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A educação na Constituição Federal de 1988

A educação na Constituição Federal de 1988

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O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva descritiva da temática da educação na Constituição Federal de 1988, analisando a inserção do direito à educação no rol dos direitos sociais, buscando avaliar a atribuição de direitos subjetivos ao cidadão.

            1.Toda pessoa tem direito à educação. A educação deve ser gratuita, pelo menos a correspondente ao ensino elementar fundamental. O ensino elementar é obrigatório. O ensino técnico e profissional deve ser generalizado; o acesso aos estudos superiores deve estar aberto a todos em plena igualdade, em função do seu mérito.

            2.A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e ao reforço dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.

            3.Aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o gênero de educação a dar aos filhos.

Declaração Universal dos Direitos do Homem

Artigo 26º


Introdução

            O Brasil parece ter despertado para a relevância da temática da educação. Ao lado da atuação governamental orientada pelos objetivos de expansão de todos os níveis de ensino e implementação de políticas de avaliação e controle de qualidade, também a sociedade civil demonstra interesse e participa do processo de reconhecimento da necessidade de melhoria dos índices de escolaridade, como requisito para real possibilidade de desenvolvimento do País.

            A educação, enquanto dever do Estado e realidade social não foge ao controle do Direito. Na verdade, é a própria Constituição Federal que a enuncia como direito de todos, dever do Estado e da família, com a tríplice função de garantir a realização plena do ser humano, inseri-lo no contexto do Estado Democrático e qualificá-lo para o mundo do trabalho. A um só tempo, a educação representa tanto mecanismo de desenvolvimento pessoal do indivíduo, como da própria sociedade em que ele se insere.

            O objetivo deste trabalho é apresentar uma perspectiva descritiva da temática da educação na Constituição Federal de 1988, analisando a inserção do direito à educação no rol dos direitos sociais, buscando avaliar a atribuição de direitos subjetivos ao cidadão.

            Se o melhor entendimento das normas que regulam a educação se mostra relevante no momento em que sua importância no contexto da sociedade brasileira é realçada, a avaliação acerca da existência de direitos subjetivos relacionados ao tema coloca-se como importante elemento de afirmação dos direitos do cidadão frente ao Estado, garantindo em última análise, meio de conferir efetividade aos preceitos constitucionais.

            Por fim, analisamos dois casos atuais relacionados ao direito à educação, que têm repercussão constitucional: o acesso ao ensino superior de estudantes que não concluíram o ensino médio e a adoção do sistema de cotas de acesso ao ensino superior para minoria afro-descendente.


1. A temática da educação nas Constituições brasileiras

            Com maior ou menor abrangência e marcadas pela ideologia de sua época, todas as Constituições brasileiras dispensaram tratamento ao tema da educação.

            A Constituição Imperial de 1824 estabeleceu entre os direitos civis e políticos a gratuidade da instrução primária para todos os cidadãos e previu a criação de colégios e universidades.

            A Constituição Republicana de 1891, adotando o modelo federal, preocupou-se em discriminar a competência legislativa da União e dos Estados em matéria educacional. Coube à União legislar sobre o ensino superior enquanto aos Estados competia legislar sobre ensino secundário e primário, embora tanto a União quanto os Estados pudessem criar e manter instituições de ensino superior e secundário. Rompendo com a adoção de uma religião oficial, determinou a laiscização do ensino nos estabelecimentos públicos.

            A Constituição de 1934 inaugura uma nova fase da história constitucional brasileira, na medida em que se dedica a enunciar normas que exorbitam a temática tipicamente constitucional. Revela-se a constitucionalização de direitos econômicos, sociais e culturais.

            Fica estabelecida a competência legislativa da União para traçar diretrizes da educação nacional. Um título é dedicado à família, à educação e à cultura. A educação é definida como direito de todos, correspondendo a dever da família e dos poderes públicos, voltada para consecução de valores de ordem moral e econômica.

            A Constituição de 1934 apresenta dispositivos que organizam a educação nacional, mediante previsão e especificação de linhas gerais de um plano nacional de educação e competência do Conselho Nacional de Educação para elaborá-lo, criação dos sistemas educativos nos estados, prevendo os órgãos de sua composição como corolário do próprio princípio federativo e destinação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino. Também há garantia de imunidade de impostos para estabelecimentos particulares, de liberdade de cátedra e de auxílio a alunos necessitados e determinação de provimento de cargos do magistério oficial mediante concurso.

            O retrocesso na Constituição de 1937 é patente. O texto constitucional vincula a educação a valores cívicos e econômicos. Não se registra preocupação com o ensino público, sendo o primeiro dispositivo no trato da matéria dedicado a estabelecer a livre iniciativa. A centralização é reforçada não só pela previsão de competência material e legislativa privativa da União em relação às diretrizes e bases da educação nacional, sem referência aos sistemas de ensino dos estados, como pela própria rigidez do regime ditatorial.

            A Constituição de 1946 retoma os princípios das Constituições de 1891 e 1934. A competência legislativa da União circunscreve-se às diretrizes e bases da educação nacional. A competência dos Estados é garantida pela competência residual, como também pela previsão dos respectivos sistemas de ensino.

            A educação volta a ser definida como direito de todos, prevalece a idéia de educação pública, a despeito de franqueada à livre iniciativa. São definidos princípios norteadores do ensino, entre eles ensino primário obrigatório e gratuito, liberdade de cátedra e concurso para seu provimento não só nos estabelecimentos superiores oficiais como nos livres, merecendo destaque a inovação da previsão de criação de institutos de pesquisa. A vinculação de recursos para a manutenção e o desenvolvimento do ensino é restabelecida.

            A Constituição de 1967 mantém a estrutura organizacional da educação nacional, preservando os sistemas de ensino dos Estados. Todavia, percebemos retrocessos no enfoque de matérias relevantes: fortalecimento do ensino particular, inclusive mediante previsão de meios de substituição do ensino oficial gratuito por bolsas de estudo; necessidade de bom desempenho para garantia da gratuidade do ensino médio e superior aos que comprovarem insuficiência de recursos; limitação da liberdade acadêmica pela fobia subversiva; diminuição do percentual de receitas vinculadas para a manutenção e desenvolvimento do ensino.

            A Constituição de 1969 não alterou o modelo educacional da Constituição de 1967. Não obstante, limitou a vinculação de receitas para manutenção e desenvolvimento do ensino apenas para os municípios.

            Como se vê o tratamento constitucional dispensado à educação reflete ideologias e valores. Conforme registra Herkenhoff (1987, p.8), "educação não é um tema isolado, mas decorre de decisões políticas fundamentais. Isto é, a educação é uma questão visceralmente política".

            Nesse contexto, mais do que em virtude de constituir um direito ou por ter valor em si mesma, a natureza pública da educação se afirma em função dos interesses do estado e do modelo econômico, como também por constituir eficiente mecanismo de ação política (Ranieri, 2000, p. 37).

            A perspectiva política e a natureza pública da educação são realçadas na Constituição Federal de 1988, não só pela expressa definição de seus objetivos, como também pela própria estruturação de todo o sistema educacional.

            A Constituição Federal de 1988 enuncia o direito à educação como um direito social no artigo 6º; especifica a competência legislativa nos artigos 22, XXIV e 24, IX; dedica toda uma parte do título da Ordem Social para responsabilizar o Estado e a família, tratar do acesso e da qualidade, organizar o sistema educacional, vincular o financiamento e distribuir encargos e competências para os entes da federação.

            Além do regramento minucioso, a grande inovação do modelo constitucional de 1988 em relação ao direito à educação decorre de seu caráter democrático, especialmente pela preocupação em prever instrumentos voltados para sua efetividade (Ranieri, 2000, p. 78).


2. O direito à educação como um direito fundamental

            Captar toda a dimensão do direito à educação depende de situá-lo previamente no contexto dos direitos sociais, econômicos e culturais, os chamados direitos de 2ª dimensão, no âmbito dos direitos fundamentais.

            A expressão direitos fundamentais guarda sinonímia com a expressão direitos humanos. São direitos que encontram seu fundamento de validade na preservação da condição humana. São direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico como indispensáveis para a própria manutenção da condição humana.

            A despeito da "fundamentalidade", Bobbio (1992, p.5) destaca que os direitos fundamentais ou direitos humanos são direitos históricos, ou seja, são fruto de circunstâncias e conjunturas vividas pela humanidade e especificamente por cada um dos diversos Estados, sociedades e culturas. Portanto, embora se alicercem numa perspectiva jusnaturalista, os direitos fundamentais não prescindem do reconhecimento estatal, da inserção no direito positivo.

            O sentido do direito à educação na ordem constitucional de 1988 está intimamente ligado ao reconhecimento da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil, bem como com os seus objetivos, especificamente: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalidade, redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem comum.

            Numa palavra, o tratamento constitucional do direito à educação está intimamente ligado à busca do ideal de igualdade que caracteriza os direitos de 2ª dimensão. Os direitos sociais abarcam um sentido de igualdade material que se realiza por meio da atuação estatal dirigida à garantia de padrões mínimos de acesso a bens econômicos, sociais e culturais a quem não conseguiu a eles ter acesso por meios próprios. Em última análise, representam o oferecimento de condições básicas para que o indivíduo possa efetivamente se utilizar das liberdades que o sistema lhe outorga.

            Nesse contexto, oportuno traçar em linhas gerais a distinção entre a perspectiva subjetiva e objetiva dos direitos fundamentais.

