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As alterações em contratos administrativos

As alterações em contratos administrativos

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As empresas estatais, a despeito de possuírem um regramento próprio, também devem observar os limites legais de contratos licitados e a impossibilidade de a alteração importar em uma modificação radical do objeto contratado.

Súmário: 1 Considerações iniciais; 2 As alterações contratuais na lei 8.666/93; 3 As alterações contratuais na lei 13.303/2016; 4 A interpretação dos limites para alterações contratuais; 5 conclusões.

Resumo: Este trabalho tem por objetivo analisar em que hipóteses é possível a alteração do que fora pactuado em contratos firmados pela Administração Pública direta e indireta. É apontado que, nestes casos, geralmente os contratos são firmados com prévia licitação ou por meio de contratações diretas. Em ambas as situações, deve-se observar, em regra, os limites legais para alteração contratual, tanto nas hipóteses de alteração quantitativa como nas qualitativas. No entanto, é dito que não se pode realizar uma interpretação legal literal inflexível, posto que pode ocorrer situações em que é possível a inobservância dos limites estritos impostos na lei para atendimento dos princípios da eficiência e da economicidade para a Administração Pública.

Palavras-chave: Direito Administrativo. Licitação. Contrato. Alteração.


1 Considerações Iniciais

Se a Administração Pública, em sentido amplo, pretende contratar com terceiros, ela deve em regra realizar um processo prévio para a escolha impessoal do futuro contratado denominado de licitação.

Sobre o tema, determina o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal que:

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.

Depreende-se, pois, que o processo licitatório é a regra nas contratações no âmbito da Administração Pública. Não obstante, como exceção, é possível ventilar a possibilidade de contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade, com previsão na própria Constituição Federal, que permite, de acordo com o previsto em Lei Ordinária, a realização de contratações diretas.

A Lei que rege as licitações para a Administração Pública é a Lei de Licitações, nº 8.666/93. Especificamente para as empresas estatais, sociedades de economia mista e empresas públicas, a exigência de prévia licitação encontra guarida no art. 173, parágrafo primeiro, da Constituição Federal, observando-se, atualmente, o regramento legal ordinário disposto na Lei nº 13.303/2016, a denominada Lei das estatais.

Concluído os trâmites para a contratação, seja por meio de um certame ou por meio de contratação direta, o contrato é firmado com a pessoa escolhida.

Tal contrato estabelecido com a Administração Pública, ao contrário de um contrato privado regido pelas normas de direito civil em que a regra é a liberdade de alterações, possui alguns limitadores que dificultam a sua modificação ao bel prazer das partes contratantes.

Por conta disso, o presente artigo tem por objetivo de analisar em que hipóteses é possível a alteração do que fora pactuado em contratos firmados pela Administração Pública, seja direta ou indireta.


2 AS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS NA LEI 8.666/93

É relevante destacar, inicialmente, que um contrato regido pelo Direito Administrativo difere de um contrato particular, pois neste a regra é a plena liberdade das partes que, no mesmo patamar negocial, estipulam as obrigações reciprocas e concluem pela obrigatoriedade da avença (o brocardo latino pacta sunt servanda). Naquele, há prerrogativas extraordinárias que exorbitam da relação contratual e foge da autonomia do particular.

Além disso, nos contratos regidos pela Lei de Licitações existem cláusulas obrigatórias que devem ser observadas. Dispõe o art. 55 da Lei 8.666/93 que:

São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

I - o objeto e seus elementos característicos;

II - o regime de execução ou a forma de fornecimento;

III - o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios de atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento;

IV - os prazos de início de etapas de execução, de conclusão, de entrega, de observação e de recebimento definitivo, conforme o caso;

V - o crédito pelo qual correrá a despesa, com a indicação da classificação funcional programática e da categoria econômica;

VI - as garantias oferecidas para assegurar sua plena execução, quando exigidas;

VII - os direitos e as responsabilidades das partes, as penalidades cabíveis e os valores das multas;

VIII - os casos de rescisão;

IX - o reconhecimento dos direitos da Administração, em caso de rescisão administrativa prevista no art. 77 desta Lei;

X - as condições de importação, a data e a taxa de câmbio para conversão, quando for o caso;

XI - a vinculação ao edital de licitação ou ao termo que a dispensou ou a inexigiu, ao convite e à proposta do licitante vencedor;

XII - a legislação aplicável à execução do contrato e especialmente aos casos omissos;

XIII - a obrigação do contratado de manter, durante toda a execução do contrato, em compatibilidade com as obrigações por ele assumidas, todas as condições de habilitação e qualificação exigidas na licitação.

