Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/65898
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Recuperação extrajudicial

Recuperação extrajudicial

Publicado em . Elaborado em .

A recuperação extrajudicial insere o Brasil num contexto internacional que tende ao reconhecimento de maior autonomia do devedor e dos credores em negociarem entre si um acordo que possibilite a superação da crise.

1 INTRODUÇÃO

O cenário internacional do direito concursal sofreu diversas modificações ao longo do tempo, sendo que, nas últimas décadas, isso ocorreu de forma acentuada. Uma das razões para isso foi a onda de reformas nas legislações estrangeiras, que se atualizaram e inseriram novos princípios e mecanismos de combate à crise financeira e econômica do empresário, dentre os quais, adotaram e incentivaram meios de composição extrajudiciais, ou com pouca intervenção do órgão judicial, entre o devedor e seus credores. Tais reformas se ampararam em diretrizes e recomendações de organismos internacionais, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a United Nations Commission on International Trade Law (UNCITRAL) e a International Association of Restructuring, Insolvency & Bankruptcy Professionals (INSOL International), o que gerou, no âmbito do direito concursal, uma relativa harmonização entre os princípios e orientações das legislações concursais de países como Estados Unidos, Alemanha, França, Portugal, Espanha e Argentina, entre outros.

Nesse sentido, percebe-se identidade nas disciplinas dos direitos concursais, não só princípios e objetivos, mas também em seus institutos, embora naturalmente sejam respeitadas as particularidades de cada país. Nesse contexto, atualmente existe uma prioridade nas legislações concursais que é priorizar a manutenção da atividade empresarial, de evitar a insolvência definitiva do devedor e de, quando a falência for inevitável, que seja feita de modo menos oneroso à atividade econômica e à coletividade.

O Brasil seguiu essa tendência e reformou a legislação concursal, com a promulgação da Lei n. 11.101/2005, conhecida como a nova Lei de Recuperação de Empresas e Falência. Esta Lei trouxe para o direito concursal brasileiro um texto distinto do diploma falimentar anterior (Decreto-lei n. 7.661/1945), regulando não só a falência dos empresários que se encontram em uma situação de insolvência, mas também trazendo institutos que tratam sobre a recuperação desses empresários que estiverem em crise financeira.

Essas mudanças promovidas pela Lei n. 11.101/2005 (LRF) foram necessárias para atualizar o tratamento destinado aos devedores empresários e se adequar às tendências no direito concursal estabelecido no cenário internacional. Internamente, a orientação que se estabeleceu se coadunou com as orientações da Constituição Federal de 1988, pois entre os princípios introduzidos pela LRF está a função social da empresa.

No direito empresarial, o princípio da função social da empresa relaciona-se, sobretudo, ao papel imprescindível que a empresa exerce para a sociedade, uma vez que ao exercer a atividade econômica, acaba por produzir externalidades positivas, como a geração de empregos, arrecadação de tributos e produção de riquezas. Sensível a tal valor, o legislador estabeleceu como orientação principiológica base da LRF o princípio da função social da empresa, e esse norteamento passa a ser presente em todos os seus institutos, a saber: de recuperação judicial e extrajudicial e falência.

A LRF trouxe várias modificações importantes. Uma delas foi a previsão de um instituto de falência com princípios e regras que privilegiam a otimização do uso de recursos produtivos da empresa. Outra, trata da criação da recuperação judicial, um instituto novo no direito concursal brasileiro. Extinguiu-se, assim, a concordata, a qual, nos últimos tempos, vinha apresentando sinais de desgaste e de ineficácia, não sendo, portanto, abrangida pela LRF. Finalmente, a última importante mudança apresentada pela LRF foi a introdução da recuperação extrajudicial no direito concursal brasileiro. É um instituto que recebe uma nova disciplina jurídica e que privilegia os acordos celebrados de modo extrajudicial. Vale dizer que além de pôr em prática a função social da empresa, a recuperação extrajudicial foi criada a fim de inserir o Brasil na tendência mundial de valorização de meios extrajudiciais de composição de credores, tendo em vista legislações dos mais diversos países e diretrizes emanadas de alguns organismos internacionais.

Assim, a previsão da recuperação extrajudicial na LRF buscou dar respaldo legal aos devedores que tentavam negociar diretamente com seus credores sem a necessidade, ou ao menos em menor grau, de intervenção do Poder Judiciário quanto ao teor dessa negociação. Isso significa que a ideia a ser implementada pela criação desse instituto é a de incentivo às soluções de mercado e de participação da autonomia privada na tentativa de reerguimento de uma empresa que se encontra em crise econômico-financeira. É certo que a recuperação judicial, que conta com uma intervenção ativa do Poder Judiciário, parece oferecer maior controle e segurança jurídica ao devedor e aos credores que participam da recuperação de um devedor em crise, especialmente quando se diz respeito a um plano de reestruturação complexo e colossal. Entretanto, como já é sabido, o sistema judicial brasileiro atualmente passou a ser ineficaz e ineficiente em decorrência de diversos problemas, entre eles, a burocracia e a morosidade. Por essa e outras razões, o procedimento de recuperação judicial torna-se mais demorado, complexo e custoso, e muitas vezes traz um grande tumulto para a empresa, o que pode comprometer a sua reputação. Ademais, não existe preparação suficiente do magistrado para lidar com problemas que envolvam outras áreas que não a jurídica.

Nesse sentido, surge a recuperação extrajudicial, que se propõe a ser um instrumento mais célere e de procedimento mais simplificado do que a recuperação judicial, o que, em tese, seria mais benéfico para o devedor e os seus credores, em razão da dinâmica e agilidade inerentes à matéria empresarial. Contudo, ainda não é um instituto de amplo reconhecimento e utilização prática pelo empresariado brasileiro e são poucos os casos em que foi escolhida a recuperação extrajudicial para o reerguimento de um devedor em crise econômico-financeira. Dado que a empresa tem um papel fundamental na sociedade, que as crises econômico-financeiras podem ocorrer a qualquer momento, e que a atividade empresarial deve ser mantida sempre que viável, é essencial a existência de instrumentos jurídicos eficazes que possibilitem a preservação da empresa no mercado.

Tendo em vista a relevância de ter um instrumento jurídico de recuperação extrajudicial no direito brasileiro que seja adequado para tratar a crise financeira dos empresários, e ainda a pouca prioridade que se tem dado a tal instituto, seja na academia seja na sua utilização prática, o presente estudo se justifica para provocar a reflexão sobre os fundamentos jurídicos da recuperação extrajudicial e as principais questões que se apresentam em face do disciplinamento existente no direito concursal brasileiro.


2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CONCURSAL NO BRASIL

Proclamada a Independência do Brasil em 1822, uma lei de outubro de 1823 ordenou que vigessem no Brasil as Ordenações, os Regimentos, os Alvarás, os Decretos e as Resoluções promulgadas por reis portugueses. Tais diplomas já regulavam a falência, de modo que regularam a matéria no território nacional até a adoção do Código Comercial de 1850. Glauco Alves Martins ensina que, nesta época, havia certo grau de liberdade para que o devedor procurasse seus credores quando estivesse em situação de dificuldades financeiras. Assim, era permitido que o comerciante em crise tomasse providências e estabelecesse negociações com seus credores, a fim de evitar que sua situação fosse dirigida à seara judicial. Isso demonstra uma leve adoção de acordos de natureza extrajudicial, tendo em vista que se admitia a convocação extrajudicial de credores para negociação e a concessão de moratória das dívidas, possibilitando a manutenção da atividade do devedor. No entanto, a legislação existente era bastante precária na matéria comercial, não impedindo quebras dos devedores, além de facilitar a prática de fraudes. A soma desses fatores incentivou uma nova regulamentação do tema no Código Comercial de 1850.

O Código Comercial de 1850, inspirado nos Códigos francês, espanhol e português regulou sistematicamente o direito falimentar no Brasil. Entretanto, não previa qualquer forma de acordo extrajudicial que evitasse a falência e também era omisso quanto à possibilidade de negociação entre devedores e credores. Ou seja, existiam muitas dúvidas quanto à validade das chamadas “concordatas amigáveis”. Além disso, esse Código estabelecia apenas uma forma de concordata, que não tinha caráter extrajudicial e que, posteriormente, ficou conhecida como concordata suspensiva. De acordo com o Código Comercial, após a instrução do processo da quebra deliberava-se sobre o projeto de concordata apresentado pelo falido, devendo ser aprovada pela maioria de credores em número e dois terços do valor de todos os créditos sujeitos aos efeitos da concordata.

Não obstante, o Código admitia a moratória, a qual não tinha caráter extrajudicial. Era concedida pelo Tribunal do Comércio, com a concordância da maioria dos credores em número e que, ao mesmo tempo, representasse dois terços da totalidade de dívidas dos credores sujeitos aos efeitos da moratória, conforme dispunha o art. 900. Sica considera a moratória como a origem da ideia de recuperação de empresas no Brasil. Para Requião, a moratória, concedida por no máximo três anos, fazia o papel de concordata preventiva, sendo independente da falência, desde que comprovada a possibilidade de pagamento futuro e que o inadimplemento adviesse de situação imprevista ou de força maior. Dessa maneira, concluímos que, embora admitisse a moratória, o Código Comercial de 1850 não trouxe meios de se obstar a declaração da falência de forma independente, tampouco fez referências quanto à possibilidade de negociações de natureza extrajudicial entre credores e devedores. O regime adotado pelo Código Comercial de 1850 era lento, complicado, dispendioso e importava, quase sempre, na quebra do devedor e no sacrifício dos credores, os quais muitas vezes preferiam aceitar concordatas fraudulentas a aguardarem a finalização dos demorados processos de falências.