            A idéia atrelada à perspectiva subjetiva dos direitos fundamentais, segundo Sarlet (1998, p. 152), consiste na "possibilidade que tem o titular (...) de fazer valer judicialmente os poderes, as liberdades ou mesmo o direito de ação ou às ações negativas ou positivas que lhe foram outorgadas pela norma consagradora do direito fundamental em questão". Essa perspectiva tem como referência a função precípua dos direitos fundamentais, que consiste na proteção do indivíduo.

            A perspectiva objetiva implica o reconhecimento dos direitos fundamentais como "decisões valorativas de natureza jurídico-objetiva da Constituição, com eficácia em todo o ordenamento jurídico e que fornecem diretrizes para os órgãos legislativos, judiciários e executivos" (Sarlet, 1998, p.140). Transcende-se a dimensão de proteção do indivíduo, implicando nova função para os direitos fundamentais que abrange a tutela da própria comunidade.

            A dimensão axiológica dos direitos fundamentais implica a adoção do ponto de vista da sociedade na valoração da eficácia dos direitos fundamentais. O reconhecimento social coloca-se como elemento condicionante do exercício de direitos fundamentais. Daí decorre inegável limitação dos direitos fundamentais em sua perspectiva individual quando contrapostos ao interesse da comunidade, preservando-se, em todo caso, o seu núcleo essencial.

            Além disso, da perspectiva objetiva decorre o caráter vinculativo dos direitos fundamentais em relação ao Estado, impondo-lhe o dever de promover sua concretização.

            A perspectiva objetiva representa a autonomia dos direitos fundamentais, apontando Sarlet (1998, p.145/147) como principais corolários a sua eficácia irradiante, ou seja, a capacidade de servir de diretrizes para o entendimento do direito infraconstitucional, constituindo modalidade de interpretação conforme a Constituição; a eficácia horizontal, que implica na oponibilidade de direitos fundamentais não só frente ao Estado, mas também nas relações privadas; a conexão com a temática das garantias institucionais, traduzidas como o reconhecimento da relevância de determinadas instituições públicas e privadas, através de proteção contra intervenção deletéria do legislador ordinário, que não obstante, se mostram incapazes de gerar direitos individuais; criação de um dever geral de proteção do Estado voltado para o efetivo resguardo dos direitos fundamentais em caráter preventivo, tanto contra o próprio Estado, como contra particulares ou mesmo outros Estados e, finalmente, a função dos direitos fundamentais de atuar como parâmetro para criação e constituição de organizações estatais.

            No contexto da sociedade da informação e da globalização, o traço de direito fundamental do direito à educação se acentua. Sob a perspectiva individual, potencializa-se a exigibilidade direta pelo cidadão e no plano objetivo solidifica-se o dever do Estado em promover sua efetividade. Se no plano subjetivo se resguarda o desenvolvimento da personalidade humana e mesmo a qualificação profissional, no plano objetivo o direito à educação se afirma indispensável ao próprio desenvolvimento do País.


3. Natureza principiológica das normas constitucionais sobre educação

            Canotilho (1999, p. 1177), a partir da lição de Dworkin afirma que:

            "(...) princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com possibilidades fácticas e jurídicas. Os princípios não proíbem, permitem ou exigem algo em termos de ‘tudo ou nada’; impõem a optimização de um direito ou de um bem jurídico, tendo em conta a ‘reserva do possível’, fáctica ou jurídica."

            Regras, ao contrário, "são normas que, verificados determinados pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, sem qualquer excepção (direito definitivo)". A conjugação de princípios e regras é percebida por Canotilho (1999, p.1124) que entende a Constituição como sistema aberto de regras/princípios/procedimento1.

            Sem dúvida alguma, das normas que tratam da educação na Constituição Federal de 1988, algumas apresentam um comando operativo bastante evidente. Exemplo eloqüente é a previsão do ensino fundamental obrigatório e gratuito, inserta no inciso I do artigo 208, cujo parágrafo primeiro garante não só a imediata aplicabilidade e eficácia da norma, como também a indiscutível possibilidade de tutela jurisdicional.

            Mas, em grande parte, as normas que tratam da educação apresentam-se sob a forma de princípios. E isso se justifica, pois se por um lado a Constituição ao enunciar direitos sociais impõe obrigações de fazer para o Estado, por outro essa imposição de obrigações de fazer não é detalhada ao ponto de instituir normas do tipo regra, prescrevendo objetivamente condutas e suas conseqüências.

            Embora com uma perspectiva genérica, essa peculiaridade é destacada por Campello (2000, p.9) ao afirmar que "na norma educacional não têm sido encontradas, amiúde, sanções que caracterizem punições ou que estabeleçam um grau elevado de coercitividade para aquele ‘dever-ser’ que impõe um fazer ou deixar de fazer alguma coisa".

            A principal conseqüência do modelo da norma de natureza principiológica é a irradiação de efeitos por todo o sistema normativo, "compondo-lhe o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência (...)", conforme salienta Bandeira de Mello (apud Campello, 2000, p. 8).

            Revela-se a importância da técnica legislativa na construção da norma constitucional. O modelo principiológico, se por um lado não esgota ou não encerra em termos definitivos o tratamento jurídico de determinada questão, por outro confere abertura para solução de conflitos através da ponderação de valores. Este é o caminho que se apresenta para composição de conflitos em uma sociedade complexa, onde se salienta o papel e a responsabilidade do Judiciário.

            Nesse contexto, destaca Canotilho (1999, p. 444/445) as possibilidades de conformação jurídica dos direitos sociais, ou seja, as possibilidades de caracterização dos direitos sociais no âmbito da Constituição. Podem os direitos sociais se apresentar como normas programáticas, normas de organização, garantias institucionais e como direitos subjetivos públicos.

            A linha de diferenciação está justamente na potencial criação de pretensões oponíveis contra o Estado, deduzíveis diretamente pelo cidadão.

            Grosso modo, os direitos sociais como normas programáticas revelam vinculação voltada à idéia de pressão de natureza política sobre os órgãos competentes. Como normas de organização, determinam a instituição de competências determinadas aos órgãos públicos, mas com capacidade de vinculação também limitada ao plano político. A idéia de garantias institucionais está dirigida ao respeito e à proteção de determinada instituição social, que por sua natureza está atrelada à concretização de direitos de cunho social, econômico e cultural. Finalmente, os direitos sociais como direitos subjetivos públicos estatuem direitos fruíveis diretamente pelo cidadão e oponíveis contra o Estado, que tem o dever de implementá-los.


4. Indeterminabilidade do conteúdo do direito à educação

            Em caráter preliminar à questão do conteúdo do direito à educação, nos convém destacar que para os fins do presente trabalho não nos importa estabelecer uma distinção entre educação e ensino.

            Ranieri (2000, p. 168), embora se referindo à Lei 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, destaca que os conceitos de educação e ensino agrupam realidades semelhantes e que cabe ao intérprete estar atento ao contexto em que se inserem as expressões para captar seu exato sentido. Registra:

            "Educação (...) constitui o ato ou efeito de educar-se; o processo de desenvolvimento da capacidade física, intelectual e moral do ser humano, visando a sua melhor integração individual e social. Significa também os conhecimentos ou as aptidões resultantes de tal processo, ou o cabedal científico e os métodos empregados na obtenção de tais resultados. E, ainda, instrução, ensino.

            Ensino, por sua vez, designa a transmissão de conhecimentos, informações ou esclarecimentos úteis ou indispensáveis à educação; os métodos empregados para se ministrar o ensino; o esforço orientado para a formação ou modificação da conduta humana; educação. "

            Salvo melhor juízo, o mesmo pode ser dito em relação ao emprego das duas expressões na Constituição Federal.

            Canotilho (1999, p. 450) reconhece a dificuldade de delimitação de conteúdo dos direitos sociais. Registra que a adoção de entendimentos que limitem a eficácia dos direitos sociais, tornando-os dependentes de modo absoluto da intervenção legislativa ordinária significa retirar toda a sua vinculação jurídica. Raciocinar dessa maneira representa retrocesso em relação ao atual entendimento que se tem sobre a eficácia e a busca da efetividade das normas constitucionais.

            Conforme salienta Silva (2001, p.261), "todas as normas constitucionais são dotadas de eficácia jurídica e imediatamente aplicáveis nos limites dessa eficácia". Por eficácia se entende a aptidão para produzir efeitos jurídicos.

            No âmbito da verificação dos efeitos da norma jurídica, uma problemática que se afirma é a de reconhecer direitos originários e direitos derivados em matéria de direitos sociais.

            Direitos originários se caracterizam pela conjugação da previsão constitucional de um direito social, do reconhecimento do dever do Estado na criação de pressupostos materiais para o exercício desses direitos e na possibilidade de o cidadão exigir prestações relacionadas a esse direito (Canotilho, 1999, p. 447). Fica patente a necessidade de intervenção dos poderes públicos para a garantia desses direitos, a partir da qual surge a idéia da reserva do possível, traduzindo a dependência de recursos econômicos para a permitir a efetividade de direitos. O melhor sentido aos direitos de 2ª dimensão nesse âmbito é o reconhecimento de sua força vinculativa da atuação estatal, representando verdadeira imposição constitucional voltada à transformação econômica social.

            Direitos derivados, por outro lado, estão ligados à idéia de igual acesso, igual participação nas prestações de natureza econômica, social e cultural, à medida em que o Estado concretiza suas responsabilidades nessa área (Canotilho, 1999, p. 448). A perspectiva subjetiva, nesse caso, está na garantia de proibição de retrocesso, ou seja, impossibilidade de supressão ou cancelamento da esfera já implementada desses direitos.