Ressalte-se que as cláusulas da avença devem estar em consonância com os termos da licitação ou do ato que autorizou, em caso de inexigibilidade ou dispensa de licitação, e da proposta a que se vincula (art. 54 da Lei 8.666/93).

De outra senda, é observável que não há obrigatoriedade legal explicita para que se estabeleça, no contrato firmado sob a égide da Lei de Licitações, uma cláusula específica para tratar de acréscimos ou supressões do objeto contratual.

Ressaltamos, por sua vez, que a Lei nº 8.666/93 (Lei de Licitações) estabelece limite para que a Administração altere as condições contratuais e formalize aditivos, em especial, aqueles que tenham o propósito de alterar seus objetos.

O art. 65 do mencionado diploma legal apresenta as estritas hipóteses em que seria facultado alterar o objeto de seus contratos, estando essas modificações separadas em duas categorias: (i) qualitativas; e (ii) quantitativas. O parágrafo primeiro do aludido artigo determina que:

§ 1º O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinquenta por cento) para os seus acréscimos.

Lucas Rocha Furtado[1] caracteriza as modificações qualitativas como aquelas que “podem derivar tanto de modificações de projeto ou de especificação do objeto, quanto da necessidade de acréscimo ou supressão de obras, serviços ou materiais, decorrentes de situações de fato vislumbradas após a contratação”.

Já o Professor Marçal Justen Filho[2] leciona que “a melhor adequação técnica supõe a descoberta ou a revelação de circunstâncias desconhecidas acerca da execução da prestação ou a constatação de que a solução técnica anteriormente adotada não era a mais adequada”.

A título de elucidação, pode-se dizer também que “as alterações quantitativas são aquelas realizadas em virtude da necessidade de acrescer ou suprimir determinada quantidade do objeto contratado. As alterações qualitativas ocorrem quando há necessidade de adequação do projeto às novas especificações em função da modificação da circunstância contratual preestabelecida”[3].

Destarte, as alterações podem ser unilaterais, quando feitas só pela vontade exclusiva da Administração, ou bilaterais, por acordo entre a Administração e o Contratado.

As modificações quantitativas ocorrem quando for necessária a modificação do valor do contrato em razão de acréscimo ou diminuição nos quantitativos do seu objeto.

Já as alterações qualitativas decorrem de modificações necessárias ou convenientes nas obras ou serviços quando a Administração necessitar modificar o projeto ou as especificações para melhor adequação técnica aos seus objetivos, sem, entretanto, implicarem mudanças no objeto contratual, seja em natureza ou dimensão.

Vê-se, ainda, que em qualquer espécie de alteração, seja quantitativa ou qualitativa, deve observar, em princípio, os limites legais constantes no artigo 65, § 1º, da Lei nº 8.666/93, acima transcrito.

Além disso, há barreiras e condicionantes para a concretização das alterações contratuais. De um lado, nos direitos do Contratado, a quem se assegura a intangibilidade do equilíbrio econômico-financeiro e da natureza do objeto do contrato, além de um limite máximo de valor para os acréscimos e supressões (art. 65, §1º, da Lei 8.666/93).

Na mesma senda, para que as modificações sejam consideradas válidas, devem ser justificadas por escrito e previamente autorizadas pela autoridade competente para celebrar o contrato.

De igual modo, em qualquer caso, não pode ocorrer uma desnaturação do objeto contratado, uma modificação que importe em mudança abrupta do que fora inicialmente estabelecido. Veja-se o entendimento do Tribunal de Contas da União é que “não se admite modificação do contrato, ainda que por mútuo acordo entre as partes, que importe alteração radical dos termos iniciais ou acarrete frustração aos princípios da isonomia e da obrigatoriedade de licitação, insculpidos na Lei de Licitações” [4], senão vejamos questão prático no excerto abaixo[5]:

2.Com relação à primeira questão, de pronto, há que se destacar que jamais foi afirmado no voto condutor da Decisão nº 1.575/2002-Plenário que os projetos básicos licitados pela Administração Pública não podem sofrer alteração ao longo de sua execução. É cediço que o art. 65, da Lei nº 8.666/93, expressamente prevê essa possibilidade, sob o aspecto qualitativo e quantitativo, como bem restou esclarecido na Decisão nº 215/1999 - Plenário - TCU, citada pela SECEX/PB, podendo as alterações, inclusive, extrapolar os limites fixados na lei, desde que certos requisitos sejam preenchidos. Não obstante, as alterações devem ocorrer ao longo do contrato e em hipótese alguma pode descaracterizar o objeto inicialmente licitado.

