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A representação voluntária e o negócio jurídico de procuração

A representação voluntária e o negócio jurídico de procuração

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RESUMO. 1.- INTRODUÇÃO. 2.- A REPRESENTAÇÃO. 2.1.- A representação Direta e Indireta. 2.2.- Distinções conceituais entre mandatário e procurador. 2.3.- Formas de procuração: pública e particular. 3.- NEGÓCIO JURÍDICO DE PROCURAÇÃO OU ATO JURÍDICO UNILATERAL. 5.- CONCLUSÃO. 6.- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


PALAVRAS-CHAVE: Procuração – mandato – negócio jurídico de procuração – representação voluntária.


RESUMO

            Este trabalho revela a possibilidade jurídica de reconhecer a procuração como negócio jurídico autônomo e independente, desvinculando-a do mandato, bem como apresentando as diferenças entre os dois institutos.


1.- INTRODUÇÃO

            Delinear o caminho que conduz os doutrinadores ao entendimento e à admissibilidade da existência da procuração como negócio jurídico autônomo e independente do contrato de mandato, denominada por alguns doutrinadores e juristas como "negócio jurídico de procuração", é o objetivo dessa pesquisa.

            Muito importante, especialmente ao notário, redator especializado, perceber as semelhanças e as diferenças desses instrumentos, até para que, no seu cotidiano,utilize-se de denominações técnicas precisas e corretas, a fim de evitar interpretações ampliadas para os instrumentos que lavra.

            Busca a presente pesquisa abordar o tema referente ao negócio jurídico de procuração, seus aspectos, sua regulamentação no direito pátrio, com o objetivo de conhecer mais detidamente o assunto, e suas conseqüências práticas.

            Cabe salientar ainda que, direcionamos o trabalho acerca da representação voluntária, sem nos deter na chamada representação legal, ou seja, aquela que decorre da lei, como por exemplo a representação exercida pelo tutor, pelo curador ou pelo inventariante.


2.- A REPRESENTAÇÃO

            No âmbito do direito civil, a representação, no mundo moderno, apresenta-se como assunto basilar para a validade dos negócios jurídicos. Nessa pesquisa procurarei ater-me à representação voluntária, fundada em instrumento procuratório (procuração) público ou particular.

            A representação poderá ser legal, nos casos em que a lei expressamente permite, caso do pai no exercício do pátrio poder, do tutor e do curador. Já a representação voluntária ou convencional, origina-se através da outorga de poderes para que outra pessoa pratique atos jurídicos, em nome do representado.

            Para a realização e perfectibilização dos negócios jurídicos, faz-se necessário a presentação, como bem ensina Pontes de Miranda, do interessado. Entretanto, no mundo moderno, necessário se faz, em diversas situações, estar presente em locais diversos, o que, humanamente é impossível. Assim, através de um representante, investido de poderes pelo interessado, poderá, em seu nome, praticar determinado ou determinados atos.

            Pontes de Miranda é preciso na conceituação da representação:

            "Representação é o ato de manifestar vontade, ou de manifestar ou comunicar conhecimento, ou sentimento, ou de receber a manifestação, ou comunicação, por outrem (representado), que passa a ser o figurante e em cuja esfera jurídica entram os efeitos do ato jurídico, que se produz".

            2.1.- A REPRESENTAÇÃO DIRETA E INDIRETA

            Os doutrinadores classificam a representação em direta ou indireta. Na representação indireta, o participante de um negócio jurídico pratica determinado negócio em nome próprio, mas por conta alheia. Assim, posteriormente, o representante deverá transmitir os direitos para o representado, após esses mesmos direitos integrarem sua esfera jurídica, eis que agia em seu próprio nome. Na representação direta, o representante atua em nome alheio e os atos por ele praticados, no âmbito de seus poderes, integram imediatamente a esfera jurídica do representado.

            Segundo LEONARDO MATTIETTO, a representação tem um pressuposto (a relação jurídica básica), um requisito (agir em nome de outrem) e um efeito típico (a imputação na esfera jurídica do representado).