Com a omissão do Código Comercial de 1850 em relação às negociações extrajudiciais seguiu-se, posteriormente, uma série de decretos que visavam a regular essa matéria. O Decreto n. 2.481/1859 foi o primeiro deles, e estabeleceu um regime rígido de proibição de acordos dessa natureza. Já o Decreto 3.308/1864, que tinha caráter emergencial, em razão de uma crise econômica na Capital do Império, introduziu um instrumento de recuperação do devedor, isto é, uma concordata que poderia ser concedida extrajudicialmente por credores que representassem dois terços da totalidade dos créditos. Entretanto, como foi promulgada em um contexto emergencial, a concordata amigável passou novamente a ser proibida pela legislação concursal, por meio do Decreto n. 3.516/1865. Por sua vez, o Decreto Legislativo n. 3065/1882 manteve tanto a moratória como a concordata suspensiva e exigia, para esta, apenas a maioria de credores em número, dispensando a o requisito de dois terços do valor dos créditos. Além disso, esse Decreto possibilitou a modalidade de concordata por abandono, que consistia na entrega de todos os bens ou parte do ativo da massa aos credores para que o realizassem e pagassem o passivo.

A seguir, o Decreto n. 917/1890 providenciou uma reforma no direito falimentar do Código Comercial brasileiro. Pela primeira vez, regulou-se, sistemática e detalhadamente, um mecanismo de recuperação extrajudicial do devedor, o acordo extrajudicial. Com esse Decreto, os credores passaram a ter um poder de atuação mais amplo, especialmente em relação aos instrumentos de prevenção da falência. O Decreto n. 917/1890 permitiu três meios preventivos de falência, quais sejam, a moratória, a cessão de bens e o acordo extrajudicial. Por outro lado, o Decreto n. 917/1890 também trazia dispositivos relativos à concordata. O instituto da moratória foi alterado, sendo concedido pelos credores, não mais pelo Tribunal. Mas as condições para a sua concessão não eram muito diferentes das previstas no Código Comercial de 1850. A cessão de bens objetivava obstar a declaração de falência por meio da imissão dos credores na posse dos bens do devedor.

No entanto, o grande diferencial do Decreto n. 917/1890 foi a introdução, pelo art. 120, do acordo extrajudicial, também chamado de concordata extrajudicial, que estava sujeito a um processo específico de homologação. O comerciante regularmente inscrito no registro do comércio que ainda não tivesse título protestado por falta de pagamento poderia requerer a homologação judicial de acordo assinado por credores que representassem pelo menos três quartos do seu passivo. Abria-se um prazo para que os credores apresentassem eventuais impugnações concernentes à má-fé, fraude ou dolo do credor. O acordo já homologado produzia efeitos para todos os credores quirografários, inclusive para aqueles que não tivessem consentido com ele anteriormente. Além disso, a homologação impedia que fosse decretada a quebra da empresa, salvo se por falta de pagamento de dívidas previstas no acordo ou das contraídas posteriormente. E, caso se negasse a homologação do acordo extrajudicial, a falência era automaticamente declarada.

Já em relação à concordata, passaram a coexistir duas modalidades: a suspensiva e a preventiva. A concordata suspensiva objetivava sustar o procedimento de falência, de modo a cancelar seus efeitos e dar ao devedor a chance de reassumir a administração de seus bens e a continuidade de sua atividade. A concordata preventiva tinha por escopo evitar que o devedor fosse declarado falido. Ambos os tipos baseavam-se nos mecanismos de remissão de dívidas e de dilação do prazo para pagamento, ou na combinação dos dois. Na concordata preventiva, o devedor que tivesse feito extrajudicialmente algum acordo ou concordata com credores antes do protesto por falta de pagamento deveria requerer a homologação pelo juiz. Sendo obtida, o devedor não poderia ser decretado falido.

Requião explica que, com a formação de assembleia de credores, após se verificarem os créditos e relatório do curador fiscal sobre as causas determinantes da falência, o falido poderia apresentar a proposta de concordata, independentemente de apoio anterior dos credores. Havia a concordata por abandono e a concordata por pagamento. De acordo com o art. 43, a concordata por abandono consistia na adjudicação de todos os bens integrantes da massa, ou de parte deles, pelos credores para pagamento do passivo, e importava na completa desoneração do devedor, o qual se livrava dos efeitos comerciais, civis e criminais da falência. Já a concordata por pagamento relacionava-se à remissão ou dilação, e consistia na manutenção do devedor na posse da massa pelo tempo acordado para o pagamento dos credores, nos termos propostos e aceitos. E apenas depois do cumprimento dos ajustes da concordata o devedor ficava desonerado e livre dos efeitos comerciais, civis e criminais da falência. Nota-se que era necessária a autorização três quartos da totalidade dos créditos reconhecidos verdadeiros e admitidos ao passivo para a concordata, e esta era homologada pelo juiz.

No que diz respeito ao aspecto processual, Requião ensina que a concordata preventiva era requerida ao juiz, este convocava uma reunião de credores, em petição promovida pelo devedor por editais, juntamente à proposta. Nessa petição, o devedor deveria expor as causas do seu estado, juntando seus livros, o balanço exato do ativo e do passivo, a conta dos lucros e perdas, a relação nominal dos credores, com seu domicílio, natureza e importe de cada crédito e o prazo do pagamento. Após a aceitação de credores representantes de pelo menos 3/4 da totalidade do crédito, o juiz poderia homologar a proposta ou não. No entanto, o juiz poderia expedir desde o recebimento do pedido de convocação dos credores uma ordem para sustar todos os procedimentos executivos pendentes, ou os que fossem futuramente intentados, até a homologação da concordata. Da não homologação era possível interposição de agravo de petição.

Importante destacar que a concordata, seja preventiva ou amigável, tinha caráter contratual, especialmente na forma extrajudicial, tanto na hipótese de aceitação unânime dos credores como na imposição do plano à minoria dissidente quando da homologação. Essa era a posição majoritária, havendo, por outro lado, quem defendesse a teoria da imposição legal. Ferreira e Mendonça, contudo, explicam que era a equidade formava a formava a obrigação e constrangia a minoria, evitando que ela prejudicasse a maioria e a vantagem comum aos credores e ao devedor. Daí a exceção ao princípio dos contratos, uma vez que a os credores formam uma associação, e a maioria deles é que representa os interesses dessa associação. O Decreto n. 917/1890 fixava a maioria em três quartos da totalidade do passivo.

Além dos mencionados instrumentos, outras formas de acordo extrajudicial poderiam ser consideradas válidas, com a eficácia independente de homologação extrajudicial, desde todos os credores aceitassem tal acordo.

Não obstante, o país viveu uma forte crise inflacionária, somada à desenfreada especulação na bolsa de valores o e o crescente aumento do custo de vida, decorrentes da política monetária de encilhamento instituída em 1891 pelo Ministro da Fazenda Rui Barbosa no Governo Provisório de Deodoro da Fonseca. Esse cenário provocou a quebra de inúmeros comerciantes e a prática de fraude no processamento. Assim, o sistema trazido pelo Decreto n. 917/1890 foi sendo severamente criticado, pois muitos credores se aproveitavam dos devedores quando da celebração do acordo preventivo, fosse em razão de muitas facilidades e meios para que os devedores evitassem a falência, ou em razão do excesso de poder e autonomia dos credores. Além disso, criticou-se também o excesso de meios preventivos de falências trazidos por esse diploma legal, a não sujeição das sociedade anônimas à falência, a falta de clareza na separação dos interesses públicos e privados e das responsabilidades civil e criminal. Por fim, importante observar que os problemas referentes ao Decreto n. 917/1890 derivavam não só das diretrizes traçadas pelo diploma legal, mas também das interpretações do magistrado, as quais desconsideravam as motivações originárias.

As falências e fraudes decorrentes da política monetária de encilhamento, somadas à impunidade dos falidos fraudulentos, fizeram com que fossem exigidas reformas no Decreto n. 917/1890, resultando então na Lei n. 859/1902, que baniu tanto a concordata por abandono como a moratória. Essa lei foi regulada pelo Decreto n. 4.855/1903, mas teve uma vigência efêmera, pois foi logo substituída em 1908 pela Lei n. 2.204, a qual realmente trouxe novidades quanto ao sistema recuperacional. Essa Lei, cujo projeto foi de José Xavier Carvalho de Mendonça, providenciou uma profunda reforma na legislação falimentar brasileira, tendo como objetivo “desterrar a fraude, o conluio, a má-fé, e a chicana, dando-lhes caça, onde quer que se ocultem”. Entretanto, foi posteriormente modificada e ampliada pela Lei n. 5.746/1929, reduzindo-se o rigor para a concessão da concordata.

A Lei n. 2.024/1908 representou uma grande mudança no direito brasileiro quanto aos acordos extrajudiciais, porquanto veio a abolir a concordata extrajudicial e a moratória, consolidando tão somente a concordata judicial sob duas formas: preventiva e suspensiva (na falência). A concordata, preventiva ou terminativa, somava três elementos principais, quais sejam: a proposta pelo devedor, a aceitação pelos credores e a homologação. Ademais, o processamento ou a homologação da concordata eram obrigatoriamente realizados em juízo, e o poder do magistrado englobava a verificação dos requisitos legais para a concessão da concordata, tutela dos interesses envolvidos, investigação da boa-fé do devedor, análise da procedência ou não das oposições, não podendo alterar nem criar o conteúdo das obrigações pactuadas, conforme leciona Alessandra Domingues.

Sica acrescenta que o procedimento da concordata passou a contar com a atuação de um representante do Ministério Público, bem como a fiscalização de atos por comissários nomeados pelo juiz. Ademais, o devedor podia evitar a falência requerendo ao juiz a convocação de seus credores para lhes propor a concordata preventiva, desde que obedecesse aos requisitos legais a serem verificados pelo juiz. Além disso, havia também a possibilidade da concordata que suspendia os efeitos da falência no curso desta, sendo que a falta de cumprimento das condições resultaria em rescisão da concordata seguida de declaração de falência. Fundamental observar que sem a homologação judicial a concordata não existiria nos termos da Lei n. 2.024/1908, de modo que só assim passava a produzir seus regulares efeitos. Entretanto, a força obrigatória de cumprimento do acordo não decorria da homologação, mas da própria convenção, ou seja, da aceitação pelos credores da proposta do devedor. Isso porque a concordata mantinha neste diploma legal o caráter contratual.

