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Responsabilidade jurídica do cirurgião plástico

um panorama da questão no ordenamento brasileiro

Responsabilidade jurídica do cirurgião plástico: um panorama da questão no ordenamento brasileiro

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Introdução

A história da medicina é, de certa forma, também a história da própria humanidade. Surgida já na pré-história, a arte de lidar com as doenças e os males que podiam levar à morte era um atributo daqueles que se revestiam de função religiosa ou mística. Os sacerdotes das tribos primitivas punham em prática procedimentos rudimentares que, ainda que não houvesse explicação, salvavam, em alguns casos, a vida de um semelhante.

A partir daí, ao longo da evolução do homem, com ele evoluiu também a medicina. Entre os egípcios, principalmente, a arte médica desenvolveu-se notavelmente na Antigüidade – os sacerdotes egípcios, além de dominarem a anatomia humana para o processo de mumificação dos mortos, praticavam procedimentos cirúrgicos complexos, como a lobotomia, por exemplo.

Até a Antigüidade, porém, a medicina era uma pseudo-ciência, ligada indissociavelmente à filosofia. Seria somente com Hipócrates, no séc. V, que haveria uma separação entre o científico e o filosófico. Hipócrates apregoava que o estudo médico deve partir, antes, da experimentação e observação lógica dos fenômenos, e não de pressupostos, como pretendiam seus antecessores. Conhecido como "pai da medicina", seu nome é, até hoje, vinculado à aura mística que envolve a medicina, pois os neófitos médicos, ao saírem dos bancos acadêmicos e seguirem caminho na vida clínica, devem fazer o Juramento de Hipócrates.

Mais tarde, em Roma, Galeno despontaria como um dos grandes precursores da Medicina, tendo seu trabalho De Re Medica como referência à ciência médica por vários séculos.

Da Antigüidade até hoje, em suma, a medicina evoluiu sem, no entanto, despojar-se completamente do véu de romantismo que envolveu a ciência em seus primórdios. O médico ocupa um status de ser dotado de poderes de cura, mesmo que esta seja através dos instrumentos da tecnologia moderna.

Ato nobre e de valor inestimável, a atenção despendida ao paciente faz do médico um profissional sui generis, "acima" de outros profissionais, como engenheiros, arquitetos, advogados. Existe uma idéia, quase inconsciente, de que a nobreza da profissão médica torna o seu erro "menos punível" que a lesão causada por um erro de cálculo de um engenheiro, por exemplo.

Quando um paciente morre, ou de uma intervenção cirúrgica resulta uma lesão danosa, a idéia predominante nunca é a de que o médico errou. Obviamente, há casos latentes, inescusáveis de erro – uma tesoura esquecida na cavidade abdominal de uma pessoa operada, v.g. – mas em muitas circunstâncias o dano decorre de erros menos visíveis. Muitas vezes, por imperícia do cirurgião, desconhecedor de determinada técnica que seria necessária à intervenção, um paciente torna-se o portador de deficiências estéticas gravíssimas, responsáveis por danos muito mais extensos que a mera marca de cortes mal cicatrizados.

Não obstante a isso, a classe médica, por anos, protegeu-se por detrás de "dogmas" como o de que "o médico não tem a obrigação de acertar sempre", ou o de que "o médico não pode ser responsabilizado por tentar salvar alguém ou lhe fazer o bem". Waldir Paiva Mesquita, ex-presidente do Conselho Federal de Medicina, em entrevista concedida ao Jornal Folha de São Paulo (09/07/1997), defende a classe médica através do seguinte raciocínio: "O mal provocado pelo médico é sempre involuntário. Por essa razão, é imperativo que se separe o erro médico do resultado adverso e do acidente imprevisível. A medicina é compromisso de meios e não de resultados."

Por isso, mesmo nos casos de erro grosseiro, a responsabilização do médico na esfera civil dependia da prova da culpa, pois a responsabilidade em questão era subjetiva. Como fazer a sugerida separação senão através de um documento médico legal que avaliasse o caso de concluísse que, de fato, o dano decorreu de um erro e não de "resultado adverso" ou "acidente imprevisível"?

Surgia, então, para as não poucas vítimas de erros médicos uma barreira dificultosa e vil: como conseguir um laudo médico atestando o erro médico, uma vez que a classe médica mesma não aceita a responsabilização de um dos seus pelo erro? Como conseguir que um médico assine um laudo que ateste que outro médico errou?

É esse o grande problema enfrentado pelas vítimas de erros médicos, pois, na impossibilidade de se demonstrar a culpa do médico ou cirurgião, impossível é buscar a reparação civil dos danos.

Analisando a situação do erro médico no Brasil, tem-se um quadro bastante crítico, pois as vítimas ainda relutam em procurar o Poder Judiciário. Dificuldade de acesso e a hesitação dos juízes em condenar os profissionais da medicina, podem ser apontados como fatores preponderantes da inoperância da reparação efetiva dos danos.

Como aponta Kfouri Neto (1996:17), os médicos brasileiros e seus conselhos éticos têm argumentos rebatedores dos pontos elencados como críticos dessa situação, onde danos se multiplicam e continuam carecedores de reparação. A própria situação do Sistema Único de Saúde, por exemplo. Em um país terceiro-mundista como o Brasil, seria utópico falar-se em um serviço médico acima dos padrões atuais, e são apontados os fatores determinantes desse quadro: remuneração ínfima, falta de aparelhamento para exames complementares e mesmo para exames necessários, falta de material (desde medicamentos até material cirúrgico etc).

Tais escusas talvez expliquem por que os pretórios nacionais têm se esquivado da tarefa de infligir punições severas aos danos decorrentes de ato médico. Os juízes parecem aceitar essas considerações como condicionadoras da conduta médica e, portanto, não atribuindo ao profissional o dever de indenizar.

Esse quadro que traduz um serviço médico precário, logo sujeito a erros, não parece ser o mesmo que se tem nas clínicas de cirurgia plástica que, cada vez mais, abundam no Brasil – valendo lembrar que o país desponta, hoje, como um dos mais avançados centros de cirurgia estética e reparadora do mundo.

Clínicas que cobram somas vultosas de seus pacientes e atendem exatamente o extrato social mais favorecido não têm a escusa de falta de recursos que aumentem as chances de resultados adversos ou acidentes imprevisíveis. Contam, antes, com aparelhamento de última geração e materiais e medicamentos não disponíveis em outras áreas da medicina – técnicas de sutura a laser, micro-linha de sutura, drenagem linfática para recuperação acelerada etc.

Por que motivo, então, em centros plenos de recursos, tem se verificado um número expressivo de erros médicos, ocasionando, assim, legiões de vítimas marcadas por lesões estéticas sérias?

A resposta, tal como um polígono, tem muitas faces. Porém, de plano, poderiam ser indicados dois pontos fundamentais: em primeiro lugar, o despreparo dos médicos e cirurgiões que realizam as intervenções cirúrgicas; e, em segundo, a convicção de impunidade que advém da idéia já sedimentada de que o erro médico não é facilmente apurável e, portanto, dificilmente enseja reparação por parte do profissional.

Esse lamentável panorama, no entanto, não se reflete em sociedades como a norte-americana, v.g., onde as reparações, além de vultosas, são efetivas. Segundo Bloise (1998:5), isso decorre de uma inversão dos valores tradicionais da relação médico-paciente, a qual passou por um processo de despersonalização, decorrente do desaparecimento do "médico da família", amigo, próximo, pilar das sociedades dos pequenos centros, indivíduo no qual se depositava uma confiança irrestrita e contra o qual não se atreveria alguém impor uma demanda judicial em prol da reparação de qualquer dano. Essa figura deu lugar ao médico especializado, prestador de serviços como qualquer outro profissional no seio da sociedade.

Parte dessa mudança de perspectiva se deve à mídia e sua relativa falta de rigor ético ao divulgar os fatos. Nos jornais e demais publicações de caráter informativo abundam notícias de pacientes cujas complicações estão relacionadas a um provável erro médico. O profissional da medicina, então, é retirado de seu pedestal e dessacralizado perante a sociedade – o médico deixa de ser considerado o detentor do poder de cura para ser apenas o profissional, tão sujeito a erros quanto qualquer outro.

E os casos relatados, de fato, têm o poder de causar essa reação na sociedade. Casos estarrecedores avolumam-se nos noticiários e na literatura especializada. Ainda na idéia de Bloise (1998:5), vale narrar o caso do "anestesista tarado":

"O Sutter Hospital, de Sacramento, Califórnia, EUA, possuía um seguro de Responsabilidade Civil (Medical Malpratice) com o Lloyd’s, de Londres e a Farmer’s Union e teve de indenizar a bagatela de US$ 410 milhões a 149 mulheres operadas em dois anos. Cada uma reclamou e recebeu a indenização de US$ 2,750 milhões em processos que correram na Justiça daquele Estado.

O Dr. William Miofsky, anestesista do hospital, praticou relações sexuais com pacientes anestesiadas, na própria mesa de operação, enquanto os demais médicos e auxiliares realizavam a operação. Esta foi a irresponsabilidade praticada pelo médico."

Mesmo entre nós, abundam os casos de erros médicos graves que ocasionam danos extensos aos pacientes e, por conseqüência, aos seus familiares. Basta que se lembre do famoso caso do Dr. Marcelo Caron, extensamente explorado pela imprensa. Médico sem qualificação para a realização de cirurgias plástica, sua "aventura" nesse ramo da arte médica, muito lucrativa por sinal, deixou um rastro de sete mulheres mortas e dezenas deformadas e mutiladas.

Por óbvio, é necessário que se tenha critério na análise dos casos nos quais, por ocasião de intervenção médica, o paciente sofre algum dano. Há circunstâncias que são, de fato, sujeitas a reações imprevisíveis ou resultados adversos. Este estudo não pretende discutir as intricadas relações de responsabilidade nos casos onde o médico atua no sentido de salvar a vida do paciente ou mesmo sanar-lhe algum mal que lhe distancia do estado saudável. Trata-se de um estudo que vislumbra o caso específico da cirurgia plástica estética, procedimento que tem por única finalidade trazer ao paciente um bem-estar psíquico e não reparar uma situação que traga risco à sua saúde.

Por esses motivos, o caso do cirurgião plástico que se compromete com o paciente no sentido de, através de um procedimento cirúrgico, lhe trazer um determinado resultado é, por uma gama ampla de razões, que serão desenvolvidas ao longo desse estudo, uma obrigação de resultados e não de meios.


1. Responsabilidade Civil: generalidades

1.1. Perspectiva histórica da Responsabilidade Civil

No princípio da civilização humana, em âmbito primitivo, o dano não era compreendido pela reduzida esfera do direito. O que vigorava, então, era a "vingança privada", definida por Alvino Lima (apud Aguiar Dias, 1983: 19) como uma "forma primitiva, selvagem talvez, mas humana, da reação espontânea e natural contra o mal sofrido; solução comum a todos os povos nas suas origens, para a reparação do mal pelo mal".

A própria idéia de reparação é pretérita com relação à pena, em si. O raciocínio é bem simples: na sua evolução da órbita animal e primitiva aos extratos mais civilizados, o homem, primeiramente, buscou sentir-se "compensado" pelo mal que, eventualmente, lhe fora causado; foi somente em um estágio mais avançado que o indivíduo, já socializado, entregou a tutela do "ato de responsabilizar" ao Estado (decorrência do pacto social, por óbvio).

Nesse momento ganha corpo a idéia do "talião". Os dicionários definem o vocábulo da seguinte maneira:

TALIÃO s. m. Desforra igual à ofensa; castigo igual à culpa ( do latim talione).

O legislador romano, na esteira dos babilônios, apropria-se da idéia e passa a "ditar" quando e em que circunstâncias o cidadão poderia exercer a vingança privada – prova disso é a expressão encontrada da Lei das XII tábuas: si membrum rupsit ni eo talio est, referindo ao fato de que quem causa dano está sujeito ao talião (tálio).

Foi, de certo, um período em que muito pouco se levava em consideração o dano causado inadvertidamente, por acidente, sem o menor propósito de lesar por parte do sujeito ativo do ato lesivo. Aplicado o talião, portanto, dois eram os lesados e a idéia de reparação permanecia apenas como mera ficção.

Portanto, superado esse estágio primitivo, o homem tomou ciência que, muito mais adequado do que "fazer justiça com as próprias mãos", movido pelo calor da paixão e sedento por vingança, seria entregar a questão nas mãos de uma terceira pessoa, um árbitro que, sem julgar, ajudasse um lado e outro a chegar a um consenso quanto ao que, de fato, poderia reparar o dano sem, contanto, gerar outro prejudicado. É o que se conhece por "composição".

Trata-se de um sistema mais evoluído que o anterior, em que o autor da ofensa repara o dano mediante a prestação da "pena" (poena, em latim), que funciona, no caso, como uma espécie de resgate da culpa, mediante o qual o ofensor conquista o direito de perdão do ofendido.

Na composição, porém, o Estado funciona apenas como fiscal do arbítrio, apenas retirando do indivíduo ofendido o direito de buscar por si mesmo a reparação, obrigando-o a se submeter ao árbitro. De qualquer forma, porém, a questão permanecia apenas entre o ofensor e o ofendido.

A fase seguinte, porém, é marcada pela intromissão efetiva do Estado, caracterizado, a partir de então, como uma espécie de sujeito passivo permanente, eterno interessado em dirimir as questões e sempre responsável pela operação dos meios através dos quais o ofensor seria julgado e apenado.

É nesse momento histórico que os delitos são subdivididos em públicos (aqueles cujo potencial ofensivo ultrapassa a esfera do indivíduo diretamente ofendido, afetando, em decorrência, a ordem pública) e privados (restritos a esfera pessoal do ofendido). Os públicos ensejavam repressão direta pela autoridade, sujeito passivo evidente; já os privados motivavam apenas uma intervenção no sentido de fixar a composição – em outras palavras, "solucionar conflitos". Tal subdivisão trata-se, pois, de passo relevantíssimo, pois acusa uma evolução na consciência social. A sociedade toma consciência de que a regulamentação dos conflitos ultrapassava o interesse do particular, constituindo, pois, munus publico. Em outras palavras, é o que se depreende do conteúdo da Lei das XII Tábuas (ainda que esta não contivesse ainda o princípio fixador da responsabilidade).

A concepção mesma de responsabilidade e a conseqüente transferência ao Estado do poder de reprimir é que deu corpo ao instituto em tela, fazendo surgir, então, a ação de indenização.

O primeiro documento com força de códice que traz em seu bojo um princípio geral regulador da reparação do dano é a Lex Aquillia, de Roma. Seus princípios foram a base para que o direito posterior, através da jurisprudência e da reflexão doutrinária, desse forma e conteúdo ao que passaria a existir na esfera jurídica sob a denominação "responsabilidade civil".

É, portanto, indubitável a conquista romana. No entanto, seria no monumental direito francês que se erigiria uma verdadeira e sólida "teoria da responsabilidade civil". Como muito bem apontam os irmãos Mazeaud, citados por Aguiar Dias (1983: p. 23), "a lei Aquília nunca pode abranger senão o prejuízo visível, material, causado a objetos exteriores, ao passo que daí em diante se protege a vítima também contra os danos que, sem acarretar depreciação material, dão lugar a perdas, por impedirem ganho legítimo". E mais à frente, continuam os juristas franceses: "A actio doli exigia a culpa caracterizada. No direito francês evoluído, a reparação independe da gravidade da culpa do responsável".

José de Aguiar Dias aponta-nos, em seu magistral tratado sobre o assunto, os ensinamentos de Domat sobre as categorias de responsabilidade, distinguindo a penal da civil, que, posteriormente, seriam a fonte na qual o legislador do Código Napoleônico iria beber. Estava, então, generalizado o princípio aquiliano: In lege Aquilia et levissima culpa venit – e foi essa definição, da responsabilidade fundada na culpa, que passou a inserir-se nas legislações de todo o mundo.

