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Processo de execução fiscal: uma reflexão sobre a penhora excessivamente onerosa que recai sobre bem de família por débito de IPTU

Processo de execução fiscal: uma reflexão sobre a penhora excessivamente onerosa que recai sobre bem de família por débito de IPTU

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Examina-se a incidência de penhora sobre imóvel que seja bem de família, em sede de execução fiscal, em situações nas quais o débito exequendo é muito inferior ao valor do bem.

RESUMO: O presente artigo científico tem como objetivo examinar a aplicabilidade do artigo 3°, inciso IV, da Lei nº 8.009/90, que possibilita a penhora de bem imóvel de família em razão de dívidas de Imposto Predial e Territorial Urbano relativas ao próprio bem e inscritas em Dívida Ativa, ainda que o valor cobrado seja infinitamente menor que o do imóvel, ante a ausência de limitação legal. Foi realizado um estudo sintético acerca do direito de propriedade e de sua função social,  ao mesmo tempo em que se analisa o direito social à moradia, alicerce de uma vida humana digna, cristalizado constitucionalmente como direito fundamental do indivíduo e cláusula pétrea; dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade; da menor onerosidade do devedor; e, acima de tudo, da dignidade da pessoa humana, com vistas a viabilizar medidas outras que garantam a satisfação do crédito exequendo, desde que não se sacrifique o mínimo existencial do devedor e não se afronte a proteção constitucional da moradia e, consequentemente, da dignidade da pessoa humana. O tema será abordado à luz da Constituição Federal da República e da legislação infraconstitucional correlata, em especial as Leis no 8.009/90 e 6.830/80, bem como da doutrina e jurisprudência pertinentes. Este trabalho pressupõe um estudo teórico, mas, indispensavelmente, de ordem prática, tendo em vista a orientação (contrária) adotada pela esmagadora maioria das varas de execução fiscal.

Palavras-chave: Execução Fiscal. Penhora de bem de família. Menor onerosidade da execução.


INTRODUÇÃO

A fazenda pública, em geral, encontra várias barreiras na tentativa de arrecadação de seus créditos, seja pela não localização dos devedores, seja pela enorme quantidade de pessoas inadimplentes pelo não recolhimento dos valores devidos ao Fisco, dentre tantos outros motivos que dificultam a arrecadação do crédito fiscal. Uma das principais razões se dá pelo fato de que grande parcela dos contribuintes não recolhem o tributo devidamente e dentro do prazo estipulado pelo respectivo município, tornando-se inadimplentes para com a fazenda local.  

Ocorre que, na esmagadora maioria dos casos, o pagamento voluntário não é realizado, tampouco são utilizados os meios de defesa disponíveis para se levantar quaisquer suspeitas acerca da validade, liquidez ou exigibilidade do título executivo judicial características da Certidão de Dívida Ativa. Sendo assim, diante da devida citação do executado, não havendo o pagamento da dívida nem sendo oferecida garantia à execução, nos termos do art. 9º da Lei de Execuções Fiscais (LEF), o executado poderá ter sua esfera patrimonial pessoal invadida por meio de atos que visem à garantia do crédito almejado pelo Fisco, quando da adoção de providências que busquem à satisfação da pretensão creditícia, independentemente da vontade do devedor, iniciando-se tal procedimento pela penhora de seus bens.

Dentre as possíveis medidas de constrição de bens, a penhora do imóvel representa a problemática a ser discutida nesse trabalho, tendo em vista que tal medida, da forma como é aplicada nas Varas de Execução Fiscal e nos Tribunais, reflete, muitas vezes, providência desmedida e desarrazoada que atinge parcela significativa das execuções fiscais em curso, revelando-se excessivamente onerosa e contrariando direitos fundamentais do indivíduo expressos na Constituição, como a moradia e a propriedade, já que possibilita a constrição de bem de família, que é levado à hasta pública e, consequentemente, expropriado, em virtude de Execução Fiscal na qual se verifica uma disparidade desmedida entre o valor do débito constante da Certidão de Dívida Ativa (CDA) e o valor venal do referido imóvel objeto da penhora.

Aqui não se irá discutir se a hipótese de penhora de bem de família trazida pelo inciso IV do art. 3º da Lei n° 8.009/90 é constitucional ou não, pois, embora ainda haja controvérsia entre alguns estudiosos do tema, essa celeuma já foi decidida no Supremo Tribunal Federal, que reconheceu a legitimidade da penhora relacionada a dívidas de imóvel cuja propriedade constitui o fato gerador do IPTU, reafirmando, assim, a constitucionalidade, em tese, do supracitado dispositivo.

Sendo assim, será analisado, de um lado, o interesse público revestido pelo caráter imperioso da cobrança de tributos e créditos fiscais em geral, que não admite, com razão, a hipótese de o cidadão esquivar-se de arcar com suas responsabilidades em favor da administração pública, que reverte suas receitas em favor da coletividade para, por meio delas garantir à população os direitos mínimos necessários mediante a prestação dos serviços públicos essenciais.

