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Aspectos jurídicos da telefonia móvel

Aspectos jurídicos da telefonia móvel

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Sumário: 1. Introdução – 2. Os Sistemas Analógico e Digital – 3. Tecnologias Existentes em nosso País - 3.1 AMPS (Advanced Mobile Phone System) - 3.2 TDMA (Time Division Multiple Access) - 3.3 GSM (Global System for Mobile Communications) - 3.4 CDMA (Code Division Multiple Access) - 3.5 Considerações Adicionais – 4. A Clonagem dos Aparelhos.


1. INTRODUÇÃO

Na década de 80 foram projetadas as primeiras redes celulares de telefonia móvel, que visavam atender aos serviços de comunicações móveis de voz, como os telefones celulares, sem maiores preocupações com a comunicação de dados. Hodiernamente verifica-se que a tendência é tornar essas redes também adequadas ao tráfego de dados, devido à grande demanda dos chamados serviços de computação móvel.

Basicamente, para se montar um sistema de telefonia móvel subdivide-se uma área geográfica em células hexagonais (por isso a denominação "celular"), cada uma dispondo de uma estação de rádio [01] e antenas direcionais para supervisão e controle das radiofreqüências e interligação com o sistema telefônico convencional. (ROCHOL; BARCELOS; PUFAL, 1995, p. 2).


2. OS SISTEMAS ANALÓGICO E DIGITAL

O grande diferencial dos sistemas digital e analógico é a qualidade da ligação.

No sistema analógico o som fica sujeito a ruídos e interrupções, pois trafega por ondas de rádio, como nas transmissões de rádio FM e televisão.

Já no digital, mesmo com a transmissão por ondas de rádio, há uma codificação do som através de um sistema de numeração binária ou digital, da mesma forma que os sinais internos dos computadores, mantendo, dessa forma, a fidelidade do sinal de voz.

Destarte, na telefonia celular digital a escuta clandestina [02] é dificultada, pois a voz é codificada em um sinal digital para ser transmitida, sendo depois decodificada na outra ponta da linha.


3. TECNOLOGIAS EXISTENTES EM NOSSO PAÍS

3.1 AMPS (Advanced Mobile Phone System)

A tecnologia AMPS é analógica e não possui nenhum sigilo ou segurança.

Está em operação no Brasil desde 1990, época da implantação do sistema celular.

3.2 TDMA (Time Division Multiple Access)

A tecnologia de acesso múltiplo por divisão de tempo, dita de 2ª geração, foi desenvolvida nos Estados Unidos e atualmente possui a maior cobertura digital, presente em todo o nosso País.

Possui ótima qualidade de voz e velocidade ao completar ligações, entretanto não é adequada para a transmissão de dados.

3.3 GSM (Global System for Mobile Communications)

Baseado na tecnologia TDMA foi desenvolvido um novo sistema, o sistema global para comunicações móveis, que possui ampla aceitação em quase toda a Europa, onde constitui padrão para telefonia celular digital desde 1992.

Permite maior velocidade na transmissão de dados e o roaming [03] internacional.

A cobertura GSM ainda não é tão grande como a TDMA, mas encontra-se em franca expansão, sendo, atualmente, o mercado onde existe maior concorrência. Atualmente o GSM é o sistema celular de maior cobertura mundial.

3.4 CDMA (Code Division Multiple Access)

A tecnologia de acesso múltiplo por divisão de código, considerada de 3ª geração, possui melhor desempenho que as anteriores, alta velocidade na transmissão de dados, oferecendo maior suporte para avanços tecnológicos, entretanto a cobertura digital ainda é pequena em nosso País.

3.5 Considerações Adicionais

Tanto aparelhos CDMA quanto TDMA operam em modo duplo (analógico e digital), permitindo também a comunicação através de uma rede AMPS, analógica, quando o assinante estiver fora da área de cobertura de sua operadora (em roaming). Os GSM não, pois só funcionam em redes digitais.

Ainda, os sistemas digitais TDMA e CDMA são incompatíveis entre si, não havendo a possibilidade de utilização de um aparelho TDMA em uma rede CDMA e vice-versa.

Há outras tecnologias envolvidas nas comunicações celulares, específicas para comunicação de dados (acesso à Internet, por exemplo) como a CDMA2000 e W-CDMA, para redes CDMA, e a tecnologia GPRS (General Packet Radio Service), para as redes GSM.

É recente a viabilidade de conexão à Internet, com certa qualidade, pelos aparelhos telefônicos celulares.

Pode-se acessar a grande rede, a partir do próprio telefone, para navegação em sistemas WAP [04], ou utilizando-se o aparelho, conectado a um notebook, computador ou mesmo palmtop, através de cabo específico de transmissão de dados.