Mais do que traçar um panorama histórico do instituto em tela, é preciso compreender que os movimentos pelos quais o direito passa possuem fortes determinantes históricas. Existe, por óbvio, uma ficção que comporta princípios de direito e justiça, dando os contornos do próprio direito; e há, paralelamente, o desenrolar dos fatos, ao longo do tempo, que faz necessário a esse direito amoldar-se a novas realidades. É a lição de Aguiar Dias (1983: 12):

O que o tempo, o progresso, o aparecimento de novas e febris atividades industriais determinam é o ajustamento daquela regra às necessidades atuais. Nem sempre, porém, pode o legislador faze-lo, porque as leis devem ter caráter, tanto quanto possível, estável. Basta que, em termo razoável, recomponham as normas de acordo com as exigências da prática. Aos tribunais é que compete extrair dos preceitos fundamentais o pronunciamento que seja, na ocasião, mais apto a realizar o fim do direito (...) À medida que a civilização se desenvolve, tornam-se mais e mais complexas as relações sociais, com interpretação cada vez mais profunda dos círculos de atividade jurídica de cada um. É inevitável, em tais condições, o atrito de interesses, cada vez mais intenso, desdobrando-se em problemas de responsabilidade civil.

1.2 Responsabilidade civil: conceito

De toda a vasta gama de doutrinadores que já se debruçaram sobre este tema, pertence a Savatier a definição mais sucinta e satisfatória. Segundo o jurisconsulto francês, a responsabilidade civil é a "obrigação que pode incumbir uma pessoa a reparar o prejuízo causado a outra, por fato próprio, ou por fato de pessoas ou coisas que dela dependam" (apud Rodrigues, 1996: 6).

Há, porém, dentro do campo de batalha da doutrina, imenso celeuma em torno da responsabilidade civil. Diversas teorias buscam assentar a responsabilidade ou na culpa ou no dolo, havendo, inclusive, teorias híbridas. Passemos, portanto, a uma observação breve das modalidades de responsabilidade e as teorias desenvolvidas pela doutrina.

1.3 Modalidades de responsabilidade civil

1.3.1 Responsabilidade contratual e extracontratual

É fundamental, neste estudo, a distinção clara entre as duas responsabilidades.

A responsabilidade contratual, obviamente, é aquela que decorre do descumprimento de uma obrigação contratual. Deste modo, o locatário que não adimple a prestação do aluguel, por exemplo, estará descumprindo uma obrigação contratual, ensejando ao locador o direito de buscar reparação do dano causado; do mesmo modo, o segurador que não paga ao segurado a indenização devida incide nesta modalidade de responsabilidade.Consideração bastante pertinente e que será objeto de análise adiante, é a questão da natureza do contrato – pode um mero contrato verbal ensejar responsabilidade contratual? -, bem como a dos contratos de prestação de serviços – pode um profissional da medicina, mais especificamente do campo estético, firmar um contrato com o paciente?

O art. 1.056 do Código Civil de 1916 já trazia os preceitos da responsabilidade contratual, tendo sido os mesmo mantidos pelo legislador do novo codex, em seu art. 389:

Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.

Nos casos de responsabilidade contratual, pois, existe, entre o inadimplente e o seu co-contratante um vínculo jurídico derivado da convenção.

Já a responsabilidade extracontratual, ou aquiliana, não decorre de um rompimento com uma obrigação preestabelecida, mas sim de ato, dolo ou culposo, que cause dano a outrem. É o que trazia o art. 159 do Código Civil de 1916, hora representado pela conjunção dos arts. 186 e 927, caput, do Código de 2002.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repara-lo.

É de se observar que não figura aqui nenhum liame jurídico entre a vítima e o causador do dano; este, pela prática do ato ilícito, acarreta danos que deverá indenizar, reparar – trata-se de sua responsabilidade a referida reparação.

Tomemos por exemplo a seguinte circunstância: alguém atropela uma pessoa na rua e a mesma perde uma perna ou mesmo fica paraplégica. Não há liame anterior ao acidente, não há vínculo. É do atropelamento que decorre a responsabilidade do condutor do veículo quanto ao pagamento de indenização, do tratamento e de uma pensão correspondente à diminuição de sua capacidade laborativa – conforme o art. 949, do Novo Código Civil.

Há doutrinadores que entendem ser mera ficção a distinção entre as duas responsabilidades. Seu embasamento apóia-se, primeiramente, na coincidências dos caracteres em um e outro caso. De fato, tanto nos casos de responsabilidade contratual, quanto nos de extracontratual, figuram, basicamente, os mesmos caracteres, a saber: o dano, a culpa do agente e a relação de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima ou pelo outro contratante.

Retomando os exemplos de rompimento de um contrato e de um atropelamento, observaremos os mesmos caracteres. Se no primeiro exemplo o dano decorre do inadimplemento, no segundo também há dano, na figura da lesão corporal; no rompimento do contrato há a culpa do contratante inadimplente, enquanto que no acidente também há a culpa do condutor do veículo; e, por fim, há uma relação de causalidade entre a conduta de um e de outro em relação ao dano suportado pelas respectivas vítimas.

Apelando às luzes de Sílvio Rodrigues acerca desta questão, temos:

Os que participam dessa opinião [confusão entre responsabilidade contratual e extracontratual] sustentam-na baseados, entre outros, nos seguintes argumentos:

a)se a responsabilidade se funda na culpa e esta, no conceito de Planiol, consiste na infração de uma obrigação preexistente [1], não há nenhum motivo para distinguir entre violação da obrigação oriunda de um contrato, ou da obrigação derivada de qualquer outra fonte;

b)as perdas e danos, a que ficam sujeito o contratante inadimplente, são coisas inteiramente diversas da prestação inadimplida. Pois, na realidade, a indenização não é o equivalente da obrigação, mas a reparação do prejuízo defluente da inexecução. E nisso a responsabilidade contratual identifica-se profundamente com a responsabilidade delitual.

Essa linha de pensamento, no entanto, é, hoje, amplamente combatida. E não é sem motivo.

Analisemos a questão da prova. Na responsabilidade contratual, tendo o credor demonstrado que o devedor não adimpliu a prestação devida, ou mesmo todo o contrato, o onus probandi transfere-se devedor, que deverá, então, demonstrar ou a ausência de culpa de sua parte ou qualquer outra circunstância excludente da responsabilidade; por outro lado, na responsabilidade extracontratual caberá à vítima demonstrar a culpa do causador do dano.

1.3.2 Responsabilidade objetiva e subjetiva

As definições contidas nesse tópico serão de vital importância para o estudo que se pretende desenvolver adiante. Em rigor, não há muita cientificidade em afirmar serem duas espécies distintas de responsabilidade, mas, antes, vieses distintos pelos quais se analisa a obrigação de indenizar.

É denominada subjetiva a responsabilidade quando se analisa a mesma pela idéia da culpa (do agente, no caso). E denomina-se objetiva quando subsidiada pela teoria do risco.

Trata-se de um conjunto de conceitos bastante complexos que devem ser estudados com maior atenção.

O fato, porém, é que o Código Civil de 1916 já se manifestava partidário da teoria subjetivista e, em sua esteira, o Novo Código Civil, de 2002, não aponta mudanças significativas nessa postura. O novo diploma legal, no entanto, possui uma cobertura do tema – responsabilidade civil – muito mais ampla que seu antecessor, dedicando ao mesmo vários artigos (do art. 927 ao art. 954).

Segundo Kfouri Neto (1996: 46), "os partidários da culpa como elemento fundamental da responsabilidade civil afirmam que a culpa possui um lastro moral, daí se poder conceber a responsabilidade senão nela fundada". E, de fato, os homens sentem-se "obrigados" a reparar um dano quando sentem que houve culpa com relação ao fato danoso, o que não ocorre quando, por vias imprevisíveis, decorre dano a outrem e o supostamente responsável não se sente "culpado". Nesse último caso, o indivíduo não se sente obrigado a reparar o dano.

Ao que parece, portanto, as teorias subjetivistas encontram respaldo muito mais em reflexões de cunho moral do em elementos objetivos. Contemplados foram estes na teoria objetivista, modernamente contraposta à subjetivista, e que vem ganhando corpo e força tanto na jurisprudência e na doutrina, quanto na própria lei – o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.098, de 1990) privilegia a responsabilidade objetiva em diversos pontos.

A responsabilidade objetiva, em oposição à subjetiva, não se funda na culpa. A prova da culpa do agente não é exigida para que se estabeleça a obrigação de reparar o dano. A culpa, então, ou é presumida pela lei, ou simplesmente se dispensa a sua comprovação.

Em se tratando de culpa presumida, vale ressaltar, inverte-se o ônus da prova, cabendo ao autor somente a prova da ação ou omissão do réu e o resultado danoso, uma vez que a culpa já se presume – é o caso do art. 936, do Novo Código Civil, que impõe ao dono do animal que causa dano a outrem a prova da culpa da vítima; à vítima, por sua vez, enquanto autora de ação de reparação de danos, basta que prove que houve dano e que o mesmo foi causado pelo referido animal.

Outros casos há em que a culpa é totalmente dispensada, bastando a verificação do nexo causal entre a ação do agente e o dano para que se estabeleça a obrigação de indenizar. Inserida nesse ramo da teoria objetivista está uma subdivisão em duas modalidades: a teoria do risco proveito e a teoria do risco criado.

Segundo Kfouri Neto (1996: 47) pela teoria do risco proveito entende-se que "é justo que aquele que obtém o proveito de uma empresa, o patrão, venha a se onerar com a obrigação de indenizar os que forem vítimas de acidentes de trabalho". A outra teoria, a do risco criado, é mais relevante a este estudo. Segundo a mesma, toda a ação que gere riscos a terceiros faz com que o agente responda por eventuais danos, independentemente da culpa.

É de especial interesse à análise da responsabilidade médica, objeto deste estudo, duas teorias objetivistas criadas pela jurisprudência estrangeira: a teoria da perte d’une chance e a teoria da res ipsa loquitur.

A perte d’une chance, conforme nos ensina Kfouri Neto (1996: 49) foi criada pela jurisprudência francesa em meados da década de 60, sendo aplicada desde então em casos de danos corporais indenizáveis com a finalidade de proteger a vítima, eximindo-a da prova da culpa. A tradução da expressão francesa é bem ilustrativa: a perda de uma chance.

A teoria ancora-se na perda da chance de um resultado favorável no tratamento. Essa perda, portanto, figura como elemento prejudicial determinador da indenização, que, então, não será integral.

A aplicação da teoria da perte d’une chance ocorre quando a Corte de Cassação Francesa (o equivalente aos tribunais superiores brasileiros) não consegue vislumbrar a relação causal entre a ação ou omissão do médico e o dano experimentado pela vítima. Nesse caso, então, supõe-se que o que se deu foi a perda de uma chance de resultado favorável, o que enseja reparação (mas não uma reparação integral).

Trata-se de uma teoria um tanto quanto obscura, pois segundo professa Kfouri Neto (1996: 50) "afirma-se que a atuação do médico diminui a possibilidade de cura desejável". E é ainda o mesmo douto magistrado que sintetiza a idéia:

"Admite-se que a culpa do médico comprometeu as chances de vida e a integridade do paciente. Pouco importa que o juiz não esteja convencido de que a culpa causou o dano. É suficiente uma dúvida. Os tribunais podem admitir a relação de causalidade entre culpa e dano, pois que a culpa é precisamente não ter dado todas as oportunidades ("chances") ao doente. Milita uma presunção de culpa contra o médico".

Há uma lógica fundamentadora de tal teoria numa citação longa de Ataz Lopez, transcrita na obra do Prof. Kfouri Neto (1996: 50):

"Há casos em que não se busca uma causalidade pura, sim uma causalidade jurídica; um motivo suficiente para a imputação do dano; não foi o médico mesmo quem, com seus atos, causou o dano. Contudo, podendo e devendo interromper o processo natural da enfermidade, não o fez, ou porque absteve-se em absoluto de atuar, ou por haver adotado medidas ineficazes ou inócuas, que podem revelar imperícia. O médico terá descumprido, neste caso, uma obrigação jurídica de atuar, e em razão desse comportamento, o dano resultante de um processo natural lhe será imputável. Observe-se que, em tais casos, não se pode dizer que o médico tenha causado o dano. Precisamente por essa dificuldade de apreciar em muitos casos o nexo causal entre a atuação do médico e o dano sofrido, a jurisprudência francesa vem aplicando há quase 20 anos aquela que se chama doutrina da perda de possibilidade de sobrevivência".

A outra teoria referida, res ipsa loquitur, "a coisa fala por si mesma" numa tradução livre, é aplicada, em tema de prova, em alguns estados dos Estados Unidos.

Sua dinâmica é bastante simples: diante a simples ocorrência de um fato – morte do paciente, lesão, dano estético etc – surge, contra o médico, a presunção de negligência. Estabelece-se, portanto, que o fato não teria ocorrido sem a culpa do médico.

Esta construção teórica faz parte do "direito de evidência circunstancial" e se aplica:

a)quando não há evidência de como e por que ocorreu o dano;

b)quando acredita-se que não haveria ocorrido se não houvesse culpa;

c)quando recai sobre o médico que estava atendendo pessoalmente ao paciente.

Kfouri Neto (1996: 51) aponta os elementos da res ipsa loquitur:

"a) o dano deve ter resultado de um fato que não ocorre ordinariamente se não houver negligência (ou outra forma de culpa); b) deverá ter sido causado diretamente pelo médico ou por alguém atendendo sob sua direção ou controle; c) deverá ter ocorrido em circunstâncias que indiquem que o paciente não o produziu voluntariamente ou por negligência de sua parte".

1.4 Pressupostos da Responsabilidade Civil

1.4.1 Ação ou omissão do agente

De acordo com Sílvio Rodrigues (1996: 14), "a responsabilidade do agente pode defluir de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob a responsabilidade do agente, e ainda de danos causados por coisas que estejam sob a guarda deste".

Aquele que causa dano a outrem através de ato próprio tem sua responsabilidade delineada pelo princípio informador da teoria da reparação uma vez que se alguém, através de atitude pessoal, na infringência de dever legal ou social, prejudica terceiro, é notadamente lógico que deva reparar o dano causado.

Há no raciocínio acima um ponto a ser esclarecido, que é quanto à infringência de um dever legal ou social. No mais das vezes, os indivíduos, enquanto membros de um sistema social, devem obediência a lei, a qual determina uma conduta aceitável e esperada de seus tutelados. O rompimento com essa ordem estabelecida pela lei enseja, por óbvio, prática de ato ilícito, fazendo decorrer a responsabilidade civil. Existem circunstâncias, porém, em que, mesmo dentro dos parâmetros legais, um determinado ato foge à finalidade social a qual se destina, causando dano a outrem. São os casos de abuso de direito, nos quais surge, sem dúvida, o dever de reparar.

A responsabilidade por ato de terceiro materializa-se quando, sem ter dado causa pessoalmente ao dano, um indivíduo fica sujeito a responder pelo mesmo. O causador do dano, no caso, é alguém que está sob a sujeição daquele. Exemplos clássicos são o da responsabilidade do pai pelos atos dos filhos e o do patrão com relação aos atos dos empregados.

1.4.2 Culpa do agente

Segundo entende a melhor doutrina, é fundamental que se caracterize o dolo ou a culpa do agente para que surja a responsabilidade de indenizar. A lei, na definição do ato ilícito (art. 186), assim estabelece.

No dolo, diferentemente da culpa, o efeito danoso foi deliberadamente pretendido pelo agente, não havendo, no mais, questões controversas quanto ao dever de indenizar.

Em se tratando de culpa, no entanto, a atitude do agente não pretende causar o dano alcançado. O agente, porém, procede com negligência, imprudência ou imperícia, devendo, portanto, ser responsabilizado.

A vítima, entretanto, tem muita dificuldade em fazer a prova da culpa, especialmente em caso de dano causado por médicos, devido ao corporativismo da classe profissional. Quanto a isso, Silvio Rodrigues (1996: 17) coloca lapidarmente:

"Ordinariamente, para que a vítima obtenha indenização, deverá provar entre outras coisas que o agente causador do dano agiu culposamente. O encargo de provar a culpa, imposto à vítima, as vezes se apresenta tão difícil, q a pretensão daquela, de ser indenizada, na prática se torna inatingível. Com efeito, não é fácil, para o herdeiro, provar que o motorista do automóvel que atropelou seu pai e de cujo acidente lhe resultou a morte, vinha dirigindo com imprudência. Ao ver de muitos escritores, exigir que a vitima prove a culpa do agente causador do dano é a mesma coisa que deixa-la irressarcida, tal a dificuldade de produzir essa evidencia. Daí o recurso a muitos procedimentos para atenuar os ônus probatórios, até a medida extrema, representada pela adoção da teoria do risco, ou da adoção da responsabilidade objetiva".