            Da relação jurídica básica, emergem os poderes que delimitarão a esfera de atuação do representante, que estará agindo em nome do representado.

            O agir em nome de outrem é o cerne da representação, já que, se não fosse assim estaríamos diante da representação indireta, que, no direito moderno, sofre muitas críticas e restrições, pois a necessidade da transferência de direitos do representante para o representado exclui a idéia da representação.

            O efeito típico produzido pela representação consiste no fato de que o negócio jurídico praticado pelo representante produz efeitos na esfera jurídica do representado.

            No direito brasileiro, muitos doutrinadores entendem que não é possível a representação voluntária, senão emergente do contrato de mandato. Filiam-se a esse entendimento PLÁCIDO E SILVA, WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA dentre outros. Entretanto, doutrinadores como PONTES DE MIRANDA, preferem traçar distinções técnicas e precisas, a fim de admitir a existência da outorga de poderes, como negócio jurídico abstrato, sem qualquer dependência quanto ao negócio jurídico subjacente ou sobrejacente, podendo assim ser válida e eficaz, sem que o seja o negócio jurídico subjacente ou sobrejacente.

            2.2.- DISTINÇÕES CONCEITUAIS ENTRE MANDATÁRIO E PROCURADOR

            Importante também para esse estudo, distinguir precisamente as expressões usadas como mandatário e procurador.

            Mandatário é a pessoa investida nos poderes outorgados pelo mandante, para em nome desse, praticar atos ou realizar negócios. Procurador é a designação dada à pessoa em favor da qual se emitiu uma ordem ou autorização para agir em nome de outorgante. Mandatário é gênero. Procurador é espécie.

            Assim, desses conceitos, pode-se concluir que pode haver procuração sem mandato, bem como pode haver mandatário sem procuração.

            No caso do mandatário sem procuração, estaríamos diante da representação indireta, onde o mandatário, autorizado por um negócio jurídico subjacente, praticaria os atos autorizados, em seu próprio nome, transferindo, posteriormente, os direitos ao mandante, para somente aí, o negócio integrar a esfera jurídica do representado. Nessa hipótese, o mandatário poderia estar autorizado por um contrato de mandato a praticar determinados atos, mas não possuiria o instrumento exteriorizador do negócio subjacente, qual seja, a procuração.

            Já no caso do procurador, que estaria agindo dentro dos limites dos poderes que lhe foram conferidos, pode-se imaginar que irá praticar os atos em nome do outorgante, e os negócios por ele, procurador, realizados, integrarão desde já, a esfera jurídica do outorgante.

            2.3.- FORMAS DE PROCURAÇÃO: PÚBLICA E PARTICULAR

            Ensina DE PLÁCIDO E SILVA:

            "A procuração é, pois, o documento ou título mediante o qual uma pessoa, por escrito, dá a outrem poderes para, em seu nome e por sua conta, praticar atos ou administrar interesses". (Tratado do Mandato e Prática das Procurações, Vol. II, p. 925)

            Então, quanto à sua forma, a procuração poderá ser pública ou particular. Será pública a procuração lavrada pelo tabelião de notas, em livro próprio, na serventia notarial, arquivando-se o original no livro de procurações e expedindo-se um traslado ou certidão do ato, conforme o caso. A procuração particular, no entanto, será assim considerada quando lavrada pelo outorgante ou por qualquer pessoa por ele autorizada para tal prática.

            A questão da atração da forma divide a doutrina brasileira, face à ausência de normatização. Alguns doutrinadores entendem que para se outorgar uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel na forma do artigo 215, do Código Civil Brasileiro, não há necessidade do outorgado estar investido nos poderes sob a mesma forma, ou seja, ser portador de procuração pública. Entendem esses que a limitação é imposta pelo artigo 108, combinado com o artigo 657, do Código Civil Brasileiro que estabelece:

            "Artigo 657 – A outorga do mandato está sujeita à forma exigida por lei para o ato a ser praticado. Não se admite mandato verbal quando o ato deva ser celebrado por escrito".