São utilizados vários protocolos para a comunicação de dados, como o CSD (Circuit Switched Data), para acesso discado.

O GPRS (General Packet Radio Service) é tecnologia exclusiva das redes GSM e proporciona a grande vantagem dos aparelhos estarem sempre conectados, portanto, não é necessária discagem para acesso, nem espera para o envio e recebimento de dados. (GPRS).

Nas redes CDMA, há outras tecnologias envolvidas nas comunicações celulares, como a CDMA2000 e W-CDMA.

Como exemplo, atualmente a operadora Oi está disponibilizando velocidades de até 57.600 bps, com o uso do protocolo GPRS, enquanto que a velocidade máxima com a utilização do CSD é de somente 9.600 bps.


4. A CLONAGEM DOS APARELHOS

A clonagem, de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), ocorre com a "construção de um terminal móvel idêntico a outro já existente e habilitado, a ponto de ser aceito pela operadora como se fosse o aparelho original". [05]

Esse tipo de situação ocorre com maior freqüência quando o usuário está em roaming. Isso porque, geralmente, nesta situação, o celular acaba entrando na rede analógica, que é bem mais suscetível a esses tipos de fraudes. Por isso, grande parte das clonagens é feita nas regiões dos maiores aeroportos do país, onde as pessoas ligam seus aparelhos logo ao desembarcarem da aeronave.

Com aparelhos especiais, o criminoso consegue identificar o número da linha e o número de série do aparelho, usando-os, então, no clone. Cabe ressaltar que, ao abrir o aparelho para conserto, um técnico também tem acesso a esses números, ou seja, nunca se deve confiar um aparelho a Assistências Técnicas não autorizadas.

A utilização do sistema GSM, por sua vez, evita estas fraudes pelo fato das informações serem registradas em chips [06], inacessíveis, portanto, aos piratas.

De acordo com o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990), as operadoras têm obrigação de oferecer um serviço seguro e eficiente, e deverão assumir o custo das ligações que não foram feitas pelo cliente, como ocorre nos casos de clonagem. Ações de danos morais podem ser ventiladas se houver constrangimento para o cliente, como também por perdas e danos e lucros cessantes, caso o cliente utilizar o telefone celular para o trabalho e ficar comprovado que obteve prejuízos em seus negócios. Normalmente, nos casos de clonagem, as operadoras mudam o número do telefone do assinante lesado, bloqueando em seguida a linha clonada, porém, há situações em que tal alteração pode configurar-se prejudicial ao cliente.

Segundo o advogado especialista em Direito do Consumidor Sérgio Tannuri (2004):

O que protege o consumidor neste caso é o inciso IV do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor, que garante a reparação dos danos patrimoniais e morais sofridos. Afinal, uma vez que uma empresa de telefonia se propõe a prestar o serviço, é obrigada a garantir a segurança do sistema. O consumidor não tem culpa alguma pela clonagem. O consumidor é a vítima!

Dessa forma, não há responsabilização penal da operadora em situações de clonagem dos aparelhos celulares, somente civil. Mas e o sujeito que ilegalmente executa a operação de clonagem desses terminais, estaria incurso em algum crime?

Conforme a escorreita sentença prolatada pelo magistrado federal Dr. Ricardo César Mandarino Barreto [07], na figura típica descrita no art. 183, da Lei nº 9.472/97 (Lei Geral das Telecomunicações), o termo clandestino remete à idéia de ausência de outorga governamental, consubstanciada esta na concessão, permissão ou autorização de serviço de radiodifusão e exploração de satélite, consoante disposição expressa do parágrafo único do art. 184, do aludido diploma legal. O crime não exige a ocorrência de dano, sendo delito de mera conduta, ou seja, satisfaz, para se ter como consumado, a tão-só realização do tipo. Se dano houver, constituirá causa de aumento de pena.

Art. 183. Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação:

Pena - detenção de dois a quatro anos, aumentada da metade se houver dano a terceiro, e multa de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem, direta ou indiretamente, concorrer para o crime.

Art. 184. São efeitos da condenação penal transitada em julgado:

I - tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime;

II - a perda, em favor da Agência, ressalvado o direito do lesado ou de terceiros de boa-fé, dos bens empregados na atividade clandestina, sem prejuízo de sua apreensão cautelar.

Parágrafo único. Considera-se clandestina a atividade desenvolvida sem a competente concessão, permissão ou autorização de serviço, de uso de radiofreqüência e de exploração de satélite.