De fato, nosso ordenamento civil privilegia como regra básica para responsabilidade civil a ocorrência comprovada do elemento culpa. Excepcionalmente todavia, a lei admite casos em que se adota a idéia da responsabilidade sem culpa. Silvio Venosa (2003: 24) esclarece: ‘’o art. 159 de 1916 e o art. 186 do novo diploma consagram a responsabilidade dependente da culpa, mas não estatuem que a indenização somente dependerá da culpa’’.

Existe na doutrina uma ampla gama de modalidades de culpa já descritas e que merecem menção neste estudo. Silvio Venosa (2003: 25) esclarece quanto a intensidade da culpa:

"A doutrina tradicional triparte a culpa em três graus: grave, leve e levíssimo. A culpa grave é aquela que se manifesta de forma grosseira e, como tal, se aproxima do dolo. Nesta se inclui também a chamada culpa consciente, quando o agente assumi o risco de que o evento danoso e previsível não ocorrerá. A culpa leve é a que se caracteriza pela infração a um dever de conduta relativo ao homem médio, o bom pai de família. São situações nas quais, em tese, o homem comum não transgrediria o dever de conduta. Culpa levíssima é constatada pela falta de atenção extraordinária, que somente uma pessoa muito atenta ou muito perita, dotada de conhecimento especial para o caso concreto, poderia ter. Entendemos que, mesmo levíssima, a culpa obriga a indenizar. Como vimos, em regra, não é a intensidade da culpa que gradua o dano, mas o efetivo valor do prejuízo".

Há também a culpa in eligendo, que é aquela que decorre da má escolha de um representante, empregado ou preposto. O exemplo mais recorrente é o do patrão que faz uma escolha ruim na contratação de um empregado, optando por um individuo não habilitado para a função a ser exercida. A culpa in vigilando ocorre quando se verifica a ausência ou insuficiência de fiscalização por parte do responsável. É o caso do pai que, por descuido, permite que um filho menor conduza veículo e cause dano a outrem; é também o caso do patrão que permite que empregado opere máquina que precisa de manutenção.

E preciso falar também na culpa in comittendo. Esta se caracteriza por ato positivo do agente. O oposto, ato omissivo do agente, caracteriza a culpa in omittendo.

E, por fim, há a culpa in concreto e a culpa in abstracto. A primeira é aquela na qual se examina a conduta especifica do agente, enquanto que a segunda avalia o dano sob a ótica da transgressão daquilo que se espera do homem médio.

1.4.3 Relação de causalidade

Para que a responsabilidade civil se fixe, surgindo, assim, a obrigação de indenizar, é fundamental que se estabeleça e seja clara a ligação entre a ação ou omissão do agente e o dano experimentado. A esse liame são dados muitos nomes: nexo causal, relação de causalidade, nexo etiológico etc.

Silvio Venosa (2003: 39) defini-o: ‘’é o liame que uni uma conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação causal que concluímos quem foi o causador do dano’’.

Isso é demasiado importante porque nem sempre um dano está relacionado a um agente. É o que ocorre, por exemplo, quando o que se verifica é um caso fortuito ou força maior – é o que ocorre quando, por exemplo, a vítima experimenta um dano causado por uma tempestade. Nesse caso, não há que se falar em responsabilidade civil, pois não há como relacionar o dano a um agente. É o que se verifica também, quando há a culpa exclusiva da vítima. Vale mencionar o exemplo de Silvio Rodrigues (1996: 18):

"Se o automobilista atropelou e matou uma pessoa, ordinariamente deverá indenizar seus sucessores, na forma do art. 1537 do código civil. Todavia, se resultar provado que a vítima, embriagada, tentou atravessar à noite uma auto-estrada, parece fora de dúvida que o acidente derivou de sua culpa exclusiva e desse modo faltou a relação de causalidade entre o comportamento do agente e o dano experimentado pela vítima. De modo que o agente não deve indenizar às pessoas que experimentaram dano pela morte do imprudente pedestre".

Ainda quanto ao nexo causal, Silvio Venosa (2003: 39) acrescenta:

"Na identificação do nexo causal, há duas questões a serem analisadas. Primeiramente, existe a dificuldade em sua prova; a seguir, apresentasse a problemática da identificação do fato que constitui a verdadeira causa do dano, principalmente quando este recorre de causas múltiplas. Nem sempre há condições de estabelecer a causa direta do fato, sua causa eficiente. Normalmente, apontasse a teoria da causalidade adequada, ou seja, a causa predominante que deflagrou o dano, o que nem sempre satisfaz no caso concreto".

1.4.4 Dano experimentado pela vítima

A medida da indenização é a reparação do dano causado pelo agente à vítima, daí a elementariedde do dano com relação `q responsabilidade civil. Silvio Venosa (2003: 28) prefere falar em dano injusto, posto se referir diretamente à lesão a um interesse – sob a ótica do douto civilista, a terminologia é mais adequada modernamente.

O dano pode ser de ordem material, facilmente traduzido numa prestação pecuniária. Por outro lado, há também o dano de ordem moral, equivalente à dor psíquica ou mis propriamente ao desconforto comportamental.

A grande relevância do dano, como já foi dito, é no tocante à medida da reparação. Venosa (2003: 29) bem sublinha que na "ação de indenização decorrente de ato ilícito, o autor busca a reparação de um prejuízo e não a obtenção de uma vantagem". A lei, neste sentido, cria uma barreira ao enriquecimento ilícito. O atual art. 402, do novo diploma civil (antigo art. 1.059) é claro: "Salvo exceções previstas em lei as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar".


2. Responsabilidade civil do médico

A medicina, historicamente, sempre foi considerada mais próxima de uma arte que de uma ciência com aplicações técnicas. O médico, por sua vez, não era tido como um mero operador de conhecimentos científicos orientados no sentido de minorar os males que afligem a saúde humana. Ao contrário, consagrou-se por uma imagem refletora de um profissional revestido de uma certa sacralidade; detentor de um "poder" de cura bastante diferente da atual concepção que temos dos médicos modernos.

O médico, nesse passado distante mas não tão remoto, em nada se aproximava do especialista moderno que quase nunca conhece o paciente, de fato. O médico desse passado era o clínico-geral que acompanhava o indivíduo, em muitas vezes, desde o seu nascimento até a idade adulta; era o "médico da família", amigo do paciente e, não raro, até mesmo seu confessor.

Imaginar – quanto mais cogitar – a idéia de erro médico mais soava como uma "traição" a esta amizade tão sólida. Era inconcebível pensar em um paciente acusando um médico pela culpa em determinado dano decorrente de suas intervenções. Imperava a idéia de se o "Doutor" não pôde fazer, então o resultado danoso era, de fato, um desígnio de Deus.

Esse médico, porém, desapareceu. A evolução das ciências médicas e a confluência das profundas mudanças no paradigma social fizeram com que essa categoria de profissionais (assim concebida) desaparecesse, dando lugar ao médico detentor de conhecimentos específicos que, no mais das vezes, não firma uma relação mais íntima com o paciente.

O termo mais adequando para determinar o que se deu com a medicina não poderia ser outro que não "dessacralização".

Esse processo de declínio do status médico, por sua vez, causou o surgimento de um segundo campo de atuação jurídica novo: a responsabilidade civil do médico, baseada nos danos decorrentes de intervenções médicas mal-sucedidas.

A gênese da referida responsabilidade deu-se na jurisprudência francesa de meados do século XIX. Kfouri Neto (1996: 37) narra o caso fundador:

"O caso, em resumo, foi o seguinte: O Dr. Helie de Domfront foi chamado às seis horas da manhã para dar assistência ao parto da Sra. Foucault. Somente lá se a presentou às nove horas. Constatou, ao primeiro exame, que o feto se apresentava de ombros, com a mão direita no trajeto vaginal. Encontrando dificuldade de manobra na versão, resolveu amputar o membro em apresentação, para facilitar o trabalho de parto. A seguir, notou que o membro esquerdo também se apresentava em análoga circunstância, e, com o mesmo objetivo inicial, amputou o outro membro.. Como conseqüência, a criança nasceu e sobreviveu ao tocotraumatismo. Diante de tal circunstância, a família Foucault ingressa em juízo contra o médico. Nasceu daí um dos mais famosos processos submetidos à Justiça Francesa.

A sociedade dividiu-se. A Academia Nacional de Medicina da França pronunciou-se a favor do médico e, solicitadapelo tribuanal, nomeou quatro médicos, dos maiores obstetras da época. O resultado do laudo foi o seguinte: 1. nada provado que o braço fetal estivesse macerado; 2. nada provado que fosse impossível alterar a versão manual do feto; 3. não havia razões recomendáveis para a amputação de braço direito e, muito menos, do esquerdo; 4. a operação realizada pelo Dr. Helie deverá ser considerada como uma falta grave contra as regras da arte.

Apesar da imparcialidade do laudo, a Academia impugnou-o e outro é emitido por outros médicos, que chegam a conclusão contrária à primeira manifestação dos Delegados da Academia.

O tribunal de Comfront condenou o Dr. Helie ao pagamento de uma pensão anual de 200 francos.

Doutrinou, então, o Procurador Dupin [que atuou no processo] – e a ensinança ainda hoje revela-se atual: "(..) do momento em que houve negligência, de um médico ou cirurgião, toda a responsabilidade de fato recai sobre ele, sem que seja necessário, em relação à responsabilidade puramente civil, procurar se houve de sua parte intenção culposa".

2.1 Direito Comparado

Aproveitando as lições de Kfouri Neto (1996: 40) faz-se interessante um panorama da questão da responsabilidade civil no direito alienígena. Como assevera o autor supra citado, o "princípio da responsabilidade aquiliana, advindo do Direito Romano, continua a ser o mesmo em todas as codificações dos povos cultos".

No direito francês, padrão para a formação de quase todas as legislações modernas, aplica-se o critério subjetivo de aferição da culpa na responsabilidade médica. Vale, entre os franceses, a teoria clássica da responsabilidade extracontratual, fundada na culpa, consagrada e difundida por juristas como Domat e Porthier.

Na mesma esteira vem o direito alemão, que adota o subjetivismo no § 823 do BGB. Kfouri Neto (1996: 41) cita o clássico Ennereceus, "o grau de diligência que se considera suficiente para pessoas sagazes e conscientes, segundo a esfera social de que se trata". Neste trecho, o jurista alemão faz menção ao quantum de diligência que é o critério aferidor da culpa do agente.

Já no direito inglês e no anglo-americano, não possuidores do princípio geral de responsabilidade civil – como o encontrado no art. 186 do Novo Código Civil – desenvolveu-se a noção de reparação do dano através de writs, ações judiciais concedidas às vítimas do delito civil (rot), destinadas ao ressarcimento.

Vale dizer que, a despeito do pioneirismo do direito francês, ao direito americano deve-se a notável construção de uma doutrina de reparação do dano médico, denominada medical malpractice. Kfouri Neto (1996: 43) fornece alguns dados estatísticas:

"Quanto à freqüência com que as vítimas recorrem à Justiça, nos EUA, os dados a seguir transcritos, apesar de antigos, são eloqüentes: (...) nos últimos anos, a situação é a seguinte: em todo o país, em cada sete médicos um está sedo ou já foi processado; em Los Angeles, sete em dez; especialidades como neurocirurgia apresentam 50% de seu quadro processados; anualmente, duas mil sentenças judiciais são favoráveis aos doentes; os médicos pagam, anualmente (em 1976 deve ser o dobro) um bilhão de dólares para se precaverem contra riscos de erros profissionais; de quatro a nove bilhões de dólares serão gatsos, em 1976, com testes, Raios X etc, na prevenção de erros. (...) Segundo Howard P. House, um conceituado procurador declarou que, nos EE.UU., ação contra médico is the bread and butter of the legal professions" [2]

No direito soviético dá-se situação bastante distoante do restante do cenário internacional. O código civil soviético confere aos tribunais o poder de decidir quanto ao ressarcimento do dão mesmo não havendo responsabilidade do médico (agente da ação ou omissão causadora do dano). O que se avalia, nesse caso, é a situação patrimonial do autor do ato e de sua vítima. Em suma: o princípio da culpa deixa de ter significação e a obrigação de indenizar é imposta ainda que não haja responsabilidade do agente do dano.

No ordenamento suíço há um Código de Obrigações que, segundo Kfouri Neto (1996: 43) dispõe em seu art. 41: "quem causar antijuridicamente um dano a outro, seja intencionalmente, seja por negligência, estará obrigado, para com ele, à indenização. Iguialmente estará obrigado à indenização quem, a um outro, de modo contrário aos bons costumes, causar, intencionalmente, um dano".

Entre os suíços, portanto, vigor a responsabilidade subjetiva.

O modelo italiano é bastante semelhante ao nosso, apresentando a culpa como fundamento da responsabilidade civil (art. 2.043 do Código Civil Italiano).

Na Argentina, bem como nos demais países latinos, vale também a responsabilidade subjetiva, onerando-se a vítima com o encargo da prova. Kfouri Neto (1996: 45) menciona Jorge Mosset Iturraspe:

"O ato médico, do qual se origina a responsabilidade civil, deve-se revestir de antijuridicidade: quando, por ação ou omissão culposas, o médico causa dano ao paciente, viola o dever jurídico que lhe é cometido, de não agravar o estado de saúde do enfermo. Surge, então, na esfera civil, a obrigação de indenizar".

E, por fim, ao analisarmos o modelo espanhol, verificamos a presença da responsabilidade civil subjetiva, assentada na culpa. O Código Civil Espanhol em seus arts. 1.101 (ilícito contratual) e 1.902 (responsabilidade aquiliana) consagra o subjetivismo.

2.2 Relação médico x paciente: obrigação de meio ou de resultado?

A doutrina é quase unânime no cuidado que tem ao tratar da natureza da relação obrigacional que se estabelece entre o médico e o paciente.

Os autores não parecem discordar em um ponto fundamental: o caráter contratual da relação. Aguiar Dias (1983: 281) afirma com segurança: "Ora, a natureza contratual da responsabilidade médica não nos parece hoje objeto de dúvida (...) acreditamos, pois, que a responsabilidade do médico é contratual, não obstante sua colocação no capítulo específico dos atos ilícitos". Modernamente, o Novo Código Civil inclui a referida responsabilidade no capítulo específico da Responsabilidade Civil.

Kfouri Neto (1996: 54), no entanto, acrescenta: "É claro que poderá existir responsabilidade médica que não tenha origem no contrato: o médico que atende alguém desmaiado na rua, v. g. A obrigação de reparar o dano, entretanto, sempre existirá, seja produzida dentro do contrato ou fora dele".

Silvio Venosa (2003: 95-96) também acrescenta à questão:

"Quando o paciente contrata com o médico uma consulta, tratamento, terapia ou cirurgia, o negócio jurídico é nitidamente contratual, oneroso e comutativo. Não se tratando de cirurgia plástica estética, a obrigação contraída pelo médico, quer no contrato, quer fora dele, é de meio e não de resultado. Quando a iniciativa do médico é unilateral, quando passa a tratar a pessoa, ainda que contra a vontade dela, a responsabilidade profissional emerge da conduta e não do contrato (...) como percebemos, a atividade múltipla do médico não pode ficar presa exclusivamente ao plano contratual".

Silvio Venosa (2003: 95) insiste que não há diferença ontológica entre a responsabilidade contratual e a extracontratual. A questão para o referido autor, assim como para Sílvio Rodrigues (1996: 24) se faz relevante apenas em matéria de prova.

Venosa (2003: 95), no entanto afirma: "também na atividade médica, a exemplo de outras profissões liberais, pode haver nitidamente um contrato, ainda que tácito".

Walter Bloise (1998: 88) defende a tese: "Há realmente entre o médico e o paciente um contrato de prestação de serviços. A sua responsabilidade é contratual, não obstante figurar no direito brasileiro como atos ilícitos, em casos de responsabilidade médica".

Pacificada na doutrina a questão do caráter contratual da responsabilidade médica, cumpre gora analisar a natureza da obrigação.