De outro lado, revelam-se presentes os princípios da menor onerosidade da execução, da razoabilidade e proporcionalidade das medidas judiciais, o direito social à moradia, o direito fundamental à propriedade e, como pressuposto maior de todos esses, o postulado da dignidade da pessoa humana, de maneira tal que se busque à efetivação dos direitos mínimos e fundamentais consagrados na Carta Maior, ainda que necessário seja o sacrifício de algumas prerrogativas públicas, tidas como coletivas, em face de medidas que execram direitos e garantias constitucionais, revelando-se desprovidas de critérios razoáveis e justos.

Nesse sentido, o presente trabalho foi estruturado em quatro principais tópicos. O primeiro tem como escopo expor as noções principais sobre o Processo de Execução Fiscal, desde a constituição do título que o fundamenta até e os efeitos que dele decorrem.

No segundo tópico deste artigo foram apresentadas noções relativas ao instituto da penhora e sua relação com a proteção conferida ao bem de família por meio da Lei 8.009/90.

Na terceira parte, foi realizado um estudo teleológico acerca de importantes princípios que guardam estreita ligação com este procedimento, em especial a dignidade da pessoa humana, o direito à moradia e a menor onerosidade do executado em detrimento da cobrança desarrazoada e desproporcional, pelo Fisco, de crédito tributário em valor absurdamente inferior ao do imóvel atacado pela penhora.

Por fim, no último tópico, concluiu-se o trabalho, fazendo-se necessário perquirir, neste caso, se a penhora de bem de família que tem valor em muito superior ao do título executivo que deu azo à execução fiscal seria meio mais idôneo à satisfação do crédito público e, em sendo positiva a resposta a esta indagação, foi sugerida a adoção de um parâmetro razoável para que, sempre que possível e razoável, assegure a satisfação do crédito tributário em benefício do fisco sem pôr em cheque as garantias constitucionais quanto à moradia e, sobretudo, à dignidade da pessoa humana sob a ótica da razoabilidade fiscal.


1 DO PROCESSO DE EXECUÇÃO FISCAL

O processo de execução fiscal é uma espécie de execução por quantia certa, na qual prevalecem as especificidades da Lei de Execuções Fiscais, tendo em vista que figuram como legitimados ativos os sujeitos da administração pública direta e indireta de todos os níveis federativos, suas autarquias e fundações públicas, bem como entidades de classe de natureza autárquica, como já mencionado. Assim como toda e qualquer espécie de execução, o objetivo precípuo da execução fiscal é obter a soma em dinheiro a que o devedor se encontra obrigado, conforme demonstra o título executivo, independentemente da vontade ou da colaboração deste.

Nessa esteira, cumpre destacar que, em regra, para que alguém ajuíze um processo de execução em face de um devedor, deve haver o inadimplemento de uma obrigação anteriormente assumida.  Em outras palavras, no processo executivo fiscal não existe discussão acerca do direito, isto é, não há que se discutir “a quem pertence a razão”, uma vez que, para isso, existe a fase cognitiva (Processo de Conhecimento), já exaurida quando da sentença exarada no referido processo. Dessa forma, nota-se que na fase de execução o direito de cobrança encontra-se assegurado em um título judicial ou extrajudicial, dotado de certeza, liquidez e exigibilidade (art. 3º da LEF), representado, na grande maioria dos casos, pela Certidão de Dívida Ativa.

A dívida ativa constitui a materialização de crédito fiscal de titularidade da Fazenda Pública, constituída em face de pessoa física ou jurídica que assim é declarada devedora de determinado crédito a ser adquirido em benefício de Município, Estado, Distrito Federal e Território ou da União, conforme o caso.

Uma vez transcorrido o prazo sem o pagamento do tributo devido, o débito será inscrito em dívida ativa, tornando-se crédito público. Esse crédito pode caracterizar-se, quanto à sua natureza, em tributário ou não tributário, e esse enquadramento se dá conforme o art. 39, § 2º, da Lei nº 4.320/64 e o art. 2º da Lei de Execução Fiscal (LEF), a depender da sua origem.

1.1 DA DÍVIDA ATIVA

O art. 201 do CTN trata de conceituar a dívida ativa de natureza tributária como aquela “proveniente de crédito dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela lei ou por decisão final proferida em processo regular”. Em termos práticos, temos como principais exemplos dessa espécie as dívidas decorrentes do não pagamento de tributos.

Em seu art. 3º, o CTN[1] define tributo como sendo a (i) prestação pecuniária; (ii) em moeda ou cujo valor nela possa expressar; (iii) que não constitua sanção de ato ilícito; (iv) de exigência compulsória; (v) instituída por lei; (vi) e cuja cobrança seja realizada por meio de atividade administrativa plenamente vinculada à legislação posta. Conforme a teoria pentapartida, consagrada pela doutrina e jurisprudência, são espécies de tributo os impostos, as taxas, as contribuições de melhoria, o empréstimo compulsório e as contribuições especiais.

Assim, a dívida ativa tributária pode ser conceituada como um crédito público originado pelo inadimplemento de um determinado tributo pelo sujeito passivo, no prazo fixado pela lei, constituída em procedimento administrativo prévio e disciplinada por lei[2], que se materializa por meio da Certidão de Dívida Ativa (CDA).