Além disso, a Lei n. 2.024/1908 trouxe a ideia de que a convocação de credores com o escopo de celebrar acordo extrajudicial para a salvar um devedor em crise era causa para a declaração de falência do mesmo, pois esta prática, chamada de ato de falência, era entendida como presunção de insolvência. Portanto, passou-se a um momento de severa proibição das negociações extrajudiciais, o qual perdurou até a promulgação da LRF. Domingues afirma que “a Lei nº 2.024 tolerava a concordata amigável apenas quando concordava a unanimidade de credores, mas sujeitava tal acordo ao regime do direito comum (...)”. Por fim, Sica considera que foi a partir da Lei n. 2.024/1908 que surgiu uma burocratização e judicialização dos procedimento de recuperação das empresas em crise, além do seu alto custo e inacessibilidade para as empresas de menor porte. Não obstante, tal Lei passou a regulamentar, de maneira mais cautelosa, a concordata preventiva e a concordata suspensiva, mas estas sofreram importantes alterações pelo Decreto-lei n. 7.661/1945.

O Decreto-lei n. 7.661/1945 conservou a ideia de proibição das tratativas extrajudiciais entre devedores em crise e credores, bem como manteve a concordata nas formas suspensiva e preventiva. A concordata preventiva, antes vinculada a uma natureza contratual, passou a ser considerada como um favor legis, ou seja, um direito do comerciante honesto e de boa-fé a ser judicialmente pleiteado e concedido pelo Estado, por sentença do juiz, visando a evitar acordos fora do processo que prejudicassem o princípio de igualdade entre credores. A concordata preventiva era pleiteada pelo comerciante que se encontrava em boa situação econômica, mas em situação financeira ruim. Sendo assim, servia para que se concedesse a este comerciante um prazo maior para pagamento de credores quirografários, a fim de que pudesse reorganizar sua vida financeira e, consequentemente, evitar a falência. Já a concordata suspensiva se destinava àquele comerciante que já tinha sido decretado falido, de modo que lhe era dada a oportunidade de retomar a administração da empresa e tentar reerguê-la.

Tzirulnik leciona que a concordata era definida pela doutrina brasileira como “uma demanda que tem por objeto a regularização das relações patrimoniais entre o devedor e seus credores quirografários, evitando a declaração da falência ou fazendo cessar seus efeitos, caso já tenha sido declarada”. Para a concessão da concordata bastava o preenchimento de requisitos legais e objetivos pelo credor, que passava a não mais se sujeitar à vontade do credor. Em relação a isso, Sica ressalta que não se avaliava a real possibilidade de reerguimento da empresa “e, muitas vezes a deixavam à mercê de credores mal intencionados ou com o intuito único de reaver o seu crédito a qualquer preço, ainda que sob pena de arruinar a possibilidade de a empresa recuperar-se”. Ou seja, a concordata era um favor legal concedido em razão do cumprimento de formalidades burocráticas, sem qualquer preocupação com estratégias de recuperação.

Ademais, o Decreto-Lei n. 7.661/45 restringia a concordata para tão somente créditos quirografários, enquanto os demais credores podiam propor ou dar continuidade às cobranças judiciais de seus créditos; bem como trazia as formas de remissão das dívidas e as regras de dilação de prazo para o pagamento dos credores. Toda essa combinação culminou em severas críticas pela doutrina e consequente flexibilização na aplicação das normas. Domingues entende serem estes os fundamentos do insucesso da concordata, além de sua ineficácia como remédio legal apto a solucionar a situação financeira do devedor em crise financeira, tendo em vista que 90% das empresas em concordata foram à falência. Requião entende que o Decreto-lei n. 7.661/1945 trouxe muitas inovações, sendo que reforçou poderes do magistrado perante a influência dos credores, e também passou a considerar a concordata como benefício concedido pelo Estado ao devedor honesto. Em decorrência disso, as críticas a esse diploma legal eram diversas. Waldemar Ferreira afirmou que o novo sistema acabava por beneficiar a figura do devedor em detrimento dos credores, porque estes teriam sofrido grandes restrições a seus direitos creditórios, como por exemplo a intervenção na concordata frente ao juiz, que passou a deter maior poder sobre a matéria.

Mais especificamente em relação à negociação de natureza extrajudicial, o Decreto-lei n. 7.661/1945 mostrou-se completamente contrário a ela. Em primeiro lugar, faltava um instituto jurídico que lhe desse eficácia jurídica. Essa omissão normativa era totalmente contrária à tendência de evolução de acordos preventivos extrajudiciais existente em outros países, conforme se verá adiante. Além disso, o Decreto-lei n. 7.661/1945 proibia expressamente a negociação extrajudicial entre credores e devedores. Em primeiro lugar, o art. 2º, III, do Decreto-lei n. 7.661/1945 dizia que o devedor estava proibido de convocar os credores para uma assembleia que tivesse por fim propor dilação, remissão de créditos ou cessão de bens, sob pena se considerá-la ato de falência, e ainda considerava o pagamento antecipado de credores, em prejuízo de outros, como conduta delituosa.

De acordo com a doutrina, esta prática era vista como confissão extrajudicial do estado de falência, pressupondo desorganização da empresa e risco de fraude nas suas operações. Martins entende que “o legislador de 1945, ao considerar tal hipótese, fez uma nítida opção em favor da coletividade de credores, coibindo preventivamente eventuais fraudes, ainda que em prejuízo da reestruturação da atividade econômica”. Isso porque se impedia o devedor de convocar apenas um determinado grupo de credores para lhes propor situação vantajosa, excluindo-se outros grupos de credores, ideia da qual se depreende que era preferível a quebra do comerciante e posterior rateio do patrimônio entre todos os credores do que a possibilidade de manutenção da atividade por meio da autonomia privada. Por outro lado, Sztajn reforça que a concordata, especialmente a preventiva, também era prejudicial aos credores, uma vez que servia apenas para ganhar tempo e, na maioria das vezes, quando o processo se convolava em falência, os ativos valiam muito menos que no início, o que prejudicava os credores.

Todavia, mesmo com a proibição legal, era possível a negociação extrajudicial, desde que todos os credores aceitassem a proposta do devedor. Isso evitaria que entrassem em juízo ou se provocasse a falência, mas o credor ficaria sem qualquer respaldo judicial contra esse pedido. Na prática, o devedor continuou a procurar credores para a negociação extrajudicial, nomeando, para tanto, bancos como seus mandatários, fato que fez surgir a denominada “concordata branca”. Ou seja, a concordata branca surgiu durante a vigência do Decreto-lei n. 7.661/1945, mas não tinha qualquer amparo legal. No mais, a concordata branca referia-se a qualquer iniciativa do devedor de procurar seus credores a fim de assumir que estava enfrentando uma situação de crise, propondo-lhes moratória ou outra forma de pagamento distinta da originariamente acordada. Na prática, passou a ser frequentemente utilizada nos negócios porque os instrumentos oferecidos pelo Decreto-lei n. 7.661/1945 não eram eficazes para o reerguimento do devedor e porque proporcionava diversos benefícios que a concordata não oferecia, como diminuição de riscos à decretação da falência em razão do descumprimento de formalidades ou de conteúdo do acordo, não limitação aos credores quirografários, liberdade de negociação, não se restringindo às formas dispostas em lei.

Por outro lado, a prática da concordata branca era acompanhada de insegurança às partes, o que desestimulava a participação de todos os interessados, além de trazer o risco de algum credor envolvido na negociação requerer a falência com fundamento do art. 2º, III, do Decreto-Lei n. 7.661/1945. Assim, com a prática frequente da concordata branca, ficou clara a discrepância entre a realidade e a lei. Domingues resume bem como era impróprio o sistema trazido pelo Decreto-Lei n. 7.661/1945:

“(...) verificou-se que o modelo concursal eleito era igualmente inadequado e ineficaz a regular a realidade econômica das empresas inseridas em contextos complexos de governança corporativa, de grupos econômicos, de crescimento das relações internacionais e de globalização, inclusive em razão de ter eleito o conceito de comerciante, ao invés do conceito de empresa, tanto festejado por Ascarelli, não imprimindo a diferenciação entre a pessoa do comerciante a atividade economicamente organizada.

Tal inadequação originou-se não da rigidez da lei que não a permitia acompanhar a revolução sócio-econômica brasileira – fator que contribuiu, por certo, para a ineficácia da lei no tocante à solução da crise financeira do devedor –, mas da própria dissonância entre o espírito da lei e a época em que entrou em vigor, como explica Nelson Abraão. (...)

De fato, o referido Decreto-Lei nasceu velho, revelando uma preocupação demasiada com a figura dos credores, privilegiando a falência e abortando tentativas de reestruturação de empresas que eram viáveis e poderiam voltar a ser lucrativas. Favorecia o ganho individual dos credores em detrimento da perda de empregos, da geração de riquezas e perda econômica para a sociedade, indo na contramão da tendência mundial dos sistemas concursais pautados na preservação da empresa.”

Concluímos que qualquer tentativa de negociação entre devedor e credor em momento pré-falimentar, que fosse realizada fora do âmbito judicial, estava à margem da lei. Consequentemente, inúmeras críticas foram realizadas quanto a esta sistemática, a qual demonstrava-se demasiadamente distante da realidade prática, vez que diversos acordos extrajudiciais informais foram firmados a despeito da proibição legal. Aos poucos, o entendimento do magistrado foi sendo flexibilizado no sentido de aceitar novas formas de composição de devedores, mesmo na pendência de uma concordata preventiva, por exemplo. Logo, era bastante claro que o sistema concursal brasileiro não caminhava juntamente às orientações legais dos demais países do mundo. Como resultado de tantas críticas e orientações jurisprudenciais que permitiam o uso de soluções de mercado para o devedor em crise financeira, houve uma mobilização para o legislador reformasse o direito falimentar brasileiro, resultando, posteriormente, na LRF. Essa Lei revogou o diploma falimentar então vigente, introduzindo no Direito brasileiro um novo sistema concursal norteado por outros novos princípios, bem como passou a promover institutos muito diferentes daqueles apresentados pelo Decreto-lei n. 7.661/1945.