3.Registre-se que não se questionou a oportunidade das alterações realizadas, não obstante a competência constitucional desta Corte para fazê-la, mas apenas e tão-somente que as modificações foram de tal monta que exigiria nova licitação. [...]

6.Marçal Justen Filho (Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 9ª edição, p. 495), ao discorrer sobre o tema, orienta de forma apropriada que "como princípio geral, não se admite que a modificação do contrato, ainda que por mútuo acordo entre as partes, importe alteração radical ou acarrete frustração aos princípios da obrigatoriedade da licitação e isonomia". [...].

7.Argumentando, questiono se seria razoável admitir que seja adjudicado a um certo licitante a compra de dez carros populares a um preço global de R$ 230.000,00 e, posteriormente, se assine termo aditivo substituindo aqueles por seis automóveis de luxo, no valor total de R$ 280.000,00, sob a alegação de que ambos são carros e que, dessa forma, não houve alteração do objeto e não foi ultrapassado o limite fixado no art. 65 multicitado. Tal procedimento além de ferir o princípio da isonomia entre os licitantes, não assegura à administração o melhor preço, como exigido pelo art. 3º da Lei nº 8.666/93. Aliás, nem mesmo se pode falar em licitação, já que foi licitado um objeto e adquirido outro completamente diferente, ainda que ambos tenham a mesma designação genérica.

8.Diante do exposto, não posso concordar com o raciocínio simplista de que a alteração realizada no projeto inicialmente licitado não ultrapassou o limite de 25% e, por isso mesmo, não existiu nenhuma ilegalidade. Muito menos posso concordar com os fundamentos apresentados pela SEMARH quando defende que "se uma barragem de terra, por exemplo, tem seu método construtivo alterado para uma de concreto compactado a rolo (CCR) não pode de modo algum afirmar que houve alteração do objeto". Por certo continuará sendo uma barragem, mas jamais poderá ser considerado o mesmo objeto licitado.

De outra banda, quando ocorrer acréscimos e supressões nos contratos, estes deverão ser considerados para fins de apuração de quanto poderá a relação contratual ser ainda acrescida. Não é viável, por seu turno, realizar compensação entre acréscimos e supressões com o objetivo de se atingir o limite legal. Assim, cada acréscimo e supressão deve ser considerado individualmente. Nesse sentido, o Tribunal de Contas da União[6] decidiu:

9.2. determinar ao Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes que, nas futuras contratações celebradas a partir da data de publicação deste Acórdão no Diário Oficial da União, passe a considerar, para efeito de observância dos limites de alterações contratuais previstos no art. 65 da Lei nº 8.666/1993, as reduções ou supressões de quantitativos de forma isolada, ou seja, o conjunto de reduções e o conjunto de acréscimos devem ser sempre calculados sobre o valor original do contrato, aplicando-se a cada um desses conjuntos, individualmente e sem nenhum tipo de compensação entre eles, os limites de alteração estabelecidos no dispositivo legal.

Por derradeiro, mas não menos importante, outra cautela que deve ter o Administrador, provando inclusive documentalmente no processo de aditivo contratual, é a demonstração da compatibilidade do preço cobrado com o praticado no mercado, posto que, ainda que seja uma alteração em um contrato já firmado, não é autorizado, por exemplo, que o Administrador faça aditivos economicamente desfavoráveis para a Administração Pública.

Dentro deste cenário delineado, é perceptível que as partes poderão alterar as condições firmadas no contrato, observados, todavia, os requisitos e cautelas acima citados, a fim de adequá-las para atender da melhor forma possível os interesses da Administração Pública, preservando sempre, todavia, o objeto contratual que não pode ser desnaturado.