1.2 DA CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA (CDA)

O processo de execução fiscal tem como base a existência de um título executivo extrajudicial, nos termos do art. 784, inciso IX, do NCPC, denominado Certidão de Dívida Ativa (CDA), dotada de presunção de certeza, liquidez e exigibilidade, apto a ensejar a demanda judicial da qual se espera a satisfação do crédito inscrito nos registros fiscais do respectivo ente fazendário.

Nesse sentido, note-se que “o principal objetivo da inscrição de um crédito tributário em dívida ativa é exatamente extrair o título executivo que vai aparelhar a Ação de Execução Fiscal a ser ajuizada pelo Estado na busca da satisfação do seu direito”. (ALEXANDRE, 2017, p. 624)

A Certidão de Dívida Ativa é fundamentada pelo Termo de Inscrição de Dívida Ativa, que a precede. Os requisitos exigidos para a constituição tanto do Termo quanto da própria CDA são os mesmos, estando expressamente previstos no parágrafo único do art. 202 do CTN e no § 6º do art. 2º da LEF.

1.3 EFEITOS DA INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA

A inscrição de determinado valor em dívida ativa concede ao crédito público alguns atributos que o particulariza em relação aos demais créditos. Conforme o art. 204 do CTN e o art. 3º da LEF, a presunção de certeza e liquidez são dois dos atributos mais evidentes quando da inscrição do referido crédito na dívida ativa do respectivo ente. Isso sugere que, para que a exigibilidade do crédito seja afastada, é necessário que o sujeito devedor suscite e comprove a existência de causas impeditivas capazes de o fazê-lo, a exemplo das elencadas pelo CTN, em seu art. 151[3], as quais, em sua maioria, também são aplicáveis aos créditos não tributários.

Segundo MOURA[4], dentre os principais efeitos da inscrição em Dívida Ativa estão:

1) Incluir o crédito inscrito em um cadastro de créditos a serem recebidos pela Fazenda Pública. Uma vez que a existência do referido cadastro facilita a contabilização do estoque de dívidas, valores e devedores;

2) Possibilitar à Fazenda Pública o controle da legalidade de todos os procedimentos administrativos realizados previamente até o momento da inscrição;

3) Garantir ao crédito inscrito a presunção de certeza e liquidez, que somente poderá ser afastada por meio de prova inequívoca em sentido contrário;

4) Possibilitar a utilização de medidas coercitivas extrajudiciais (inscrição no CA-DIN[5], para créditos da União, ou em cadastros de inadimplência estaduais e municipais, protesto[6] extrajudicial e não emissão de Certidão Negativa de Débitos);

5) Constituir título executivo extrajudicial, que será utilizado para cobrança judicial por meio de Execução Fiscal;

6) Tornar litigioso o patrimônio do devedor e de eventuais corresponsáveis, suscetível, portanto, de ser objeto de fraude à execução em caso de alienação, oneração, ou mesmo a tentativa de fazê-lo[7];

7) Permitir à Fazenda Pública o uso da LEF para tentar recuperar o crédito;

8) Suspensão do prazo prescricional dos créditos não tributários pelo prazo de 180 dias (LEF, art. 2º, par. 3º).

1.4 DAS PRERROGATIVAS DOS CRÉDITOS PÚBLICOS

A Execução Fiscal figura como rito especial que objetiva a cobrança de crédito público e, como corolário disso, tem-se no status de sujeito ativo da obrigação tributária o ente público, dotado de privilégios e garantias. Em razão dessa prerrogativa, o crédito público possui preferência de pagamento em relação a quaisquer outros créditos, ressalvados, porém, aqueles decorrentes da seara legal trabalhista e acidentária, conforme o art. 186 do CTN.

Dentre essas garantias, percebe-se que os créditos públicos abrangem, quando da sua cobrança, a totalidade dos bens do devedor até que se bastem para satisfazer o interesse creditício do ente público. Ou seja, conforme disposição expressa dos artigos 184 do CTN e 30 da LEF, à exceção dos bens legalmente impenhoráveis, exigir-se-á tantos bens quantos forem necessários ao adimplemento total do débito inscrito.

Na sequência, outra garantia do crédito público se mostra bastante imperiosa, qual seja a disposição do art. 185[8] do CTN, que reveste de presunção absoluta de fraude toda e qualquer alienação ou oneração patrimonial realizada por pessoa devedora de créditos tributários após a inscrição destes em dívida ativa, irregularidade esta que somente não se verifica caso o devedor tenha reservado patrimônio suficiente ao total pagamento da dívida.

1.4.1 Rito específico da Lei nº 6.830/80 e aplicação subsidiária do NCPC

Há de se fazer algumas comparações entre o processo de execução comum, regido pelas normas do Código de Processo Civil de 2015, e o Processo de Execução Fiscal, que tem como base de regência primeira a Lei de Execuções Fiscais, buscando, em caráter subsidiário, o preenchimento de lacunas pelo Código de Processo Civil.