Posteriormente, a Lei n. 4.983/1966 foi elaborada para realizar alterações no Decreto-lei n. 7.661/1945. Ela veio coibir abusos praticados por diversos devedores que procrastinavam a todo custo o procedimento de homologação do pedido da concordata preventiva, uma vez que o prazo para pagamento começava a correr a partir da sentença de homologação. Com a Lei n. 4.983/1966 o prazo passou a se iniciar na data do pedido de seu ingresso em juízo. A despeito de tais alterações, a Lei n. 4.983/1966 não apresentou mudanças profundas na sistemática concursal do Direito brasileiro. Ressalta-se que a doutrina tem como referência de diploma falimentar anterior à LRF o Decreto-lei n. 7.661/1945

Desde a década de 1970, a doutrina brasileira chamava atenção para a necessidade de uma reforma na legislação falimentar. Cumpre observar que a Lei n. 7.274/1984 mudou poucos dispositivos da Lei falimentar vigente, sendo que a Lei 6.024/1974 foi a última a alterar a matéria relativa a negociação extrajudicial, dispondo sobre intervenção e liquidação extrajudicial de instituições financeiras. Mais adiante, em meados de 1991, frente à necessidade de uma nova lei falimentar, foram constituídas comissões específicas, integrada por renomados juristas, para que se iniciasse o processo de elaboração. Em 1993, nasceu o Projeto de Lei n. 4.276 por iniciativa do Poder Executivo, o qual formulou o anteprojeto remetido ao Congresso Nacional, e o Projeto de Lei n. 4.276/1993 deu origem à atual Lei de Recuperação e Falências. No texto do anteprojeto não havia nenhuma referência quanto à recuperação extrajudicial ou instituto semelhante e, portanto, não demostrava qualquer tipo de avanço quanto aos meios extrajudiciais de reorganização das empresas em crise.

O Projeto de Lei n. 4.276/1993, em trâmite da Câmara dos Deputados, foi deixado de lado por quase dez anos, mas, a partir de 2002, seu trâmite foi retomado com a participação de juristas e especialistas em matéria concursal, passando a trazer dispositivos mais modernos sobre falências, buscando uma maior rapidez e eficiência no processamento e recuperação judicial, além de introduzir, nesta fase, o instituto da recuperação extrajudicial no Brasil. O resultado de tudo isso foi o chamado “Projeto Biolchi” – em razão do Deputado Relator Oswaldo Biolchi –, que era significantemente distinto do anteprojeto. Importante observar que foram realizadas audiências públicas para que se contasse com a participação popular, bancos, Ministério Público, Governo Federal e diversos outros especialistas na área. Martins leciona mais detalhadamente sobre a inserção da recuperação extrajudicial no Projeto:

“Um dos aspectos mais positivos e relevantes dessa fase do trâmite legislativo do Projeto de Lei nº 4.376/93 foi a inclusão do instituto da recuperação extrajudicial, a qual foi resultado da solicitação de diversos especialistas em reorganização de empresas e renegociação de dívidas, bem como a exclusão de qualquer hipótese de ato de falência que pudesse inviabilizar os processos coletivos de negociação extrajudicial com credores. Para que não restasse qualquer dúvida a esse respeito, um dos artigos do Projeto Biolchi mencionava expressamente que a convocação extrajudicial de credores não mais seria considerada ato de falência.

O ponto alto da proposta de regulamentação do instituto era a possibilidade de imposição dos termos de um plano de recuperação elaborado e discutido extrajudicialmente a um grupo de credores minoritários e dissidentes. Outro com essa inovação, era de se esperar que os processos coletivos de renegociação de dívidas ganhassem um ritmo novo, dada a pressão a que ficariam submetidos os credores dissidentes. Outro ponto positivo era a tentativa de proteção dos atos previstos no plano de recuperação extrajudicial contra eventuais declarações de ineficácia ou ações revocatórias, na hipótese de futura declaração de falência do devedor”.

Em seguida, o Projeto foi enviado ao Senado Federal, tendo como Relator o Senador Ramez Tebet, sendo sensivelmente alterado em relação à versão anterior, em razão da Emenda apresentada e aprovada pelo Plenário do Senado. A Emenda Tebet praticamente reformulou o instituto da recuperação extrajudicial, conforme consta do próprio Relatório do Senador Ramez Tebet, e como afirma Martins. De acordo com esse Relatório, o projeto nos moldes anteriores previa, injustificadamente, uma recuperação extrajudicial muito semelhante à recuperação judicial, não havendo qualquer necessidade para a implementação de dois instrumentos tão parecidos. Por esse motivo, quando da tramitação no Senado Federal, houve uma alteração substancial do instituto da recuperação extrajudicial, a ser utilizada por devedores em situações de crise distintas daquelas pelas quais os devedores que se utilizam da recuperação judicial passam. Dessa maneira, a recuperação extrajudicial passou a servir àqueles casos em que o estado de crise econômico-financeira é menos gravoso, sendo que a recuperação judicial deve ser o último recurso a ser utilizado pelos empresários e sociedades em dificuldades, pois implica em medidas mais severas referente aos direitos dos credores, como a imposição do plano à minoria dissidente.

Assim, após passar pelo Senado Federal, a recuperação extrajudicial delineou-se como um instituto em que é possível a convocação pelo devedor dos seus credores para a apresentação de um plano, o qual terá efeitos apenas àqueles que optarem expressamente pela adesão (observa-se que eventualmente, é possível a recuperação extrajudicial impositiva, conforme se verá mais a frente). Além do mais, tem-se a homologação do plano extrajudicial, fase esta que serve especialmente para lhe conferir segurança jurídica. Nesta etapa, há a oitiva do Ministério Público, bem como de credores pelo magistrado, o qual deverá verificar, ainda, se não há a intenção de se prejudicar outros credores. Desse modo, diminui-se a possibilidade de que, com maior liberdade e autonomia pelo devedor e credores, estes pratiquem atos fraudulentos.

Depois disso, o Projeto retornou à Câmara, mas esta não realizou alterações quanto à recuperação extrajudicial, de modo que o Projeto de Lei n. 4.276/1993 foi sancionado e promulgado no ano de 2005, sem nenhum veto presidencial. Sica ainda afirma que, no Projeto de Lei n. 4.276/1993, a recuperação extrajudicial “consistia na possibilidade de o devedor convocar credores ou classes de credores e apresentar proposta de plano de recuperação sem que fosse caracterizado ato de falência”. O devedor poderia então requerer a homologação em juízo do acordo, desde que obedecesse a determinados requisitos. Entretanto, eram passíveis de homologação apenas as propostas aprovadas pela maioria credores em número e que representassem no mínimo três quintos da totalidade dos créditos. Destaca-se, ainda, que o plano de recuperação extrajudicial submetido à homologação judicial gera efeitos diferentes daqueles celebrados sem a participação do Judiciário, e essa ideia foi inserida já no Projeto de Lei n. 4.276/1993. Assim, o plano homologado judicialmente produziria efeitos inclusive aos credores dissidentes, enquanto que o plano sem homologação vincularia apenas o devedor e os credores contratantes.

Importante ressaltar que, embora o projeto de lei tenha passado por 11 anos de tramitação legislativa, a Lei 11.101/2005 não foi fruto de um processo de intenso estudo, sendo mero resultado de uma versão criada meses antes da sua promulgação. Bezerra Filho ressalta que após 10 anos de paralisação do projeto, este retornou aos olhos do Legislativo quando o FMI e o Banco Mundial pressionaram para que a Lei fosse aprovada, nos moldes das 35 recomendações dadas por essas instituições, apresentando o autor diversas críticas à Lei decorrentes desse fato. Conforme visto anteriormente, nos últimos anos da vigência do Decreto-lei 7.661/1945, o direito concursal brasileiro andava em descompasso com as legislações mais desenvolvidas de outros países, como Estados Unidos, Argentina e França, que acolhiam a regulação amigável e extrajudicial do devedor com seus credores. Além do mais, a rigidez desse Decreto-lei era incompatível com a presente dinâmica econômica-empresarial, de modo a induzir o credor a adotar soluções à margem da lei, como por exemplo a concordata branca, a despeito da proibição legal. Como resultado das inúmeras críticas, surgiu o Projeto de Lei n. 4.276/1993, que deu origem à LRF, a qual passou a regular a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária. Assim, LRF inseriu o Brasil no contexto mundial na disciplina do devedor em crise, evidenciado pelas seguintes tendências: diferenciação dos negócios em dificuldades daqueles inviáveis; reconhecimento da função social da atividade empresarial e de todos os interesses envolvidos; busca do maior equilíbrio na defesa dos interesses dos credores, devedores e outros interessados; estabelecimento de maior celeridade e economia processual; e estímulo de soluções de mercado, em contraposição ao ideal da legislação anterior, na qual se buscava apenas a solução liquidatária para a crise econômico financeira da atividade empresarial.

Dessa maneira, a LRF passou a adotar a teoria da empresa e também uma posição mais moderna em relação à matéria concursal, prevendo o instituto da recuperação, fixando a ideia de reorganização do devedor em crise econômico-financeira e continuidade da atividade empresarial. Mesmo quando entende ser inviável o reerguimento do devedor em crise, a LRF trouxe dispositivos legais que têm como escopo manter a unidade produtiva. Nesse contexto, a LRF pôs fim à concordata preventiva e suspensiva, passando a oferecer quatro hipóteses para a solução da crise da atividade empresária: (i) a recuperação judicial, (ii) a recuperação extrajudicial, (iii) a liberdade de negociação entre devedor e seus credores e, finalmente, (iv) falência.


3 A RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL NA LRF

         Para Rachel Sztajn, a recuperação extrajudicial guarda semelhança com a antiga concordata, quando esta ainda não era um favor legal, mas somente acordo ente devedor e credores. É a recuperação extrajudicial uma “ação judicial que tem por finalidade a homologação, por sentença, de acordo celebrado pelo devedor com determinada(s) espécie(s) ou grupo de credores”, conforme a definição de Luiz Fernando Valente Paiva.

            A recuperação extrajudicial é basicamente um acordo especial realizado entre devedor e determinados credores, condicionado à homologação pelo Poder Judiciário. Domingues afirma que com a recuperação extrajudicial “o legislador concedeu ao devedor um meio mais eficaz, rápido e flexível, menos custoso, complexo e traumático para a renegociação de suas dívidas, com a possibilidade de se socorrer de soluções de mercado para sanear a crise financeira da empresa”. Por este instituto, o devedor tem a chance de negociar um plano de recuperação diretamente com seus credores, o que era proibido pela lei falimentar anterior, e este plano pode ser homologado judicialmente para que se dê maior segurança às partes envolvidas. Seu processamento judicial é breve e simples, uma vez que se restringe à homologação do plano. Rachel Sztajn afirma que é um acordo entre devedor e credores que traz diversas implicações:

“Acordo este que implica na novação de obrigações, transações, venda de ativos, reformulação da cadeia produtiva, busca de eficiência alocativa, enfim, análise dos fatos que levaram à crise da empresa, revisão de procedimentos, readequação das ações administrativas para preservar se não a totalidade, ao menos parte das atividades”.