3 AS ALTERAÇÕES CONTRATUAIS NA LEI 13.303/2016

As empresas estatais possuem um regramento próprio para regular, dentre outras matérias, suas licitações: o Estatuto jurídico das empresas estatais. O art. 173, parágrafo primeiro da Constituição Federal determina:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

I - sua função social e formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

III - licitação e contratação de obras, serviços, compras e alienações, observados os princípios da administração pública; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

IV - a constituição e o funcionamento dos conselhos de administração e fiscal, com a participação de acionistas minoritários; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

V - os mandatos, a avaliação de desempenho e a responsabilidade dos administradores.(Incluído pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Por força da Constituição Federal, assim, o regramento das Empresas estatais não se confunde com a Lei 8.666/93. Tanto é verdade que foi editada a Lei 13.303/2016, a Lei das estatais, que possui diferenças da Lei geral de licitações.

Sobre contratos, uma distinção é que os contratos com as empresas estatais se regem por preceitos de direito privado, nos termos do art. 68 da Lei 13.303/2016, ao contrário dos contratos administrativos firmados sob a égide da Lei 8.666/93 que são regulados pelos preceitos de direito público.

Quanto à possibilidade de alteração do que foi pactuado, o art. 81 da Lei 13.303/2016 explicita as hipóteses de alteração e os requisitos que devem ser atendidos para a sua efetivação.

Uma inovação em relação à Lei 8.666/93 é que, por ser regida por preceitos privados, não há possibilidade de alterações unilaterais contratuais, por vontade exclusiva da empresa estatal, sendo necessário o acordo entre as partes para se dar início a alteração do que foi contratado.

Por sua vez, foi mantido inalterado, com alguns ajustes redacionais, os dispositivos legais atinentes: a) a previsão de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato; b) os limites para alterações contratuais; c) as consequências para a supressão de obras, bens ou serviços; d) a possibilidade de revisão de preços, para mais ou para menos, em caso alteração tributária.

Por conta disso, é possível sustentar juridicamente a necessidade de, mesmo para as empresas estatais, a despeito de possuírem um regramento próprio, a necessidade de, em regra, por exemplo, se observar os limites legais de alterações contratuais e a impossibilidade de a alteração importar em uma modificação radical do objeto contratado.


4 A INTERPRETAÇÃO DOS LIMITES PARA ALTERAÇÕES CONTRATUAIS

Como visto, tanto a Administração Pública direta e indireta, inclusive as empresas estatais que integram este último grupo, devem observar uma série de requisitos e procedimentos para se alterar um contrato, seja este regido pela Lei 8.666/93 como pela Lei 13.303/2016.

Não obstante as considerações traçadas nos capítulos anteriores, que devem ser observadas na maioria das situações de alterações contratuais, o direito não pode ser interpretado de maneira por demais rígida que leve a uma conclusão absurda e desarrazoada. A realidade prática, muitas vezes, refoge ao comando legal, à regra inicialmente estabelecida pelo legislador. Em situações da espécie, cabe ao interprete e ao aplicador do direito avaliar o caso concreto e buscar a melhor solução para o desate da questão.

Não é possível, em situações excepcionais, uma análise e interpretação puramente baseada na literalidade da lei, ao comando inicialmente pensado pelo legislador de maneira abstrata. De igual modo, a lei não é um fim em si mesma, pois toda norma tem uma finalidade útil a ser tutelada.

Nesta linha, é necessário expor as lições de Carlos Maximiliano[7] acerca da hermenêutica jurídica:

A exegese filológica  atinge, apenas, o caso típico, principal; o núcleo, explícito, lúcido, é cercado por uma zona de transição; cabe ao intérprete ultrapassar esse limite para chegar ao campo circunvizinho, mais vasto, e rico de aplicações práticas. (...) porque a linguagem, embora perfeita na aparência, pode ser inexata; não raro, aplicados a um texto, lúcido à primeira vista, outros elementos de interpretação, conduzem a resultado diverso do obtido com o só emprego filológico.

(...)

Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inócua, ou este, juridicamente nulo.

Na mesma obra, o autor em questão ainda destaca os riscos da interpretação exclusivamente literal da letra da lei, que, no seu entendimento, pode resultar em formalismo ou engessamento que impede a função renovadora ou criadora necessária ao direito, destinada a aprimorar a lei, adaptando-a à realidade social, moral e econômica de seu tempo.