            Não nos parece possível reduzir o direito social à educação a uma ou outra tipologia, pelo simples fato de a realidade demonstrar, seja agora, seja no exato momento de promulgação da Constituição, a pré-existência de todo um arcabouço organizacional do sistema educacional brasileiro, determinante das mais diversas posições jurídicas. Se por um lado isso não revela uma tarefa acabada, acentuando-se em grande parte a necessidade de um papel redistributivo do Estado voltado para a idéia de igual acesso e igual participação, de outro não retira a possibilidade de casos específicos em que seja possível exigir de modo imediato o adimplemento de prestações relacionadas ao direito à educação.

            A partir desse exemplo, necessário reconhecer a relevância da normatização infraconstitucional para a efetividade dos direitos sociais.

            Todavia, nos atemos à simples previsão constitucional do direito à educação para concluir que dela decorre para o Estado o dever de desenvolver atos concretos e determinados dirigidos à sua implementação.

            Por outro lado, e a primeira vista isso nos parece um diferencial em relação aos demais direitos sociais, o tratamento constitucional do direito à educação não se limita a um mero enunciado. Existem comandos normativos relativos à competência legislativa, indicativos de critérios de acesso e de qualidade, elementos para organização do sistema educacional, previsão de financiamento, distribuição de encargos e competências entre os entes da federação suficientes para balizar a atuação estatal.

            A natureza principiológica das normas não lhes retira a capacidade de vinculação da atuação estatal e, por outro lado, delineia os valores e objetivos que devem ser perseguidos de modo permanente e disperso nas diversas iniciativas estatais.

            Mesmo inserido no contexto dos direitos sociais, o direito à educação apresenta densificação muito maior do que inicialmente imaginamos ao nos confrontar com o disposto no artigo 6º. Ou seja, as normas dos artigos 205 a 214 conferem ao direito à educação um espaço normativo mais preciso e delimitado.

            Se por um lado o direito social à educação previsto no art. 6º não se confunde ou não se limita às imposições constitucionais dos artigos 205 a 214, por outro não há como negar a conexão óbvia entre estes dispositivos constitucionais que, em última análise, são capazes de determinar o mínimo de atuação estatal necessária para que se implemente o direito à educação. De certa maneira, a Constituição delimita o núcleo essencial do direito à educação.

            Reconhecendo que um dos entraves à efetividade dos direitos sociais reside na inércia do legislador, que o direito positivo não apresenta mecanismos eficientes para sanar a inconstitucionalidade por omissão, ao lado da interpretação não concretista dominante no Supremo Tribunal Federal acerca dos efeitos do Mandado de Injunção, esse nos parece um posicionamento que pode conduzir ao reconhecimento de direitos individuais2 em matéria de educação previstos na Constituição, passíveis de serem deduzidos diretamente pelo cidadão perante o Judiciário.

            Enfim, se a marca de indeterminabilidade típica dos direitos sociais também se apresenta no direito à educação, não sendo dispensável a complementação legislativa em nível ordinário, é certo que as disposições dos artigos 205 e 214 são suficientes para garantir um mínimo de sua exeqüibilidade e implementação, o que é extremamente relevante especialmente para garantir a possibilidade de tutela jurisdicional.


5. Competência legislativa

            A efetividade do direito à educação depende da existência de toda uma estrutura que permita a organização do sistema educacional. No Estado de Direito, a previsão legal é o mecanismo apto a definir essa estrutura.

            A competência legislativa em matéria educacional na Constituição Federal se encontra na previsão do artigo 22, XIV, que consagra competência legislativa privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional e na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre educação, cultura, ensino e desporto, prevista no artigo 24, IX.

            Conforme salienta Ranieri (2000, p. 107) a lei de diretrizes e bases da educação tem conteúdo preciso, apontando para idéia de "fundamento, organização, condições de exeqüibilidade". É a lei de diretrizes e bases que traça a estrutura da educação nacional.

            Na medida em que estrutura a educação nacional, a lei de diretrizes e bases não é exaustiva. Nesse ponto, constata-se uma impropriedade técnica em situar a lei de diretrizes e bases no rol de competências legislativas privativas da União. Essa modalidade de competência tem como característica permitir legislar de modo pleno, sem limitações de amplitude. Essa a razão da previsão do parágrafo único do artigo 22, acerca da possibilidade de delegação de competência para tratar de questões específicas.

            Ranieri (2000, p. 111) demonstra que, em verdade, a competência para legislar sobre diretrizes e bases não é, em sua natureza, privativa, mas concorrente.

            Quanto à competência prevista no artigo 24, IX, à União caberá editar normas gerais sobre educação e ensino, e aos Estados e Distrito Federal o estabelecimento de normas suplementares. Dessa forma, há um regramento sucessivo, dupla legislação em graus distintos, uma genérica e outra suplementar (Ranieri, 2000, p. 103).

            Como corolário das competências legislativas, a estrutura do sistema educacional brasileiro assenta sobre o modelo do Estado Federal. Nesse sentido, percebe-se que a lei de diretrizes e bases da educação nacional representa o regramento em nível nacional, correspondendo à articulação e coordenação dos sistemas de ensino. Por outro lado, a competência para edição de normas em matéria de educação e ensino prevista no artigo 24, IX garante a atuação dos Estados no tratamento de questões específicas, importante instrumento para atender a variedade de situações decorrentes da extensão e das desigualdades do País.

            O que é interessante nessa temática é demonstrar que a definição de competências legislativas, e conseqüentemente a vinculabilidade das normas em matéria educacional está intimamente ligada à fundamentação e estrutura teórica do modelo federativo adotado. Ou seja, não existe relação de subordinação e critério de hierarquia, mas relação de coordenação e critério de competência (Ranieri, 2000, p. 106).

            Em que pese o papel articulador e coordenador da União, há amplo espaço para atuação das esferas estadual, municipal e distrital, regulamentando as questões dos respectivos sistemas de ensino. Essa é questão de grande relevância, na medida em que garante não só tratamento de especificidades, mas também porque permite variedade de experiências e de modelos inerentes e indispensáveis, em última análise, para o próprio desenvolvimento e aprimoramento do processo educacional.

            No papel de coordenação e articulação, cabe à União estabelecer o plano nacional de educação, cujos objetivos estão definidos no artigo 214 da Constituição Federal.


6. Organização dos sistemas de ensino

            Se a existência de esferas de atuação na organização da educação nacional é corolário lógico do modelo de repartição de competências legislativas, por outro lado também decorre de expressa previsão constitucional, conforme artigo 211.

            Ranieri (2000, p. 118) demonstra que o sentido da expressão sistema de ensino agrega "tanto o conjunto de instituições educacionais (compreendidos os elementos materiais e humanos que as compõem), como as normas nacionais editadas pela União e as normas especiais que o vinculam a tal ou qual ente federado".

            A organização dos sistemas de ensino está alicerçada na definição de áreas prioritárias de atuação e na preocupação em instituir um regime de colaboração entre os mesmos. Nessa ordem de idéias, aos Municípios compete atuar prioritariamente no ensino fundamental e no ensino infantil, os Estados3 e o Distrito Federal no ensino fundamental e médio.

            O papel da União não se limita à organização de seu sistema de ensino, mas se vincula especialmente a uma função redistributiva e supletiva, com o objetivo de garantir equalização de oportunidades e padrão mínimo de qualidade. Assim, não existe uma área de atuação prioritária para a União, pois em verdade lhe cabe atuar, ainda que em caráter de apoio técnico e/ou financeiro, em todos os níveis.

            Não obstante, em virtude da definição de áreas prioritárias para os Estados e Municípios, em caso de ausência de oferta de ensino superior por este entes, caberá à União incumbir-se dessa tarefa em caráter residual.

            Ranieri (2000, p. 123) destaca a discussão acerca da existência de um sistema nacional, abrangendo os sistemas estaduais, distrital e municipais. De uma perspectiva sociológica parece-lhe inegável a existência desse sistema nacional, mas não com um caráter de supremacia sobre os demais e sim inserido no contexto de cooperação e inter-relacionamento decorrente do federalismo cooperativo, cuja expressão maior decorre da previsão constitucional do artigo 214 de um plano nacional de educação.

            Embora não propriamente vinculada aos sistemas de ensino, merece referência a previsão de competência comum do artigo 23, V, que determina a todos os entes da federação proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação e à ciência. Mais uma vez se determina dever coletivo de todos os entes federativos e por conseqüência se reforça a necessidade de atuação articulada e conjunta, visando otimizar resultados. As iniciativas de proporcionar os meios de acesso abrangem desde a manutenção de instituições de ensino até medidas concretas de garantia de condições de acesso à escola, como transporte, material didático e merenda4.

            No âmbito da organização dos sistemas de ensino, o dispositivo do artigo 210 demonstra tanto a preocupação com o papel da educação em promover a integração nacional, como com a preservação das peculiaridades regionais, mediante previsão de conteúdos mínimos para o ensino fundamental, visando formação básica comum e respeito a valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. Nesse aspecto, até mesmo a especificidade da cultura indígena é tutelada, nos termos do parágrafo 2º.

            Cabe registro que a previsão do ensino religioso, nos termos do parágrafo 1º do artigo 210, deve estar coadunada com a liberdade religiosa e despida de vinculação com qualquer espécie de credo ou religião. Sua função é complementar à formação do indivíduo, vinculada ao seu desenvolvimento espiritual, indispensável ao pleno desenvolvimento da pessoa humana almejado pelo artigo 205.