Em suma, os autores também concordam em um ponto: via de regra, trata-se de uma obrigação de meios, posto que o objeto do contrato não é a cura assegurada, mas sim o compromisso no sentido de uma prestação de cuidados precisos e em consonância com a ciência médica. Trata-se, portanto, de uma obrigação de meios, vez que o compromisso do médico é a acuidade no emprego dos meios adequados na busca da cura

Há, no entanto, casos em que o médico se compromete com o paciente no sentido de se alcançar um determinado resultado – que é o caso da cirurgia plástica meramente estética.. Nessa circunstância, o que se tem é uma obrigação de resultados, e não de meios.

É o que nos diz Silvio Venosa (2003: 90):

"Assim como a obrigação assumida pelo advogado no patrocínio da causa, como regra geral, é de meio e não deresultado, assim também contraída pelo médico em relação a terapia e tratamento do enfermo. O médico obriga-se a empregar toda a técnica, diligência e perícia, seus conhecimentos, da melhor forma, com honradez e perspicácia, na tentativa da cura, lenitivo ou minoração dos males do paciente. Não pode garantir a cura, mesmo porque a vida e a morte são valores que pertencem a esferas espirituais. Vezes há, no entanto, em que a obrigação médica ou paramédica será de resultado, como na cirurgia plástica e em procedimentos técnicos de exame laboratorial e outros, tais como radiografias, tomografias, ressonâncias magnéticas etc."

Silvio Rodrigues (1996: 246) corrobora:

"Ordinariamente, a obrigação assumida pelo médico é uma obrigação de meio e não de resultado. Com efeito, quando o cliente toma os serviços profissionais de um médico, este apenas se obriga a tratar do doente com zelo, diligência e carinho adequados, utilizando os recursos de sua profissão e arte, não se obrigando, portanto a curar o doente (..) já se tem proclamado que no campo da cirurgia plástica, ao contrário do que ocorre na cirurgia terapêutica, a obrigação assumida pelo cirurgião plástico é uma obrigação de resultado e não de meio. Ta concepção advém da posição do paciente numa e noutra hipótese. Enquanto naquele caso trata-se de pessoa doente que busca um cura, no caso da cirurgia plástica o paciente é pessoa sadia que almeja remediar uma situação que lhe é desagradável, mas não doentia. Por conseguinte, o que o paciente busca é um fim em si mesmo, tal como uma nova conformação do nariz, a supressão de rugas, e remodelação de pernas, seios, queixo etc. Do modo que o paciente espera do cirurgião, não que ele se empenhe em conseguir um resultado, mas que obtenha resultado em si".

Como se vê, portanto, a doutrina firma sua posição no sentido de considerar de resultados, e não de meios como muitos assim desejam, a obrigação do cirurgião plástico para com seu paciente.

A jurisprudência alienígena, principalmente a francesa (na qual buscamos o mais da casuística que ilustra este estudo), já se manifesta neste sentido há muito tempo. Sílvio Rodrigues (1996: 250), citando Teresa Ancona Lopes Magalhães, conta um caso que serve bem como exemplo neste sentido:

"Certa Mlle. Callou que se afligia por causa de uma barbe malecontreuse [3] no seu queixo. Procurou o Dr. X que lhe aplicou radioterapia. Infelizmente, tal tratamento provocou-lhe uma radiodermite de 2º. grau, intentando, então, Mlle. Callou uma ação de indenização contra seu médico. A cliente ganhou a causa, apesar de o Juiz achar que as marcas indeléveis que adquirira não eram piores que os pêlos em sua face".

O exemplo, no entanto, que merece a transcrição fidedigna de sua narração, é o que nos traz Aguiar Dias (1983: 275-277):

"Tratava-se de jovem senhora, modista de profissão, bonita e gozando de saúde. Lamentavelmente, elle avait jes jambes um peu fortes, como disse o famoso advogado que lhe levou a causa aos tribunais. Informada de que a medicina estética, graças aos grandes progressos de nossa época, era capaz de realizar o milagre de lhe adelgaçar as pernas, seja este ou não um sinal de sua prudência, o certo é que ela não se dirigiu a nenhum instituto de beleza, nem a médicos mais ou menos levianos, que anunciam nos jornais. Procurou uma fonte de informações absolutamente séria: as indicações afixadas à porta do Hospital Beaujon. Aí, leu que eram especialidade do Dr. Lèopold Levy as doenças de circulação e obesidade. Esse médico era autoridade conhecida no que respeita a doenças glandulares, a que são atribuídos muitos distúrbios do corpo humano, entre os quais o gigantismo, e tinha realizado experiências satisfatórias, mediante tratamento das glândulas responsáveis por anormalidade desse gênero.

Foi procurado pela modista, a quem examinou com todo o cuidado, verificando que ela gozava de perfeita saúde. Daí desengana-la a respeito de qualquer possibilidade de obter o que desejava.

Decepcionada sobre as vantagens de um tratamento clínico, a jovem indagou do Dr. Levy se não lhe seria possível chegar ao mesmo resultado através da cirurgia estética. Respondeu-lhe o médico, cuja prudência ressalta cada ato seu, constituindo um exemplo a seguir pelo profissional consciencioso, que a cirurgia estética não era do seu domínio. Contudo, aconselhava-a a refletir bem na escolha do profissional, advertindo, mais, que as operações são sempre graves, pelo que redobrado deveria ser o cuidado na escolha do cirurgião. A pedido da cliente, indicou-lhe o Dr. Dujarrier, médico de lisonjeira fama, capaz de oferecer as garantias necessárias à ansiosa senhora. Não podia ela encontrar mais confortadora resposta. Disse-lhe o Dr. Dujarrier que se tratava de excesso de gordura nas pernas que podia ser removido mediante operação rápida e sem perigo, depois da qual nada mais restaria além de uma pequena cicatriz. Providenciou para que, logo no dia seguinte, fosse a consulente internada em sua clínica, dando-lhe, com mais essa providência, outro sinal de que nada tinha a temer.

No dia imediato, procedeu-se à operação. Havia o médico afirmado que ela não duraria mais de 20 minutos, mas levou hora e meia na intervenção, restrita, mesmo assim, a uma das pernas. O processo operatório consistiu, não como se poderia imaginar, em mera ablação da massa gordurosa, mas em retirada de volumosa massa muscular, ao fim da qual tentou o Dr. Dujarrier unir os bordos da incisão, o que não conseguiu, pois os pontos de sutura saltavam pela pressão dos músculos. Diante disso, a perna operada teve de ser envolvida de maneira a ser mantido fechado o corte operatório.

Passado o efeito da anestesia prévia,a cliente começou a sentir dores atrozes, que só puderam ser acalmadas com injeções de morfina. Nessa tarde e no dia seguinte, o médico, tendo vindo vê-la, pediu-lhe que tentasse mover o pé, o que ela não conseguiu e foi motivo de inquietação para ele. Nessa noite, redobrados foram os padecimentos da pobre senhora, a ponto de impressionar o pessoal do hospital, que, logo de manhã, à chagada do assistente de operador, lhe comunicou o acontecido. Tendo verificado, num rápido exame, a presença de gangrena na perna operada, o assistente se apressou em procurar o Dr. Dujarrier, que, confirmando, por sua vez, o acerto da opinião do colega, entrou a lutar contra o mal, procurando salvar o membro doente. Ao cabo de três semanas, não houve remédio senão amputa-lo. A cicatrização foi longa e, em conseqüência da situação criada, a operada teve de vender a sua casa de comércio.

Proposta a ação contra o Dr. Dujarrier, alegou a autora como fatos caracterizadores da responsabilidade: a) werro operatório, que consistiu em cortar massa muscular da perna, acarretando lesão ao funcionamento pé e artelhos e interrupção ou, pelo menos, grave perturbação à circulação do sangue no membro inferior, condições em que devia, inevitavelmente, produzir-se a gangrena; a circulação estava, ainda, sensivelmente comprometida pela atadura empregada para manter ligados os bordos da incisão; b) abandono da cliente: o médico não cuidou de vigiar a circulação após a intervenção e só três dias depois, quando da parte da operada começava a desprender-se o odor característico da gangrena, é que fez cortar as ataduras; c) o próprio fato da operação: o corpo humano é coisa sagrada, verdade filosófica, social e religiosa e também verdade jurídica; o próprio indivíduo não tem direito de mutilar o seu corpo; o cirurgião não pode intervir no corpo humano senão para curar, isto é, para defende-lo da morte ou dos sofrimentos; d) falta de advertência sobre o risco operatório, de forma a obter consentimento válido da cliente; o fato de não haver operado por impulso do lucro não mudava a questão; o cirurgião não estivera em presença de um doente aflito, a braços de uma crise mortal ou sofrimentos terríveis, mas diante de uma pessoa de saúde perfeita, a quem operou inútil e criminosamente.

A cirurgia estética foi vivamente combatida pelo advogado da autora. Disse que compreendia perfeitamente que se procurasse remediar os defeitos físicos causados aos feridos de guerra, porque nesse caso a intervenção do médico é reparadora. Mas que não podia admitir a cirurgia estética em presença de mera imperfeição física, principalmente sobre o corpo feminino, a pretexto de rejuvenesce-lo ou de coloca-lo de acordo com a moda.

Defendeu-se o cirurgião responsabilizado, alegando, principalmente, que: a) os tribunais distinguem o homem do profissional: o cirurgião que opera em estado de embriagues, o médico que se engana no medicamento, que abandona o doente responde como homem; responde como profissional o que age com ignor6ancia da arte médica; de modo que, no caso, não havia senão examinar se o Dr. Dujarrier cometera imprudência ou atuara de forma contrária ao bom senso; b) a operação fora feita em vista do enervamento da cliente, que considerava verdadeira moléstia a excessiva gordura de suas pernas; c) o cirurgião, além de não haver cometido crime algum, estava na persuasão de prestar um serviço à cliente; deve considerar-se que, para muitas mulheres, a beleza é uma necessidade do ofício, perfeitamente digna: o modelo profissional ou o "manequim"da casa de modas não podem continuar a ganhar a vida desse modo se apresentam um corpo desgracioso; c) a cirurgia estética é, pois, necessária; os defeitos físicos conduzem a estados psíquicos que podem ir da simples tristeza à loucura e ao suicídio; portanto, não é só para ajudar os caprichos que agem os médicos que a praticam; trata-se, então, de uma arte da qual se deve falar com o respeito devido às mais nobres manifestações da ciência; d) a cliente não foi abandonada: com efeito, não se pode exigir que o médico permaneça incessantemente ao pé do leito do doente; e) a operação consistia em um processo operatório semelhante ao empregado no tratamento das varizes; lamentavelmente, porém, a cliente do Dr. Dujarrier tinha a pele excessivamente rígida: assim, não obstante haver o Dr. Dujarrier praticado a operação de conformidade com todas as regras da arte, terem sido os curativos feitos regularmente, sobreveio a infecção; tratava-se de uma anomalia fisiológica, que o cirurgião não podia prever. Todos os dias a natureza contradiz princípios firmemente estabelecidos.

As conclusões do procurador-geral foram favoráveis à autora, sustentando que o cirurgião não tem, em nome da beleza e da estética, o direito de operar uma pessoa perfeitamente sã. Deve o cirurgião evitar todo e qualquer ultraje à natureza, se quer conservar o caráter augusto, sagrado, de que foi investido e que não lhe permite ceder às palavras nervosas de uma jovem impressionada com o fato de não estar a linha de suas pernas em harmonia com a moda do dia.

A sentença condenou o cirurgião, considerando: a) que a operação do gênero da que ele realizara é delicadíssima; b) que o simples fato de efetua-la no único propósito de corrigir o defeito da perna, sem qualquer utilidade para a saúde da operada, empenha a responsabilidade; c) que, se, como disso o cirurgião em sua defesa, tinha operado para atender a uma necessidade moral, o fato da excitação da cliente o aconselharia a adiar a operação, pois aquele estado de exaltação da cliente lhe retirava o livre-arbítrio; d) que, estabelecida a circunstância de apresentar a cliente uma pele excessivamente rígida, não escusaria o médico, que teria agido com imprudência, não se certificando previamente deste pormenor".

A longa narração do fato da infeliz senhora é fértil substrato para que sejam tecidas considerações importantíssimas acerca do assunto ora desbastado.

Temporalmente, o caso encontra-se numa época em que a cirurgia estética ainda tinha ares experimentalistas e não gozava da credibilidade que, modernamente, lhe é outorgada. O próprio patrono do Dr. Dujarrier reclama à Cirurgia Plástica um status de ciência respeitável, o que evidencia em que patamar as práticas estéticas encontravam-se àquele tempo. De qualquer maneira, porém, não parece permanecer resquícios deste desprezo e pouca conta com que as intervenções eram vistas. Hoje, a ciência e a sociedade recebem este ramo da medicina com o outrora reivindicado respeito, não se falando mais em violência contra o corpo humano, ultraje à natureza ou outras expressões que externavam uma espécie de indignação diante de uma circunstância em que a pessoa recorria às mesas cirúrgicas para alterar os contornos delineados pela natureza. Ao contrário, vislumbra-se a cirurgia plástica como um grande avanço no sentido de, em fato, minorar os incômodos psíquicos decorrentes do mal-estar provocado pelos conflitos emocionais que o indivíduo vivencia diante da insatisfação com seu corpo.

O procedimento do Dr. Dujarrier, portanto, não pode ser reprovado neste sentido. É consistente, por outro lado, as acusações fundadas no erro grosseiro e no abandono do paciente.

As técnicas empregadas, como vimos, contrariam não só princípios científicos, mas, e principalmente, regras de bom senso. Extirpar musculatura e destruir estrutura circulatória denota uma atitude de erro seriíssimo. Aqui, o médico inadimpliu uma obrigação de meios implícita na sua obrigação notadamente de resultados. O emprego dos meios adequados e escorreitos não se deu, decorrendo daí o prolongado sofrimento da paciente, culminando com a perda da perna.

Supondo, porém, que o Dr. Dujarrier tivesse conseguido contornar o estado de gangrena e salvado o membro operado, que tipo de obrigação restaria inadimplida diante de um quadro em que uma senhora, modista de profissão, encontra-se com uma perna deformada e a outra sequer operada no sentido de reparar aquilo que, pela própria natureza, considera um defeito?

Observemos que, mesmo não tendo perdido o membro e as funções motoras do mesmo, há do médico para com a senhora a obrigação de resultado com relação ao que foi prometido na ocasião da consulta. É claro que, diante do que se sucedeu no caso em tela, tal questão sequer foi levantada. Mas, ainda no campo das suposições, se a cirurgia tivesse transcorrido bem, em ambas as pernas, mas o que fora prometido não coincidisse com o resultado final – o médico assegura pernas delgadas e o que se dá é apenas um afinamento parcial, permanecendo a aparência arredondada das coxas – ainda assim resta um dana, que é exatamente o inadimplemento da obrigação de alcançar o resultado prometido.

Nesse sentido, dá força a nossa tese os sábios dizeres de Aguiar Dias (1983: 284):

"No tocante à cirurgia estética, continuam-se a confundir cirurgia reparatória e cirurgia embelezadora. Se aquela pode e deve ser considerada obrigação de meios, a segunda há que ser enquadrada como obrigação de resultado, até pelos termos em que os profissionais, alguns dos quais criminosamente distanciados da ética, se comprometem, sendo generalizada no segundo grupo, ao contrário do que ocorre no primeiro, a promessa do resultado procurado pelo cliente".

2.3 Culpa Médica

A culpa tem sido objeto de profundo processo de reflexão por parte de muitas gerações de juristas, podendo consistir em matéria fecunda para volumosos estudos.

De Plácido e Silva (1999: 233) esboça um conceito:

CULPA. Derivado do latim culpa (falta, erro cometido por inadvertência ou por imprudência), é compreendido como falta cometida contra o dever, por ação ou omissão, procedida de ignorância ou de negligência.

A culpa pode ser ou não maliciosa, voluntária ou involuntária, implicando sempre na falta ou inobservância da diligência que é devida na execução do ato a que está obrigado.

Revela, pois, a violação de um dever preexistente, não praticado por má-fé ou com a intenção de causar prejuízos aos direitos ou ao patrimônio de outrem, o que seria o dolo.

Na culpa, não há positiva intenção de causar o dano; há simplesmente a falta ou inobservância do dever que é imposto ao agente.

Nesta razão assenta o brocardo jurídico: Culpa non potest imputari ei, qui non facit, quod facere non tenebatur (Não se pode imputar culpa a quem não fez o que não era de sua obrigação).

