.

“Art. 120. O regime de semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitando a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial.

Parágrafo 1º. É obrigatória a escolarização e a profissionalização, devendo sempre que possível, ser utilizados os recursos existentes na comunidade.

Parágrafo 2º. A medida não comporta prazo determinado, aplicando-se, no que couber, as disposições relativas à internação”.

Semelhante à semiliberdade, na execução da medida socioeducativa de internação, também se afigura possível a realização de atividades úteis e laborais junto da comunidade. A diferença reside no fato de que, em se tratando de internação, a autoridade judiciária pode impedir a prática de tarefas externas (ECA, art. 121, parágrafo 1º), ao passo que no regime de semiliberdade, sua consecução apresenta-se desvinculada da jurisdição, a juízo da equipe técnica competente.

A semiliberdade pode ser ministrada inicialmente, como resposta à conduta infracional apurada através do devido processo legal, bem como a título de progressão de regime, caracterizando-se como benefício conferido ao adolescente internado.

De resto, o legislador estatutário remete-nos subsidiariamente à normativa da internação constante dos artigos subsequentes. Assim, as disposições legais favoráveis aos interesses do adolescente, inclusive no tocante ao prazo de duração da medida, são de observância obrigatória pela autoridade judiciária e pela equipe técnica atuante na execução do provimento judicial.

1.6 Da internação

Ao lado da medida socioducativa anteriormente comentada consistente na inserção em regime de semiliberdade, a internação, disciplinada pelo artigo 121 do ECA, in verbis, também importa em privação da liberdade pessoal do adolescente.

“Art. 121. A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Parágrafo 1º. Será permitida a realização de atividades externas, a critério da equipe técnica da entidade, salvo expressa determinação judicial em contrário.

Parágrafo 2º. A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses.

Parágrafo 3º. Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos.

Parágrafo 4º. Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semiliberdade ou de liberdade assistida.

Parágrafo 5º. A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade.

Parágrafo 6º. Em qualquer hipótese a desinternação será precedida de autorização judicial, ouvido o Ministério Público”.

Considerada sua maior gravidade, a aplicação da medida em comento está condicionada à três enunciados principiológicos, a saber: a brevidade, entendida no sentido de que a internação deve perdurar tão somente pelo lapso temporal necessário à efetiva readaptação do adolescente, observados os limites mínimos e máximos de duração da medida (ECA, art. 121, parágrafos 2º e 3º); a excepcionalidade, informando ser a segregação a última alternativa socializante, aplicável somente quando inviável ou inócua as demais; e o respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, na garantia de estrutura adequada à plena formação do menor institucionalizado.

O caráter indeterminado da internação milita em favor da proteção integral, vez que a reavaliação semestral da medida constitui direito do adolescente e não mera faculdade atribuída à autoridade judiciária e à equipe técnica competente. A privação de liberdade, contudo, não pode exceder o prazo máximo de três anos, taxativamente fixado pelo Estatuto. Atingido o limite legal, é imperiosa a liberação do menor ou sua inserção em regime de semiliberdade ou liberdade assistida, como forma de transição para o meio aberto.

Todavia, a internação determinada em caráter provisório, nos termos do art. 108 da legislação menorista, está subordinada ao prazo improrrogável de 45 dias. Nesse ínterim, o procedimento judicial instaurado para apuração do ato infracional atribuído ao adolescente deve ser rigorosamente concluído (ECA, art.183), sob pena de restar configurado o delito previsto no art. 235 do próprio Estatuto, apenado com detenção de seis meses a dois anos.

Em atenção ao caráter excepcional da medida privativa de liberdade, o art. 122 do ECA, abaixo transcrito, relaciona, taxativamente, os pressupostos de aplicabilidade da internação, vedada, portanto, interpretação extensiva no sentido de sua aplicação fora das hipóteses legais.

“Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando:

I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa;

II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves;

III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.

Parágrafo 1º. O prazo de internação na hipótese do inc. III deste artigo não poderá ser superior a três meses.

Parágrafo 2º. Em nenhuma hipótese será aplicada a internação, havendo outra medida adequada”.

Sem dúvida, o emprego de violência ou grave ameaça imprime maior potencialidade lesiva à conduta por colocar em risco a integridade física e psíquica da vítima, motivo pelo qual é necessária maior reprovabilidade. Nesse sentido, o inc. I legitima a institucionalização do adolescente quando constatada a presença de qualquer dos referidos elementos intimidativos no momento da prática do ato infracional.

Na sequência, o inc. II condiciona a medida extrema da internação à existência prévia de atos infracionais graves, devidamente apurados, cuja medida correspondente revelou-se inócua à finalidade ressocializadora pretendida.

Por fim, o pressuposto enunciado pelo inc. III, destina-se a coagir o adolescente ao cumprimento da medida anteriormente imposta, objeto de inadimplemento reiterado e injustificado. Contudo, a internação ministrada para fins coercitivos não afasta a observância da determinação judicial que fixou a medida descumprida. Nesse caso, a privação da liberdade não poderá exceder o prazo de três meses.

Ressalvada a realização de atividades externas, inexistindo expressa vedação judicial (ECA, art. 121, parágrafo 1º), a internação deve ser cumprida em estabelecimento que adote o regime fechado. Os critérios segregatórios preconizados pelo art. 123, abaixo transcrito, são de observância obrigatória na estruturação física das entidades destinadas ao atendimento de adolescentes infratores, enfatizando-se, sobretudo, o desenvolvimento de atividades pedagógicas em seu interior, dada a natureza socioeducativa da medida.