De acordo com Francisco Satiro Souza Junior, a recuperação extrajudicial “encontra-se no espaço existente entre a recuperação judicial (que atinge maior número de credores e acarreta um sem número de efeitos) e o acordo simples ou workout agreement (que só gerará efeitos contratuais ordinários quanto aos contratantes)”. É um meio muito mais simples e menos ambicioso que o da recuperação judicial para a solução de uma crise econômico-financeira, posto que a forma extrajudicial se põe a solucionar problemas mais pontuais dessa crise.

A título de comparação, assim como a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial também foi introduzida no sistema concursal brasileiro pela atual Lei de Recuperação e Falências (LRF), em razão de uma busca por modernidade no direito concursal nacional, inserido na tendência no direito comparado de reconhecimento da função social da atividade empresarial. As duas formas de recuperação, judicial e extrajudicial, são institutos hábeis a promover a manutenção da atividade empresarial, e colocam um fim ao instituto da concordata, tanto preventiva como suspensiva, que se tornaram ineficientes. Essa lei traz o Capítulo VI dedicado exclusivamente à recuperação extrajudicial.

A recuperação extrajudicial se contrapõe em alguns pontos à recuperação judicial. Primeiramente, em razão se ser um instrumento bem menos abrangente e ambicioso do que a recuperação judicial, a qual se presta a solucionar problemas estruturais generalizados e que exigem reformas societárias ou operações de grande complexidade, especialmente envolvendo relevantes alterações em direitos de garantia e propriedade, situações de profunda liquidez ou insolvabilidade, ou ainda, em casos relacionados a problemas complexos que envolvam interesses divergentes de diferentes credores ou classes de credores, conforme leciona Souza Junior. Além disso, a recuperação extrajudicial destoa da judicial porque possibilita que a discussão e aprovação de um plano de recuperação de um devedor ocorra fora do âmbito do Poder Judiciário. Ou seja, ao menos em teoria, é um instituto que possibilita uma maior participação da autonomia privada na discussão do plano de recuperação.

A LRF prevê duas formas pelas quais a recuperação extrajudicial pode ocorrer. Essa distinção basicamente consiste na possibilidade, ou não, de imposição do acordo aos credores que não o tenham subscrito. Não obstante, em ambas as modalidades cabe ao devedor escolher os credores com quem pretende negociar o plano a ser homologado judicialmente e quais credores se sujeitarão a ele. Obviamente, reforçamos que a recuperação extrajudicial deve ser utilizada apenas em situações em que houver viabilidade econômica. Sobre isso, Sztajn afirma que é a percepção de que o valor do negócio é maior do que seu valor liquidação que leva os credores a preferirem a recuperação do devedor do que a falência, e a possibilidade de reorganizar um negócio implica em gasto de recursos que, em última análise, cabe aos credores. Daí a ideia do direito dos credores em aprovar ou não o plano de recuperação. E sendo a recuperação extrajudicial um acordo entre devedor e credores, necessariamente os credores devem concordar com os termos do plano apresentado.

Na primeira modalidade de recuperação extrajudicial, convencional, vinculam-se tão somente os credores signatários dos termos do quanto contratado. Essa modalidade é denominada recuperação extrajudicial meramente homologatória, porquanto tem-se um simples acordo levado a juízo para homologação. De fato, o art. 162 da Lei dispõe sobre a homologação de um plano de recuperação extrajudicial acompanhado de justificativa e documento contendo os termos e condições, bem como de assinaturas dos credores que a ele aderirem. Isso demonstra uma concordância por parte dos credores em relação ao plano, tendo em vista que, neste caso, eles têm a faculdade de aderir ou não ao conteúdo proposto pelo devedor. Logo, trata-se de modalidade de recuperação extrajudicial em que o devedor apresenta um plano aos credores, os quais voluntariamente aderem a ele, sendo tal plano levado à homologação judicial. Sobre a recuperação extrajudicial meramente homologatória, Francisco Satiro Souza Junior ainda complementa:

“Neste caso, a natureza do crédito dos aderentes só é relevante para os fins das restrições previstas no caput do art. 161, vez que só sofrerão os efeitos do plano as obrigações relativas àqueles que voluntariamente optaram por aceitá-lo e nos limites do quanto aceito. Não há nenhuma restrição a tratamento diferenciado entre os aderentes, quer sejam da mesma classe ou não”.

Já na segunda modalidade, mais complexa, a denominada recuperação extrajudicial impositiva, todos os credores sujeitam-se aos seus efeitos, incluindo aqueles que se recusaram a aceitá-la, desde que aprovado por credores representantes de mais de 3/5 dos créditos de cada classe objeto de deliberação no plano de recuperação. Portanto, a recuperação extrajudicial impositiva se refere à situação em que o devedor procurou negociar com todos os credores, ou pelo menos com a sua maioria, mas encontrou resistência de uma minoria dissidente. Essa espécie também conta com a homologação judicial, e vem no sentido de dar maior eficácia ao escopo da LRF de preservação da empresa e primazia da recuperação do devedor frente à falência, uma vez que a não aceitação de apenas alguns credores não pode obstar a prática de um plano de recuperação subscrito pela maioria. Cumpre observar que, ainda assim, é possível a impugnação do plano, conforme o art. 164 da Lei n. 11.101/05, observado o disposto no §3º, segundo o qual os credores somente podem evocar as alegações nele previstas. Não obstante, a recuperação extrajudicial demanda tratamento equitativo para os credores aos quais será imposto o plano. Este plano deverá ser homologado judicialmente, sendo necessário que o devedor apresente documentos em maior número e complexidade para avaliação pelo Judiciário, consoante o art. 163, §6º da LRF. Dessa forma, se evita que determinados credores ajam de maneira oportunista, em conflito com outros credores e até mesmo da empresa.

Merece destaque o fato de que alguns autores fazem a distinção não em espécies de recuperação extrajudicial, mas distinção em modalidades de homologação do plano de recuperação extrajudicial. É em razão disso que, por exemplo, Fábio Ulhoa Coelho utiliza os termos homologação facultativa, para a hipótese do art. 162, em que há adesão de todos os credores atingidos pelas medidas previstas no plano de recuperação, e homologação obrigatória, para os casos em que o devedor obteve adesão de pelo menos três quintos dos credores, sendo possível a imposição do plano à minoria dissidente. Neste contexto, Domingues questiona sobre a utilidade do art. 162 da LRF, concluindo pela sua inutilidade em termos de força obrigatória, coativa e vinculante, mas é útil no caso de o plano prever venda de filiais ou de unidades produtivas isoladas, caso em que deve haver obrigatoriamente a homologação judicial para que o juiz proceda a alienação por hasta pública, conforme se verá adiante.

Existe, na doutrina, um debate acerca da natureza jurídica da recuperação extrajudicial, sendo para alguns o acordo de vontades e, para outros, prestação jurisdicional. Por exemplo, para Francisco Satiro Souza Junior “o plano de recuperação extrajudicial constitui um contrato solene, com caráter de cooperação”, e para Rachel Sztajn, é “negócio jurídico consensual entre devedor e uma ou algumas classes de credores, negócio de cooperação, de repactuação na divisão dos riscos, que, em alguma medida, se assemelha aos negócios plurilaterais”. Há ainda autores que entendem ser a recuperação extrajudicial procedimento especial de jurisdição voluntária, como, por exemplo, Restiffe. Já para Lobo, tem natureza de ato complexo.

Atualmente, opinião majoritária da doutrina é a de que a recuperação extrajudicial tem natureza jurídica contratual, ou seja, o plano de recuperação extrajudicial constitui um contrato. Isso ocorre, principalmente e com menor grau de dúvidas, quando se diz respeito à modalidade de recuperação extrajudicial meramente homologatória, uma vez que vincula tão somente o devedor e os credores signatários do plano apresentado e negociado entre ambas as partes. Ou seja, nesta forma de recuperação é nítida a convergência de interesses entre o devedor e os credores. Nessa corrente doutrinária, Souza Junior afirma ainda que a recuperação extrajudicial, salvo previsão contrária, tem características de um “negócio jurídico celebrado por devedor e credores sob condição suspensiva, para o qual o evento que possibilita sua plena eficácia é a homologação judicial”, sendo que a causa imediata desse instrumento é a superação de uma crise econômico-financeira, e não a preservação dos direitos dos signatários. Além disso, leciona que após a homologação o plano constitui novação das obrigações dos signatários.

Entretanto, em razão da possibilidade de imposição do plano de recuperação a todos os credores, inclusive os dissidentes ou ausentes, desde que este plano seja aprovado por representantes de três quintos de todos créditos de cada classe por ele abrangidos, consoante o art. 163, caput, da LRF, abre-se espaço para discussão sobre a natureza jurídica do plano de recuperação extrajudicial, colocando-se em dúvida seu caráter contratual, conforme afirmam Picolo. Para este autor, a recuperação extrajudicial é um negócio jurídico de direito privado, negócio de cooperação, uma vez que a imposição da vontade da maioria sobre o da minoria e a intervenção do magistrado são insuficientes para descaracterizar o plano como contratual. Atualmente, com o destaque ao poder dos credores na concessão da recuperação, volta à tona a indagação quanto à natureza jurídica, sendo relevante a reflexão sobre o caráter contratual ou não dessas medidas de recuperação, dada a divergência entre ato negocial ou prestação jurisdicional.