Desse modo, para que a negligência ou imprudência reputada como culpa, consistente na omissão do que se podia fazer, necessário que se mostre dever, ou que se devia fazer, e que foi desprezado voluntariamente ou por negligência, mas sem a intenção de causar dano a outrem".

Em suma, na culpa o autor assume o risco de produzir um resultado, não o desejando. Nota-se, então, a presença de previsibilidade. É fundamental a demonstração do nexo causal entre a intervenção do médico e o resultado danoso, sendo que este resultado já se encontrasse no rol de possibilidades de resultados.

Kfouri Neto (1996: 57) parafraseia Altavilla: "para a caracterização da culpa nãose torna necessária a intenção, basta a simples voluntariedade de conduta, que deverá ser contrastante com as normas impostas pela prudência ou perícia comuns".

Vale lembrar que, entre nós, a medida da culpa não é tão relevante quando a medida da extensão do dano – basta lembrar o brocardo in lege aquilia et levíssima culpa venit, ou seja, a culpa, ainda que levíssima, enseja indenização.

O art. 1.545 do Código Civil de 1916 cuidava da culpa dos profissionais da saúde:

Art. 1.545. Os médicos, cirurgiões, farmacêuticos, parteiras e dentistas são obrigados a satisfazer o dano, sempre que da imprudência, negligência, ou imperícia, em atos profissionais, resultar morte, inabilitação de servir ou ferimento.

Atualmente, o correspondente ao artigo supra transcrito é o art. 951, do Novo Código Civil:

Art. 951. O disposto nos arts. 948, 949 e 950 aplica-se ainda, no caso de indenização devida por aquele que, no exercício de atividade profissional, por negligência, imprudência ou imperícia, causar a morte do paciente, agravar-lhe o mal, causar-lhe lesão, ou inabilita-lo para o trabalho.

Comentando o art. 1.545 do Código de 1916, Clóvis Bevilácqua tece considerações interessantes, que são transcritas por Kfouri Neto (1996: 58):

"A responsabilidade das pessoas indicadas neste artigo, por atos profissionais, que produzem morte, inabilitação para o trabalho, ou ferimento, funda-se na culpa; e a disposição tem por fim afastar a escusa, que poderiam pretender invocar, de ser o dano um acidente no exercício de sua profissão. O direito exige que esses profissionais exerçam a sua arte segundo os preceitos que ela estabelece, e com as cautelas e precauções necessárias ao resguardo da vida e da saúde dos clientes e fregueses, bens inestimáveis, que se lhes confiam, no pressuposto de que os zelem E esse dever de possuir a sua arte e aplica-la, honesta e cuidadosamente, é tão imperioso, que a lei repressiva lhe pune as infrações".

A culpa médica não é, definitivamente, de fácil aferição, despendendo esforços acima do usual por parte do julgador, que tende a ser rigoroso em sua apreciação do caso concreto. Em regra, a culpa só poderá ser presumida diante de um erro grosseiro ou de negligência ou imperícia convincentemente demonstradas. Diante de uma circunstância em que o médico utilizou todos os meios disponíveis, demonstrando vasta experiência; procedeu com os habituais e recomendados cuidados, tanto pré quanto pós-operatórios; em um caso assim, somente uma prova bastante robusta seria capaz de levar a uma condenação do médico à reparação.

Antes de mais nada, porem, mister é distinguir a culpa médica da mera culpa ou culpa ordinária. A primeira é de natureza inafastavelmente profissional; enquanto que a segunda independe do exercício da atividade, sendo reconhecível em outros casos.

Por exemplo, se um cirurgião realiza uma intervenção, bêbado, trata-se de culpa ordinária, posto que ninguém deve realizar qualquer tipo de atividade embriagado. Supondo, porém, que, em condições normais, um médico comete um erro de diagnóstico, há a culpa profissional, culpa médica, diretamente inerente ao exercício da atividade profissional médica.

Em face do in lege aquilia et levíssima culpa venit, porém, não há que se falar em diferenciação da responsabilidade civil médica oriunda da distinção entre as culpas. Em um caso e outro – tendo operado bêbado ou errando no diagnóstico – o médico seria responsável e obrigado a indenizar.

Kfouri Neto (1996: 59) reproduz a lição de Pio Avecone, que traça um método eficaz de delimitação da culpa:

"Para Avecone, um correto método de levantamento da culpa médica pressupõe:

a)a perfeita consciência do caso concreto, em todos os seus aspectos objetivos e subjetivos, evitando generalizações tão fáceis quanto falazes;

b)o uso de parâmetros juríduicos normais, utilizáveis também para outros tipos de culpa (previsibilidade, normalidade etc) mesmo que, dada a particularidade da matéria, mais difícil pareça tal explicação".

De qualquer modo, a aferição da culpa médica é caso delicado, de difícil resolução por envolver questões relativas à ciências e artes médicas. O magistrado, sendo leigo no assunto, deve se apoiar nos dados de comum experiência (senso comum), sem, contudo, prescindir de pareceres de profissionais habilitados a, em juízo, esclarecer a situação.

Como já foi asseverado antes, a regra geral é a de que a obrigação do médico é de meios, sendo de resultado somente em algumas circunstâncias (dentre elas, e principalmente, a cirurgia plástica estética). No caso das obrigações de meio, à vitima incumbe, mais do que demonstrar o dano, provar que houve culpa por parte do médico – o que torna a reparação por dano médico bastante difícil. Já nas obrigações de resultado, basta que a vítima demonstre o dano (ou seja, que o médico não alcançou o resultadi prometido e contratado) para que a culpa se presuma, havendo, então, uma inversão do ônus da prova; passa a ser de interesse e ônus do médico demonstrar que o efeito danoso não implica em culpa de sua parte.

Kfouri Neto (1996: 62-63) menciona a lição da Prof. Teresa Ancona Lopez Magalhães, que nos dá alguns princípios gerais para a avaliação da culpa médica:

"1. quando se tratar de lesão que teve origem em diagnóstico errado, só será imputada responsabilidade ao médico que tiver cometido erro grosseiro;

2. o clínico geral deve ser tratado com maior benevolência que o especialista;

3. a questão do consentimento do paciente em cirurgia onde há o risco de mutilação e de vida é essencial. Guiar Dias cita caso de paciente que se recusou terminantemente a permitir que fosse amputada sua perna esmagada em acidente, sobrevindo-lhe a morte em conseqüência de gangrena gasosa. Os médicos que propuseram a operação não poderiam ter agido de outro modo, dada a comprovada lucidez do paciente ao rejeitar a intervenção cirúrgica.

Wanderby Lacerda Panasco assevera que, na atividade médica, torna-se essencial o consentimento e, por isso mesmo, inarredável. Entretanto, se houver iminente perigo de vida, o profissional pode intervir sem o seu amparo, numa justificativa supralegal;

4. o mesmo assentimento se exige no caso de tratamento que deixe seqüelas, como, e.g., na radioterapia. E age com culpa grave o médico que submete o cliente a tratamento perigoso, sem antes certificar-se da imperiosidade de seu uso;

5. dever-se-á observar se o médico não praticou cirurgia desnecessária;

6. não se deve olvidar que o médico pode até mesmo mutilar o paciente, se um bem superior – a própria vida do enfermo – o exigir;

7. outro dado importante é que o médico sempre trabalha com uma margem de risco, inerente ao seu ofício, circunstância que deverá ser preliminarmente avaliada – e levada em consideração;

8. nas intervenções médicas sem finalidade terapêutica ou curativa imediata – cirurgia plástica estética propriamente dita, p. ex. – a responsabilidade por dano deverá ser avaliada com muito mais rigor.

Apesar de cada caso de culpa médica ser singular, esses princípios gerais são plenamente observáveis.

Não é preciso que a culpa do médico seja grave: basta que seja certa".

Há, como já ficou claro, um rigorismo à toda a prova por parte de nossos julgadores, bem como uma forte tendência reacionária nos tribunais em exigir provas demasiado difíceis para a aferição da culpa. A realidade do panorama da reparação do dano médico, apesar dos muitos julgados favoráveis às vítimas, ainda é desanimador no Brasil. Para que a reparação se torne mais freqüente é fundamental que os tribunais se modernizem e se tornem mais flexíveis. Na grande maioria dos casos, onde o erro salta às vistas, basta que o julgador se auto-questione: a intervenção que causou o dano está de acordo com, ordinariamente, se espera de um médico?

Não se propõe que o juiz avalie a situação profissionalmente, mesmo porque não seria possível esperar do magistrado os conhecimentos necessários. Suficiente é, porém, um olhar amparado no bom senso a fim de averiguar se aquela situação consiste em desvio da escorreita atividade ou não.

Basta este auto-questionamento pra que o juiz perceba que é preciso dessacralizar o médico e traze-lo ao plano da reparação dos danos ocasionados por seus atos.

2.4 O erro médico

A reparação decorrente da responsabilização do médico por dano decorrente de seus atos profissionais encontra, como temos visto, altas barreiras. A problemática da verificação do erro médico é uma delas.

Formada a relação angular nas ações indenizatórias: autor (vítima)-juiz-réu (médico), o julgador encontra-se em meio a um fogo cruzado. De um lado, o causídico do autor, que delineia com traços acentuados as evidências da má conduta do médico; e do outro, o advogado deste, que, por sua vez, bombardeia a ação com literatura especializada e laudos periciais atestando que, em nenhum momento, o médico fugiu aos procedimentos aconselhados pela ciência médica.

O problema, em si, está colocado: o juiz tem diante de si uma vítima com um dano que foi causado e tem também o fato de que houve uma intervenção, sendo que esta foi realizada pelo médico que figura no pólo passivo da ação. Resta, então, saber se há um nexo causal entre a referida conduta (intervenção do médico) e o prejuízo experimentado ( o dano) – e é isso que passará a desafiar o julgador, sendo a verificação do nexo causal que irá determinar ou não a ocorrência do erro médico.

Para a formação de seu convencimento, o juiz se vale daquilo que as partes trazem aos autos. Nada impede, porém, que o juiz busque assessoria do serviço médico do próprio Tribunal de Justiça, a fim de, no momento da formulação dos quesitos para a perícia, possa formular perguntas cujas respostas elucidem mais eficientemente a questão.

Kfouri Neto (1996: 67) desenvolve um exemplo:

"Homem idoso, ao redor dos 80 anos, foi atropelado, sofrendo fratura exposta no membro inferior esquerdo. Transportado para o hospital da cidade vizinha, onde deu entrada mais de cinco horas depois do acidente, submeteu-se a cirurgia para redução da fratura e, em seguida, teve a perna engessada. Poucos dias após a operação instalou-se virulento processo infeccioso, que provocou a morte da vítima. A inicial atribuiu culpa aos ortopedistas, sob a alegação de que jamais aquela fratura poderia ter sofrido imobilização com gesso, resultando daí a infecção e a morte. A contestação, reproduzindo trechos de obras de referência em Ortopedia, procurou demonstrar a absoluta correção do procedimento cirúrgico, inocorrendo nexo causal entre a colocação do gesso e a inecção – tanto assim que o óbito consignou causa mortis não determinada.

Na situação fática narrada, os quesitos deveriam versar – dentre outras indagações – sobre: a) procedimento ortopédico usual em fratura exposta: recomenda-se ou não o engessamento, após cirurgia (ou seja, houve imperícia?)?; b)o que pode ocasionar a infecção, nesse caso: o gesso ou o tempo decorrido entre o acidente e a assepsia pré-operatória, tendo permanecido o ferimento, durante mais de cinco horas, sujeito ao ataque de germes infecciosos (nexo causal)?; c) a natural debilitação de um paciente octogenário também poderia facilitar a instalação do foco infeccioso, que se alastrou (nexo causal)?

Há uma série de documentos que deverão instruir a ação a fim de que haja um efetivo julgamento:

a)diploma do médico, bem como sua inscrição junto ao CRM;

b)juntada da papeleta de anamnese e da evolução do tratamento, subscrita por médicos e enfermeiros;

c)livros e trabalhos científicas com a descrição das técnicas questionadas, a fim de se comparara com o desempenho dos acusados (é recomendado que se use, ao menos, três autores);

d)guia médico-farmacêutico com a composição das drogas e medicamentos ministrados;

e)relatório do anestesista;

f)documentos escritos pelo paciente (consentimento, pagamento de serviços médicos etc);

g)certidão de óbito;

h)relatório da necropsia;

i)se houve inquérito (óbito), relatório do mesmo;

j)análise do desempenho da aparelhagem a qual o paciente esteve ligado;

k)exames de laboratório;

l)efetivação e resultados.

Kfouri Neto (1996: 68) explica sobre os meios de prova: "os meios de prova são os usuais: depoimento pessoal do médico (pode ocorrer confissão); inquirição de testemunhas (mesmo as suspeitas ou impedidas); prova documental; informas (notícias veiculadas pela imprensa etc); inspeção judicial; presunções; prova pericial; a convicção e o convencimento do juiz".

2.5 Dano Médico

Dentro do direito civil, mais especificamente no campo orbital da responsabilidade civil, figura das mais relevantes e de curial importância é o dano. Adriano De Cupis (apud Kfouri Neto, 1996: 85), em seu monumental trabalho sobre o tema, Il danno, conceitua-o como "prejuízo, aniquilamento ou alteração de uma condição favorável, tanto pela força da natureza quanto pelo trabalho do homem".

Trata-se de um conceito amplo que, para servir à esfera jurídica, deve ser amoldado a ela. Assim, o dano deve decorrer da prática de um ato em dissonância com uma norma.

Kfouri Neto (1996: 86) muito bem coloca: "O dano revela-se, assim, elemento constitutivo da responsabilidade civil, que não pode existir sem ele – caso contrário nada haveria a reparar".

Logicamente, para que se institua a responsabilidade médica é preciso que se verifique a efetividade do dano ao paciente, seja ele qual for: dano oriundo de lesão a um direito fundamental (à vida, à integridade física, à saúde), danos patrimoniais ou danos morais, nos quais incluem-se os danos estéticos.

Kfouri Neto (1996: 86) afirma que "os danos médicos indenizáveis podem abranger quaisquer tipos, admitidos geralmente para qualquer modalidade de responsabilidade civil. Adquirem relevância, evidentemente, os danos físicos, visto que a atividade médica se exerce sobre o corpo humano, nos diversos aspectos contemplados pelo tratamento médico-cirúrgico".

Deste modo, para efeitos de um estudo sistemático da resposabilidade médica, temos as seguintes ordens de dano, a saber: danos físicos (ou corporais), danos materiais e danos morais.

Sobre os danos físicos, diz Kfouri Neto (1996: 87) que "assumem maior relevância – e o prejuízo corporal se compõe de elementos variáveis, indenizáveis separadamente, conforme a invalidez, por exemplo, seja parcial ou total, permamente ou temporária".

Os danos materiais, ou patrimoniais, são, no mais das vezes, conseqüências dos danos físicos: lucros cessantes, despesas médicas e de outras naturezas, medicamentos, viagens etc. Há também a circunstância de morte do paciente, surgindo assim a responsabilidade de indenizar os beneficiários do falecido pela privação da renda auferida por aquele.

E, por fim, há o dano moral, de especial relevância na compreensão da responsabilidade civil do cirurgião plástico, posto englobar o dano estético.

Há, no Brasil, doutrina particularíssima acerca do dano estético, elaborada na ocasião do doutoramento da Profa, Teresa Ancona Lopez Magalhães. A ilustre mestra afirma, liminarmente, que o dano estético é um dano moral.

Kfouri Neto (1996: 87) menciona Teresa Ancona:

"Caracteriza o dano estético a lesão, à beleza física, à harmonia das formas externas de alguém. O conceito de belo é relativo. Ao apreciar-se um prejuízo estético deve-se ter em mira a modificação sofrida pela pessoa em relação ao que era antes. A existência do dano estético exige que a lesão que enfeiou determinada pessoa seja duradoura, caso contrário ao se poderá falar em dano estético propriamente dito (dano moral) mas em atentado reparável à integridade física ou lesão estética passageira, que se resolve em perdas e danos habituais. O dano estético, como dano moral, representa uma ofensa a um direito da personalidade".