“Art.123. A internação deverá ser cumprida em entidade exclusiva para adolescente, em local distinto daquele destinado ao abrigo, obedecida rigorosa separação por critérios de idade, compleição física e gravidade da infração.

Parágrafo único. Durante o período de internação, inclusive provisória, serão obrigatórias atividades pedagógicas”. 

Finalmente, no art. 124, in verbis, encontram-se arrolados, a título exemplificativo, direitos conferidos ao menor institucionalizado, exercitáveis perante a jurisdição especializada e à equipe técnica competente.

“Art. 124. São direitos do adolescente privado de liberdade, entre outros, os seguintes:

I – entrevistar-se pessoalmente com o representante do Ministério Publico;

II – peticionar diretamente a qualquer autoridade;

III – avistar-se reservadamente com seu defensor;

IV – ser informado de sua situação processual, sempre que solicitada;

V – ser tratado com respeito e dignidade;

VI – permanecer internado na mesma localidade ou naquela mais próxima ao domicílio de seus pais ou responsáveis;

VII – receber visitas, ao menos semanalmente;

VIII – corresponder-se com seus familiares e amigos;

IX – ter acesso aos objetos necessários á higiene e asseio pessoal;

X – habitar alojamento em condições adequadas de higiene e salubridade;

XI – receber escolarização e profissionalização;

XII – realizar atividades culturais, esportivas e de lazer;

XIII – ter acesso aos meios de comunicação social;

XIV – receber assistência religiosa, segundo a sua crença, e desde que assim o deseje;

XV – manter a posse de seus objetos pessoais e dispor de local seguro para guardá-los, recebendo comprovante daqueles porventura depositados em poder da entidade;

  XVI – receber, quando de sua desinternação, os documentos pessoais indispensáveis á vida em sociedade.

Parágrafo 1º. Em nenhum caso haverá incomunicabilidade.

Parágrafo 2º. A autoridade judiciária poderá suspender temporariamente a visita, inclusive de pais ou responsável, se existirem motivos sérios e fundados de sua prejudicialidade aos interesses do adolescente”.

Na verdade, tais prerrogativas constituem projeções das garantias individuais e processuais salvaguardadas pela Constituição Federal e reproduzidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, como diretrizes de um sistema jurídico protetivo e humanizador. 


2. A eficácia das medidas socioeducativas

A adolescência é essencialmente determinante na formação dos valores morais e no desenvolvimento dos juízos críticos. Constitui, pois, um período de contestação dos paradigmas socialmente impostos, marcado pela exaltação dos riscos e minimização das consequências.

Atualmente, a sociedade se vê vitimada com as mais diversas expressões de violência que começam a povoar os pensamentos e nortear as ações dos indivíduos ainda na adolescência.

Inúmeras foram as legislações criadas e aplicadas no Brasil. Entretanto, cada qual, à sua época, revelou-se ineficaz frente à potencialidade lesiva evidenciada pela crescente marginalização infanto juvenil.

No período Imperial, com o advento do Código Criminal de 1830, os menores de 14 anos somente eram considerados penalmente irresponsáveis se não houvesse prova no sentido de seu discernimento. Aos maiores de 14 e menores de 17 anos era dispensado tratamento peculiar, por estarem sujeitos a uma pena de 2/3 daquela que coubesse ao adulto. Os maiores de 17 e menores de 21 anos contavam sempre com a atenuante da menoridade em relação à pena imposta.

 O Código Penal de 1890 inovou no sentido da idade limítrofe para responsabilização penal, reconhecendo como inimputáveis somente os menores de 9 anos. Aqueles que se encontrassem na faixa etária entre 9 e 14 anos eram recolhidos ao estabelecimento disciplinar industrial, por tempo que não ultrapassasse a idade de 17 anos. Restou mantida a atenuante da menoridade para os maiores de 17 e menores de 21 anos, esteada pelo enunciado do artigo 9º do Código Civil de 1916, que condicionava a aquisição de capacidade plena para os atos da vida civil aos 21 anos completos.

O grande avanço somente veio ocorrer, na temática da inimputabilidade, tendo por pressuposto exclusivo a idade, com a edição do Código Penal de 1940, que fixou o limite da inimputabilidade aos menores de 18 anos, submetendo-os aos procedimentos previstos em legislação especial, quando da prática de um fato descrito como crime ou contravenção penal.

Em 1969, o Decreto-Lei 1004 de 21 de outubro, voltou a adotar a responsabilidade relativa dos maiores de 16 anos, de modo que a estes seria aplicada a pena reservada aos imputáveis com redução de 1/3 até a metade, se capazes de compreender a ilicitude do ato praticado. A presunção de inimputabilidade ressurge, pois, como sendo relativa.

A Lei 6016 de 31 de dezembro de 1973, modificou novamente o texto do art. 33 do Código de 1969, de modo que voltou a considerar os 18 anos como limite da inimputabilidade penal, já que a adoção da responsabilidade relativa havia gerado inúmeras críticas.

Decorridos seis anos, o Código de Menores instituído pela Lei 6697/79,  disseminou a doutrina da “situação irregular”, reproduzindo o sistema penal repressivo na solução da problemática infracional menorista que se apresentava.

Ratificada em 5 de outubro de 1988, a Constituição Federal corroborou, em seu art. 228, o artigo 27 do Código Penal e os arts. 1º, II e 41, § 3º do então Código de Menores, vigente ainda à época, no sentido da inimputabilidade penal dos menores de 18 anos.

Sedimentando as normas e os paradigmas principiológicos assentados pelo legislador constituinte, a Lei 8069, vigente a partir de 12 de outubro de 1990, instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente, solidificando a doutrina da proteção integral, na forma de medidas socioeducativas, elidindo, pois, o caráter retributivo que a penalização possui para o Direito Penal pátrio.