7. Autonomia Universitária

            Ranieri (1994, p. 15), aponta a definição de autonomia formulada por João Mendes de Almeida Júnior, como "direção própria do que é próprio".

            A autonomia universitária é instrumento a serviço do bom desempenho da atividade educacional, consistindo "em poder derivado funcional, circunscrito ao que é próprio à entidade que o detém e limitado pelo ordenamento geral em que se insere, sem o qual, ou fora do qual, não existiria" (Ranieri, 2000, p. 220).

            O regime de autonomia confere capacidade de autonormação às instituições universitárias em relação às atividades didático-científicas, administrativas e de gestão financeira e patrimonial.

            A temática da autonomia universitária está ligada com a organização dos sistemas de ensino, na medida em que confere imunidade em relação à legislação regulamentar por eles expedidas. Em matéria educacional, a vinculação das universidades limita-se aos demais comandos constitucionais e às normas de natureza diretivo-basilar (Ranieri, 200, p. 199).

            O regime da autonomia universitária é o de reconhecimento de uma realidade social objetiva, que provoca reflexo na própria efetividade do direito social à educação, encaixando-se no perfil típico de garantia institucional (Sarlet, 1998, p. 301).

            Ao lado da autonomia, o artigo 207 consagra a indissociabilidade do ensino, pesquisa e extensão como elemento de organização das instituições universitárias.


8. Financiamento

            A Constituição Federal de 1988 tratou do financiamento da educação de modo bastante incisivo. Vinculou receitas para a manutenção e desenvolvimento do ensino em caráter excepcional, fugindo ao preceito genérico do artigo 165, IV; instituiu a contribuição social do salário-educação e previu fundo de natureza contábil voltado para o setor.

            O artigo 212 define a estrutura do financiamento da educação, na medida em que determina a aplicação de percentuais mínimos de 18% para a União e 25% para os Estados e Municípios, da receita proveniente de impostos na manutenção e desenvolvimento do ensino; bem como estabelece critérios para efeito de cálculo dos percentuais e de verificação de sua destinação; elege o ensino obrigatório como área prioritária de atendimento; determina o custeio de atividades de apoio ao ensino ligadas à suplementação alimentar e assistência à saúde com outros recursos e destina ao ensino fundamental público a receita da contribuição social do salário educação.

            No Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, o artigo 60 traça regras relativas à aplicação dos recursos disponibilizados para a educação, estabelecendo a meta de universalização do ensino fundamental e também criando fundo5 de âmbito nacional, estadual e distrital, cujo objetivo é garantir as atividades de cooperação entre os sistemas de ensino, voltadas para garantir efetividade ao modelo de cooperação entre os entes federativos.

            Merece referência a Emenda Constitucional 14, que conferiu novo caráter à meta de eliminação do analfabetismo e universalização do ensino fundamental, passando de norma programática a norma de eficácia plena, mediante discriminação de critérios de atuação e de alocação dos recursos (Ranieri, 2000, p. 83).


9. A relação da iniciativa privada com a educação

            A participação da iniciativa privada na educação é admitida pela Constituição Federal subordinada ao cumprimento das normas gerais da educação nacional e autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público, nos termos do artigo 209. Esses são requisitos específicos, aos quais se somam os gerais previstos no título da ordem econômica e financeira, que disciplinam a iniciativa privada como um todo e justificam a intervenção estatal em caráter de fiscalização e controle junto às instituições de ensino particulares no plano de seu desempenho econômico e financeiro.

            A atividade educacional exercida pela iniciativa privada não perde o caráter eminentemente público. A previsão de autorização prévia e de controle de qualidade na matéria educacional determina o estabelecimento de critérios seja em relação ao próprio desempenho da atividade educacional, como ao modo de operacionalizá-la.

            Na verdade, ainda que a educação seja prestada sob regime de Direito Privado, a subsunção aos demais princípios e valores registrados na Constituição se mantém. O que não poderia ser diferente, na medida em que se enuncia a educação como um direito de todos.

            Além disso, a Constituição prevê hipóteses de destinação de recursos públicos para escolas comunitárias, confessionais e filantrópicas, mediante cumprimento de requisitos específicos. A isso se somam as hipóteses de imunidade tributária previstas nos artigos 150, VI, c e 195, parágrafo 7º.

            Em que pese o incentivo às instituições educacionais sem fins lucrativos, a Constituição delineia claramente a prioridade de investimento na sua rede de ensino, conforme registra o parágrafo 1º do artigo 213. Ou seja, em princípio a educação deve ser prestada pelo Estado e a atuação da iniciativa privada tem caráter suplementar, ao contrário da regra geral relativa à atuação estatal no domínio econômico.

            Enfim, no plano constitucional a atuação da iniciativa privada em matéria de educação é admitida em caráter suplementar ao papel do Estado, incentivada se ausente o fim lucrativo, mas sempre estruturada sobre princípios e valores de ordem pública.


10. Os princípios constitucionais em matéria educacional

            Já nos referimos ao caráter principiológico das normas que tratam de educação na Constituição Federal, por outro lado também fizemos menção ao fato de que, a despeito de indispensável intervenção legislativa ordinária para efetivação do direito à educação, seu espaço normativo é mais preciso e delimitado quando temos em vista o disposto nos artigos 205 a 214.

            Campello (2000, p. 1/21) apresenta o elenco de princípios dos artigos 205 a 214, dividindo-os em (a) garantias individuais: igualdade de condições de acesso e permanência na escola, liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o conhecimento, gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais, ensino fundamental obrigatório e gratuito, acesso aos níveis mais elevados de ensino segundo o mérito de cada um, assistência no nível fundamental com material didático, transporte, alimentação e saúde; (b) garantias de qualidade: pluralismo pedagógico, valorização do profissional do ensino, gestão democrática do ensino público, garantia do padrão de qualidade, normas gerais de educação, autorização e avaliação de qualidade pelo poder público, sistemas de ensino integrados, plano nacional de educação com objetivos de erradicação do analfabetismo, universalização do atendimento escolar, melhoria da qualidade do ensino, formação para o trabalho, promoção humanística, científica e tecnológica do País; (c) princípios organizacionais: convivência do ensino público e do privado, autonomia para as Universidades, progressiva universalização do ensino público, educação especial, creche e pré-escola para as crianças de 0 a 6 anos, ensino noturno, ensino livre à iniciativa privada, sob condições, financiamento das Instituições Federais de Ensino Superior pela União, atuações prioritárias: Municípios – ensino fundamental, Estados – ensino médio, União – ensino superior, manutenção da rede federal de ensino superior e tecnológico.

            A relevância das normas dos artigos 205 a 214 é conferir um conjunto de elementos capazes de vincular de modo mínimo a atuação estatal com vistas à realização do direito à educação. Representam, em última análise, mecanismos capazes de gerar direitos subjetivos passíveis de tutela jurisdicional.

            Segundo Barroso (2001, p. 85/86), ao "jurista cabe formular estruturas lógicas e prover mecanismos técnicos aptos a dar efetividade às normas jurídicas". Por efetividade entende-se "a realização do direito, o desempenho concreto de sua função social".

            No contexto do estudo da efetividade da Constituição, Barroso (2001, p.93) propõe uma tipologia das normas constitucionais, dividindo-as em normas constitucionais de organização, normas definidoras de direito e normas programáticas.

            As normas constitucionais de organização têm a característica de ordenar os poderes estatais, criar e estruturar entidades e órgãos públicos, distribuir atribuições e identificar e aplicar outros atos normativos (Barroso, 2001, p. 95). São normas voltadas para a organização do Estado e se caracterizam pelo efeito constitutivo imediato, não se apresentando como juízos hipotéticos (Barroso, 2001, p. 97).

            As normas definidoras de direito, segundo Barroso (2001, p. 103), gravitam sobre a idéia de direito subjetivo, "entendido como o poder de ação, assente no direito objetivo, e destinado à satisfação de certo interesse". Dessas normas decorrem "situações jurídicas imediatamente desfrutáveis, a serem materializadas em prestações positivas ou negativas", exigíveis do Estado ou de outro destinatário, caso não sejam satisfeitas espontaneamente.

            As normas programáticas "têm por objeto estabelecer determinados princípios ou fixar programas de ação para o Poder Público" (Barroso, 2001, p. 118). Hoje se reconhece o seu caráter vinculativo, como as demais normas da Constituição, embora a posição dos administrados seja menos consistente (Barroso, 2001, p. 120). Têm como efeito imediato obstar atos normativos divergentes, seja revogando os já existentes, seja determinando a inconstitucionalidade dos supervenientes, conferindo aos administrados o direito de opor-se judicialmente aos atos a elas contrários e obter decisões jurisdicionais alinhadas com os valores nelas consignados (Barroso, 2001, p. 122).

            A partir de um paralelismo entre o modelo tipológico proposto por Barroso e a classificação de Campelo, encontramos meios de afirmar a concretude dos preceitos constitucionais que tratam da educação.

            Nos parece possível estabelecer relações entre garantias individuais e normas definidoras de direitos, garantias de qualidade e normas programáticas e princípios organizacionais e normas de organização.

            As garantias individuais carregam o traço de direitos subjetivos, sendo certo que se algumas determinam atuações estatais positivas, outras criam deveres de abstenção dirigidos especificamente para o processo educacional.

            No âmbito das apontadas garantias de qualidade, encontramos normas de natureza programática, entendidas como normas voltadas a estabelecer planos de ação, orientações de conduta da intervenção governamental. A implementação dos princípios referentes à qualidade do ensino não prescinde da legislação ordinária, bem como da própria atuação normativa dos sistemas de ensino, mas a partir deles se determinam os contornos e os critérios de avaliação de qualidade.