Pode-se dividir a recuperação extrajudicial em duas fases, sendo a primeira relativa à negociação de um plano de recuperação entre o devedor e seus credores, sem a participação do Poder Judiciário. Já a segunda fase relaciona-se à homologação judicial do plano. Na recuperação extrajudicial meramente homologatória, basta o devedor juntar à petição inicial a justificativa e o documento contendo os termos e condições do plano de recuperação, com as assinaturas dos credores. Já na recuperação extrajudicial impositiva, além desses requisitos, o devedor deve demonstrar sua situação patrimonial, as demonstrações contábeis, entre outros. Verificados esses requisitos, o juiz determina a publicação do deferimento do processamento recuperação extrajudicial em edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação. Além disso, o devedor deve comprovar o envio de carta a todos os credores, informando a distribuição do pedido, as condições e o prazo para impugnação (art. 164, caput e §1º). Os credores têm trinta dias para oferecer impugnações, sendo que a Lei restringe as matérias impugnáveis, e o devedor deve se manifestar sobre isso em cinco dias (art. 164, §§2º, 3º e §4º). Em seguida, o juiz deve decidir sobre a homologação no prazo de cinco dias (art. 164, §5º). No caso de haver prova de simulação de créditos ou vicio de representação dos credores, ocorre indeferimento do pedido de homologação (art. 164, §5º). Deferido o pedido de homologação, o plano passa a vigorar, e a sentença de homologação constitui título executivo judicial. Ou seja, se alguém descumprir do plano, será cobrada nos termos do plano homologado.

Por fim, quanto à utilização da recuperação extrajudicial por microempresas e empresas de pequeno porte para solucionar eventuais crises econômico-financeiras, pode-se inferir que a LRF abriu possibilidade para que isso ocorra, uma vez que não realizou qualquer tipo de restrição no art. 48, apesar de a Lei versar expressamente apenas sobre a recuperação judicial para essas empresas, dentro da Seção V do Capítulo III. Entretanto, de acordo com Verçosa, esses empresários deverão recorrer a um plano de recuperação passível de homologação judicial. Para o autor, o legislador deveria ter previsto algum tipo de assistência institucional para o microempresário e o empresário de pequeno porte, tendo em vista as diversas dificuldades práticas que encontram para organizar um plano adequado, além da fragilidade econômica e jurídica para negociar com seus credores.

De acordo com Domingues, as microempresas e empresas de pequeno porte são muito sensíveis a qualquer abalo de seu crédito no mercado. Por causa disso, caso a crise ganhe publicidade, logo a empresa passa a enfrentar problemas operacionais, uma vez que os fornecedores passam a exigir o pagamento à vista. Além disso, a autora afirma que os clientes passam a fazer pedidos menores e buscar novos fornecedores, com o receio de que a crise da empresa aumente de forma a impedir o cumprimento dos prazos de entrega ou adimplir a venda.

A recuperação extrajudicial seria favorável às micro e empresas de pequeno porte para a renegociação do passivo derivados de contratos de empréstimos, incluindo-se aí os bancos e fornecedores. Isso porque as dívidas dessas empresas têm duas origens principais: contratos bancários (como cheque especial e empréstimos) e pagamento de direitos trabalhistas (como salários, férias, FGTS etc.), sendo que estes, por sua vez, não podem ser contemplados pelo plano de recuperação extrajudicial. Assim, Domingues acredita que a recuperação extrajudicial deve ser a modalidade a ser eleita pelas microempresas e as empresas de pequeno porte sempre que surgirem rumores no mercado quanto à liquidez e os débitos forem de natureza abarcada por esse meio de superação da crise. Finalmente, lembra que quando há adesão pela totalidade de credores de uma classe ou grupo e não há previsão de alienação de filiais ou unidades produtivas, a homologação judicial é facultativa e só deve ser requerida quando os credores a exigirem, posto que leva ao gasto de recurso que poderia ser utilizado para o pagamento de um débito.

3.1 Requisitos legais da recuperação extrajudicial    

Ainda que sejam duas as modalidade de recuperação extrajudicial, quais sejam, a meramente homologatória e a impositiva, existem requisitos legais comuns a serem observados em ambas. Importante ressaltar que o devedor não precisa necessariamente preencher esses requisitos para simplesmente procurar seus credores e negociar uma saída para a sua crise, pois estando todos os envolvidos em concordância, assinam os instrumentos de novação ou renegociação, assumindo por livre manifestação da vontade obrigações cujo cumprimento deva levar à superação da crise do devedor, conforme enuncia Fábio Ulhoa Coelho. Assim, os requisitos legais devem ser obrigatoriamente preenchidos somente nos casos em que o devedor deseja levar o plano à homologação judicial.

Antes de analisar os requisitos subjetivos, ressalta-se a necessidade de enquadramento do devedor ao artigo 1º da LRF. Isso significa que o devedor deve ser ou empresário individual, ou sociedades empresárias, ou então uma EIRELI. Além disso, não deve estar no elenco do art. 2º da Lei.

Quanto aos requisitos subjetivos, relativos à pessoa do devedor, o primeiro requisito subjetivo a ser atendido pelo devedor para a homologação do plano de recuperação extrajudicial é estar sujeito aos efeitos da falência, ou seja, ser empresário e não ser considerado como exceção pelo art. 2º da LRF. Além disso, o devedor não pode estar sob a proibição de pleitear concordata.

Além disso, o art. 161 da Lei dispõe que é preciso que o devedor preencha aos requisitos também exigidos pelo art. 48 da Lei para a recuperação judicial. Portanto, o devedor deve exercer atividade empresarial regularmente há, no mínimo, dois anos (art. 48, caput); não ser falido, ou seja já o tiver sido, que as obrigações tenham sido declaradas extintas por sentença transitada em julgado (art. 48, I); não ter sido condenado por crime falimentar, nem ter como sócio, administrador ou controlador pessoa condenada por crime falimentar (art. 48, IV). Além disso, o art. 161, §3º exige que o devedor não tenha nenhum pedido de recuperação judicial em curso, e também que não tenha pedido de recuperação, judicial ou extrajudicial, concedido há menos de 2 anos.

Existe uma discussão acerca da compatibilidade entre o número de requisitos subjetivos exigidos pela LRF e os valores contemplados pelo art. 47. Por um lado, há doutrinadores, como Silva Pacheco, que entendem que esses pressupostos têm o papel de evitar que um mesmo devedor descuidado se valha diversas vezes da recuperação extrajudicial, de maneira a se proteger outros valores distintos da preservação da empresa economicamente viável. Realmente, há requisitos importantes e que devem estar presentes ante a homologação do plano de recuperação, como o descrito pelo art. 48, caput, uma vez que é imprescindível a regularidade da empresa perante o registro de empresas e o exercício regular da atividade há mais de dois anos, em razão da função do controle de regularidade da inscrição empresarial. Mas, por outro lado, há autores, como Francisco Satiro Souza Junior, que veem como não só exagerado o número de requisitos subjetivos, mas a inadequação de alguns desses requisitos ao princípio da empresa viável e aos objetivos do instituto da recuperação extrajudicial, como por exemplo, a exigência do art. 161, §3º, em relação ao prazo de dois anos após a obtenção de recuperação judicial ou homologação judicial de plano de recuperação extrajudicial.

Ainda é criticável a referência do art. 161, que trata de recuperação extrajudicial, ao art. 48, que, por sua vez, dispõe sobre a recuperação judicial, o que acaba por fazer com que institutos tão distintos sejam tratados de forma igual quanto aos requisitos objetivos, a despeito das peculiaridades da forma extrajudicial, que exige maior celeridade e procedimento simplificado.

Além dos requisitos subjetivos, a LRF exige cumprimento de requisitos objetivos, relativos ao plano acordado entre o devedor e os credores por ele afetados. Francisco Satiro de Souza Junior faz referência a seis requisitos objetivos: i) viabilidade econômico-financeira (art. 162); ii) impossibilidade de contemplação de pagamento antecipado de qualquer dívida (art. 161, §2º); iii) impossibilidade de tratamento mais benéfico aos aderentes em relação aos demais credores, ou seja, tratamento igualitário, sendo vedado o favorecimento ou desfavorecimento de alguns (art. 161, §2º); iv) anuência expressa do credor com garantia real para alienação do bem garantidor ou para supressão ou substituição de garantia real (art. 163; §4º); v) previsão de prática de atos considerados caracterizadores do estado de falência, elencados pelo art. 94, III, ou atos com a intenção de prejudicar aos credores, dispostos no art. 130 (art. 164, §3º, II); e vi) conformidade com preceitos legais, inclusive da LRF (art. 164, §3º, II e III).

Passando a uma análise mais detida de alguns desses requisitos, temos que, em primeiro lugar, o plano deve ser justificável nos aspectos econômicos e financeiros. Ressaltamos aqui a ideia de que o plano de recuperação extrajudicial é muito menos abrangente do que o de uma recuperação judicial, uma vez que não se presta a apresentar uma solução global para solucionar os problemas financeiros do empresário, mas somente a conciliar as necessidades financeiras, disponibilidade de caixa e as exigências dos credores, trazendo respostas a questões pontuais.

Já em relação requisito que impede o tratamento desfavorável aos credores não sujeitos ao plano, isso pode ser relativizado (e não excluído) na modalidade homologatória, tendo em vista a aceitação pela totalidade dos credores, o que vai de acordo com a preservação da autonomia privada. Já na modalidade impositiva, isso não é possível, pois é preciso garantir que nenhum credor dissidente se sujeite a condições menos benéficas que aqueles da mesma classe ou grupo que aderiram voluntariamente ao plano.

Outros requisitos objetivos também são considerados por diferentes autores, o que aumentaria ainda mais a lista de exigências para a submissão à recuperação extrajudicial homologatória e poderia obstaculizar a busca por esta solução por parte do devedor. Por exemplo, o art. 163, §1º exige que o plano contemple exclusivamente os créditos constituídos até a data do pedido de homologação. E o art. 163, §5º traz que o plano de recuperação só pode estabelecer o afastamento da variação cambial nos créditos em moeda estrangeira se contar com a anuência expressa do respectivo credor.

Destaca-se que não são impedimentos para homologação do plano de recuperação a existência de pedido prévio de falência contra o devedor ou de protestos, o não pagamento de obrigações líquidas e exigíveis em seu vencimento ou a comprovação de solvabilidade ou de existência de ativos que garantam percentualmente o cumprimento das obrigações assumidas.