Quanto às novas diretrizes legislativas, Minichelli adverte que:

o Estatuto da Criança e do Adolescente em vigor é mais severo com o adolescente do que era o Código de Menores antigo. Em primeiro lugar, porque ele fez com que os jovens tivessem, a partir da edição dessa lei, o caráter de réu no processo, passassem a ser tratados como réus no processo. O que aconteceu hoje? O jovem que pratica um delito é encaminhado para a Justiça, é julgado de verdade, de fato; existe um promotor que o acusa, tem o defensor que o defende, obrigatoriamente se instaura o contraditório, produzem-se provas e o juiz, ao final, depois da declaração de ambas as partes, julga, e julga aplicando ao menino uma medida socioeducativa (MINICHELLI, João apud CAVALLIERI, Alyrio (Org.) – Falhas do Estatuto da Criança e do Adolescente – Rio de Janeiro – Forense,1997, p. 110).    

Considerável foi a participação popular na elaboração dessa lei, respondendo ao período de redemocratização do cenário político brasileiro. A criação dos Conselhos Tutelares ocorrem nesse esteio e a própria noção de tutela passa por modificações, deixando de referir-se simplesmente à representação do incapaz para vincular-se à ideia de responsabilização por ele, acentuando a importância da família e da sociedade na formação desses indivíduos. 

O ECA serve hoje como parâmetro para reformas legislativas em inúmeros países, isto porque representa a reprodução de um novo paradigma democrático e civilizatório. É inovador, sobretudo, ao nos atentar que a criança e o adolescente não constituem objeto passível de intervenção do Estado, mas sujeitos de direitos em relação ao poder familiar e institucional.

De forma ampla, podemos afirmar que, hodiernamente, crianças e adolescentes possuem uma listagem maior de direitos e, discursivamente, garante-se a manutenção desses direitos em qualquer circunstância.

A imputabilidade por presunção legal, como é cediço, inicia-se aos 18 anos. Razões de política criminal levaram o legislador brasileiro a adotar o critério biológico, ignorando o desenvolvimento mental do menor de 18 anos e sua capacidade de compreender o caráter ilícito do fato e determinar-se de acordo com tal entendimento.

A propósito, Alyrio Cavallieri bem observa que:

O sistema adotado, sem exceção, coloca a idade antes da capacidade, pois que não há voto, nem casamento, nem eleição, nem carteira de trabalho - por mais que fique comprovada a capacidade para o que pretendam, se não completarem a idade fixada para a aquisição daqueles direitos. (...) a fixação etária não é justa, nem científica, mas baseia-se em critério de conveniência (Revista Jurídica Consulex – ano VII – n° 166 – 15 de dezembro/2003, p. 17).

A orientação adotada foi amplamente justificada na reforma da lei penal pátria de 1984, conforme dispõe a Exposição de Motivos da Parte Geral do Código Penal:

trata-se de opção apoiada em critérios de Política Criminal. Os que preconizam a redução do limite, sob a justificativa da criminalidade crescente, que a cada dia recruta maior número de menores, não consideram a circunstância de que o menor, ser ainda incompleto, é naturalmente anti-social, na medida em que não é socializado ou instruído. O reajustamento do processo de formação deve ser cometido à educação e não à pena criminal. De resto, com a legislação de menores recentemente editada, dispõe o Estado dos instrumentos necessários ao afastamento do jovem delinqüente, menor de 18 (dezoito) anos, do convívio social, sem sua necessária submissão ao tratamento do delinqüente adulto, expondo-o à contaminação carcerária.

Na verdade, os legisladores entendem que o adolescente submetido ao sistema penal repressivo irrogado aos imputáveis passaria de uma personalidade ainda não formada para uma personalidade deformada pela ausência de propostas recuperativas do sistema carcerário brasileiro, que fomenta a tendência para o crime.

Por essa razão, a responsabilidade do adolescente autor de infrações penais é regulada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) que, através de normas particulares e princípios inconfundíveis, prevê medidas de caráter assistencial que transcendem a simples repressão, afastando-o da grande possibilidade que o ronda, no sentido de reiterar na atividade delitiva.

 Nesse sentido, Gabriela Rivoli Costa assevera que:

tais medidas citadas decorrem da filosofia da proteção integral do menor. Essa proteção integral, entretanto, está estritamente alicerçada na concepção de que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, frente à sociedade, à família e ao Estado. Rompe com a idéia de que sejam simples objetos de intervenção no mundo adulto, enquadrando-os como titulares de direitos comuns a todo e qualquer indivíduo, bem como ressaltando seus direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoas em processo de desenvolvimento (Revista Jurídica Consulex – ano IX – n° 194 – 15 de fevereiro de 2005 – p.49).

De fato, o desiderato maior da legislação menorista é resgatar o adolescente entregue à criminalidade, enquanto passível de ressocialização.

No imaginário popular brasileiro difundiu-se, equivocadamente, a ideia de que a proteção do adolescente em questão é sinônimo de impunidade. Deve ficar claro, contudo, que não está sendo negada punição ao autor de ato infracional, haja vista a positivação de incontáveis providências socioeducativas, de obediência imperativa, como resposta estatal à conduta antissocial perpetrada.

Acertadamente João Batista da Costa Saraiva observa que: “a inimputabilidade – causa de exclusão da responsabilidade penal – não significa, absolutamente, irresponsabilidade pessoal ou social” (Adolescente e ato infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1999, p. 25).