            A concepção dos princípios organizacionais se assenta sobre a divisão de encargos e competências, bem como na previsão de sistemas de ensino em cada ente da federação, coordenados entre si. Dentro do rol de princípios organizacionais apontados, alguns podem caracterizar direitos, como a educação especial da pessoa portadora de deficiência.

            Convém registrar que classificações servem a propósitos determinados, pois de uma forma ou de outra, acabam generalizando realidades distintas e ocultando particularidades. Nesse contexto, a partir das relações propostas parece possível vislumbrar direitos oponíveis contra o Estado em matéria de educação.


11. Tutela dos direitos individuais relacionados à educação

            O reconhecimento de direitos individuais entre os dispositivos que tratam da educação revela tanto a aplicablidade imediata dessas normas, quanto a possibilidade de sua tutela jurisdicional. De certa maneira, o enquadramento de pretensões relacionadas ao direito à educação no esquema de direitos individuais garante sua adequação ao regime jurídico do Estado liberal, conferindo-lhe condições de aplicabilidade e de efetividade.

            Não pretendemos simplificar a discussão acerca da problemática da eficácia dos direitos sociais, nem reduzir o direito á educação à implementação de determinadas imposições constitucionais. Todavia, acreditando que os dispositivos dos artigos 205 a 214 determinam em grande parte o núcleo essencial do direito à educação, nos parece que o enfoque sobre os dispositivos constitucionais procurando deles extrair um sentido exato e preciso é caminho apto a lhes conferir eficácia e também efetividade. Isso pode não ser suficiente para resguardar todas as inimagináveis pretensões individuais relacionadas ao direito à educação, mas por certo delimita um mínimo de direitos subjetivos6 extraídos diretamente do texto constitucional. Nesse contexto, a identificação de direitos subjetivos passa pela visualização do contraponto direito individual – dever do Estado (Barroso, 2001, p. 115).

            A igualdade de condições de acesso e permanência na escola, prevista no artigo 206, I, é corolário do princípio da igualdade abrigado genericamente no artigo 5º, caput. A norma determina a impossibilidade de discriminações ou criação de limites que restrinjam a possibilidade de educação formal do indivíduo, o que não significa a adoção de uma perspectiva individualista (Silva, 1994, p. 197), capaz de se limitar à determinação de um dever de abstenção. A norma impõe atuação estatal voltada a garantir meios e condições de facilitar o acesso e permanência na escola de quem seja desprovido de meios, conjugando-se com as disposições que garantem assistência alimentar e à saúde, transporte e material escolar no nível fundamental inseridas no artigo 208, VII.

            Enquanto determina ausência de discriminações, a tutela jurisdicional do princípio consistirá em reconhecer a inconstitucionalidade de atos que imponham discriminações ou limitações ao direito de acesso e permanência na escola.

            No âmbito da imposição de um dever de agir, voltado para a idéia de igualdade material, a dificuldade de intervenção judicial e eventual invasão de campo de atuação administrativa não é absoluta, na medida em que a própria Constituição estabelece critérios de atuação nos moldes do artigo 208, VII.

            A liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o conhecimento consubstancia obrigação de não fazer, cuja aplicabilidade imediata é inquestionável, sendo possível estabelecer relação com a liberdade de pensamento do artigo 5º, IV.

            Do mesmo modo, da previsão de gratuidade do ensino público nos estabelecimentos oficiais também não decorre grande dificuldade, já que em contraponto representa obrigação de não fazer, ou seja, não cobrar qualquer espécie de contraprestação pelos serviços educacionais prestados.

            Nesses casos, a tutela jurisdicional será limitada à cessação do ato inconstitucional.

            A oferta de ensino fundamental obrigatório e gratuito é expressamente consignada como direito subjetivo público7 pelo parágrafo 1º do artigo 208. Além disso, a previsão de responsabilidade da autoridade competente estabelece a sanção pelo não cumprimento ou cumprimento deficiente do preceptivo constitucional do artigo 208, I.

            Nesse particular, Barroso (2001, p. 149) descreve hipótese em que à ausência de estabelecimento de ensino fundamental, poderia o indivíduo, com base no artigo 205 c/c 208, I e seu parágrafo 1º, recorrer ao Judiciário pleiteando a condenação do Estado em obrigação de fazer consistente na construção de uma escola, ou caso isso seja inviável, alternativamente, o dever de custear os estudos em escola particular.

            A garantia de acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade de cada um revela a escolha de um critério de mérito. Em virtude da obrigatoriedade do ensino fundamental e do compromisso de progressiva universalização do ensino médio, conforme artigo 208, I e II, o preceptivo constitucional volta-se essencialmente para o ingresso no nível superior. A tutela jurisdicional do princípio será possível em hipóteses em que o ingresso no nível superior esteja condicionado a outros fatores que não a capacidade técnica, aferida por critérios objetivos.

            Embora catalogada como princípio organizacional, a previsão de educação especial para o portador de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino, conforme artigo 208, III, caracteriza direito subjetivo. A segunda parte do dispositivo tem caráter programático, mas é inegável que está assegurado o direito subjetivo do portador de deficiência em ter atendimento educacional especializado. Nesse sentido se manifesta Barroso (2001, p.151).


12. Estudo de casos

            12.1. Acesso ao ensino superior independentemente de conclusão do ensino médio

            O inciso II do artigo 40 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96 condiciona o ingresso nos cursos de graduação do ensino superior à conclusão do ensino médio e à classificação em processo seletivo. Essa é a regra.

            A despeito da referida previsão legal, inúmeros precedentes judiciais do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo conferem a estudantes classificados em processo seletivo o direito de ingressar no ensino superior, independentemente da conclusão do ensino médio, baseando-se no artigo 205 e no inciso V do artigo 208 da Constituição Federal. Vejamos:

            Exame supletivo de 2º grau, menoridade, aprovação em concurso vestibular.

            Ementa: Remessa ex officio. Apelação Voluntária. Mandado de Segurança. Exame Supletivo 2º grau. Menoridade. Direito aos níveis mais elevados do ensino. Art. 208. Inc. V da CF. Concedida a segurança. Apelação Voluntária não provida. A lei 9394/96 que disciplina o exame supletivo de segundo grau, deve ser interpretada em consonância com o inciso V do art. 208 da Constituição da República que diz que "o dever do Estado com a Educação será efetivado mediante garantia, entre outros direitos, o de acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um". Assim, impedir a menor ao acesso a estágio superior de ensino, além de ferir frontalmente o supracitado dispositivo constitucional, rechaça o direito fundamental do cidadão, de que a educação é direito de todos. Negada a Apelação Voluntária e concedida a segurança, assim como fez o MM. Juiz. (Remessa ex officio nº 024990109720 – Comarca da Capital – Juízo de Vitória – Apelação Voluntária processo 024990109720 – Des. Rel.: Amim Abiguenem – Des. Revisor: Frederico Guilherme Pimentel – julgado em 08.03.2001 e lido em 22/03/2001. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2001. nº 1 a 12. p. 18. Edição 2001)

            Exame supletivo de 2º grau, menor de 18 anos aprovado em vestibular.

            Ementa: Mandado de Segurança – exame supletivo de 2º grau – menor de 18 anos – possibilidade de exame especial – aprovação em curso superior – exegese do art. 208, V da CF – remessa conhecida – sentença de 1º grau mantida – apelo voluntário improvido. Em conformidade com o art. 208, V da CF, os exames em nível de 2º grau de que trata a lei 9394/96 foram estendidos aos adolescentes quando aprovados em curso superior, cuja capacidade mental supera a idade biológica. Remessa necessária conhecida, mantida a douta sentença. Apelo voluntário a que se nega provimento. (Remessa ex officio nº 14009002529 – Des. Rel. : Nivaldo Xavier Valinho – Des. Revisor: Rômulo Taddei – julgado em 08/05/2001 e lido em 29/05/2001. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2001. nº 1 a 12. p. 30. Edição 2001)

            Mandado de Segurança, exame supletivo, aprovação em vestibular.