Outrossim, o interprete não pode ficar limitado a apenas um texto legal ou, pior, a partes do mesmo. Não é prudente, como diz o eminente jurista Eros Grau, analisar o direito em tiras, pois é necessário avaliar o ordenamento jurídico na sua integralidade[8]:

A interpretação do direito é interpretação do direito, no seu todo, não de textos isolados, desprendidos do direito.

Não se interpreta o direito em tiras, aos pedaços.

A interpretação de qualquer texto de direito impõe ao intérprete, sempre, em qualquer circunstância, o caminhar pelo percurso que se projeta a partir dele - do texto - até a Constituição. Um texto de direito isolado, destacado, desprendido do sistema jurídico, não expressa significado normativo algum.

Destarte, o interprete não pode apenas realizar leitura rasa do texto legal, de maneira restritiva e alheia ao caso concreto, nem tampouco desconsiderar todo ordenamento jurídico. Há situações em que o respeito aos comandos legais, na sua literalidade, são irrazoáveis e vão de encontro ao princípio constitucional da eficiência e da economicidade. Explica-se.

À guisa de exemplo, os limites legais impostos pela lei têm por mens legis (o propósito) manter os quantitativos levados à competição, pois, do contrário, um determinado licitante poderia, por exemplo, licitar um quantitativo de cem e contratar, posteriormente, por meio de sucessivos aditivos, mil itens de determinado objeto levado à competição. Uma diferença gritante de quantitativos, desta magnitude, deveras, poderia influir no preço e no interesse das empresas em fornecer um bem ou prestar um serviço.

No entanto, nem em todas as situações os limites impostos devem ser seguidos, nem mesmo as outras disposições legais, posto que vão ao encontro da economicidade e eficiência da contratação.

Pode-se ventilar uma contratação direta, por dispensa ou inexigibilidade de licitação, que demande uma alteração significativa, com mudanças grandes nos quantitativos e no projeto básico. Neste caso, como o contrato originário foi firmado diretamente, sem licitação, justificada a necessidade de alteração do contrato, ainda que a alteração pretendida não atendesse aos comandos legais, poderia se realizar um novo processo para contratação direta do mesmo prestador ou fornecedor.

Se ficar demonstrada a necessidade de alteração e justificado o preço pago, com a manutenção da economicidade da contratação, é despiciendo a assinatura de um novo contrato se o contrato em curso puder ser alterado, ainda que não se observe plenamente os comandos legais, desde que os requisitos para a contratação direta ainda permaneçam hígidos.

Ainda que não se observe, portanto, os limites legais para a alteração do contrato, isto não acarretaria prejuízos a competição, isonomia ou vantajosidade do negócio contratual a ser firmado. Isto porque, no final das contas, o contrato seria feito com o mesmo fornecedor ou prestador de serviços. Ou seja, a formalização de um novo contrato em situações da espécie seria mera e odiosa formalidade que não se coadunaria com o princípio constitucional da eficiência.

Além disso, o Tribunal de Contas da União já entendeu possível, em caráter de exceção, a extrapolação do limite legal de vinte e cinco por cento do valor inicial do contrato mesmo quando este for firmado após uma licitação. Na Decisão nº 215/99-Plenário[9], o aludido Tribunal elencou os requisitos que devem ser atendidos para a alteração em percentual acima dos limites estabelecidos:

I - não acarretar para a Administração encargos contratuais superiores aos oriundos de uma eventual rescisão contratual, acrescidos aos custos da elaboração de um novo procedimento licitatório;

II - não possibilitar a inexecução contratual, à vista do nível de capacidade técnica e econômico-financeira do contratado;

III - decorrer de fatos supervenientes que impliquem em dificuldades não previstas ou imprevisíveis por ocasião da contratação inicial;

IV - não ocasionar a transfiguração do objeto originalmente contratado em outro de natureza e propósito diversos;

V - ser necessárias à completa execução do objeto original do contrato, à otimização do cronograma de execução e à antecipação dos benefícios sociais e econômicos decorrentes;

VI - demonstrar-se (na motivação do ato que autorizar o aditamento contratual que extrapole os limites legais), que as consequências da outra alternativa (a rescisão contratual, seguida de nova licitação e contratação) importam sacrifício insuportável para o contratante.

Assim, atendidas as condicionantes acima transcritas, é defensável juridicamente extrapolar o limite legal de 25% (vinte e cinco por cento) para alterações qualitativas.