Primeiramente, devemos destacar a aplicação do Princípio da Especialidade em sede de execução fiscal, ao invocar o caráter subsidiário de aplicabilidade das normas do Código de Processo Civil ao rito das Execuções Fiscais, que têm suas nuances regidas pela Lei nº 6.830/80 (LEF)[9]. Pois o artigo 1º da LEF é claro ao dispor que a cobrança da Dívida Ativa da Fazenda Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e de suas respectivas autarquias deve ser regida pelos ditames da referida lei e, apenas de forma subsidiária, pelas regras elencadas no CPC, com vistas à sua complementariedade e ao preenchimento de lacunas constantes da LEF, desde que, obviamente, não discipline normas contrárias a esta lei.

O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, no §2º de seu art. 1046, deixa claro expressamente que “permanecem em vigor as disposições especiais dos procedimentos regulados em outras leis, aos quais se aplicará supletivamente esse Código”. Assim, não nos resta dúvida que este dispositivo coexiste em perfeita harmonia com art. 1º da LEF, que afirma que a execução judicial da dívida ativa será por ela regida e apenas subsidiariamente pelas normas do novel CPC.

Dessa forma, nada impede que as regras processuais gerais do CPC sejam utilizadas no rito da LEF, desde que, obviamente, utilizadas para integrar lacuna no procedimento especial e desde que não sejam incompatíveis com as normas especiais que conferem contornos próprios ao processo de execução fiscal.

Nesse sentido, é de grande valia o ensinamento de Ronaldo Cramer (WAMBIER, 2015, p. 2361) ao comentar o art. 1.046, §2º, do CPC/2015, aduzindo que:

O §2º ressalta que o novo CPC não revoga os dispositivos dos procedimentos especiais regulados em leis extravagantes, mas se aplica supletivamente a esses ritos, quando houver lacuna ou quando não for contrário às previsões daquelas leis. Essa regra confirma a prevalência da lei especial anterior sobre a lei geral posterior.

Sabe-se que o procedimento comum de cobrança de quantia certa instituído pelo novel CPC, em regra, é demasiadamente lento e, por este motivo, seria extremamente inviável para a fazenda pública se utilizar de tal instrumento para exigir o recebimento de seus créditos pecuniários. Sendo assim, foi pensado e desenvolvido um procedimento próprio de cobrança do crédito fiscal, com a principal finalidade de agilizar a satisfação coativa, em prol do interesse público que se reveste a cobrança das receitas de natureza eminentemente estatal[10], dando-se origem à LEF, que no ano de 2015 completou 35 anos de vigência, tendo sido sancionada no Diário Oficial da União de 24/09/1980, e surgiu da necessidade de se instituir um procedimento autônomo para a cobrança da dívida ativa, desapegado das já existentes normas gerais que amarravam o procedimento de execução por quantia certa, conforme o à época vigente e então recente Código de Processo Civil de 1973.

Sua Exposição de Motivos (Mensagem n. 87, de 23 de junho de 1980) também é elucidativa, por isso merece transcrição, in verbis:

“O novo Código de Processo Civil tratou as dívidas consideradas líquidas e certas ao nível das próprias sentenças, na modalidade de execução que denominou de "título executivo extrajudicial" (arts. 583 e 585). Mas, ao fazê-lo, não só deu ao crédito público o mesmo tratamento da nota promissória e da letra de câmbio, títulos comerciais, como permitiu que outras espécies de obrigações, v.g., as obrigações para com as entidades financeiras, tivessem um rito de execução - com fase extrajudicial - muito mais eficaz, rápido e com privilégios que jamais foram conferidos ao crédito público.

Ora, a cobrança judicial das dívidas para com o Estado é ditada pelo interesse público e, sendo uma modalidade de controle judicial dos atos da administração pública, deve assegurar o equilíbrio político, econômico e financeiro entre o poder do Estado e o direito do cidadão.”

[...]

“Sobreleva, no particular, a importância da obrigação pública, com características próprias, hierarquicamente superior a qualquer outro gênero de obrigação ou privilegio de natureza privada. Predomina o interesse público - econômico, financeiro e social. Em consequência, nenhum outro crédito deve ter, em sua execução judicial, preferência, garantia ou rito processual que supere os do crédito público, à execução de alguns créditos trabalhistas.” (Grifo nosso)

Desta forma, conforme se observa no já mencionado art. 1º da LEF, toda a administração direta, em seus três níveis federativos, inclusive suas respectivas autarquias e fundações públicas, deverá se utilizar desta lei para a cobrança da dívida ativa de sua titularidade.

Por este motivo é que “a Lei de Execução Fiscal, como o próprio sugere, regula a satisfação dos créditos fazendários pelo procedimento da execução”[11], desde que possuam certeza e exigibilidade, confirmadas procedimento administrativo prévio, pouco importando a sua natureza, se pública ou privada.

1.5 DA LEGITIMIDADE

1.5.1 Ativa

Nos termos da Lei nº 6.830/80 (artigo 2º), qualquer valor, de natureza tributária ou não tributária, cuja cobrança seja atribuída por lei à União, aos Estados, ao Distrito Federal, aos Municípios e às suas respectivas autarquias poderá ser inscrito em dívida ativa e cobrado por meio de execução fiscal. À parte constante no polo ativo (elencadas pelo art.1º da LEF), dá-se o nome de exequente ou fisco.