O dano estético, portanto, abrange várias categorias e níveis de dano à aparência da pessoa, indo além das lesões mais extensas que caracterizam o aleijão. Wilson Melo da Silva (1977: 249) afirma que o dano estético abrangeria também "as deformidades ou deformações outras, as marcas e os defeitos, ainda que mínimos e que pudessem implicar, sob qualquer aspecto, um "afeiamento" da vítima ou que pudessem vir a se constituir para ela numa simples lesão "desgostante" ou em um permanente motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos".

Muitos elementos, portanto, são levados em consideração ao se determinar o quantum correspondente ao dano estético, tais como a extensão do dano, a localização da lesão, a possibilidade de remoção, as características pessoais da vítima (sexo, idade, profissão, estado civil etc). Todos estes elementos serão levados em consideração pelo julgador na quantificação de uma indenização.

Isso é relevantíssimo, pois um mesmo dano pode ter pesos diferentes quando levado na consideração de contextos de pessoas diferentes. Assim, uma pequena deformidade no rosto de uma modelo enseja uma reparação mais alta que uma cicatriz mais extensa na face de um peão de obras, por exemplo – para a modelo, a incolumidade da face é quesito profissional; enquanto que para o peão, a cicatriz pode até ser avaliada como uma espécie de "adorno", ícone de sua masculinidade etc. Ao que nos parece, à guisa de esclarecimento, tais afirmações não ferem o princípio magno da isonomia, pois trata-se da análise minuciosa que leva (e deve levar) em consideração os fatores pessoais que individualizam cada pessoa na sociedade.

No Brasil, erroneamente, ao que nos parece, somente a vítima é parte legítima para requerer indenização pelo dano estético. Em França, por exemplo, há a possibilidade de terceiro interessado buscar reparação. Kfouri Neto (1996: 88) dá-nos um exemplo: "se a estabilidade conjugar resultar abalada pela deformidade da mulher, o marido poderia pleitear a reparação: vendo a mulher desfigurada, foi ele acometido de trauma nervoso, caindo doente, daí surgindo o dever indenizatório".

É, por fim, válido mencionar o comentário da Profa. Teresa Ancona acerca da importância da reparação efetiva do dano estético (in Kfouri Neto, 1996: 89): "em matéria de prejuízo estético, como prejuízo moral, não se pode falar em reparação natural, nem em indenização propriamente dita. Nesses casos não há ressarcimento e sim compensação ou benefício de ordem material, que permite ao lesado obter confortos e distrações que, de algum modo, atenuam sua dor".


3. Responsabilidade Civil do Cirurgião Plástico em Cirurgia Estética

A cirurgia plástica é um ramo dos mais nobres dentro da medicina. A despeito da imagem revestida de auras de futilidade decorrentes dos modismos estéticos que lotam as clínicas, a cirurgia plástica cuida da reparação médica de inúmeros males que acometem o homem, desde as deformidades hereditárias e congênitas, até as ocasionadas por acidentes. Importante também mencionar os casos de queimaduras, lesões bastante graves que necessitam de reparação ou mesmo reconstituição, o que, entre outras intervenções, constitui atividade profissional do cirurgião plástico. Os procedimentos descritos tratam-se da cirurgia plástica reparadora e não configuram, aqui, como objetos precípuos deste estudo.

Kfouri Neto (1996: 142) assevera:

"Hodiernamente, não há dúvida que a cirurgia plástica integra-se normalmente ao universo do tratamento médico e não deve ser considerada uma "cirurgia de luxo" ou mero capricho de quem a ela se submete. Dificilmente um paciente busca a cirurgia estética com absoluta leviandade e sem real necessidade, ao menos de ordem psíquica. Para ele, a solução dessa imperfeição física assume um significado relevante no âmbito de sua psique – daí se poder falar que em termos brandos, como afirma Avecone – de "estado patológico".

Cuidaremos, outrossim, da cirurgia plástica estética, prática intervencionista médica que não tem por finalidade a cura, entendida esta como a extirpação do mal que acomete a saúde do homem. O fim da plástica puramente estética é outro: é a satisfação da vaidade humana, uma necessidade ancorada em razões subjetivas e pessoas que não podem ser classificadas como indispensáveis à integridade física do homem.

O Código de Ética Médica autoriza a cirurgia estética em seu art. 51:

"São lícitas as intervenções cirúrgicas com finalidade estética, desde que necessárias ou quando o defeito a ser removido ou atenuado seja fator de desajuste psíquico".

Venosa (2003: 101), afirma que "o desajuste psíquico é conceito dúctil. O médico deve ser convenientemente responsável no aconselhar ou desaconselhar cirurgia plástica estética. Um aleijão no rosto de uma jovem causa evidente problema psíquico. Uma cicatriz em musculoso lutador de boxe poderá não sê-lo. O caso concreto dará a solução."

É claro, porém, que o assunto encontra-se em uma seara controvertida. Sob a ótica da pessoa que se sente "feia", a cirurgia estética não é algo de que se possa prescindir. Ao contrário, é algo que se afigura fundamental para seu bem estar.

O bem estar psíquico, portanto, não afiguraria como elemento integrante da as;ude do homem? Sentir-se bem com o próprio corpo não seria de relevante importância para o indivíduo?

Entendemos que sim, do mesmo modo que entendemos não ser somente através de intervenções cirúrgicas que a pessoa sã deva buscar seu bem estar psíquico e emocional. O desejo de um corpo bonito e atraente, próximo dos modelos de beleza consagrados pela mídia não é razão para se equiparar as intervenções meramente estéticas às reparadoras. A saúde, a integridade física, ainda permanece como um bem jurídico de maior valor que o patrimônio estético do homem.

Tanto isso se afigura como verdade que Kfouri Neto (1996: 142) afirma: "a regra de ouro, que convém respeitar em matéria de cirurgia estética, estabelece que todas as vezes que a saúde, a integridade física ou a vida do paciente estejam em perigo, o médico deve renunciar ao aperfeiçoamento de caráter estético, independentemente da vontade do próprio paciente".

Uma vez realizada, porém, a cirurgia estética assume as mesmas dimensões e riscos que qualquer outra intervenção cirúrgica. O processo, em si, implica no risco de problemas com anestesia, reações adversas aos medicamentos, desencadeamento de reações imprevistas (choque anafilático, por exemplo) etc. A diferença permance, entretanto: se no geral das cirurgias o que se busca é a cura ou, no mínimo, a minoração do mal; na cirurgia estética pretende-se um resultado também estético, preferencialmente aquele prometido pelo cirurgião antes mesmo da cirurgia.

E se em uma cirurgia de reparação há o risco da não-cura e, no máximo, o risco do óbito; na cirurgia estética o paciente vislumbra três possibilidades desfavoráveis: o resultado não ser consoante o combinado, a morte e a chance de, da cirurgia, advir um mal totalmente novo (dano).

Talvez por essa razão, por muitos anos a cirurgia plástica ocupoi um lugar de pouco relevo na medicina – sendo considerada uma "medicina de luxo", reflexo da futilidade humana. O cirurgião, nesses casos, não contava com a condescendência verificada normalmente quando da ocorrência de erros médicos em outras especialidades, não sendo bem compreendidos na eventualidade de uma fatalidade. Kfouri Neto (1996: 142) já diz que na ocorrência de uma complicação "a reprovação e infinitamente maior que se tivessem operado um câncer de pâncreas, p. ex.".

Tudo isso, no entanto, é reflexo do modo como a sociedade analisa o erro do cirurgião plástico. No plano da ponderação e da justiça, ao cirurgião plástico também é possível demonstrar a interferência de fatores imprevisíveis e imponderáveis no desencadeamento do resultado danoso. Muitos aspectos devem ser levados em consideração: fatos sobre a saúde do paciente cuja existência eram de desconhecimento do médico; desconhecimento este que não é oriundo da falta de diligência ou acuidade.

É o caso, por exemplo, da senhora fumante que deseja realizar um lifting, intervenção cirúrgica que consiste no descolamento da epiderme do rosto, pescoço, colo, e seu reposicionamento de modo esteticamente mais favorável. O cirurgião informa à paciente que o procedimento implica muitos riscos, dentre eles a cicatrização, sendo agravante ao referido processo o fato do paciente fumar. Diante disso e de seu desejo incondicional de fazer a cirurgia, a senhora opta por omitir do cirurgião seu tabagismo. Na eventualidade de um resultado danoso a esta senhora, o mesmo terá ocorrido pela superveniência de causas que ele não podia prever, nem evitar.

3.1 Panorama da evolução da responsabilidade civil do cirurgião plástico através da casuística

O Juiz Kfouri Neto (1996: 143-146) traz em sua obra um ementário interessantíssimo que servirá de base para a construção desta visão que se pretende dar do modo como nossos tribunais têm raciocinado acerca da responsabilidade civil do cirurgião plástico,

A 1ª. Câmara Civil do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a 05.05.1992, em voto condutor do Desembargador Tupinambá Nascimento, deu provimento à Apelação, para condenar o cirurgião plástico a reparar os danos que causou a uma senhora, que teve o abdômen deformada em cirurgia plástica mal sucedida. Em dezembro de 1982, a paciente pagou Cr$ 1.690.000,00 para realizar uma mastoplastia combinada com dermolipectomia abdominal. O insucesso da cirurgia abdominal implicou o ressarcimento, pelo médico, de quantia equivalente (maio de 1992) a Cr$ 10.300.000,00, o que, em razão da desvalorização da moeda à época, corresponde à metade da importância paga pela cirurgia, devidamente corrigida, além de custear o necessário à recomposição do dano corporal da vítima – e mais cem salários mínimos, a título de dano moral.

O Juiz de 1o. grau, ao julgar improcedente a demanda indenizatória, sentenciou: "A obrigação do médico é de meio, isto é, de empregar toda a sua ciência com zelo, diligência e prudência, não sendo vinculado ao resultado exitoso da cirurgia". O médico argumentara, também, que a paciente não atendera às recomendações de não fumar e manter-se em posição apropriada no pós-operatório.

Já o Desembargador relator, ao prover o recurso, assentou que "a cirurgia plástica, com fim preponderantemente estético, é embelezadora, por isso, a obrigação do cirurgião não é de meio, e sim de resultado".

Outro acórdão, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, relatado pelo Desembargador Humberto de Mendonça Manes, também cuida de mau resultado decorrente de cirurgia plástica nos seios e no abdômen: o resultado não foi satisfatoriamente atingido e a paciente perdeu um dos mamilos. Extrai-se da ementa: "Se a obrigação é de resultado, e não de meio, àquela vincula-se o médico. Prova dos autos não conclusiva quanto à culpa e à ocorrência de força maior. Proced6encia do pedido, para condenar o réu ao pagamento das despesas necessárias à realização de novas operações de reparação das lesões. Verba que se concede de dano estético, arbitrada, no caso, de 50 pisas nacionais de salário".

O acórdão, após distinguir referidas obrigações, elucida"Em verdade, várias são as hipóteses (talvez a maioria) em que os médicos não assumem responsabilidade pelo resultado, mas tão-somente no emprego dos meios.

Na hipótese litigiosa, entretanto, a autora, aproveitando-se da viagem do marido, quis surpreende-lo com uma plástica nos seios e no abdômen. O perito do Juízo, cuja lisura não se pôs em dúvida, informou, a fls., que a cirurgia realizada pelos réus deve ser rotulada de mamoplastia redutora estética bilateral. Já as operações que a autora veio a realizar posteriormente com o Dr. Ivo Pitanguy, para atacar a deformidade, o mesmo perito deu a elas o nome de mamoplastia reparadora bilateral.

Claro que as operações realizadas pelo Dr. Pitanguy são de meio, pois, com elas, se visa o emprego de diligências para reparar-se a deformidade, não se vinculando cirurgião a um resultado eficaz.

Nesta demanda, contudo, óbvio que cirurgia era de simples embelazamento da autora, pois sua saúde não a exigiu. Só com o alcance do resultado é que os réus, portanto, se livrariam, do dever jurídico emergente do contrado celebrado entre os litigantes".

Um terceiro julgado, do TJRS, fere a temática da avaliação – extremamente subjetiva – do resultado ótimo a ser alcançado em cirurgia plástica estética. O paciente submeteu-se, com o mesmo cirurgião, a duas rinoplastias, para corrigir defeito congênito. Insatisfeito, ainda, em virtude de pequenas saliências, anotadas no laudo, buscou outro cirurgião.

A terceira cirurgia, para o paciente, obteve êxito. Moveu ação indenizatória, em face do primeiro médico, que foi julgada improcedente, em 1º. A Câmara negou provimento ao apelo, por maioria. Entendeu o Órgão julgador, ao apreciar embargos infringentes, que o primeiro cirurgião entregara toda a técnica recomendável, não tendo incidido em erro grosseiro, capaz de ensejar o mínimo resquício de culpa. Qualificando a primeira cirurgia como boa (não ótima, nem excelente) o desembargador Galeno Lacerda, em seu voto, anotou: "um medico-cirurgião não pode garantir, face à delicadeza da operação, muitas vezes, de que vai ser excelente ou ótima. No caso, foi bom e eu vi a fotografia e parece-me que o nariz do embargante não é tão assim como o de Bergerac. É uma questão de vaidade."

O TJSP, em acordão relatado pelo desembargador Melo Junior, com declaração de voto vencedor do desembargador Ernani de Paiva, oferece-nos substanciosa decisão. Realizada a cirurgia estética nas coxas da paciente (lipoaspiração) resultaram sulcos, tratador com colágeno líquido, ocorrendo posterior inflamação. Restou uma cicatriz, lesão necrótica, na coxa esquerda. Alegou o médico que a paciente havia engordado, passado pomada e tomado remédio homeopático, ocasionando a lesão. O Órgão foi taxativo: (a cicatriz) "seja resultado da reação do colágeno, seja seqüela das próprias cirurgias ou dos tratamentos realizador, a responsabilidade é do apelante que assumiu uma obrigação de resultado".

Evidenciado o nexo causal entre as cirurgias e as lesões, por não haver outras explicação para o fato. Responsabilizou-se o réu, desse modo, pelo insucesso da cirurgia plástica, tendo sido condenado ao pagamento da operação reparadora.

Em outra ocasião, o TJSP decidiu condenar o réu, que realizara a cirurgia plástica com resultado danoso, a custear outra cirurgia reparadora. Neste caso, argumentou o médico que "o resultado, tal como prometido (correção do nariz e dos seios) realizou-se (...) não se poderia exigir do cirurgião o milagre de reverter a natureza e lograr perfeição estética" – tudo conforma informado anteriormente à paciente. Caso fortuito e abandono do tratamento e das consultas subseqüentes, pela vítima, que até não compareceu à audiência de instrução e julgamento, motivaram o insucesso. A cirurgia, como visto, objetivava corrigir a linha nasal (rinoplastia) e a compor insuficiência de seios (mamoplastia, para aumentar-lhes o volume) e anomalia de um dos mamilos, sem caracterizar-se como cirurgia sanativa.

Do corpo do acórdão, colhe-se trecho da sentença: "Deslocado o ônus da prova, em face da finalidade da operação plástica, em pessoa hígida, desobrigada de provar a culpa do réu, a este é que cumpria comprovar que o resultado previsto foi alcançado, nos limites das possibilidades da ciência médica atual. Não logrou o réu esse intento". Isto porque resultou evidente a diversidade das narinas entre si (a esquerda ligeiramente elíptica, a direita arredondada) e os seios apresentaram-se assimétricos. Foi o requerido condenado a pagar outra cirurgia, facultando à autora escolher o médico, dentre oas atuantes residentes no País e 30 diárias, à guisa de lucros cessantes, mais custas e verba honorária.

3.2 Obrigação de meio ou de resultado?

Como já analisamos nas considerações gerais acerca da responsabilidade civil, a responsabilidade do médico, enquanto operados de técnicas curativas e reparadoras, é sempre de meios e não de resultados. As raízes ontológicas das reiteradas decisões neste sentido estão no fato de que o paciente "necessita" da intervenção ao bem de sua saúde, não tendo outra saída que não a de se submeter ao tratamento médico. Do médico, assim, o que se espera é um alto grau de diligência e domínio técnico, qual sejam evidências do uso dos meios adequados na realização da intervenção – daí a caracterização da obrigação médica como sendo de meios e não de resultados.