            Ementa: Remessa ex officio com Apelação voluntária – Mandado de Segurança – negativa de inscrição do supletivo – menor de 18 anos – recurso improvido – remessa prejudicada. Recurso improvido, com conseqüente remessa prejudicada, eis que a pretensão do impetrante está embasada na Constituição Federal (art. 208,V), bem como na lei nº 8069/93, posto que é dever do Estado assegurar acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de cada um. Vistos, relatados e discutidos os presentes autos da Remessa ex officio com apelação cível, sendo remetente o MM. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública de Colatina, sendo apelante o estado do Espírito Santo e apelado L.C.B. (menor púbere), assistido por seu genitor, Luiz Carloz Bonjardim (remessa ex officio nº 14009002347 – Des. Rel.: Maurílio Almeida de Abreu – Des. Revisor: Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon – julgado em 30.04.2001 e lido em 8.05.2001. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2001. nº 1 a 12. p. 33. Edição 2001)

            Exame Supletivo, limite de idade, indeferimento de acesso ao ensino superior, impossibilidade

            Ementa: administrativo – constitucional – Remessa ex officio – Mandado de Segurança – exame supletivo – limite de idade – aluno portador de inteligência precoce e conhecimentos avançados em relação à média – indeferimento de acesso ao ensino superior – impossibilidade – por afronta ao art. 208, V da CF e art. 5 da Lei 9394/96. 1 – Considera-se ilegal e lesivo o ato do diretor do Centro de Estudos Supletivos, obstaculizando o acesso de estudante ao ensino superior, sendo este portador de inteligência precoce e conhecimentos avançados em relação à média, ante a negativa de permissão para feitura de exame supletivo. 2 – O indeferimento do pedido autoral afronta comando constitucional inscrito no art. 208, V, da CF que estabelece ser dever do Estado a educação pública, garantindo entre outros direitos, o acesso aos níveis mais elevados do ensino, repetindo a legislação ordinária no art. 4, da Lei 9394/96. 3 – Remessa conhecida para manter a sentença de piso, apelo voluntário conhecido, mas improvido. Visto, relatos e discutidos este autos em que são partes as acima indicadas. ( Remessa ex officio nº 24970086310 – Comarca da Capital – Juízo de Vitória – 2ª Câmara Cível – Des. Rel.: Álvaro Manoel Rosindo Bourguignon – Des. Revis.: Antônio Miguel Feu Rosa – julgado em 14/12/1999 e lido em 28/12/1999. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2000. nº 1 a 12. p. 17. Edição 2001)

            Aprovação em vestibular, exame supletivo especial, mais da metade do curso superior cursado, situação consolidada, irreversibilidade da segurança concedida

            Ementa: Mandado de Segurança – aprovação no vestibular – 2º grau incompleto – exame supletivo especial – irreversibilidade da situação. Por ter o impetrante cursado mais da metade do curso superior, e diante do prejuízo que esta decisão poderia trazer à parte, é de se negar provimento ao apelo, vez que a situação já é consolidada; não há como reverter a segurança outrora concedida. (Remessa ex officio nº 24980124275 – Comarca da Capital – Juízo de Vitória – 4ª Câmara Cível – Des. Rel.: Frederico Guilherme Pimentel – Des. Revis.: Manoel Alves Rabelo – julgado em 18/04/2000 e lido em 09/05/2000. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2000. nº 1 a 12. p. 28. Edição 2001)

            Menor de idade, direito líquido e certo configurado

            Ementa: remessa ex officio – exame supletivo -aprovação em vestibular – parte interessada de menor idade – recurso improvido. 1 – Correta a sentença que declarou o direito da impetrante prestar o exame supletivo, uma vez ter logrado êxito no vestibular. 2. Matéria reexaminada, negado provimento à remessa oficial. (Remessa ex officio nº 1400900317 – Comarca de Colatina – 4ª Câmara Cível – Des. Rel.: Ewrly Grandi Ribeiro – julgado em 02/05/2000 e lido em 16/05/2000. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 2000. nº 1 a 12. p. 44. Edição 2001)

            Exame supletivo, limite de idade

            Ementa: Exame supletivo. Idade limite. Inteligência da Lei 9394/96. O artigo 38, I da Lei 9394/96, que estabelece limite de idade para o exame supletivo, deve ser interpretado em consonância com o artigo quarto, V, da citada lei, que inclusive consolidou o princípio consagrado no artigo 208, V, da CF/88, que garante acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de cada um. 2 –Se o candidato demonstrou amadurecimento intelectual com aprovação em exame vestibular, não se deve impedir a prestação de exame supletivo em regime especial, ao argumento de idade biológica insuficiente, pois a sua capacidade revelou-se diferenciada da presunção média que inspirou a limitação imposta pela lei. 3 – Sentença mantida. (Remessa ex officio nº 24970088761 – Rel. S.: Samuel Meira Brasil Júnior – Des. Revis.: Norton de Souza Pimenta – julgado em 06/04/99 e lido em 20/04/99. Ementário de Jurisprudência Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo – 1º e 2º semestres de 1999. nº 1 a 12. p. 20.)

            Os julgados transcritos acima evidenciam o posicionamento do Egrégio Tribunal de Justiça do Espírito Santo, no sentido de que não se deve impedir o acesso ao ensino superior de quem demonstrou capacidade para tanto, mediante classificação em processo seletivo. O arestos não se debatem sobre o sentido da norma do artigo 44, inciso II da Lei 9394/96 confrontado com o art. 208, V da Constituição Federal.

            No âmbito do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, encontramos referências afirmando a imperatividade da exigência de conclusão do ensino médio para ingresso em curso de nível superior:

            Civil – Legislação do Ensino Superior – Conclusão 2º ciclo – indispensabilidade. A concessão da segurança viola os dispositivos da Lei 5.540/68, da Lei 9.394/96 e do Decreto 68.908/71 que estabelecem as Diretrizes e Bases do Ensino.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Remessa ex-officio – Processo 2000.02.01.004204-7, RJ, 1ª Turma, 02/10/2000, DJ 15/02/2000. Relator Juíza Julieta Lídia Diniz. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/pesquisa/pesq-redoc.pnp3?primeira_vez-snnαα. Acesso em: 02 abr. 2002.)

            Ensino Superior – Matrícula em curso superior sob a condição resolutiva da conclusão do 2º grau – descabimento.

            1 – A igualdade de condições para o acesso e permanência na escola e o cumprimento das normas gerais da educação nacional são preceitos constitucionais que desautorizam tratamento discriminatório em favor de alguém, sob critérios excepcionais.

            2 – A exigência de certificado ou diploma de conclusão de segundo grau, como requisito a matrícula em curso superior, em nada viola direito líquido e certo dos apelantes visto tratar-se de norma geral estatuída pela Lei 5.540/68, incensurável à luz da Constituição em vigor.

            3 – Apelação improvida.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação em Mandado de Segurança – Processo 96.02.41822-2, RJ, 4ª Turma, 17/03/1997, DJ 18/11/97. Relator Juíza Célia Georgakopoulos. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/juris/pesquisa/pesq-redoc.pnp3. Acesso em: 02 abr. 2002.)

            Ensino superior – matrícula de aluno - certificado de conclusão do 2º grau.
1- Estudante classificado em concurso vestibular sem haver concluído o 2º grau.

            2- Incidência da Lei nº 5540/68, LEI 5692/71 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação) e portaria do Ministério da Educação e Cultura nº 837/90.

            3- Ausência de situação conslidada no tempo a ser preservada em benefício da Autora.

            4- Apelação improvida.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação Cível – Processo 95.02.02932-1, RJ, 4ª Turma, 17/12/1996, DJ 03/06/1997. Relator Juiz Paulo Barata. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/juris/pesq-redoc.pnp3. Acesso em: 02 abr. 2002.)

            Não obstante, não se deixa de reconhecer situações fáticas consolidadas pelo tempo:

            Administrativo. Mandado de Segurança. Ensino Superior. Vestibular. Ausência de comprovação da conclusão do 2º grau. Matrícula efetuada por força de liminar. Situação Fática ConsoIidada

            I - Embora o impetrante, ao tempo em que foi aprovado no exame vestibular, não houvesse ainda concluído o Ensino Médio, como ele obteve liminar para efetuar sua matrícula no curso de Direito, comprovando, posteriormente, nos autos a conclusão do 2º grau e tendo já concluído o curso superior, configura-se uma situação fática consolidada, que se tornou irreversível ex vi do princípio da segurada das relações jurídicas, mormente pela inexistência de prejuízo a terceiros.
II - Remessa improvida.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Remessa ex-officio – Processo 96.02.09672-1, RJ, 2ª Turma, 28/06/2000, DJ 18/07/2000. Relator Juiz Cruz Netto. Disponível em: http://www.trf2.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)

            Mandado de Segurança. Ensino Superior. Matrícula. Certificado de conclusão do 2º grau. O candidato aprovado em exame vestibular pode efetivar, condicionadamente, matrícula na universidade, independentemente de certificado de conclusão do segundo grau. Concedida a liminar, o decurso de tempo torna a situação fática consolidada. A matrícula se torna definitiva, quando formalizada a comprovação de término de ensino médio, até a prolação da sentença. Remessa não conhecida. Recurso de apelação improvido.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação em Mandado de Segurança – Processo 99.02.12017-2, RJ, 1ª Turma, 05/10/1999, DJ 23/11/1999. Relator Juiz Ricardo Regueira. Disponível em: http://www.trf2.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)

            A existência de posicionamentos divergentes demonstra que a questão enseja alguma polêmica. A competência da Justiça Federal para tratar do tema decorre da estrutura organizacional das Instituições de Ensino Superior mantidas pela União, autarquias e fundações públicas, conforme artigo 109, I da Constituição Federal.

            A organização da educação nacional está assentada sobre uma divisão de níveis ou ciclos. Nesse sentido, a conclusão de um nível ou ciclo sempre foi encarada como requisito para ingressar no nível ou ciclo seguinte. Dessa forma, a exigência de conclusão do ensino médio para ingresso em curso de nível superior, conforme inciso II da Lei 9394/96, mantém a mesma lógica da legislação de diretrizes e bases precedente: artigo 69, "a" da Lei 4024/61, artigo 17, "a" da Lei 5540/68 e artigo 23, "a" da Lei 5692/71.

            Embora anteriormente não houvesse dispositivo constitucional semelhante ao disposto no artigo 208, V da Constituição Federal de 1988, entendemos que não existe incompatibilidade entre a garantia constitucional de acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade de cada um e a imposição legal de conclusão do ensino médio para ingresso na educação superior.

            Na verdade, o princípio insculpido no artigo 208, V visa tão somente garantir que o ingresso na educação superior seja pautado por critério de mérito, já que a educação superior não carrega a pretensão de universalização. O processo seletivo é um instrumento de afirmação da idéia de impessoalidade na aferição da capacidade de cada um.