O mencionado artigo 2º elenca um rol taxativo, fechado, numerus clausus, de possíveis credores da dívida ativa, o que restringe a aplicação do dispositivo em tela aos entes integrantes da administração pública direta ora elencados.

Isso significa dizer que, como a lista não é exemplificativa, as demais entidades da administração pública indireta, atecnicamente denominados “estatais”, ou seja, empresas públicas e sociedades de economia mista, em regra, não gozam das prerrogativas inerentes aos demais entes no que tange à forma privilegiada que estes tem de cobrar o crédito público, por meio da inscrição do débito em dívida ativa da Fazenda Pública.

Nesse aspecto, é importante destacar que carece de legitimidade os outros entes para o manejo de execuções fiscais, pelo fato de que o feito executivo é aparelhado pela Certidão de Dívida Ativa e só as pessoas acima mencionadas são aptas ao procedimento administrativo de inscrição. Ressalte-se, porém, o reconhecimento de alguns legitimados especiais que, embora a eles devesse ser aplicado, em tese, o regime jurídico de direito privado, por circunstâncias especiais lhes é reconhecida, em situações específicas, a prerrogativa de cobrança de créditos por meio da Lei 6.830/80, a exemplo da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – EBCT, a quem o STF estendeu tal prerrogativa em razão da atividade de serviço postal ser exercida por esta em caráter de monopólio.

1.5.2 Passiva: devedor ou responsável

No polo passivo, encontra-se a parte executada, também chamada de devedora. Aqui, a LEF estabelece, em seu artigo 4º, que a execução fiscal poderá ser promovida contra o devedor; o fiador; o espólio; a massa; o responsável, nos termos da lei, por dívidas, tributárias ou não, de pessoas físicas ou pessoas jurídicas de direito privado; e os sucessores a qualquer título.

Assim, temos esses legitimados como possíveis sujeitos passivos da obrigação tributária em sede de ajuizamento da Ação Executiva.

1.6 DO AJUIZAMENTO DA EXECUÇÃO FISCAL

Uma vez formulado dentro dos ditames legais o Termo de Inscrição de Dívida Ativa e constituída a consequente Certidão de Dívida Ativa (CDA), observados os rigores da lei e não havendo erro formal ou material capaz de comprometer a estrutura assentada no trinômio composto pela certeza, liquidez e exigibilidade do título extrajudicial, deverá ser observado o valor do débito consolidado[12] inscrito em Dívida Ativa, pois, normalmente, há um valor mínimo exigido para que se permita o ajuizamento da execução fiscal e a busca pela satisfação do crédito constituído pelo Fisco, limite este determinado pelo próprio fisco e variável a depender do nível federativo em que inscrito o referido débito.

Em se tratando da esfera federal, atualmente exige-se que o débito consolidado totalize valor superior a R$ 20.000,00 (vinte mil reais), para que se proceda ao ajuizamento da referida execução. Caso contrário, não será objeto de cobrança judicial, nos termos da Portaria MF nº 75, de 22 de março de 2012, ressalvado o crédito tributário decorrente de multa criminal[13], cuja execução fiscal é ajuizada independentemente da importância pretendida. Ainda, uma vez observados os critérios de eficiência, economicidade, praticidade e as peculiaridades regionais ou do débito, pode o Procurador-Geral da Fazenda Nacional autorizar, mediante ato normativo próprio, as unidades por ele indicadas a promoverem à inscrição e o consequente ajuizamento destes débitos.

Por outro lado, a exemplo de Fisco estadual, tomemos como amostra o Estado de Pernambuco, no qual o débito consolidado inscrito em Dívida Ativa do Estado de Pernambuco inferior ou igual a R$ 2.000,00 (dois mil reais) não será objeto de execução fiscal, devendo o juízo da execução, caso esta tenha sido instalada e ainda esteja em trâmite, proceder à intimação do exequente para que este manifeste desinteresse pelo prosseguimento do feito e ofereça petição de desistência da cobrança do aludido crédito em razão do inexpressivo valor da execução ou para que proceda ao pedido de reunião de processos, quando se verifique que o mesmo devedor integra o polo passivo de mais de uma execução fiscal que, uma vez constatado o fato, o valor designado para pagamento deverá ser o somatório dos valores de ambas as execuções, conforme disciplina o art. 28 da LEF ao autorizar a reunião de processos, conforme a conveniência do juízo.

Na prática, percebe-se que essa é uma providência comum requerida pelas procuradorias para que o montante da dívida ultrapasse o valor mínimo exigido para processamento e exigibilidade do referido crédito fiscal e, assim, a fazenda pública abra mão do crédito público ora executado.