Prossegue, com muita propriedade, o meritíssimo, asseverando que há inegável subsunção da clonagem ao tipo penal contido no art. 171, caput, do Código Penal (estelionato), o qual prevê:

  • a) o emprego de artifício, ardil ou qualquer outro meio fraudulento, sendo, na hipótese, o artifício utilizado o aparato eletrônico para a clonagem dos aparelhos celulares;

  • b) obtenção de vantagem patrimonial ilícita;

  • c) prejuízo alheio, conforme as informações que podem ser prestadas pelas companhias operadoras de telefonia celular, cujo custo financeiro, em sua maioria e após a identificação da fraude, é assumido pela empresa. Quando não, cabe ao titular da linha a sua assunção, gerando, em outra ponta, dispêndio com requerimentos administrativos e, quiçá, ajuizamento de ações judiciais para desoneração da dívida.

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, e multa.

[...]

A esse respeito, Romeu de Almeida Salles Jr. (1997, p. 124), assim expõe: "Nosso Código Penal não apresenta definição ao crime de estelionato. O legislador preferiu anunciar os seus elementos constitutivos, criando uma fórmula genérica, em que os componentes aparecem com destaque".

Tal fórmula, apresentada por Magalhães Noronha (2001, p. 369), resume o crime a: "meio fraudulento + erro + vantagem ilícita + lesão patrimonial = estelionato".

Como todos os serviços prestados através de tecnologia que utiliza radiofreqüência são suscetíveis a fraudes, as operadoras que adotam os sistemas TDMA e CDMA têm investindo constantemente em novas soluções, objetivando aprimorar o controle sobre as vulnerabilidades de seus sistemas que oportunizam a interceptação de sinais, dessa forma, minimizando as ações de clonagem e fraudes em suas redes.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GPRS. TIM Celular. Disponível em: <http://www.timcelular.com.br/tecnologia/gprs.asp>. Acesso em: 6 fev. 2005.

NORONHA, E. Magalhães. Direito penal. 32. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2001. v. 2.

ROCHOL, Juergen; BARCELOS, Marcelo Boeira; PUFAL, Henrique. Comunicação de dados em redes celulares de telefonia móvel (RCTM). In: Simpósio Brasileiro de Redes de Computadores, 13., 1995. Belo Horizonte: Sociedade Brasileira de Computação, 1995.

SALLES JUNIOR, Romeu de Almeida. Apropriação indébita e estelionato. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.

TANNURI, Sérgio. Direito do consumidor. Revista Consultor Jurídico, 2 nov. 2004. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2004-nov-02/lei_brasileira_protege_quem_teve_aparelho_celular_clonado>. Acesso em: 10 jan. 2005.


NOTAS

  1. Tecnicamente denominada de Estação Rádio Base (ERB).

  2. Também denominada de "grampo" telefônico.

  3. Roaming é o termo técnico utilizado para denominar a utilização do sistema por usuários que estejam fora de seu sistema local. Por exemplo, um assinante de uma determinada área (Curitiba), quando utiliza seu celular em outro Estado (Rio de Janeiro), ou mesmo em outra cidade do mesmo Estado (Foz do Iguaçu), está em roaming. Neste caso, o custo da ligação é acrescido de uma taxa de roaming, paga pelo usuário que origina a ligação. Importante salientar que o serviço de roaming depende de acordo feito entre as operadoras, podendo estar ou não disponível em determinadas regiões.

  4. WAP (Wireless Application Protocol) é o protocolo de aplicações sem fio, ou seja, sistema de regras para a transmissão de dados e autenticação de transações através de aparelhos celulares. Mesmo sendo mais simples, devido às reduzidas dimensões, os sistemas WAP mais atuais já ganham cores e imagens, da mesma forma que em um sítio web convencional. Como exemplos dessas aplicações, citamos o jornal O Estado de São Paulo, e conteúdos de algumas revistas publicadas pela Editora Abril .

  5. Disponível em: <https://wiki.sj.ifsc.edu.br/images/4/4f/GlossarioANATEL.pdf>. Acesso em: 6 fev. 2005.

  6. Circuito integrado, chip ou microchip é um circuito constituído de componentes miniaturizados, montados em uma pequena pastilha de silício, ou de outro material semicondutor. Segundo informações da TIM Celular, o TIMChip, produto que comercializa, possui espaço de 32 KB para armazenamento das informações do cliente, como agenda telefônica, mensagens de texto etc.

  7. Processo nº 98.4787-5, Classe 7000, da 1ª Vara da Justiça Federal do Estado de Sergipe, com sentença prolatada em 27 de setembro de 2001.


Autor

  • Pedro Augusto Zaniolo

    Pedro Augusto Zaniolo

    Bacharel em Direito. Técnico Judiciário do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná (Assessor de Desembargador). Perito Judicial em demandas cíveis no Foro Regional e Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba. Engenheiro Eletricista com especialização em Eletrônica, Telecomunicações e Informática.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANIOLO, Pedro Augusto. Aspectos jurídicos da telefonia móvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 781, 21 ago. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7135. Acesso em: 28 mar. 2024.