Destarte, é seguro afirmar que a interpretação literal, que desagua na imposição, ao Administrador, de se realizar apenas atividades formais e burocráticas, não atende à eficiência e a economicidade buscada pelo ordenamento jurídico para as contratações públicas.  


5 CONCLUSÕES

É certo que a legislação atinente à licitação e contratos, seja a Lei 8.666/93 como a Lei 13.303/2016, estabelece rigoroso limite para que a Administração altere as condições contratuais e formalize aditivos, em especial, aqueles que tenham o propósito de alterar seus objetos.

As alterações contratuais devem, em regra, observar as estritas hipóteses em que seria facultado alterar o objeto de seus contratos, estando essas modificações separadas em duas categorias: (i) qualitativas; e (ii) quantitativas.

Em regra, devem se observas os limites legais para acréscimos e supressões nos contratos, bem como a necessidade em de não se alterar de maneira significativa o seu objeto.

No entanto, há situações que viabilizam alterações contratuais mesmo que estas não se enquadrem totalmente nas hipóteses legais, como é o caso ocorrido na Decisão 215/99 – Plenário, do Tribunal de Contas da União.

De igual forma, em contratações diretas, é possível sustentar, também, alterações nos contratos, mesmo que não atendam plenamente o comando legal.

Em síntese, ainda que a maioria dos casos devam observar os requisitos para a alteração contratual, art. 65 da Lei 8.666/93 ou art. 81 da Lei 13.303/2016 a depender da entidade contratante, há situações que deve prevalecer o bom senso, como tudo em Direito, com a prevalência do atendimento dos princípios constitucionais da eficiência e economicidade em detrimento da literalidade legal.


Referências

BRASIL. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria‑Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1428/2003 – Plenário. Disponível em:  <http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc%5CAcord%5C20031003%5CTC%20013.971.doc>. Acesso em: 11/04/2018.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 2819/2011 – Plenário. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtf?codFiltro=SAGAS-SESSAO-ENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=345231>. Acesso em: 12/04/2018.

BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão 215/1999 – Plenário. Disponível em: < http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc%5CSIDOC%5CgeradoSIDOC_DC02151899P.pdf>. Acesso em: 12/04/2018.

BRASIL. Zênite – Web Licitações e Contratos: Licitação – Possibilidade de anulação ou revogação parcial. Perguntas e Respostas – 397/194/ABR/2010.

FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 5ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014.

GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 2009.

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 13ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 112/113 e 166.


Notas

[1] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. 5ª Ed. Belo Horizonte: Fórum, 2014, pág. 419.

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 16ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014, pág. 1006.

[3] BRASIL. Zênite – Web Licitações e Contratos: Licitação – Possibilidade de anulação ou revogação parcial. Perguntas e Respostas – 397/194/ABR/2010.

[4] BRASIL. Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU / Tribunal de Contas da União – 4. ed. rev., atual. e ampl. – Brasília: TCU, Secretaria‑Geral da Presidência: Senado Federal, Secretaria Especial de Editoração e Publicações, 2010.

[5] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão 1428/2003 – Plenário. Disponível em:  <http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc%5CAcord%5C20031003%5CTC%20013.971.doc>. Acesso em: 11/04/2018.

[6] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Acórdão nº 2819/2011 – Plenário. Disponível em: <https://contas.tcu.gov.br/sagas/SvlVisualizarRelVotoAcRtf?codFiltro=SAGAS-SESSAO-ENCERRADA&seOcultaPagina=S&item0=345231>. Acesso em: 12/04/2018.

[7] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito. 13ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1993, p. 112/113 e 166.

[8] GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito, 2009, p. 23-60.

[9] BRASIL. Tribunal de Contas da União. Decisão 215/1999 – Plenário. Disponível em: < http://www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc%5CSIDOC%5CgeradoSIDOC_DC02151899P.pdf>. Acesso em: 12/04/2018.


Autor

  • Alexandre Santos Sampaio

    Advogado. Mestre em Direito pela Uniceub - Centro Universitário de Brasília. Especialista em Direito Público pela Associação Educacional Unyahna. Especialista em Direito Civil pela Universidade Federal da Bahia. Bacharel em Direito pela Universidade Católica do Salvador. Bacharel em Administração pela Universidade do Estado da Bahia.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SAMPAIO, Alexandre Santos. As alterações em contratos administrativos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 23, n. 5522, 14 ago. 2018. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/66018. Acesso em: 20 maio 2024.