Por fim, em se tratando de Fisco municipal, tomaremos como exemplo o Município do Jaboatão dos Guararapes, que, conforme a Lei Complementar Municipal n° 04/2008, alterada pela Lei Complementar Municipal nº 12/2011, 14/2012 24/2016 e complementada pela Portaria nº 06/2017 da PGM, publicada no Diário Oficial de Jaboatão dos Guararapes do dia 19/01/2017, determina a quantia de até R$ 1.809,93 (hum mil, oitocentos e nove reais e noventa e três centavos) como limite mínimo do crédito tributário para o ajuizamento de execuções fiscais pelo Município. Qualquer crédito público abaixo do valor mencionado será objeto de remissão fiscal, nos termos do art. 156, IV, do CTN, hipótese de extinção do crédito tributário.


2 DO PROCEDIMENTO DE COBRANÇA, DA GARANTIA DA EXECUÇÃO E DA PENHORA DE BENS

Para uma melhor compreensão do instituto da penhora, faz-se necessário tecermos, antes, algumas considerações acerca o procedimento de cobrança na execução fiscal.

Inicialmente, vale destacar que o processo executivo é demasiadamente agressivo ao patrimônio dos executados, uma vez que uma vez recebida a petição inicial pelo juiz e efetivada a citação, sem que haja comprovação de pagamento ou indicação de bens à penhora, já está a Fisco autorizado a invadir o patrimônio do devedor. 

Dessa forma, sendo esta uma ação de natureza forçada, estatui o art. 10 da LEF que, uma vez efetivada a citação e não ocorrendo o pagamento nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, qualquer bem do executado poderá ser alvo de penhora, com a exceção dos protegidos por lei e declarados absolutamente impenhoráveis.

Nessa toada, infere-se da lei em discussão que, após o ajuizamento da ação, sendo esta recebida e uma verificada a efetivação da citação do executado, deixando este transcorrer in albis o prazo de 05 (cinco) dias, expresso no art. 8º da LEF, sem a comprovação de pagamento da dívida ou sem que ofereça garantia à execução, ser-lhe-ão impostas providências que busquem a satisfação do crédito independentemente de sua vontade.

Dentre essas providências, a penhora dos bens figura como medida imediata, por meio da qual o executado terá sua esfera patrimonial invadida pelo Fisco, que deverá velar pela ordem estabelecida no artigo 11 da LEF.

Barbosa Moreira conceitua o instituto da penhora como “o ato pelo qual se apreendem bens para emprega-los, de maneira direta ou indireta, na satisfação do crédito exequendo”[14]. Indo mais além, Araken de Assis ensina que, por meio penhora, “determinado bem, antes simples componente da garantia patrimonial genérica (art. 789)[15], fica preso à satisfação do crédito”[16].

Esse capítulo se propõe a abordar alguns aspectos referentes à penhora de bens na execução fiscal, buscando realçar nuances em relação ao procedimento previsto no Novo Código de Processo Civil (NCPC), bem como algumas peculiaridades observadas no cotidiano de quem atua nessa específica área do processo civil.

2.1 ORDEM DE PREFERÊNCIA E E

O art. 11 da LEF estabelece uma ordem preferencial a ser observada para que se efetive a penhora ou o arresto de bens na execução fiscal, trazendo a seguinte classificação:

Art. 11 - A penhora ou arresto de bens obedecerá à seguinte ordem:

I - dinheiro;

II - título da dívida pública, bem como título de crédito, que tenham cotação em bolsa;

III - pedras e metais preciosos;

IV - imóveis;

V - navios e aeronaves;

VI - veículos;

VII - móveis ou semoventes; e

VIII - direitos e ações.

O primeiro ponto a ser observado é que, a partir do inciso III, a ordem trazida na LEF diverge daquela prevista no art. 835 do NCPC[17].

Essa ordem não é absoluta, pois admite mitigação em determinadas circunstâncias autorizadoras, tanto quando o exequente nomear bens à penhora quanto na hipótese de o executado oferecê-los, ou, até mesmo, no caso de o oficial de justiça, de ofício, diligenciar no sentido de penhorá-los.

As hipóteses trazidas nos incisos II, III, V, VII e VIII não serão esmiuçadas, tendo em vista sua pouca aplicação prática no processo de fiscal em geral, haja vista um dos dois motivos: a) trata-se de bens de difícil comercialização ou exigem cuidados especiais e contínuos com a sua guarda e, em razão disso, normalmente serem recusados pelos exequentes, já que retardaria ou oneraria por demais a execução; ou b) levantarem problemáticas não coincidentes com os fins desse trabalho.

2.1.1 PENHORA ONLINE DE DINHEIRO (BACENJUD)

Dentre os bens que merecem especial atenção, o dinheiro representa a primeira opção de penhora, conforme a ordem do art. 11 supracitado, tendo que a LEF trata de uma espécie de execução de obrigação pecuniária, na qual a penhora é efetivada, geralmente, por meio eletrônico, mais conhecido como penhora on-line ou BACENJUD, sendo autorizada por ordem judicial. A penhora via BACENJUD consiste numa constrição de ativos financeiros, pesquisados junto a instituições financeiras e imediatamente bloqueados. Essa medida foi inserida ainda no CPC de 1973, por meio da Lei nº 11.382/2006, que introduziu o art. 655-A naquele diploma legal, equiparado, atualmente, ao art. 854 do NCPC.