A mesma distinção é assentada por Alyrio Cavallieri no sentido de que:

imputabilidade é a capacidade de entender o caráter criminoso do fato e de determinar-se de acordo com tal entendimento. E responsabilidade é a obrigação de arcar com as consequências jurídicas do ato praticado, o que pode resultar no cumprimento de uma pena criminal (Revista Jurídica Consulex, ano VII, n° 166, 15 de dezembro/2003, p. 16).

A adolescência é reconhecida como uma fase peculiar do desenvolvimento humano por profissionais de diversas áreas. Estes assim a conceituam por entenderem quão importantes transformações físicas, psíquicas e sociais ocorrem nesse período de formação e reavaliação de conceitos.

Por essa razão, o ordenamento jurídico interno, atrelado aos documentos de expressão internacional, reconhece a necessidade de procedimentos próprios de apuração e punição de menores infratores das regras sociais de convivência, sempre com vistas à ressocialização, afastando-se o intuito de retribuição do mal cometido.

Como reflexão indispensável, oportuna é a transcrição do texto de Oscar Vilhena Vieira, Secretário Executivo do Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – ILANUD, tratando de “Reciprocidade e o Jovem Infrator”:

A responsabilização e punição das crianças e dos adolescentes infratores é, neste sentido, não um direito dos adultos e do Estado, mas um dever. Um dever em relação aos próprios infratores. Como dever, está limitado pelo direito da criança e do adolescente ao pleno desenvolvimento da sua personalidade. Assim, a responsabilização legal se torna um dever do Estado de buscar, por intermédio da aplicação da lei, possibilitar à criança o desenvolvimento de um superego capaz de reprimir os impulsos de destruição e inseri-la num convívio social pacífico. É a possibilidade que o Estado e os adultos têm de suprir e corrigir sua próprias falhas e omissões que impedem um adequado desenvolvimento da personalidade da criança e do adolescente, levando-o a cometer atos infracionais. Portanto, não parece haver outra forma consequente de controle da violência e do envolvimento de jovens com o crime, que não o modelo de proteção integral, que agrega educação e responsabilidade, conforme estabelecido pelo ECA (Revista do ILANUD n° 3, Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente. São Paulo, 1997, p. 28). 

A análise da eficácia das medidas socioeducativas da legislação atual é urgente para que se possa aferir se estão sendo eficientes para ressocializar o adolescente infrator, ou se estão lhes oferecendo chances reiteradas de persistir na criminalidade, dada a sua relativa brandura.

O conhecimento e a compreensão de uma realidade reclamam a percepção e a análise das causas que a constrói. Destarte, se pretendemos equacionar a problemática menoril e o oferecimento de soluções, é imperiosa a identificação das causas determinantes do processo de marginalização dos menores da nossa sociedade.

Vivemos em um país assinalado por contradições. Ao lado de um território amplo, bem localizado geograficamente, rico em recursos minerais e propício à agropecuária, detentor de um setor industrial ágil e de um mercado consumidor altamente diversificado, de potencialidade reconhecida mundialmente, nos deparamos com um ambiente precário, marcado por desigualdades sociais.

A realidade contemporânea evidencia a carência de recursos da família brasileira para prover satisfatoriamente condições essenciais à maturação física e psicológica das crianças e dos adolescentes. A má distribuição de renda e os altos índices de desemprego impedem a construção de um ambiente familiar econômico e socialmente estável, basilar ao pleno desenvolvimento humano.

Esse quadro revela que o nosso menor vê-se desamparado pela sociedade que lhe é hostil ou omissa, pela complexidade dos problemas sociais, econômicos e políticos, e pela indiferença do Estado na promoção de políticas públicas básicas.

José Barroso Filho destaca que: “O crescente índice de infrações cometidas por adolescentes demonstra o aumento da crise econômica e a incapacidade de o Estado promover o reequilíbrio social”. (Jus navigandi, novembro/2010).

Não divergindo, Luiz Flávio Borges D’Urso:

as causas de expansão da violência se devem, em primeiro lugar, ao acervo de carências da população de baixa renda, cuja assistência, apesar dos programas de distribuição de bolsas, é extremamente precária. As conseqüências se fazem sentir na expansão das gangues e das hordas da criminalidade nas periferias e o conseqüente engajamento de jovens (Revista Jurídica Consulex – ano XI – n° 248 – 15 de maio de 2007 – p. 66).

A situação econômico-social, entretanto, não é causa determinante da delinquência infanto-juvenil. Se o fosse, as famílias abastadas e bem posicionadas na sociedade com ela não conviveriam. A deterioração moral e sentimental do ambiente familiar também é causa de desajustes sociais e psicológicos, ao passo que, os pais, preocupados essencialmente com a vida pessoal e profissional, negligenciam a educação de seus filhos, deixando de impor os limites adequados à formação de uma personalidade saudável, pautada em valores morais e éticos.  

A crescente prática de delitos graves, sem conotação patrimonial, por menores de classe média e alta, afasta totalmente a tese de que o menor compelido pela necessidade de sobrevivência digna ou simplesmente desassistido por falta de infra-estrutura familiar é levado a delinquir.

As causas da marginalidade entre os adolescentes são, pois, muito amplas e desconhecidas, não se restringindo unicamente à ausência de poder aquisitivo. Tende ainda pelo lado das más companhias, formação de bandos, agrupamentos excêntricos, dependência química, irreverência religiosa ou moral e vontade dirigida para o crime, de forma que a ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores deve ser compreendida através de reflexões interdisciplinares, em contexto com a entidade familiar e a organização social nas quais estamos inseridos.