            Desconsiderar o disposto no artigo 44, inciso II da Lei 9394/96 representa passar por cima do princípio da legalidade, que se por um lado representa limitação ao poder estatal de somente poder criar obrigações por meio de ato legislativo específico, por outro representa a legitimidade das obrigações criadas ou impostas através de ato dessa natureza.

            Portanto, parece-nos descabida a concessão do direito de ingresso na educação superior a quem não concluiu o ensino médio, já que esse requisito legal não nos parece violar qualquer outro preceptivo constitucional.

            As decisões judiciais que se baseiam na classificação em processo seletivo para garantir o acesso ao ensino superior, independentemente de conclusão do ensino médio, parecem supervalorizar tal classificação como mecanismo idôneo a comprovar elevado desenvolvimento intelectual. Se por um lado a classificação de estudante, que não concluiu o ensino médio, em processo seletivo de elevada concorrência pode indicar capacidade intelectual acima da média, por outro a classificação em processo seletivo de baixa concorrência não significa mais do que justamente a capacidade intelectual média. Numa palavra, a simples classificação em processo seletivo não configura dado suficiente para afirmar elevada capacidade intelectual. Para tanto é necessário perquirir, pelo menos, o número de candidatos por vaga e a nota final obtida no processo seletivo.

            Porém, se a regra é a necessidade de conclusão do ensino médio para ingresso na educação superior, é certo que em casos de comprovada capacidade intelectual parece-nos viável flexibilizar essa exigência, baseando-se até mesmo no princípio hermenêutico consagrado no artigo 5º da Lei de Introdução ao Código Civil. Tal entendimento parece-nos de acordo com o espírito do sistema educacional, e aplicável por analogia com o disposto no parágrafo 2º do artigo 47 da Lei 9394/96, que assegura a alunos da educação superior que tenham aproveitamento extraordinário nos estudos, demonstrado por meio de provas e outros instrumentos de avaliação específicos, aplicados por banca examinadora especial, a abreviação da duração dos seus cursos.

            Mas a exigência de conclusão do ensino médio para ingresso na educação superior não deve ser encarada de maneira formalista, devendo ser apreendida como instrumento de ação e de controle de natureza pedagógica. Bem por isso é que, em casos de entraves burocráticos que impedem somente a comprovação documental de conclusão do ensino médio, não se deve criar embaraço para o ingresso na educação superior. Nesse sentido:

            Mandado de Segurança. Ensino superior. Matrícula de aluno. Certificado de conclusão do 2º grau.

            1. Aluno aprovado e classificado em vestibular e que concluiu o 2º grau antes da data da matrícula, não pode ser prejudicado por entraves burocráticos entre a Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEDU-ES) e a instituição de ensino, que impossibilitaram a emissão regular do histórico escolar.

            2. Apelação e remessa a que se nega provimento.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Apelação em Mandado de Segurança – Processo 95.02.25899-1, ES, 3ª Turma, 27/02/1996, DJ 25/04/1996. Relator Juiz Paulo Barata. Disponível em: http://www.trf2.gov.br/cgr-bm/pnp/juris/pesq-redoc.pnp3. Acesso em: 02 abr. 2002.)

            Administrativo – Mandado de Segurança – Ensino Superior – Prova de conclusão do 2º grau - Matrícula assegurada.

            I – Superada a causa obstativa da matrícula ante a comprovação de que o certificado de conclusão do segundo grau encontra-se dependente de mera atividade administrativa, não se justifica o impedimento oposto para o ingresso na Universidade.

            II – Remessa necessária improvida.

            (Tribunal Regional Federal 2ª Região – Remessa ex-officio – Processo 98.02.36272-7, RJ, 1ª Turma, 17/11/1998, DJ 26/01/1999. Relator Juiz Ney Fonseca. Disponível em: http://www.trf2.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)

            Diante de todo o exposto, acreditamos ter demonstrado a compatibilidade entre a garantia constitucional de acesso aos níveis mais elevados do ensino segundo a capacidade de cada um e a regra que determina a conclusão do ensino médio para ingresso na educação superior, apontando as hipóteses em que a regra pode ser flexibilizada.

            Todavia, não nos perdemos em melindres para reconhecer que em situações consolidadas pelo tempo não se deve deixar de garantir a validade dos estudos de quem ingressou na educação superior, mesmo não tendo cumprido o requisito legal de conclusão do ensino médio. A propósito, manifesta-se Ranieri (2000, p. 132), com base no regime de direito público que norteia a educação e que permite a garantia do direito individual em contraposição à rigidez de formas e processos:

            "Veja-se, por exemplo, que, ante a natureza irreversível do processo educativo, a matrícula nula em estabelecimento de ensino público não determina a nulidade do aprendizado no período em que o aluno assim freqüentou a escola. O que aprendeu incorporou-se definitivamente à sua personalidade, tendo sido atingida a finalidade pública, sem prejuízos a terceiros, ainda que ao arrepio da forma legal".

            No âmbito do Superior Tribunal de Justiça8, não se perde essa perspectiva:

            Administrativo. Ensino superior. Exame vestibular. Matrícula. Certificado de conclusão do segundo grau. Fato consumado por força da concessão de liminar. Situação consolidada.

            Se a matrícula na Faculdade de Administração, após exame vestibular prestado há mais de quatro anos, foi assegurada em cumprimento de decisão judicial, tornando o fato consumado pelo decurso do tempo, sem prejuízo de terceiros, merece respeito a situação já consolidada.

            Precendetes jurisprudenciais.

            Recurso provido.

            (Superior Tribunal de Justiça – RESP 19775/GO – 2ª Turma – 09/09/1992, DJ 28/09/1992. Relator Min. Hélio Mosimann. Disponível em: http://www.stj.gov.br. Acesso em: 19 abr. 2002.)

            12.2. Criação de cotas para ingresso no ensino superior

            Partindo da premissa de que os alunos das Instituições Federais de Ensino Superior são provenientes de escolas particulares e/ou de classes sociais que têm disponibilidade de recursos, diversas iniciativas legislativas tanto no plano nacional, como das unidades federadas se dirigem no sentido de assegurar cotas de vagas para estudantes oriundos das escolas públicas. Mais recentemente, surgiu a discussão acerca da reserva de vagas para estudantes que se encaixem no perfil de afro-descendentes.

            Iniciativas dessa natureza partem do reconhecimento da situação de iniqüidade nos processos seletivos, decorrente da formação deficiente dos estudantes em grande parte das escolas públicas brasileiras. Por outro lado, reconhecem a dívida do País com a população descendente dos africanos submetidos ao trabalho escravo, indissociável da própria estrutura do Estado brasileiro até o final do século XIX.

            Se não há dúvidas quanto à legitimidade dessas iniciativas, não pode haver incerteza quanto ao fato de o sistema de cotas ou reserva de vagas atacar uma das conseqüências, e não a causa da dificuldade ou incapacidade de acesso dos estudantes das escolas públicas ao ensino superior público. É o reconhecimento da ineficiência do Estado em construir um sistema educacional, que possa ser avaliado em seu conjunto por critérios de qualidade e desempenho. Se o caráter paliativo da medida é incontrastável, também não se pode deixar de reconhecer que pode ser o único caminho para viabilizar o acesso de jovens oriundos das camadas mais carentes da população ao ensino superior público no momento atual.

            A Lei 3.708 de 09 de novembro de 2001 do Estado do Rio de Janeiro é a medida pioneira na criação do sistema de cotas a beneficiar as populações negra e parda no preenchimento de vagas dos cursos de graduação das instituições de ensino superior. Sua aplicabilidade é restrita às instituições de ensino superior do Sistema de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Rio de Janeiro e Universidade Estadual do Norte Fluminense.

            No plano nacional, projeto de lei PLS 212/2001, da mesma natureza, foi recentemente aprovado no Senado, sendo encaminhado para a Câmara dos Deputados.

            Não se pode deixar de reconhecer o potencial desafio, para as instituições de ensino superior em assegurar aos jovens que forem classificados no processo seletivo por meio do sistema de cotas, efetivas condições de aprendizagem e desenvolvimento intelectual, absorvendo-os em seu corpo discente através de superação de eventuais deficiências na formação em nível médio.

            Não obstante, o sistema de cotas não mantém absoluta fidelidade ao Plano Nacional de Educação aprovado pela Lei 10.172 de 09 de janeiro de 2001 que, ao tratar do ensino superior, define como objetivo e meta

            "...criar políticas que facilitem às minorias, vítimas de discriminação, o acesso à educação superior, através de programas de compensação de deficiências de sua formação escolar anterior, permitindo-lhes, desta forma, competir em igualdade de condições nos processos de seleção e admissão a esse nível de ensino".

            Nesse caso, a previsão do Plano Nacional de Educação é de um sistema que garanta efetivas condições de igualdade nos processos seletivos de acesso ao ensino superior e não o acesso facilitado.

            A questão tem relevância constitucional, já que seu equacionamento desafia a análise do princípio da isonomia.

            Se invariavelmente o enunciado do caput do artigo 5º da Constituição, segundo o qual "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza" permite o questionamento da validade do sistema de cotas, contraposto à idéia de igualdade de tratamento que a lei deve dispensar aos cidadãos, por outro não há dúvida acerca da validade de tratamentos diferenciados, desde que dirigidos a alcançar um objetivo razoavelmente considerado. Ou seja, é permitida a criação de discriminações desde que elas tenham por objetivo proporcionar condições de igualdade material entre situações de desigualdade.