            Assim, as demais formas, que não a verbal, estariam entre as possíveis de habilitar o procurador para a prática do ato público (outorga de escritura pública de compra e venda, como adquirente ou transmitente).

            A doutrina estrangeira, no entanto, tem entendimento divergente, ou seja, aquele pelo qual a procuração deve revestir-se da forma prescrita para o ato a ser praticado pelo procurador. Parece-me, tecnicamente, o entendimento mais acertado. Muito embora inexistam preceitos legais que, no Brasil, esclareçam sobre o assunto, no Estado do Rio Grande do Sul, foi objeto de Ofício Circular n.º 15/95, e também constante do artigo 678, da Consolidação Normativa Notarial e Registral, a questão da atração da forma.

            O artigo 678, do Provimento 01/98-CGJ, é taxativo:

            "Art. 678 – A procuração outorgada para a prática de atos em que seja exigível o instrumento público também deve revestir a forma pública".

            Se, no ordenamento jurídico pátrio inexiste referência expressa sobre a atração da forma, em nosso Estado, há orientação de parte da Corregedoria-Geral da Justiça de que seja observado o conteúdo do Ofício-Circular e também o que determina o Provimento n.º 01/98.


3.- NEGÓCIO JURÍDICO DE PROCURAÇÃO OU ATO JURÍDICO UNILATERAL

            Alguns doutrinadores pátrios têm defendido a idéia de que a procuração pode ser um instrumento autônomo, independente do contrato de mandato e mais, que o legislador brasileiro ao legislar sobre a matéria, confundiu mandato com procuração.

            Diante dos conceitos que procuramos estabelecer anteriormente, podemos auferir que esse entendimento parece correto tecnicamente. Diante da limitação imposta pelo artigo 657, do Código Civil Brasileiro, já referida anteriormente, podemos fazer o seguinte exercício de raciocínio. Toda vez que um procurador outorga uma escritura pública de compra e venda de bem imóvel, por exemplo, diante do que determina o artigo 657, será inadmissível o mandato verbal. Essa é uma situação explícita em que o legislador confundiu procuração com mandato. Senão teríamos que exigir do procurador constituído por instrumento público, o contrato de mandato expresso, se verbal é vedado. Ora, parece-nos difícil visualizar essa situação na prática.

            Nessa idéia, fica esclarecida a possibilidade de haver a procuração sem mandato e não apenas como documento, mas sim, como um negócio jurídico.

            No entendimento de LEONARDO MATTIETTO, a procuração tem como características ser um negócio jurídico unilateral, autônomo e abstrato.

            Na qualidade de negócio jurídico unilateral, a procuração se forma com a declaração de vontade do representado, sendo dispensável o consentimento do representante, muito menos daquele frente ao qual será praticado o ato autorizado no instrumento procuratório. Segundo JOSÉ DE OLIVEIRA ASCENSÃO em sua obra Direito Civil – Teoria Geral. Coimbra: Coimbra Editora, 1999, Vol. II, p. 233, pode-se entender que:

            "A procuração é um ato unilateral e não necessita de estar sequer associada a um contrato. Estando-o, pode estar associada a contratos diferentes do mandato. E pode o representante ter o direito, mas não a obrigação de praticar os atos; ao contrário do mandato, pois é essencial no mandato a obrigação de praticar um ou mais atos jurídicos no interesse do mandante".

            O negócio jurídico de procuração tem vida autônoma, ou seja, é independente, mesmo que não se constitua isoladamente, mas em conexão com outras relações, como as derivadas do contrato de mandato.

            Quanto à abstração, o entendimento da doutrina não é pacífico. Parte dela entende que a procuração constitui negócio jurídico abstrato e os direitos decorrentes do negócio jurídico celebrado entre o representante e o terceiro não são dependentes do negócio que deu lugar ao nascimento do poder de representação. E conclui:

            "Outorgada a procuração, liberta-se de sua causa, e a relação básica (entre o representante e o representado) não poderá ser alegada futuramente para invalidar as obrigações decorrentes do negócio representativo". (MATTIETTO, Leonardo. A representação voluntária e o negócio jurídico de procuração. Revista Trimestral de Direito Civil, ano I, volume 4, out/dez-2000.)