Nas palavras do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini:

O terreno fértil para o avanço da delinqüência é o esgarçamento da moral. A falência dos valores. A política utilizada como forma de fuga da responsabilidade penal e de enriquecimento rápido. A educação cada vez mais inconsistente e imbecilizante. A falta de políticas públicas de real inclusão dos marginalizados. Propaganda que dá prioridade ao egoísmo e mensagens centradas na consecução de bens da vida mais do que relativos – mas são os que a mídia e a publicidade apontam como essenciais e que, para a mocidade desorientada, passam a constituir o único objetivo (Revista Jurídica Consulex – ano X – n° 230 – 15 de agosto de 2006, p. 34).

Impressionante, quanto ao agravamento da criminalidade juvenil, é a incidência do uso e tráfico de entorpecentes. Números da Fundação Casa (ex-Febem) sobre a população de menores infratores revelam que a participação dos adolescentes no tráfico de drogas tem aumentado vertiginosamente a cada ano, a ponto de se transformar no principal motivo das internações. Os jovens atuam, em sua maioria como mediadores entre os interessados pelas drogas e os distribuidores. Travam um contato fugaz, apreensivo e vigiado com os interessados, recebendo em essência o dinheiro que repassam aos seus superiores hierárquicos.

Os jovens são recrutados desde os tenros anos de idade. A flagrante inversão de valores e o desprestígio da boa conduta fomentam o anseio por poder como forma de imposição de suas vontades e satisfação de seus desejos de consumo. De fato, a indústria do narcotráfico detectou que o vazio existencial de uma cultura essencialmente materialista é facilmente preenchido pela participação efetiva em um projeto, ainda que criminoso.

Ao considerar inimputáveis os menores de 18 anos, o legislador não adotou uma postura meramente paternalista conferindo apenas direitos ao infrator sem a devida contrapartida. O adolescente a quem se imputa a prática de um ilícito penal está sujeito às medidas socioeducativas previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente, que vão da simples advertência até a internação, conforme o caso. E essa internação nada mais é que a institucionalização do menor infrator em estabelecimento próprio e adequado, assegurado o acompanhamento técnico, com vistas à recuperação de valores e ao retorno à convivência comunitária.

Sobre o assunto, Jorge de Figueiredo Dias, assinala que:

a colocação dessa barreira etária intransponível à intervenção penal funda-se em um princípio de humanidade, que deve caracterizar todo o direito penal de um Estado de direito material. Deve evitar-se a todo custo a submissão de uma criança ou adolescente às sanções mais graves previstas no ordenamento jurídico e ao rito do processo penal, pela estigmatização que sempre acompanha a passagem pelo corredor da justiça penal e pelos efeitos extremamente gravosos que a aplicação de uma pena necessariamente produz ao nível dos direitos de personalidade do menor, marcando inevitavelmente o seu crescimento e toda sua vida (Direito Penal – Parte Geral. Coimbra. Coimbra Editora, 2004, t.1, p. 547 Código Penal e sua interpretação – Editora Revista dos Tribunais – 8ª edição – pg. 217).

É justa e explícita a afirmação acerca da falibilidade do sistema carcerário brasileiro, em razão da ausência de estabelecimentos correcionais que contribuam para a formação salutar da personalidade do infrator.

Ora, o caráter pedagógico que deve nortear a punição do menor, raramente se verifica como determina a lei. Isto porque, há pouca diferença entre as condições desumanas dos estabelecimentos prisionais e das unidades reservadas aos adolescentes infratores.

Disso decorre a necessidade de aperfeiçoamento das instituições, afastando-se qualquer possibilidade de referidos menores virem a cumprir as sanções que lhes forem impostas juntamente com os delinquentes adultos, de forma que sejam executadas em estabelecimentos especiais, onde o tratamento ressocializador, efetivamente individualizado, fique sob a responsabilidade de técnicos especializados comprometidos com a educação dos internos.

Porém, se de um lado não parece dotada de sensatez a observância de uma postulação puramente vingativa, de outro, o legislador não se mostra sensível para introduzir com agilidade as modificações necessárias ao adequado tratamento de condutas graves praticadas por crianças e adolescentes com requintes de perversidade, que revelam total desajuste comportamental.

A princípio, a disciplina legal a ser observada é a mesma, ou seja, a medida socioeducativa consistente na internação está sujeita ao princípio da brevidade, de forma que em nenhuma hipótese a segregação do infrator pode ultrapassar três anos ou sobrepujar a idade de 21 anos.

Entretanto, tratando-se de menor que revele vontade manifestamente dirigida para o crime e personalidade inconciliável com a convivência comunitária, é imperiosa sua institucionalização por período de tempo superior à três anos. Com isso, concluímos que, quando necessário devem ser extrapolados os limites temporais preconizados pela lei, dando ênfase à verificação da capacidade para viver em sociedade e respeitar a vida e o patrimônio alheios.

No entendimento firmado por Airton Rocha Nóbrega:

A ficção jurídica, alusiva á suposta incapacidade do menor para entender a gravidade de uma conduta por ele adotada, não pode, de forma nenhuma, servir como fundamento para que seja ele, pouco tempo depois de uma detenção, devolvido ao convívio social, sem que esteja preparado para isso. Se demonstra – e isso pode ser avaliado tecnicamente – necessidade de delinqüir, não se pode confessar incapacidade para punir (Revista Jurídica Consulex – ano VII – n° 166 – 15 de dezembro de 2003, p. 27).