Registre-se ainda que, quando efetuada na modalidade on-line (em dinheiro), a penhora a ser realizada deverá limitar-se ao montante suficiente para que se garanta o débito perseguido na execução. Isso sugere que, ocorrendo, por qualquer equívoco, penhora em valor acima do estritamente consagrado na CDA, deverá o saldo remanescente ser imediatamente liberado em favor do devedor/garantidor, sob pena de enriquecimento sem causa da Fazenda.

2.1.2 PENHORA SOBRE IMÓVEIS E VEÍCULOS

Segundo o art. 11 da LEF, imóveis e veículos figuram em quarto e sexto lugares, respectivamente, na ordem de penhora de bens.

Na prática diária da execução fiscal, embora mal posicionado na ordem de preferência, é inegável que os imóveis concorrem com dinheiro e veículos automotores na indisponibilidade de bens, devido à facilidade com que são localizados em nome do executado.

No conceito de veículos, encontram-se todos os automotores terrestres, tanto carros de passeio como ônibus e caminhões estão enquadrados aqui. Há de se ressalvar, porém, algumas hipóteses nas quais a jurisprudência restringiu a penhora desses veículos, como nos casos em que são utilizados como ferramenta de trabalho e constituem única fonte de renda do devedor, necessário à sua sobrevivência e de sua família, dentre outras hipóteses reconhecidas pela jurisprudência.

O sistema de restrição judicial sobre veículos automotores se trata de ferramenta desenvolvida pelo Serpro (Serviço Federal de Processamento de Dados) e torna possível ao magistrado consultar a base de dados sobre veículos e proprietários do RENAVAM (Registro Nacional de Veículos Automotores) em tempo real, inserindo restrições judiciais à transferência, ao licenciamento e à circulação e, até mesmo, registrando penhoras sobre os veículos.

2.2 EFEITOS DA PENHORA

Já sabemos que a consequência primeira da efetivação da penhora é invadir o patrimônio privado do devedor, de modo a garantir a execução e assegurar a satisfação do crédito exequendo. Dessa forma, poderíamos afirmar que o primeiro – e talvez o principal – efeito desse instituto é individualizar determinados bens do executado e predestiná-los a uma futura expropriação, após o regular processamento do processo executivo.

Outro efeito, muito comum e de extrema relevância prática, proveniente da penhora na execução fiscal de créditos de natureza tributária, é o de atestar a garantia dos créditos exequendos para fins de emissão de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa (CPD-EN), conforme previsão do art. 206 do CTN. Segundo esse dispositivo, a certidão de que conste a existência de créditos não vencidos – em curso de cobrança executiva em que tenha sido efetivada a penhora ou cuja exigibilidade esteja suspensa – terá os mesmos efeitos da certidão negativa (arts. 205 e segs. do CTN).

Quando a penhora efetuada constituir patrimônio suficiente para garantir a integralidade dos créditos exigidos por meio de ação de execução, a Administração expedirá uma Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa em benefício do executado, atestando que, embora o contribuinte seja possua dívida com o Fisco, este possui patrimônio afetado suficiente ao adimplemento da dívida à consequente extinção da obrigação. Essa circunstância lhe atribui aptidão para participar de licitações e celebrar contratos com o Poder Público, fazendo-se valer de todos os direitos garantidos em lei e não sofrendo nenhum tipo de discriminação econômica ou restrição de créditos de qualquer natureza em âmbito comercial.

Frise-se, portanto, que a penhora de bens não configura meio de adimplemento do débito tributário, mas, sim, mero meio garantidor da satisfação do credor para se prevenir de eventual inadimplemento por parte do devedor.

Ainda, vale destacar que a penhora não se confunde com as hipóteses de suspensão da exigibilidade do crédito tributário elencadas no art. 151 do CTN. Embora, de fato, a penhora autorize a emissão de CPD-EN, exatamente como se observa das situações previstas no referido artigo, ela não acarreta a suspensão da exigibilidade dos créditos, devendo a execução seguir seu curso natural. Por vezes, esse ponto causa confusão, mas atente-se que o único ponto em comum entre esses institutos é a aptidão para autorizar a emissão de Certidão Positiva de Débitos com Efeitos de Negativa.

2.3 Bens penhoráveis e impenhoráveis

Conforme se observa do art. 10 da LEF, a penhora poderá recair, a priori, sobre qualquer bem do executado, exceto aqueles que a lei declare absolutamente impenhoráveis: “Não ocorrendo o pagamento, nem a garantia da execução de que trata o artigo 9º, a penhora poderá recair em qualquer bem do executado, exceto os que a lei declare absolutamente impenhoráveis.”

Para o adequado entendimento, o artigo 10 da LEF deve ser lido conjuntamente com o artigo 30 do mesmo diploma, que, ao tratar da responsabilidade patrimonial do devedor, assim dispõe:

Art. 30. Sem prejuízo dos privilégios especiais sobre determinados bens, que sejam previstos em lei, responde pelo pagamento da Dívida Ativa da Fazenda Pública a totalidade dos bens e das rendas, de qualquer origem ou natureza, do sujeito passivo, seu espólio ou sua massa, inclusive os gravados por ônus real ou cláusula de inalienabilidade ou impenhorabilidade, seja qual for a data da constituição do ônus ou da cláusula, excetuados unicamente os bens e rendas que a lei declara absolutamente impenhoráveis.