            Há entendimentos de que a procuração constitui-se negócio jurídico causal.

            Verifica-se, também, tendência a se referir à procuração como ato jurídico unilateral. A negação do caráter jurídico funda-se na ausência de surgimento de direito para o representante. Existe, sim, a criação de uma situação fática ensejadora da concretização negocial pela aceitação do destinatário, como ensina Renan Lotufo, in Questões relativas a Mandato, Representação e Procuração, p. 151.

            Utilizam-se, os doutrinadores dos nomes ATO JURÍDICO e NEGÓCIO JURÍDICO, como equivalentes, eis que, muitos entendem não ter fundamento a distinção que grande parte da doutrina atual estabelece entre o negócio jurídico e o chamado ATO JURÍDICO EM SENTIDO ESTRITO, que seriam duas espécies do gênero ato jurídico, gênero caracterizado pela necessária voluntariedade.

            JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES em "A Parte Geral do Projeto de Código Civil Brasileiro", é favorável à denominação de negócio jurídico. Pode-se constatar que a procuração está ligada ao poder de representação e instrumentaliza esse mesmo poder.


5.- CONCLUSÃO

            O esclarecimento trazido à tona pela pesquisa realizada sobre a representação voluntária e o negócio jurídico de procuração, a meu juízo é muito pertinente.

            Quando se tem a oportunidade de elaborar uma pesquisa como essa, constata-se que por mais singular que seja o conceito jurídico elaborado, sempre suportará entendimento diverso. Talvez seja essa característica que torna o mundo do Direito tão fascinante. O fato de não caberem entendimentos pontuais sem divergências.

            De um lado, a legislação brasileira teve várias Cartas Magnas, mas, somente com o advento do novo Código Civil, pudemos perceber os avanços trazidos ao longo dos anos pelos doutrinadores. Ademais, desde 1916 até o novo Código Civil (Lei nº 10.406), muitos posicionamentos de juristas renomados foram revistos. Em assuntos como a representação voluntária, objeto dessa pesquisa, passou "in albis" pelo legislador, quero dizer, não foi objeto de regulamentação específica, cabendo muitas divergências e entendimentos entre o que é permitido e o que não é vedado.


6.- REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            - LOTUFO, Renan. Questões relativas a Mandato, Representação e Procuração. Editora Saraiva. São Paulo/SP, 2001.

            - MATTIETTO, Leonardo. A representação voluntária e o negócio jurídico de procuração. Revista Trimestral de Direito Civil, ano I, volume 4, out/dez-2000. Editora Padma. Rio de Janeiro/RJ, 2000.

            - MIRANDA, Pontes de. Tratado do Direito Privado. Editora Revista dos Tribunais, Tomo III, quatro.ª edição. São Paulo/SP, 1983.

            - PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de Direito Civil. Editora Forense. Volumes I e III. 10.ª edição. Rio de Janeiro/RJ, 2001.

            - RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Editora Forense. 2.ª edição. Rio de Janeiro/RJ, 2001.

            - SILVA, De Plácido e. Tratado do Mandato e Prática das Procurações. Editora Forense. Volumes I e II. 4.ª edição, revista e atualizada pelo magistrado e prof. Waldir Vitral. Rio de Janeiro/RJ, 1989.


Autor

  • Eduardo Kindel

    Eduardo Kindel

    Tabelião de Notas de Constantina – RS, Especialista em Direito Notarial e Registral – UNISINOS (São Leopoldo – RS), Professor do Curso de Especialização em Direito Registral e Notarial - Universidade de Passo Fundo – UPF

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

KINDEL, Eduardo. A representação voluntária e o negócio jurídico de procuração. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 754, 28 jul. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7081. Acesso em: 29 mar. 2024.