Nessa esteira de pensamento seria mais correto seguir-se o critério adotado nos países de origem anglo-saxã que analisam, diante de um caso concreto, se o infrator, ao cometimento de um delito, agiu com suficiente entendimento acerca do caráter criminoso da conduta perpetrada, valendo-se para tanto de uma gama de técnicas interdisciplinares, envolvendo aspectos psicológicos, psiquiátricos, psicopedagógicos, sociológicos e jurídicos.

De fato, países como o Canadá e a Holanda fixam a idade mínima de 12 anos para fins de responsabilização criminal, desde que o indivíduo compreenda a ilicitude de seu ato, dado obtido através de uma análise ampla e criteriosa da pessoa do delinquente.

Nessa esteira de pensamento, segundo Luiz Flávio Borges D’Urso:

poderão haver pessoas com a mesma idade cronológica contudo, com capacidade de entendimento diversas, a ensejar responsabilização também diferenciada. Trata-se do critério bio-etário ou bio-psicológico (Jus Navigandi, julho/2010).

Complementando seu entendimento, assevera ainda que:

No que diz respeito à legislação, a nossa posição é de equilíbrio, ou seja, nem a favor de um direito penal máximo, próprio dos regimes autoritários – voltados para equacionar a questão social com leis duras na área da criminalidade – nem de um sistema penal mínimo, incapaz de distinguir criminosos de pequenas infrações de grandes criminosos (Revista Jurídica Consulex – ano XI – n° 248 – 15 de maio de 2007 – p.66).

Por outro lado, não procede a alegação de que o adolescente de hoje, conectado aos mais diversos meios de comunicação em massa, recebe maior carga de informações que o adolescente do início do século passado e, por essa razão, tem mais discernimento que aquele.

Se há, de fato, maior acesso à informações, é de se reconhecer que o conteúdo absorvido é mais quantitativo que qualitativo, de forma que o conhecimento extraído é bem mais deletério que educativo.

Ocorre porém que, o incremento da atividade delitiva, marcado pela crescente participação de crianças e adolescentes, fomenta o clamor popular tendencioso à adoção de medidas radicais e imediatistas.

Todavia, momentos críticos exigem maior ponderação, porquanto medidas paliativas e pouco eficazes revelam-se inaptas para solucionar a crise de insegurança que assola a sociedade brasileira.

O clima de instabilidade decorrente dessas circunstâncias tem fomentado um ímpeto legiferante, no sentido da edição de leis mais severas com a convicção de que são elas capazes de intimidar os potenciais delinquentes, inibindo suas ações criminosas. 

Não é de se estranhar que uma vítima defenda a punição de um criminoso com rigidez excessiva. Mas o desejo de vingança que qualquer ser humano é passível de ter não é, entretanto, o princípio fundamental que guia o direito penal. O Estado, que detém o monopólio do uso da força, e o sistema jurídico, que define o que é crime e como puni-lo, atendem a uma lógica de funcionamento coletiva, diferente da individual.

Em 1989, o sequestro de Abilio Diniz, personalidade do mundo dos negócios, despertou a atenção da população brasileira e deu origem à Lei 8.072/90 que, em resposta aos anseios gerais da sociedade, foi editada com o objetivo manifesto de coibir, sobretudo, os crimes de extorsão mediante sequestro, estupro, atentado violento ao pudor, latrocínio e tráfico ilícito de entorpecentes, restringindo garantias constitucionais aos acusados e condenados por tais crimes, como o direito à liberdade provisória e o direito à progressão de regime (do fechado para o semi-aberto e deste para o aberto).

Quatro anos depois, tem-se noticiada a morte de Daniela Perez, uma jovem atriz de televisão, brutalmente assassinada pelo galã da novela com quem era casada. E, mais uma vez, o legislador capitalizou o clamor popular, publicando a Lei 8.930/94, erigindo o homicídio qualificado à condição de crime hediondo.

Neste ínterim, podemos citar, ainda, entre os diplomas legais repressivos de maior repercussão na década passada, a Lei 9.437/97, criminalizando o porte de arma e sancionando tal conduta com até seis anos de reclusão, e a Lei 9.503/97, que instituiu o Código de Trânsito Brasileiro, agravando o homicídio e as lesões corporais culposas praticados na direção de veículo automotor, como resposta à comoção pública diante de crimes automobilísticos envolvendo pessoas de destaque na sociedade.

A criminalização do porte de arma tinha o objetivo declarado de evitar que os grupos criminosos organizados continuassem a adquirir e utilizar armas de fogo de grosso calibre contra as forças policiais. Constatada sua ineficácia, pouco mais de seis anos depois, a Lei 10.826/03 foi editada com o objetivo de fiscalizar a produção, o comércio, o registro e o cadastramento das armas de fogo no Brasil.

É indubitável, portanto, que as mudanças na legislação material e processual penal sucedem-se no sentido de aumentar o rol das condutas criminalizáveis, prever punições mais severas do que as prescritas anteriormente, reduzir garantias antes consagradas aos acusados de práticas criminosas e restringir direitos dos já condenados, prevendo-se um sistema cada vez mais rígido de execução da pena e ampliando ainda mais o poder persecutório e punitivo do Estado.

Comparemos a situação dos Estados Unidos da América, principal fonte de inspiração e modelo, onde predominam leis draconianas, com destaque para a pena capital, a prisão perpétua e a imputabilidade penal plena dos adolescentes na maioria dos Estados federados. Um sistema judiciário rápido e eficaz, coadjuvado por um aparelho policial poderoso e bem equipado, resultou num extraordinário incremento da população carcerária nos últimos anos.