O que ocorre na cirurgia plástica estética é diferente. O paciente não se submete às artes do cirurgião por delas necessitar, mas sim no sentido da satisfação de uma vaidade, na busca de uma realização pessoal ancorada na aparência física, na beleza. Nestes casos, ao paciente só interessa alcançar o efeito desejado; e o médico deve ter ética ao conduzir a anamnese, não plantando no paciente esperanças de um resultado que não pode ser alcançado, tampouco arriscar-se (mesmo com a consciência do paciente) em uma intervenção de alto risco.

Em qualquer caso – a não realização do prometido ao paciente ou a superveniência de dano, seguido ou não de morte – fazem o médico incorrer não mais na responsabilidade decorrente de uma obrigação de meios, mas sim de resultados.

E isso porque, em última análise, o comprometimento do profissional não é a tentativa de uma cura indispensável à saúde do paciente, mas sim um resultado plenamente acordado entre as partes previamente.

Obviamente, o julgador não poderá prescindir da extrema acuidade na análise dos elementos caracterizadores da responsabilidade, pois cada caso é único e consiste em um intrincado mosaico repleto de nuances e detalhes muito particulares. Em muitos casos, o resultado danoso não é necessariamente oriundo da intervenção do médico, sendo, ao contrário, de culpa exclusiva da vítima que experimenta o dano. Assim, o indivíduo que descumpre as recomendações médicas para o pós-operatório, em tese, não poderá pleitear reparação do dano decorrente dessa inobservância. Usa-se a expressão "em tese" porque, ao bem da verdade, se a vítima entender que há alguma culpa por parte do cirurgião, natural que lhe seja conferido o direito de ação. E, em casos assim, em que a responsabilidade do cirurgião é objetiva, ocorre e inversão do ônus da prova, o que torna a situação do médico bastante delicada – basta refletir que, se nas circunstâncias de responsabilidade subjetiva o paciente atravessa grandes dificuldades em provar a culpa do médico, logicamente o médico experimentará a mesma dificuldade em provar a culpa da vítima.

O cerne da questão presente na natureza da obrigação que há entre o cirurgião plástico e o paciente, nas intervenções meramente estéticas, tem uma fase inicial que já se verifica no momento em que, no consultório, o médico combina com o paciente os detalhes acerca da cirurgia e as expectativas. O que se vê usualmente é uma realidade em que se planta no paciente (cliente) uma idéia não verdadeira de um resultado que não é alcançado.

O elemento psicológico que levas as pessoas a uma clínica estética faz com que as mesmas busquem a promessa de beleza e perfeição estética, o que nem sempre é possível. Diante desta fragilidade emocional do paciente, não são poucos os cirurgiões que agem com indevida sagacidade, aumentado as esperanças que eles mesmos, versados nas ciências médicas envolvidas, sabem ser impossível alcançar.

Defende-se, portanto, a tese de que, ao fazer tais promessas, o cirurgião se compromete de maneira obrigacional a cumpri-las sob a forma do resultado estético projetado para o paciente. O que se constata, atualmente, são casos de ações de reparação em função de danos visíveis decorrentes da cirurgia plástica; ações estas em que a adoção da responsabilidade objetiva apenas torna mais viável a pretensão do autor em matéria probatória – em decorrência da inversão do ônus da prova, o paciente não tem a colossal dificuldade de provar a culpa do cirurgião.

O que se propõe, porém, é a adoção da responsabilidade objetiva a fim de obrigar o médico a cumprir o acordado com o paciente. Ontologicamente, a contemplação desta tese terá um duplo efeito.

Em primeiro lugar, implementará uma nova ordem na relação contratual havida entre os cirurgiões plásticos e seus pacientes: o regime da verdade e honestidade. Promessas de resultados irreais e impossíveis, verdadeiras fraudes em relação aos pacientes, serão devidamente punidas, dando lugar a um diálogo (que já ocorre quando a situação envolve o profissional ético, não mercenário) calcado no plano da verossimilhança, de modo a dar fim aos inumeráveis casos de pessoas que, após submeterem-se a uma cirurgia estética – um procedimento quase sempre bastante dispendioso – continuam insatisfeitas.

E, em segundo lugar, não menos importante, adoção desta tese contribuirá na redução do número exagerado de cirurgias plásticas desnecessárias, inúteis na medida em que não satisfazem o desejo do paciente. A medicina, em todas as suas modalidades, inclusive a cirurgia plástica, é uma área muito séria, e não um espaço para a negociação e para a realização de procedimentos sabidamente inócuos na busca por um resultado. Esse raciocínio é bem lógico: uma pessoa que tenha a vontade de realizar uma cirurgia no nariz (rinoplastia) a fim de alcançar um determinado resultado (um nariz mais delicado, afilado, arrebitado etc) talvez desista desta pretensão se devidamente informado, se for o caso, de que tal resultado não pode ser alcançado; a pessoa em questão pode, simplesmente, não se satisfazer com um resultado diverso do pretendido, preferindo, então, não realizar a cirurgia.

Como vimos anteriormente, a natureza contratual da relação que há entre médico e paciente é inegável. Tão mais forte é, porém, em se tratando de uma situação em que o paciente torna-se um consumidor e o profissional médico um fornecedor. O objeto de tal relação é exatamente o resultado desejado pelo paciente, e muitas vezes assegurado verbalmente pelo médico.

Dentro daquilo que se entende como sendo o mais correto e juridicamente seguro, os médicos e seus pacientes deveriam realizar o negócio jurídico da contratação dos serviços de cirurgia estética sob a forma de um instrumento escrito. Este contrato seria, então, o meio através do qual o médico deixaria claro que resultados o paciente pode esperar, os riscos de resultados malfadados e outras situações que, ordinariamente, geram celeuma nos julgamento das ações indenizatórias.

Através de tal contrato ficaria claro ao julgador em que circunstâncias o serviço foi tomado, o que o paciente efetivamente comunicou ao médico, o que este explicou àquele e, por fim, o que foi prometido e assegurado ao paciente.

A função do contrato é, portanto, a de firmar formalmente o estatuto a gerir cada relação entre médico e paciente, aclarando aos olhos de um eventual julgador o que, de fato, se deu antes da cirurgia e que dinamizou o animus do paciente a fim de se submeter à intervenção.

Pois, entendemos que é perfeitamente possível descrever como um ato de má-fe garantir resultados cujo alcance, sucesso, é incerto, ensejando, assim, matéria para a ação de reparação.

3.3 O inadimplemento da obrigação do cirurgião plástico em intervenção estética

O paciente que procura um tratamento médico com finalidades meramente estéticas está, como já ficou deveras esclarecido, em busca de um resultado. Não há em sua saúde a presença de um mal ou uma lesão a ser reparada. A atividade do médico, então, abandona a seara da reparação (do mal ou lesão) e penetra no universo da "modificação", da "alteração". A natureza consumiária desta relação, então, é muito mais sólida que em intervenções ao bem reconhecido da saúde humana.

Em virtude disso, o paciente tem o direito complexo, constituído de muitos elementos, de obter o resultado que lhe foi previsto e – creio que podemos lançar mão desta terminologia – "vendido". Integra o patrimônio jurídico do paciente o direito à informação e o esclarecimento (o que lhes é objetivamente garantido pelo Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º.), conceitos estes que não devem ser confundidos. A informação é um saber genérico que se traduz em palavras e independe do modo como o indivíduo receptor deglutiu-a; já o esclarecimento guarda relação direta com a compreensão dos fatos, não bastando o mero conhecimento. Assim, um paciente pode ser informado acerca de algo, mas o que não garante, de plano, que esteja esclarecida a questão.

O médico versado nas artes da cirurgia plástica deve, portanto, fazer saber a seus pacientes acerca de todos os riscos envolvidos e quais os resultados, de fato, previsíveis.

O bom senso e o mínimo grau de discernimento entre ilusão e realidade bastam para que o homem médio compreenda que, mesmo numa intervenção onde o que se almeja é uma melhora na aparência, há um risco de que o resultado não se verifique.

Em uma circunstância fática na qual o cirurgião plástico é procurado por um paciente insatisfeito, por exemplo, com o volume de seu ventre. O médico deve analisar a situação e informar a pessoa acerca das probabilidades de sucesso, riscos etc. Uma vez cientificado disto, cabe ao paciente escolher entre dar seguimento aos processo operatório ou resignar-se com seu estigma.

O médico, no caso, agiu escorreitamente, cientificando o paciente das chances e não plantando ilusões. Na hipótese de o paciente optar pela cirurgia, mesmo sabendo que o resultado apenas servirá de paliativo, não há que se falar em responsabilidade civil do médico diante da insatisfação do paciente, ao menos, é claro, que se demonstre sua culpa quanto a algum dano sofrido pelo paciente.

Diferente, é o caso em que o paciente, querendo remover a gordura de seu abdômen, procura um cirurgião plástico que lhe garante um resultado bastante favorável esteticamente e que, depois, não se verifica. Aqui, o que houve é o claro inadimplemento da obrigação de resultado contraída no momento em que se prometeu ao paciente o abdômen definido dos modelos corporais eleitos pela mídia.

Por isso, somos partidários da linha de pensamento segundo a qual o preço de uma conduta contaminada pela obscuridade, quando não pela mentira e pela enganação do paciente, é o reconhecimento de uma obrigação de resultados do médico em relação àquele que contrata seus serviços.

O inadimplemento da obrigação contraída pelo cirurgião estético é, portanto, a não realização daquilo que se assegurou como resultado ao paciente. E o dever de indenizar surge mesmo não havendo lesão ou dano propriamente dito, bastando que o resultado, ainda que não desagradável às vistas, não esteja em consonância com aquilo que foi acordado previamente.

É muito comum, hoje, que clínicas especializadas em cirurgia estética possuam sistemas e aparatos computadorizados capazes de simular os eventuais resultados das cirurgias. Tal se deve à gana de estimular as pessoas que procuram tais estabelecimentos em busca de uma melhoria em seu aspecto físico, buscando, por conseqüência, o conforto emocional e psicológico. Através de tais equipamentos, o cirurgião consegue, digitalizando uma foto atual do paciente, gerar uma imagem de como a pessoa ficaria após a cirurgia. O ético e escorreito diante de tais circunstâncias seria o esclarecimento de que aquelas imagens na tela do computador são uma possibilidade de ocorrer, e não um resultado certo e garantido. O que se dá, em contrapartida, é, por exemplo: um indivíduo consulta-se com o médico a fim de modificar o nariz, que acha demasiado grande e largo; o médico tira uma fotografia digital, passa a mesma à maquina e, através de programas específicos, começa a mostrar ao paciente como seu nariz poderá ficar após a cirurgia; o paciente opta por um determinado aspecto e, então, lhe é assegurado que aquela modificação é possível. Nasce nesse instante a expectativa do paciente, que irá acertar, inclusive, um valor a ser pago por ela. Ocorre, não raramente, de o resultado final não corresponder àquele vislumbrado na tela do computador e prometido ao paciente. Tal resultado pode muito bem não ser propriamente desagradável; pode mesmo corresponder a uma melhora com relação ao estado inicial do paciente, mas, mesmo assim, não é que foi acordado, não é que foi adquirido e pelo que foi pago.

Pensamos, portanto, que mesmo em casos assim o paciente tem o direito de exigir do médico a reparação pelo inadimplemento da obrigação – que era, efetivamente, de resultados.

A jurisprudência nacional tem contribuído muito com a evolução da teoria da reparação. O relatório do Desembargador Guimarães e Souza expõe: "Os pacientes, na maioria dos casos de cirurgia plástica, não se encontram doentes, mas pretendem corrigir um problema estético. Interessa-lhes, principalmente, o resultado. Se o cliente fica com aspecto pior, após as cirurgia, não se alcançando o resultado que constituía a própria razão de ser contrato, cabe-lhe o direito à pretensão indenizatória pelo resultado não alcançado" (TJSP – Apelação Cível 227.747-1 – São Paulo – 1ª. Câmara Civil – Relator Guimarães e Souza – 15.07.95 – M. V.)

A argumentação do ilustre Desembargador é a manifestação do direito dinâmico desdobrando-se a fim de abarcar as situações fáticas que desafiam a Justiça.

Acrescemos ao impecável relatório que não é necessário que o paciente fique com uma aparência pior após a cirurgia, bastando que não seja a aparência acordada; basta que não seja o resultado prometido e assegurado pelo médico para que nasça, então, o direito à pretensão indenizatória.

É o que se depreende dos ensinamentos de Kfouri Neto (1996: 165): "Há, indiscutivelmente, na cirurgia estética, tendência generalizada a se presumir a culpa pela não obtenção do resultado. Isso diferencia a cirurgia estética da cirurgia geral".

Venosa (2003: 102) transcreve alguns relatórios de acórdãos que interessam à análise de uma questão conexa – em não havendo o resultado assegurado pelo médico, o paciente certamente não consentiria na realização da cirurgia:

"O profissional que se propõe a realizar cirurgia visando melhorar aparência física do paciente assume o compromisso de que, no mínimo, não lhe resultarão danos estéticos, cabendo ao cirurgião a avaliação dos riscos. Responderá por tais danos, salvo culpa do paciente ou a intervenção de fatores imprevisíveis, o que lhe cabe provar" (DTJ – 3ª. Turma – Agravo Regimental no Agravo de Instrumento, no. 37.060-9-RS, Relator Ministro Eduardo Ribeiro).

"Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume a obrigação de resultado, sendo obrigado a indenizar pelo não cumprimento da finalidade, tanto pelo dano material, como pelo dano moral, decorrente de deformidades, salvo prova de força maior ou caso fortuito" (STJ – RE no. 10.536/ Rio de Janeiro, Relator Ministro Dias Trindade).

Em ambos relatórios notamos uma resistência em afirmar com firmeza o dever de se obter o resultado contratado. Há, por parte dos tribunais, uma tendência de não contemplar em sua decorrente doutrinação a circunstância em, mesmo não havendo deformidade, há o dano pelo inadimplemento da obrigação.

Permanece no pensamento médio a idéia de que o direito à reparação só decorre da deformidade, do dano grosseiro, o que, modernamente, é insuficiente para a manutenção da segurança jurídica dos pacientes.

Há, entretanto, luzes que apontam no sentido da interpretação que damos à obrigação do cirurgião plástico em circunstância de intervenção estética. É o que nos relata Kfouri Neto (1996: 460) ao transcrever o voto do Desembargador Ribeiro Filho:

"A operação plástica estética é sempre feita com o fim de obtenção de um resultado satisfatório. Não se trata, portanto, de um simples tratamento médico ou de um mero contrato de meio, mas sim de um contrato de fim. E, no contrato de fim, o contraente se compromete a alcançar aquele resultado a que propões. Não sendo ele atingido, deverá haver responsabilidade pelas conseqüências de seu inadimplemento ou pelo menos não poderá perceber o contraente os ganhos ou vantagens decorrentes".


Bibliografia

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FORSTER, N. J. "Cirurgia plástica estética: obrigação de resultado ou obrigação de meios?". In: RT 738/83.

KFOURI NETO, M. A responsabilidade civil do médico. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. (pegar referências na biblioteca da FADISC) – TOMO LIII.

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RODRIGUES, S. Direito Civil: responsabilidade civil. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, v.4.

SILVEIRA, R. A. "Responsabilidade civil do médico". In: RT 674/57.

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THOMAZ JUNIOR, D. B. "Responsabilidade civil do médico". In. RT 741/88.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: responsabilidade civl, 3ª. ed, São Paulo: Atlas, 2003.