3.2 O plano de recuperação extrajudicial

Quanto ao conteúdo do plano de recuperação, o legislador brasileiro, pelo disposto na LRF, deu ampla permissão ao devedor quanto às formas de renegociação de dívidas, dando estímulo às soluções de mercado e ao exercício da autonomia privada na recuperação extrajudicial. Assim, é possível o devedor se valer de qualquer instituto existente no direito pátrio, como a compensação, a transação, a remissão, a cessão de bens e de direitos, o desmembramento da atividade empresarial, a cessão de créditos e/ou débitos, a dação em pagamento, além de instrumentos do mercado de capitais, como a emissão de valores mobiliários, mas com a diferença de que o acordo é negociado coletivamente com os credores, e não de forma isolada com cada um deles.

Sobre as restrições ao conteúdo do plano, novamente, em relação ao §2º do art. 161 da LRF, que diz respeito à vedação de pagamento antecipado das dívidas e de tratamento diferenciado aos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial, esse dispositivo deve ser interpretado de maneira mais flexível, dando permissão ao devedor de realizar propostas em condições distintas de acordo com a necessidade de cada caso concreto. Não há sentido em se interpretar o §2º no sentido absoluto de tratamento igualitário entre todos os credores, especialmente na hipótese em que a adesão ao plano foi unânime.

Outra restrição refere-se à alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas, nos termos do art. 166 da Lei, pois sendo essa hipótese abarcada pelo plano de recuperação extrajudicial, o devedor fica obrigado a requer sua homologação judicial, além de a alienação ser obrigatoriamente realizada por hasta pública, ou seja, por leilão, propostas fechadas ou pregão, nos moldes do art. 142, que trata de alienação de ativo do falido. Domingues entende que o art. 166 contraria a ideia de facilidade negocial e processual que deve pautar a recuperação extrajudicial, uma vez que o procedimento de hasta pública é demorado e tem alto custo. A autora atenta para o fato de que essa limitação ocorre apenas para a alienação de filiais ou unidades produtivas isoladas, os demais bens do ativo do devedor podem ser livremente negociados no plano de recuperação, incluindo-se aí bens móveis e imóveis, corpóreos e incorpóreos (como marcas e patentes). Logo, é possível que o devedor se utilize, por exemplo, da dação em pagamento de seus bens em favor de alguns credores, ou até mesmo aliá-los a terceiros, a fim de obter capital para pagamento dos credores ou de despesas gastas na manutenção da empresa durante o período da recuperação.

A autora observa que o legislador não teve o cuidado de apartar os riscos de uma eventual ação revocatória, o que acaba por deixar o negócio suscetível à declaração de ineficácia prevista pelo art. 129, caso seja declarada a falência do devedor. Portanto, defende que o melhor seria afastar os riscos da ação revocatória, e então estimular soluções de mercado e também a aumentar o leque de formas de negociações em segurança jurídica ao devedor e aos credores.

Ademais, Domingues critica o descuido do legislador em não se manifestar expressamente sobre o afastamento do adquirente da sucessão nas obrigações do devedor para a recuperação extrajudicial. De acordo com a autora, a interpretação sistêmica da LRF permitiria a aplicação analógica dos artigos 60, parágrafo único e 141, inciso II, relativos à falência e a recuperação judicial, respectivamente, de tal forma que o adquirente também ficaria livre da sucessão na recuperação extrajudicial. Entretanto, o problema encontra-se na modificação realizada pela Lei Complementar n. 118/2005 no art. 133 do Código Tributário Nacional, que buscou adequá-lo à LRF, afastando a sucessão fiscal na falência e na recuperação judicial, mas não na recuperação extrajudicial. Consequentemente, alguns autores propugnam pela aplicação dos artigos 1.144 a 1.149 do Código Civil, impondo ao adquirente a sucessão nas obrigações do devedor, inclusive tributárias, trabalhistas e previdenciárias, o que é mais um incentivo para que o devedor opte pela recuperação judicial ao invés da extrajudicial.

A recuperação extrajudicial, no tocante aos tipos de créditos, abrange tão somente aqueles com garantia real, com privilégio especial, com privilégio geral, quirografários e subordinados. Observa-se que não existe necessidade de que o plano abranja todos eles, podendo selecionar apenas alguns tipos, mas é preciso dar obediência ao §2º do art. 161 da LRF.

No entanto, de acordo com o art. 161, §1º, da LRF, a recuperação extrajudicial não se aplica a: créditos tributários; créditos trabalhistas; créditos decorrentes de acidente de trabalho; créditos relativos a dívidas com garantia fiduciária de bens móveis ou imóveis, arrendamento mercantil, compra e venda de imóveis cujo contrato contenha cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, incluindo-se incorporações imobiliárias, ou compra e venda com reserva de domínio, nos casos em que prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais na forma da legislação específica, não se permitindo somente a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais à sua atividade profissional (art. 49, §3º); e créditos referentes a importâncias entregues ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio (ACC), na forma do art. 75, §§3º e 4º da Lei n. 4.728/1965, desde que o prazo total da operação não ultrapasse o previsto nas normas específicas do Banco Central do Brasil (art. 86, II).

A despeito desta previsão do art. 161, §1º, da LRF, o devedor pode firmar um plano de recuperação com qualquer tipo de credor, desde que o credor concorde com o plano e que não exista qualquer óbice legal. A maior parte da doutrina, como Manoel Justino Bezerra Filho, Fábio Ulhoa Coelho e Domingues explica que, na verdade, este dispositivo não proíbe a proposta de recuperação aos credores excluídos pelo artigo em questão, se eles concordarem com o plano de recuperação poderão ser incluídos nele. Já se não concordarem, não serão atingidos pela obrigatoriedade do art. 163. Ou seja, a restrição feita a tais credores ocorre somente em relação à homologação judicial do plano, e não a um eventual acordo privado entre o devedor e credores elencados no §1º do art. 161, com exceção do credor de dívida tributária.

Por outro lado, Verçosa não deixa de criticar tal exclusão de créditos, afirmando que o modelo de recuperação extrajudicial adotado pela Lei 11.101/2005 falhou ao seguir o modelo da antiga concordata e, consequentemente, não abarcar os créditos referidos no art. 161, §1º, ou seja, detentores de créditos decorrentes de contratos de arrendamento mercantil, de adiantamento de contrato de câmbio, de compra e venda com reserva de domínio e de alienação fiduciária. Além disso, a versão do Projeto de Lei aprovada pela Câmara dos Deputados previa somente a exclusão de créditos tributários, trabalhistas e os decorrentes de acidente de trabalho, sendo, portanto, um texto que garantia ao devedor uma maior amplitude subjetiva nas negociações e soluções de mercado, uma vez que permitia a imposição do plano à minoria de dois quintos dos credores hoje excluídos pelo §1º do art. 161 da Lei.

Elias Katudjian critica a exclusão dos créditos detidos pelas instituições financeiras, uma vez que elas detêm direitos de propriedade sobre bens essenciais à atividade e à capacidade produtiva do devedor, além de serem praticamente imunes à recuperação judicial e extrajudicial, podendo recorrer outros instrumentos processuais que acabam por impedir o desenvolvimento da recuperação do devedor, como a busca e apreensão e a reintegração de posse. Nas palavras de Fábio Ulhoa Coelho, “não há hipótese em que seu crédito seja alterado conta a sua vontade, mesmo que a alteração fosse essencial à superação da crise do devedor”.

Já Manoel Justino Bezerra Filho, ao tecer críticas à LRF, explica que, embora a Lei seja resultado do sentimento médio da população em determinado momento, há determinados “setores da população que fazem com que suas vozes sejam ouvidas de maneira mais determinante”. No caso da elaboração da LRF, num dado momento, o setor bancário passou a pressionar o Legislativo para que seus interesses fossem garantidos. Passou-se, então, a haver uma maior preocupação com o retorno do capital financeiro às instituições financeiras, em detrimento da busca por condições de recuperação das empresas em crise. Assim, de acordo com Bezerra Filho 305:

“Objetivou-se, dentro do espírito de defesa do capital financeiro e do fisco, mesmo que à custa da recuperação da empresa, criar uma “blindagem” em favor de tais credores. Aliás, esse espírito que permeia toda esta legislação é que será a causa certa de dificuldade – ou até de óbice – para a recuperação das empresas”.

Enfim, esta é uma questão polêmica e desperta interesses diversos, ficando evidente que é prejudicial aos objetivos da própria recuperação. Afinal, nos moldes atuais, a LRF acaba por privilegiar essa classe de credores, de modo que não precisam ceder ou negociar em favor da coletividade de credores e da própria recuperação do devedor.

3.3 Procedimento de homologação judicial

Quanto à homologação do plano de recuperação extrajudicial, oportuno se faz mencionar a discussão doutrinária quanto à sua obrigatoriedade ou não.

De um lado, autores como Coelho e Domingues defendem que a homologação não é obrigatória, uma vez que, para simplesmente negociar com os credores uma saída para a crise da empresa, o devedor não precisa preencher nenhum requisito, de modo que não precisa homologar o acordo firmado para que deles surjam efeitos.

De outro, há autores que entendem que a homologação judicial, na modalidade do art. 162 da LRF, é facultativa apenas do ponto de vista “negocial”, pois, nesse caso, o devedor já teria logrado êxito na negociação com seus credores; mas é obrigatória no sentido de configuração jurídica do instituto da recuperação extrajudicial, ou seja, “enquanto não se levar o plano para homologação em juízo, ainda que haja adesão de todos os credores, não existirá recuperação extrajudicial regida pelo direito falimentar, mas apenas um acordo privado, regido pelo Código Civil”. Esse entendimento, portanto, parece repousar na diferenciação entre a recuperação extrajudicial e os acordos privados.

Todavia, não concordamos com essa segunda corrente apresentada, isto é, entendemos a homologação como sendo uma faculdade, de maneira que o devedor, optando por um acordo extrajudicial, pode escolher entre homologar judicialmente o plano ou não. O papel da homologação é, portanto, o de legitimar o acordo e de conferir maior segurança jurídica às partes, posto que o juiz passa a verificar o cumprimento dos requisitos legais. Observa-se que isso se aplica tão somente quando a totalidade dos credores subscreverem ao plano (art. 162), pois quando a adesão não for unânime, o devedor apenas poderá impor o plano a uma minoria dissidente a partir da homologação judicial. Nesta hipótese, como explica Domingues a não homologação faz com que o plano seja um mero acordo coletivo privado, obrigatório apenas para os credores que o subscreveram.