A inflação carcerária nos EUA, deve-se, sobretudo, à criação e alteração de leis e instituições da justiça criminal, da recolocação da pena de morte no debate público, do aumento dos contingentes policiais e da adoção de programas de policiamento urbano conhecidos como “Tolerância zero”, tal como o da cidade de Nova Iorque, impondo-se um controle rígido sobre as ilegalidades populares. Foram adotados mecanismos sofisticados de imposição das punições legais (como pulseiras eletrônicas), restrições à liberdade de locomoção e privatização dos serviços de segurança.

De fato, o espírito empresarial americano encontrou na crise inúmeras oportunidades de lucro. O crescente apelo por maior rigor punitivo estimulou o crescimento exponencial do setor, para o qual as administrações públicas carentes de fundos se voltam para melhor rentabilizar os orçamentos consagrados à gestão das populações encarceradas.

No Brasil, outrossim, os centros correcionais atingem índices de ocupação alarmantes. Ao revés da otimização dos recursos disponíveis para o desenvolvimento do sistema prisional, o contingente decorrente da inflação carcerária foi alocado nas unidades já existentes, sob condições que evidenciam a precariedade do tratamento ministrado no interior de ditos estabelecimentos.

O problema, assim pensamos, não reside no fato de ser condescendente com o crime, mas de contê-lo dentro de limites socialmente toleráveis, sem retóricas que a nada tem conduzido, a par de produções legislativas que não são executadas.

Embora possa parecer paradoxal, mesmo com a tipificação de novas condutas, incremento das penas e enrijecimento do regime prisional, a capacidade de reação do Estado revela-se ínfima frente à potencialidade delitiva, fomentando descrédito quanto à efetiva concretização da sanção penal.

Igual entendimento é exteriorizado por Luiz Flávio Borges D’Urso:

a eficácia da intimidação deriva mais da certeza do cumprimento da lei do que seu rigor. Nesse sentido, cremos que se deva promover mudanças na legislação penal com  finalidade de combater, de maneira mais abrangente, a criminalidade (Revista Jurídica Consulex – ano XI – n° 248 – 15 de maio de 2007, p. 66). 

De fato, não é a severidade das penas que inibe a atividade criminosa, mas a certeza de sua imputação à pessoa do infrator. Entretanto, as estruturas formais de prevenção e repressão da criminalidade estão seriamente afetadas pelo sucateamento das forças policiais, e pela notória defasagem entre a demanda e a capacidade de atendimento do Poder Judiciário.

É forçoso reconhecer que, ante a ausência de recursos humanos e materiais dos órgãos de prevenção, o recrudescimento da legislação, ao revés da adoção de uma estratégia pragmática, criará óbices intransponíveis à pronta resposta do Estado e à ressocialização do infrator. Com efeito, a inflação carcerária implicará um contingente maior de pessoas submetidas às condições degradantes que assolam o interior dos estabelecimentos prisionais, afastando-as de qualquer perspectiva de reintegração social.

Surge, pois, a imprescindibilidade de uma atuação racional e eficaz do Estado, ao qual compete a realização do bem comum, ativando de maneira positiva seus instrumentos no sentido da consecução prática de seu dever, efetivando com absoluta prioridade os direitos e interesses assegurados à criança e ao adolescente.

Ao lado de uma participação mais ativa da sociedade, cumpre ao Estado, formalmente edificado sob a noção de dignidade da pessoa humana, abdicar de sua postura meramente paternalista em benefício da implantação de políticas sociais voltadas à formação das novas gerações, criando oportunidades para a satisfação dos valores humanos.

O ECA clama por eficácia plena e efetiva de suas disposições, em fiel cumprimento às normas de expressão internacional incorporadas ao nosso ordenamento jurídico, cujos destinatários são colocados em situação privilegiada enquanto credores da tutela estatal.

As medidas socioeducativas enumeradas na legislação menorista expressam a imprescindibilidade de um sistema educacional protetivo para atendimento do adolescente autor de ato infracional. A sua eficácia, porém, não transparece ao conjunto da sociedade porque é obstruída por uma realidade permeada por graves omissões na operacionalização de tais medidas.

Ressalte-se ser conveniente que os provimentos pedagógicos a serem cumpridos em meio aberto, sejam executados em ação coordenada com órgãos da própria comunidade, reduzindo-se substancialmente os custos e, sobretudo, aumentando o comprometimento social com o processo educativo.

Na medida em que se propõe a implantação de um programa comunitário atuante no atendimento de menores infratores sentenciados com medidas socioeducativas executáveis em meio aberto, limita-se a aplicação das medidas privativas de liberdade aos casos expressamente previstos em lei, ao mesmo tempo em que possibilita a progressão das medidas em condições favoráveis à reinserção do adolescente no convívio social.

Inúmeras são as dificuldades opostas à execução prática das disposições estatutárias, notadadamente a ausência de recursos humanos, estruturais e financeiros dos órgãos encarregados de conferir-lhes efeito prático, e a existência de instituições correcionais, herança do modelo repressivo preconizado pela legislação menorista revogada, camufladas com nova roupagem.

Denota-se, portanto, que as medidas socioeducativas estão sendo ministradas ao revés dos parâmetros fixados pelo ECA. É evidente que a medida privativa de liberdade consistente na internação, reservada excepcionalmente às situações discriminadas em lei, tem substituído as demais, ante a ausência de implementação destas, em flagrante transgressão aos princípios basilares do direito da infância e da juventude.

Não há que se falar em reforma estrutural do Estatuto sem a implementação de toda a rede necessária e prioritária de tutela e prevenção, indeclinável à eficácia de suas disposições.

Com efeito, as medidas estatutárias, se executadas em observância à doutrina da proteção integral, no cumprimento de sua finalidade educativa e ressocializadora, inegavelmente surtirão os efeitos práticos almejados, materializando resposta proporcional e efetiva à conduta antissocial perpetrada.