            A questão não é nova e está atrelada ao próprio conceito de Justiça, que consiste no tratamento desigual aos desiguais na medida de suas desigualdades. A respeito, a lição de Moraes (1999, p. 61) é definitiva:

            "A Constituição Federal de 1988 adotou o princípio da igualdade de direitos, prevendo a igualdade de aptidão, uma igualdade de possibilidades virtuais, ou seja, todos os cidadãos têm o direito de tratamento idêntico pela lei, em consonância com os critérios albergados pelo ordenamento jurídico. Dessa forma, o que se veda são as diferenciações arbitrárias, as discriminações absurdas, pois, o tratamento desigual dos casos desiguais, na medida em que se desigualam, é exigência tradicional do próprio conceito de Justiça, pois o que realmente protege são certas finalidades, somente se tendo por lesado o princípio constitucional quando o elemento discriminador não se encontra a serviço de uma finalidade acolhida pelo direito, sem que se esqueça, porém, como ressalvado por Fábio Konder Comparato, que as chamadas liberdades materiais têm por objetivo a igualdade de condições sociais, meta a ser alcançada, não só por meio de leis, mas também pela aplicação de políticas ou programas de ação estatal".

            Portanto, existe espaço para afirmação da validade do sistema de cotas de ingresso no ensino superior. Todavia, o posicionamento definitivo acerca de sua constitucionalidade não prescinde do aspecto valorativo da questão, ou seja, da análise dos objetivos visados pelo sistema de cotas e da razoabilidade e eficácia dos meios escolhidos para atingi-los. O debate ultrapassa as casas legislativas, envolvendo educadores e os meios de comunicação e não parece próximo de um consenso. A grande dificuldade não se encontra propriamente na adequação do sistema de cotas, mas principalmente na definição de critérios objetivos que possam permitir sua implantação.


Conclusões

            Como síntese do que foi exposto, apresentamos as seguintes conclusões:

            1.A repercussão da educação em mundo dominado pelos conceitos de informação e conhecimento reforça a sua importância no sentido de constituir-se em requisito de desenvolvimento, tanto do indivíduo como das próprias sociedades.

            2.O traço de "fundamentalidade" da educação se torna mais nítido, na medida em que ela se afirma como elemento condicionante da própria inserção do indivíduo na sociedade.

            3.As normas constitucionais que tratam do direito à educação apresentam-se, em grande parte, sob a forma de princípios.

            4.O direito à educação não se confunde com as normas que impõem condutas determinadas ao Estado, mantendo-se a indeterminabilidade de seu conteúdo, motivo pelo qual não se dispensa a intervenção legislativa infraconstitucional. Não obstante, o conjunto de normas que trata da educação na Constituição Federal mostra-se capaz de delimitar o núcleo essencial do direito social à educação.

            5.A definição da competência legislativa em matéria de educação, a organização dos sistemas de ensino e o financiamento da atuação estatal se estrutura sobre o modelo do Estado Federal, calcando-se no ideal de cooperativismo e de atuação supletiva e redistributiva da União.

            6.A participação da iniciativa privada na área da educação é garantida, mas marcada pelo caráter de suplementação à atuação estatal.

            7.A análise das normas constitucionais que tratam da educação revela a existência de direitos subjetivos, conferidos ao cidadão diretamente pela Constituição, capazes de garantir sua oponibilidade ao Estado quando não implementados voluntariamente, através da tutela jurisdicional.

            8.Não existe conflito entre a norma constitucional que assegura o direito de acesso aos níveis mais elevados do ensino, segundo a capacidade de cada um e o requisito de conclusão do ensino médio para ingresso no nível superior.

            9.A constitucionalidade da adoção de um sistema de cotas de acesso ao ensino superior para estudantes afro-descendentes depende da avaliação da legitimidade dos objetivos visados e da eficácia e razoabilidade dos meios definidos para atingi-los.


Referências bibliográficas

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            CAMPELLO, Sérgio Amaral. Legislação do ensino superior em 1999: uma visão crítica. /Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior. Brasília: ABMES, 2000. p. 7-24 (ABMES Cadernos; 5)

            CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 3. ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1999.

            HERKENHOFF, João Batista. Constituinte e Educação. Petrópolis: Vozes, 1987.

            MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 1999.

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            SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998.

            SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 1994.

            _____. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 5. ed. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 2001.


Notas

            (1) A idéia de Constituição como sistema aberto de regras e princípios é traduzida por Canotilho (1999, p. 1080) da seguinte forma: "(1) é um sistema jurídico, porque é um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura dialógica (...), traduzida na disponibilidade e capacidade de aprendizagem das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes de ‘verdade’ e ‘justiça’; (3) é um sistema normativo porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema de regras e princípios, pois as normas tanto podem revelar-se sob a forma de princípios com sob a forma de regras." A idéia de procedimento está ligada ao dinamismo do sistema, permitindo o estabelecimento de uma cadeia ou ciclo evolutivo de interpretação, gerado especialmente pelas instituições jurisdicionais.

            (2) Não nos preocupamos em apontar distinção entre direitos individuais e direitos subjetivos. A utilização das expressões é feita em sentido amplo, traduzindo a possibilidade de sua exigibilidade por parte do titular.

            (3) A Lei 6.770 de 26 de setembro de 2001 do Estado do Espírito Santo autoriza o Poder Executivo a instituir a Fundação Universidade Estadual do Espírito Santo.

            (4) A autarquia Fundo Nacional de Desenvolvimento do Ensino – FNDE é responsável pelo financiamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar - PNAE, Programa Nacional do Livro Didático - PNLD, Programa Dinheiro Direto na Escola - PDDE, Programa Nacional Biblioteca da Escola - PNBE, Programa Nacional de Saúde do Escolar - PNSE e Programa Nacional de Transporte do Escolar - PNTE.

            (5) A Lei 9.424 de 24 de dezembro de 1996 dispõe sobre o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e Valorização do Magistério – FUNDEF.

            (6) Já foi ressaltado que o termo é utilizado em sentindo amplo, mas quanto ao objeto de direitos subjetivos fundamentais é oportuno transcrever Sarlet (1998, p. 150): "Sem adentrarmos (...) o exame das diversas constelações que podem constituir o objeto de um direito subjetivo fundamental, importa consignar, por ora, que tomamos este em sentido amplo, na medida em que para o titular o direito fundamental abre um leque de possibilidades que se encontram condicionadas à conformação concreta da norma que o consagra. De modo geral, é possível afirmar que este espectro de variações no que concerne ao objeto do direito subjetivo (fundamental) se encontra vinculado nos seguintes fatores: a) o espaço de liberdade da pessoa individual não se encontra garantido de maneira uniforme; b) a existência de inequívocas distinções, no que tange ao grau de exigibilidade dos direitos individualmente considerados, de modo especial, em se considerando os direitos a prestações sociais materiais; c) os direitos fundamentais constituem posições jurídicas complexas, no sentido de poderem conter direitos, liberdades, pretensões e poderes das mais diversa natureza e até mesmo pelo fato de poderem dirigir-se contra diferentes destinatários. Neste contexto, cumpre frisar que os direitos fundamentais, mesmo na sua condição de direito subjetivo, não se reduzem aos clássicos direitos de liberdade, ainda que nestes a nota de subjetividade, no sentido de sua exigibilidade, transpareça – de regra – da forma mais acentuada."

            (7) Sarlet (1998, p. 149) não utiliza a expressão direito subjetivo público propositalmente, considerando-a anacrônica e superada, não revelando afinidade com a realidade "... constitucional pátria, uma vez que atrelada a uma concepção positivista e essencialmente estatista dos direitos fundamentais na qualidade de defesa do indivíduo contra o Estado, típica do liberalismo. Aliás, deveria bastar aqui a referência à eficácia dos direitos fundamentais em geral nas relações privadas, bem como a existência de normas de direitos fundamentais que têm por destinatário entidades privadas, como dão conta, entre nós, os direitos dos trabalhadores."

            (8) A validade das formalidades previstas na legislação educacional foi recentemente reconhecida pelo STJ, na medida em que estabeleceu a ligação entre tais formalidades e valores vinculados ao próprio processo educacional: ENSINO EM CASA. FILHOS.
Trata-se de MS contra ato do Ministro da Educação, que homologou parecer do Conselho Nacional de Educação, denegatório da pretensão dos pais de ensinarem a seus filhos as matérias do currículo de ensino fundamental na própria residência familiar. Além de, também, negar o pedido de afastá-los da obrigatoriedade de freqüência regular à escola, pois compareceriam apenas à aplicação de provas. A família buscou o reconhecimento estatal para essa modalidade de ensino reconhecida em outros países. Prosseguindo o julgamento, a Seção, por maioria, denegou a segurança ao argumento de que a educação dos filhos em casa pelos pais é um método alternativo que não encontra amparo na lei ex vi os dispositivos constitucionais (arts. 205, 208, § 2º, da CF/1988) e legais (Lei n. 10.287/2001 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação – art. 5º, § 1º, III; art. 24, I, II e art. 129), a demonstrar que a educação é dever do Estado e, como considerou o Min. Humberto Gomes de Barros, é, também, formação da cidadania pela convivência com outras crianças, tanto que o zelo pela freqüência escolar é um dos encargos do poder público. MS 7.407-DF, Rel. Min. Peçanha Martins, julgado em 24/4/2002. Informativo de Jurisprudência do STJ nº 131 – Período 22 a 26 de abril.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RAPOSO, Gustavo de Resende. A educação na Constituição Federal de 1988. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 641, 10 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6574. Acesso em: 26 abr. 2024.