Importante destacar que cabe apenas ao devedor a iniciativa quanto à proposição de um plano de recuperação extrajudicial, bem como a legitimidade para requer a homologação desse plano. Ocorre que essa não é a melhor alternativa a viger em nosso sistema concursal. Originariamente, a iniciativa e a legitimidade eram dadas aos credores, mas foram retiradas ao longo do trâmite do Projeto de Lei. Em primeiro lugar, isso é ruim porque muitas vezes o devedor demora a reagir à crise e a tomar as medidas necessárias para superá-la, de modo que quando o faz, já é tarde e seus negócios encontram-se mais fragilizados e com maior endividamento. Isso torna mais difícil, demorado e custoso o procedimento de recuperação. Em segundo lugar, porque o legislador não se manifestou expressamente sobre a legitimidade ativa na recuperação extrajudicial em relação às pessoas que assumem direitos de gestão e de titularidade da empresa pertencente a um devedor morto, diferentemente do que fez com a recuperação judicial. Contudo, quanto a essa questão não há motivo para grandes preocupações, uma vez que a doutrina afirma ser possível a aplicação do parágrafo único do art. 48 da Lei à recuperação extrajudicial.

Na hipótese de recuperação extrajudicial meramente homologatória, existe o risco de desistência do credor à adesão do plano de recuperação após distribuição do seu pedido de homologação. Neste caso, Fábio Ulhoa Coelho leciona que não é possível a desistência do devedor ao plano de recuperação extrajudicial após o pedido de homologação judicial, salvo nos casos em que o devedor e todos os demais credores concordem, nos termos do §5º do art. 161 da LRF. Isso porque o autor entende que a “anuência do devedor e de todos os credores é condição para a existência, validade e eficácia do arrependimento porque o plano deve sempre ser considerado em sua integralidade”. Sendo o plano resultado de uma negociação, qualquer alteração nos elementos que o compõem pode afetar outros direitos e obrigações nele contidos ou até mesmo comprometer o sucesso do plano. O autor ainda reforça esse entendimento ao afirmar que não há sentido em se interpretar o dispositivo no sentido de que até o pedido de homologação o credor pode livremente desistir da adesão ao plano, pois o objetivo da lei seria acrescentar uma condição para a existência, validade e eficácia da desistência realizada após a distribuição do pedido de homologação judicial do plano. Ou seja, não podendo o credor desvincular-se do plano sem a anuência dos demais signatários, prevalece o plano.

A homologação do plano de recuperação extrajudicial não interfere na administração da sociedade empresária ou do empresário, nem na livre disposição dos bens do devedor, que continua a administrar os seus bens, resguardas e eventuais restrições voluntárias decorrentes de aspectos do plano. Não há nomeação de um administrador judicial e também não há formação de um Comitê de Credores. A organização dos credores sujeitos ao plano ou dos demais credores é uma faculdade não contemplada na LRF. No mais, uma vez que sujeita somente os credores signatários do plano ou os demais do mesmo grupo ou classe, nos termos do art. 163, não há necessidade de habilitação de créditos, tampouco a formação de uma Assembleia Geral de Credores, de acordo com Souza Junior.

Quanto aos efeitos resultantes da homologação do plano de recuperação extrajudicial, a LRF dispõe sobre aqueles operados tanto na forma pretérita, como após a homologação. Em regra, os efeitos do plano somente são produzidos após a homologação (art. 165, caput). Todavia, os parágrafos 1º e 2º do art. 165 da Lei são excepcionais e tratam de efeitos pretéritos, ou seja, anteriores à homologação, relativos apenas à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários. Caso não se verifique a homologação, as partes retornam à situação inicial, abatendo-se os valores pagos durante o curso do processo. Esses efeitos pretéritos aplicam-se tanto à homologação meramente homologatória quanto à impositiva. Para qualquer outro tipo de alteração, como garantia pactuada no acordo ou alienação de bem dado em garantia, e para os créditos daqueles que não aderiram ao plano, os efeitos são posteriores à homologação judicial apenas.

Já em relação aos os efeitos pós-homologação, a sentença homologatória constitui o plano em título executivo judicial (art. 161, §6º). Paiva ressalta que no caso de não se operar a homologação do plano, a liberação dos credores aos termos do acordo depende de uma questão contratual. Ou seja, deve-se verificar se há cláusula que preveja a homologação como condição resolutiva, ou que disponha que o efeito de novação à simples adesão ao plano, ou que enuncie que a novação ocorrerá com a homologação ou adesão de um determinado percentual de créditos. Domingues vai além e afirma que ainda que o plano de recuperação não venha a ser homologado, os credores signatários já estão vinculados a ele por ser ele um contrato privado, plurilateral, devendo ser cumprido e regido mediante as regras do Código Civil sobre obrigações e contratos em geral, bem como passa a constituir o plano de recuperação um título executivo extrajudicial.

Tendo em vista as duas modalidades de recuperação extrajudicial, Luiz Fernando Valente Paiva observa que a principal vantagem que a modalidade de recuperação extrajudicial meramente homologatória seria a proteção dada ao acordo homologado em âmbito judicial contra eventuais ações revocatórias ou declarações de ineficácia de atos previstos no plano, exceto no caso de fraudes. Ocorre que, infelizmente, esse benefício foi retirado do texto do Projeto de Lei que deu origem à Lei n. 11.101/101 quando do seu trâmite no Senado Federal, o que acabou por diminuir a proteção dada às negociações realizadas em âmbito extrajudicial.

Consequentemente, isso desestimula a celebração desse tipo de acordo por parte dos devedores que necessitam de um processo de recuperação rápido e de menor custo, e como afirma Francisco Satiro de Souza Junior, isso “pode inviabilizar a construção de arrojados planos que envolvam toda a empresa”. Na prática, no caso de uma renegociação de dívida, é bastante comum que o credor somente aceite a dilação dos prazos e novas condições de paramento da dívida em troca de garantias. E, não raro, o devedor oferece bens em pagamento aos credores, especialmente quando encontra dificuldades em transformar seu patrimônio imobilizado em dinheiro. Nestes casos, muitas vezes os credores não querem correr o risco de eventuais futuras ações revocatórias, receio este que os faz desistir de celebrar o acordo com o devedor.

Logo, sem alternativa, o devedor é forçado a se valer da recuperação judicial, mais lenta e custosa. Sem dúvidas, o fato de a recuperação extrajudicial não suspender direitos, ações, execuções, nem os pedidos de falência contra o devedor, exceto quanto aos signatários do plano até sua homologação (art. 161, §4º), é a principal crítica feita pela doutrina em relação ao instituto da recuperação extrajudicial nos moldes da LRF. Sendo assim, a única vantagem da recuperação extrajudicial meramente homologatória frente aos demais acordos privados consiste na constituição da sentença homologatória do plano em título executivo judicial, o que passa a reduzir o número de matérias passíveis de embargos em uma futura execução. Todavia, a existência desse benefício isoladamente é um estímulo muito pequeno para que a recuperação extrajudicial seja largamente utilizada.


4 CONCLUSÃO

A LRF trouxe diversas inovações positivas em relação ao diploma falimentar anterior, o Decreto-lei n. 7.661/1945. Uma delas foi a criação da recuperação extrajudicial que, juntamente à conhecida recuperação judicial, tem como objetivo fundamental a superação de uma crise econômico-financeira de um devedor empresário, em consonância ao princípio da manutenção da empresa viável, posta sua importante função social para o país.

A recuperação extrajudicial insere o Brasil num contexto internacional que tende ao reconhecimento de maior autonomia do devedor e dos credores em negociarem entre si um acordo que possibilite a superação da crise, com uma intervenção mínima de um órgão judicial neste procedimento. Conforme se verificou, diversos países reformaram suas legislações a fim de permitir essa prática entre o devedor e seus credores. Ademais, importantes organismos internacionais publicaram diretrizes nesse sentido, reforçando a ideia de que se faz fundamental que a legislação de cada país promova um ambiente propício a essas negociações, que já vinham ocorrendo há tempos na prática no Brasil, ainda que proibidas pelo Decreto-lei n. 7.661/1945.

Oportuno registrar que entendemos que a recuperação extrajudicial se presta não a superar crises mais intensas e a elaborar planos de reestruturação profunda como faz a recuperação judicial, mas a solucionar problemas pontuais com a colaboração de determinados grupos ou classes de credores, de forma mais célere e simples e menos custosa. É por isso que não é possível comparar ambos os institutos, sendo que se propõem a objetivos distintos e em situações distintas.

Também não é um instituto igual aos acordos privados celebrados entre devedor e credores, como alguns podem entender, em razão de seus objetivos, conforme se verificou neste estudo. Ademais, a recuperação extrajudicial é um instituto capaz de oferecer a segurança jurídica necessária ao mercado, tendo em vista a homologação judicial dos termos acordados. Ou seja, o magistrado não fica permitido a oferecer soluções, mas pode oferecer segurança jurídica por meio de homologação.

Dessa maneira, entendemos que, se de um lado a recuperação extrajudicial é um instituto positivo dentro do direito concursal e que valoriza a iniciativa dos particulares, a dinâmica do mercado e o menor custo, por outro, pudemos verificar que a disciplina atual está inadequada aos objetivos institucionais, falhando ao tratar das crises dos devedores. Diversas críticas em relação às técnicas legislativas fazem com que, na prática, seja essa modalidade praticamente inutilizável.

Contudo, entendemos que a disciplina do instituto pode ser aperfeiçoada e o uso da recuperação extrajudicial estimulada no direito brasileiro, com a busca, pelo devedor, de mecanismos preventivos à crise econômica e superação do estigma que existe com relação ao devedor falido.

Esperamos que estejam errados aqueles que consideram que a recuperação extrajudicial está fadada ao fracasso, e que as alterações sugeridas neste estudo sejam concretizadas a fim de incentivar devedores e credores a recorrerem a esse instituto. Assim, a realidade atual poderá ser transformada positivamente, de forma que o sistema concursal brasileiro seja beneficiado com a recuperação extrajudicial.



Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BEVILAQUA, Newton. Recuperação extrajudicial. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5475, 28 jun. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/65898. Acesso em: 4 maio 2024.