A título de exemplo, em São Paulo, o “Projeto Amar” (Associação de Mães e Amigos de Crianças e Adolescentes em Risco), atua na defesa dos direitos básicos dos menores institucionalizados, projetando sua inserção no mercado de trabalho através do programa “Cidade Tiradentes”.

Outro bem sucedido projeto de ressocialização é a “Associação Educacional e Beneficente Vale da Bênção”, que atua no atendimento de adolescentes autores de atos infracionais no cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida, suprindo as deficiências do sistema educacional, oferecendo-lhes reforço escolar e alfabetização.

A Coordenação Regional das Obras de Promoção Humana (CRO PH), localizada na Vila Guilherme, em São Paulo, investe no desenvolvimento das potencialidades intelectuais dos menores, estimulando a prática de habilidades cotidianas mediante a organização de oficinas culturais, cursos profissionalizantes em parceria com a Associação Gelre - uma agência de emprego - e projetos em parceria com a Fundação Abrinq.

No município de Colatina, Estado do Espírito Santo, a Prefeitura, em conjunto com o Conselho Nacional do Direito da Criança e do Adolescente (Conanda), instituiu aos jovens infratores medidas de liberdade controlada, executadas por uma equipe interdisciplinar integrada por professores, psicólogos e sociólogos responsáveis pela análise evolutiva dos adolescentes, informada mensalmente à Justiça competente.

Por fim, o Programa Começar de Novo, lançado pelo CNJ em agosto de 2009, ao lado de órgãos públicos, empresas privadas e conselhos comunitários, visando a realização de cursos de capacitação profissional e a disponibilização de vagas de empregos para presos, ex-detentos e jovens em conflito com a lei, com vistas à redução da reincidência carcerária. Para garantir o convênio, o CNJ assinou termos de cooperação técnicas com os Estados, que por meio de leis estaduais e decretos municipais, garantem vagas em obras públicas.

Na execução do projeto, o CNJ e o Sport Club Corinthians Paulista firmaram acordo de cooperação técnica, consistente na liberação das dependências do clube, duas vezes por semana para a prática de atividades esportivas por adolescentes que cumprem medidas socioeducativas na Fundação Casa. (CNJ, novembro/2010)

Com efeito, a mobilização popular voltada à resolução da problemática menoril, além de constituir instrumento de conveniência social, decorre da forma de associação política imposta constitucionalmente, tendente a superar a democracia meramente representativa, impondo a adoção de um regime democrático efetivamente participativo.


CONCLUSÃO

Atualmente, a sociedade se vê vitimada com as mais diversas expressões de violência que começam a povoar os pensamentos e nortear as ações dos indivíduos ainda na adolescência.

As causas da marginalidade entre os adolescentes são muito amplas e desconhecidas, não se restringindo unicamente à ausência de poder aquisitivo. Tende ainda pelo lado das más companhias, formação de bandos, agrupamentos excêntricos, dependência química, irreverência religiosa ou moral e vontade dirigida para o crime, de forma que a ilimitada transgressão normativa perpetrada por menores deve ser compreendida através de reflexões interdisciplinares, em contexto com a entidade familiar e a organização social nas quais estamos inseridos.

No imaginário popular brasileiro difundiu-se, equivocadamente, a ideia de que a proteção do adolescente em questão é sinônimo de impunidade. Deve ficar claro, contudo, que não está sendo negada punição ao autor de ato infracional, haja vista a positivação de incontáveis providências socioeducativas, de obediência imperativa, como resposta estatal à conduta antissocial perpetrada.

O problema, assim pensamos, não reside no fato de ser condescendente com o crime, mas de contê-lo dentro de limites socialmente toleráveis, sem retóricas que a nada tem conduzido, a par de produções legislativas que não são executadas.

É forçoso reconhecer que, ante a ausência de recursos humanos e materiais dos órgãos de prevenção, o recrudescimento da legislação, ao revés da adoção de uma estratégia pragmática, criará óbices intransponíveis à pronta resposta do Estado e ressocialização do infrator. Com efeito, a inflação carcerária implicará um contingente maior de pessoas submetidas às condições degradantes do encarceramento, afastando-as de qualquer perspectiva de reintegração social.

As medidas socioeducativas enumeradas na legislação menorista expressam a imprescindibilidade de um sistema educacional protetivo para atendimento do adolescente autor de ato infracional. A sua eficácia, porém, não transparece ao conjunto da sociedade porque é obstruída por uma realidade permeada por graves omissões na operacionalização de tais medidas.

Denota-se, portanto, que as medidas socioeducativas estão sendo ministradas ao revés dos parâmetros fixados pelo ECA. Não há que se falar em reforma estrutural do Estatuto sem a implementação de toda a rede necessária e prioritária de tutela e prevenção, indeclinável à eficácia de suas disposições.

Surge a imprescindibilidade de uma atuação racional e eficaz do Estado, ao qual compete a realização do bem comum, ativando de maneira positiva seus instrumentos no sentido da consecução prática de seu dever, efetivando com absoluta prioridade os direitos e interesses assegurados à criança e ao adolescente.

Com efeito, as medidas estatutárias, se executadas em observância à doutrina da proteção integral, no cumprimento de sua finalidade educativa e ressocializadora, inegavelmente surtirão os efeitos práticos almejados, materializando resposta proporcional e efetiva à conduta antissocial perpetrada.


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SAAB, Nadia Maria. A eficácia das medidas socioeducativas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4950, 19 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55102. Acesso em: 1 maio 2024.