APÊNDICE 1: Legislação regulamentadora de procedimentos cirúrgicos

Segue-se um breve ementário de decretos e resoluções pertinentes à compreensão dos deveres dos cirurgiões plásticos em relação aos pacientes:

I - Decreto nº 44.045/58

O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SANTA CATARINA, no uso das suas atribuições que lhe são conferidas pela Lei nº 3.268/57, regulamentada pelo Decreto nº 44.045/58,

Considerando que a CIRURGIA PLÁSTICA é uma especialidade médica reconhecida pelo CFM;

Considerando que para sua prática a CIRURGIA PLÁSTICA requer um conjunto de pré-requisitos e conhecimentos científicos e técnicos adquiridos na graduação e/ou pós-graduação (residência médica e/ou especialização);

Considerando que a CIRURGIA PLÁSTICA se propõe a corrigir alterações anatômicas, congênitas, degenerativas ou seqüelares adquiridas e suas conseqüências e é exercida objetivando beneficiar os pacientes do ponto de vista anatômico, funcional e psicológico, visando sua reintegração à família e/ou à sociedade com reflexos sobre sua qualidade de vida;

Considerando que a publicidade médica é matéria disciplinada pelo Código de Ética Médica, por Resolução específica do CFM e também pela legislação comum e penal – Lei Nº 8.078/90, devendo a mesma submeter-se aos limites da discrição, sobriedade e veracidade, sendo proibida a propaganda enganosa;

Considerando a diversidade de resposta biológica e as características genéticas dos pacientes ante o atual estado da técnica;

Considerando que o trabalho médico se constitui numa atividade profissional de meios, sem obrigações de resultado;

Considerando, finalmente, a deliberação do Corpo de Conselheiros do CREMESC, em Reunião Plenária realizada em 22/04/99;

RESOLVE:

Art. 1º - Na CIRURGIA PLÁSTICA, como em todos os demais procedimentos médicos, o profissional não pode prometer, garantir ou assegurar o sucesso do tratamento, tendo de informar correta e previamente o paciente sobre os benefícios e riscos dos procedimentos, obtendo do mesmo um consentimento pós informação.

Art. 2º - Quando atuar como consultor em assuntos da especialidade em

publicações não científicas, o médico deve restringir sua participação exclusivamente aos aspectos educativos dos mesmos.

Art. 3º - É vedada a divulgação de procedimentos de CIRURGIA PLÁSTICA na imprensa leiga sob a forma de anúncios publicitários, entrevistas e reportagens, bem como a exposição de imagens de atos médicos e/ou seus resultados em pacientes.

Art. 4º - É vedado ao médico a divulgação de preços e custos com objetivos promocionais, bem como de financiamento de tratamentos.

Art. 5º - É vedada a oferta de cirurgias plásticas como prêmios ou qualquer outra forma de promoção comercial ou de propaganda.

Art. 6º - É vedada a execução de procedimentos de cirurgia plástica em locais que não possuam alvará ou licença de funcionamento expedidos pelos órgãos competentes e na forma de lei.

Art. 7º - Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário,

Plenário Arthur Pereira e Oliveira

Florianópolis, 22 de abril de 1999

II - Decreto nº 44.045

O CONSELHO REGIONAL DE MEDICINA DO ESTADO DE SÃO PAULO, no uso das atribuições que lhe conferem a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO que a Cirurgia Plástica é especialidade médica, reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina e pela Associação Médica Brasileira, sem incorrer em subdivisões topográficas, diagnósticas ou de finalidade;

CONSIDERANDO que a Cirurgia Plástica tem seu conjunto de conhecimento regulamentado no ensino de graduação, na pós-graduação "lato sensu" (residência e especialização) e na pós graduação "stricto sensu" (mestrado e doutorado);

CONSIDERANDO que a Cirurgia Plástica tem sua prática profissional, regulamentada pelo Conselho Federal de Medicina, registrando o título de especialista, obtido pela Residência-Médica, credenciada pela Comissão Nacional de Residência-Médica e através da Sociedade Brasileira de Cirurgia Plástica;

CONSIDERANDO que a Cirurgia Plástica trata de doenças e deformidades congênitas, adquiridas, traumáticas, degenerativas e oncológicas, assim como de suas conseqüências, visando beneficiar os pacientes, do ponto de vista funcional, psicológico e social objetivando a melhoria da qualidade de vida;

CONSIDERANDO a necessidade de informar a Sociedade Civil da real função da Cirurgia Plástica, como especialidade médica;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido, na Sessão Plenária, realizada em 03/06/97.

RESOLVE:

Artigo 1º - A Cirurgia Plástica é especialidade única, indivisível e, como tal, deve ser exercida por médicos devidamente qualificados, utilizando técnicas habituais, reconhecidas cientificamente.

Artigo 2º - O tratamento pela Cirurgia Plástica constitui ao médico que deve ter como finalidade trazer beneficio à saúde do paciente, seja física, psicológica ou social.

Artigo 3º - O cirurgião plástico, como todos os médicos, deve manter em sua prática, conduta ética, não utilizar procedimentos experimentais, a não ser em circunstâncias especificamente consideradas como pesquisa clínica, sempre com prévia autorização do paciente e utilizando as normas da Convenção de Helsinki, e do Conselho Nacional de Saúde e, consequentemente, sem ônus para o paciente.

Artigo 4º - Na Cirurgia Plástica, como em qualquer especialidade médica, o médico não deve prometer resultado ou garantia do tratamento. O médico deverá informar ao paciente, de forma clara, sobre os benefícios e riscos do procedimento.

Artigo 5º - O objetivo do ato médico, na Cirurgia Plástica, como em toda a prática médica, constitui obrigação de meio e não obrigação de fim ou de resultado.

Artigo 6º - A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

São Paulo, 09 de junho de 1997.

PEDRO PAULO ROQUE MONTELEONE

Presidente

Aprovada na 1954ª Sessão Plenária. realizada em 03/06/97.

III - RESOLUÇÃO Nº 1.711

CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA

RESOLUÇÃO Nº 1.711, DE 10 DE DEZEMBRO DE 2003

Estabelece parâmetros de segurança que devem ser observados nas cirurgias de lipoaspiração, visando garantir ao paciente o direito de decisão pós-informada e aos médicos, os limites e critérios de execução.

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, no uso das atribuições que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e

CONSIDERANDO que cirurgias de lipoaspiração ocupam, hoje, elevado percentual dentre as cirurgias plásticas no país;

CONSIDERANDO casos de intercorrências e complicações na execução da referida técnica, em diversos locais do país;

CONSIDERANDO a multiplicidade de condutas adotadas na execução da técnica;

CONSIDERANDO a liberalidade existente em relação aos cuidados a serem tomados quando da indicação e execução da técnica;

CONSIDERANDO que a saúde do ser humano é o alvo maior da atenção do médico, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional (art. 2º do CEM);

Considerando que ao médico cabe zela e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão (art. 4º do CEM);

CONSIDERANDO que é vedado ao médico efetuar procedimentos sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo nos casos de iminente perigo de vida (art. 46 do CEM);

CONSIDERANDO que é vedado ao médico desrespeitar o direito de livre decisão do paciente quanto à execução de prática terapêutica (art. 56 do CEM);

CONSIDERANDO os conhecimentos científicos adquiridos até o presente momento e o estado atual da arte médica;

CONSIDERANDO o decidido em sessão plenária de 10 de dezembro de 2003, resolve:

Art. 1º - Reconhecer a técnica de lipoaspiração como válida e consagrada dentro do arsenal da cirurgia plástica, com indicações precisas para correções do contorno corporal em relação à distribuição do tecido adiposo subcutâneo.

Art. 2º - Que as cirurgias de lipoaspiração não devem ter indicação para emagrecimento.

Art. 3º - Que há necessidade de treinamento especifico para a sua execução, sendo indispensável a habilitação prévia em área cirúrgica geral, de modo a permitir a abordagem invasiva do método, prevenção, reconhecimento e tratamento de complicações possíveis.

Art. 4° - Que as condutas pré-operatórias devem ser as mesmas adotadas para quaisquer atos cirúrgicos, prevendo, além de apurada anamnese e exame físico, as avaliações clínicas, laboratoriais e pré-anestésicas necessárias.

Art. 5º - Que as cirurgias de lipoaspiração devem ser executadas em salas de cirurgias equipadas para atendimento de intercorrências inerentes a qualquer ato cirúrgico.

Art. 6º -Nas sedações endovenosas, bloqueios peridurais, raquianestesias e anestesias gerais é obrigatória a participação do anestesiologista cuja presença só é dispensável quando o ato cirúrgico for de pequeno porte e executado sob anestesia local sem sedação endovenosa.
Parágrafo 1º - Quando prevista a participação do anestesiologista, conforme o caput deste artigo, a indicação do tipo de anestesia a ser empregada deve ser de sua estrita decisão, sempre com vista ao pleno comprimento da Resolução nº 1.363/93.

Parágrafo 2º - O paciente ou seu responsável legal deve ter prévio esclarecimento sobre o tipo de anestesia indicado, e manifestar seu consentimento.

Parágrafo 3º - Deve ser motivo de vigilância apurada a possibilidade de intoxicação por anestésicos locais e vasos constritores, mediante identificação precoce de sinais e sintomas já conhecidos desta condição.

Art. 7º - A monitorização das variáveis hemodinâmicas e do débito urinário deve ser observada de maneira criteriosa para a adequada reposição volêmica.

Parágrafo único – O apurado controle de líquidos infiltrados mais líquidos infundidos e, também, do volume aspirado deve ser feito para evitar a super-hidratação ou a desidratação e seus efeitos indesejáveis.

Art. 8º - Que em vista da possibilidade de reposição hematológica, aventada no pré-operatório, tal fato deve ser comunicado ao paciente, para conhecimento e decisão.

Art. 9º - Que os volumes aspirados não devem ultrapassar 7% do peso corporal quando se usar a técnica infiltrativa; ou 5% quando se usar a técnica não-infiltrativa. Da mesma forma, não deve ultrapassar 40% da área corporal, seja qual for a técnica usada.

Parágrafo 1º - Casos que ultrapassem os parâmetros previstos no caput deste artigo e que possuam indicação médica de exceção têm sua execução restrita a ambientes de estrutura material hospitalar completa, sendo especificamente documentados e com nomeação explícita do cirurgião responsável pela indicação e execução do tratamento.

Parágrafo 2º - Deve ser evitada, no mesmo ato cirúrgico, a coincidência dos parâmetros máximos acima citados;

Parágrafo 3º - Considera-se volume aspirado o material coletado sobrenadante.

Art. 10 - Que a associação com procedimentos cirúrgicos outros deve ser evitada quando as relações entre o volume e a área corporal estejam próximas ao máximo admitido.

Art. 11 – Que devem ser tomadas medidas preventivas usuais para a ocorrência a de TVP e acidentes tromboembólicos.

Art. 12 – Que a alta do paciente deve observar os parâmetros estabelecidos na Resolução CFM nº 1.409/94, mesmo para os pacientes em regime não–ambulatorial.

Art. 13 – Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE

Presidente do Conselho

RUBENS DOS SANTOS SILVA

Secretário-geral

IV – RESOLUÇÃO CFM nº 1.483/97

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO que a Organização Mundial da Saúde (OMS) define saúde como o "estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas a ausência de doença";

CONSIDERANDO que, na Medicina, o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional, e que ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão;

CONSIDERANDO que as mastectomias parciais e totais são procedimentos médico-cirúrgicos aceitos na literatura e prática médicas;

CONSIDERANDO que os procedimentos médicos de retirada total ou parcial da mama, para tratamento das enfermidades específicas, resultam em deformidades;

CONSIDERANDO que deformidades pós-mastectomia trazem mal-estar físico, psíquico e social para suas portadoras;

CONSIDERANDO o Parecer da Câmara Técnica de Cirurgia Plástica, do CREMERJ e a Resolução CREMESP nº 80/97, sobre reconstrução mamária;

CONSIDERANDO que as ações de saúde devem contemplar a integralidade do atendimento;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária de 11 de setembro de 1997,

RESOLVE:

Artigo 1º. A reconstrução mamária, sempre que indicada com a finalidade de corrigir deformidade conseqüente de mastectomia parcial ou total, é parte integrante do tratamento da doença para a qual houve indicação de mastectomia.

Artigo 2º. A indicação e a técnica devem ser definidas pelo cirurgião como a que melhor se aplica ao caso, podendo utilizar-se de tecidos do próprio indivíduo ou inclusão de materiais não-orgânicos (próteses de silicone ou expansores) ou, ainda, qualquer outro material que venha a ser aplicável, desde que aprovado pelos órgãos competentes.

Artigo 3º. Os procedimentos na mama contralateral e as reconstruções do complexo aréolo-mamilar são também parte integrante do tratamento.

Artigo 4º. A presente Resolução entrará em vigor na data de sua publicação, revogando-se as disposições em contrário.

Brasília-DF, 11 de setembro de 1997.

WALDIR PAIVA MESQUITA

Presidente

EDSON DE OLIVEIRA ANDRADE

2º Secretário

Publicada no D.O.U. de 22.09.97 Página 21.075

V - RESOLUÇÃO CFM nº 1.478/97

O Conselho Federal de Medicina, no uso das atribuições conferidas pela Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958 e,

CONSIDERANDO que o alvo de toda a atenção do médico é a saúde do ser humano, em benefício da qual deverá agir com o máximo de zelo e o melhor de sua capacidade profissional;

CONSIDERANDO que ao médico cabe zelar e trabalhar pelo perfeito desempenho ético da Medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão;

CONSIDERANDO que é vedado ao médico praticar atos danosos ao paciente, que possam ser caracterizados como imperícia, imprudência ou negligência;

CONSIDERANDO que é dever do médico guardar absoluto respeito pela saúde e vida do ser humano, sendo-lhe vedado realizar atos não consagrados nos meios acadêmicos ou aceitos pela comunidade científica internacional;

CONSIDERANDO que é vedado ao médico divulgar informação sobre assunto médico de forma sensacionalista, promocional ou de conteúdo inverídico;

CONSIDERANDO que é vedado ao médico usar experimentalmente qualquer tipo de terapêutica ainda não liberada para uso no País, sem a devida autorização dos órgãos competentes e sem consentimento do paciente ou de seu responsável legal, devidamente informados da situação e das possíveis conseqüências;

CONSIDERANDO as diretrizes e normas regulamentadoras constantes na Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde;

CONSIDERANDO o parecer emanado da Câmara Técnica composta por membros deste egrégio Conselho Federal e da Sociedade Brasileira de Urologia;

CONSIDERANDO, finalmente, o decidido na Sessão Plenária do dia 6 de agosto de 1997,

RESOLVE:

Art. 1º. Definir como experimentais os procedimentos abaixo relacionados:

a) Cirurgia de alongamento peniano para correção de disfunção sexual;
b) Neurotripsia para correção da ejaculação precoce.

Art. 2º. Determinar que, para a execução desses procedimentos, sejam observadas as normas de pesquisa envolvendo seres humanos, aprovadas pelo Conselho Nacional de Saúde (Resolução nº 196/96), e o contido no Código de Ética Médica.

Art. 3º. Determinar que os protocolos referentes a tais procedimentos sejam aprovados e acompanhados pelo Comitê de Ética Institucional.

Art. 4º. Esta Resolução entrará em vigor na data de sua publicação.

Brasília-DF, 6 de agosto de 1997.

WALDIR PAIVA MESQUITA

Presidente

ANTÔNIO HENRIQUE PEDROSA NETO

Secretário-Geral

Publicada no D.O.U. de 12.08.97 Página 17.338


Bibliografia

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DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1998.

DINIZ, M. H. Curso de Direito Civil Brasileiro: Responsabilidade civil. São Paulo: Saraiva, 1996.

FORSTER, N. J. "Cirurgia plástica estética: obrigação de resultado ou obrigação de meios?". In: RT 738/83.

KFOURI NETO, M. A responsabilidade civil do médico. 2ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996.

PONTES DE MIRANDA. Tratado de direito privado. (pegar referências na biblioteca da FADISC) – TOMO LIII.

REALE, M. "O código de ética médica". In: RT 503/47.

RODRIGUES, S. Direito Civil: responsabilidade civil. 14ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1995, v.4.

SILVEIRA, R. A. "Responsabilidade civil do médico". In: RT 674/57.

STOCO, R. Responsabilidade civil e sua interpretação jurisprudencial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

THOMAZ JUNIOR, D. B. "Responsabilidade civil do médico". In. RT 741/88.

VENOSA, S. de S. Direito Civil: responsabilidade civl, 3ª. ed, São Paulo: Atlas, 2003.


Notas

1 PLANIOL:

"La faute est um manquement à une obligation preexistante dont la loi ordonne la réparation quand il a cause un dommage à autrui (Tratité élémentaire de droit civil, 7. ed. Paris, 1975, v. II, n. 863).

2 A expressão: bread and butter of the legal professions pode ser traduzida como o pão com manteiga dos profissionais do direito.

3 Pêlos que crescem na face da mulher em decorrência de um desequilíbrio hormonal.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CARBONEL, Thiago Ianez. Responsabilidade jurídica do cirurgião plástico: um panorama da questão no ordenamento brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 650, 19 abr. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/6588. Acesso em: 26 abr. 2024.