Após uma atenta leitura do dispositivo acima reproduzido, observa-se que a penhora, regra geral, constitui instrumento que pode incidir sobre bens de qualquer natureza do patrimônio do devedor, à exceção, notadamente, daqueles que a “lei declare absolutamente impenhoráveis”.

Embora o Código de Processo Civil numere algumas hipóteses de impossibilidade de se atingir determinados bens e direitos do devedor por meio da penhora, ele não estabelece um rol taxativo, isto é, a lista de bens impenhoráveis, constante no artigo 833 do CPC/15, não estabelece as únicas circunstâncias de impenhorabilidade existentes no arcabouço jurídico.

Isso sugere que há outras hipóteses de impenhorabilidade de bens previstas na legislação esparsa, e uma delas, e talvez a mais importante, é a impenhorabilidade trazida pela Lei nº 8.009/90 (Lei do bem de família), que, em razão de sua relevância neste trabalho, será melhor trabalhada no capítulo seguinte. Isso sugere que, além dos casos previstos no referido artigo, existem outras hipóteses de impenhorabilidade de bens contempladas em legislações esparsas. Dentre elas, a que representa maior relevância para o nosso estudo, sem sombra de dúvidas, é a Lei nº 8.009/90, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família.


3 BEM DE FAMÍLIA, DIREITO À MORADIA E PRINCÍPIOS GARANTIDORES

3.1 TENTATIVA CONCE

O conceito de bem de família tem passado por constantes discussões entre os estudiosos e nos tribunais superiores. Embora a aparente clareza da norma, recentemente foram discutidos, no Superior Tribunal de Justiça, os requisitos de ordem objetiva que devem ser observados para que determinado bem imóvel seja enquadrado como tal, senão vejamos: a) que o imóvel seja de propriedade do casal ou da entidade familiar; e b) que seus proprietários nele residam.

Em relação ao primeiro dos requisitos, poder-se-ia presumir, numa interpretação restritiva do conceito de família, que pessoas solteiras, separadas ou viúvas, por exemplo, não poderiam se valer da proteção albergada pela referida lei, hipótese que, em sua mera suposição, revela-se ultrapassada e descabida.

Não bastasse isso, com o fito de resolver questionamentos uma vez suscitados por devedores solteiros, separados ou viúvos, fora editada, ao final do ano de 2008, a Súmula nº 364 do STJ, determinando que “o conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas ou viúvas.”. Isso porque um dos objetivos da impenhorabilidade é resguardar o direito à moradia, e não apenas conferir proteção à família.

Nesse sentido, vejamos louvável entendimento do Min. Sávio de Figueiredo Teixeira, quando da análise dos Embargos de Divergência em REsp nº 182.223 – SP, ao ampliar a interpretação do art. 1º da Lei nº 8.009/90:

RESP - CIVIL - IMÓVEL - IMPENHORABILIDADE.

A Lei n.º 8.009/90, do art. 1º precisa ser interpretada consoante o sentido social do texto. Estabelece limitação à regra draconiana de o patrimônio do devedor responder por suas obrigações patrimoniais. O incentivo à casa própria busca proteger as pessoas, garantido-lhes o lugar para morar. Família, no contexto, significa instituição social de pessoas que se agrupam, normalmente por laços de casamento, união estável, ou descendência. Não se olvidem ainda os ascendentes. Seja o parentesco civil, ou natural. Compreende ainda a família substitutiva. Nessa linha, conservada a teleologia da norma, o solteiro deve receber o mesmo tratamento. Também o celibatário é digno dessa proteção. E mais. Também o viúvo, ainda que seus descendentes hajam constituído outras famílias, e como, normalmente acontece, passam a residir em outras casas. "Data venia", a Lei nº 8.009/90 não está dirigida a número de pessoas. Ao contrário - à pessoa. Solteira, casada, viúva, desquitada, divorciada, pouco importa. O sentido social da norma busca garantir um teto para cada pessoa. Só essa finalidade, 'data venia', põe sobre a mesa a exata extensão da lei. Caso contrário, sacrificar-se-á a interpretação teleológica para prevalecer a insuficiente interpretação literal.' Esse dispositivo formou-se na linha de interpretação ampliativa que o Superior Tribunal de Justiça desenvolve sobre Art. 1º acima transcrito. Como registra o eminente Ministro Relator, nossa jurisprudência declara sob o abrigo da impenhorabilidade, a residência;

a) da viúva, sem filhos (REsp. 276.004/Menezes Direito);

b) de pessoa separada judicialmente (REsp 218.377/Barros Monteiro);

c) irmãos solteiros (REsp 57.606/Alencar).

Esses três exemplos, lembrados pelo Ministro Relator, indicam a percepção de que o legislador, ao utilizar a expressão 'entidade familiar' não se referiu à família coletiva, mas àqueles entes que a integram (irmãos solteiros) ou dela são remanescentes (viúva ou divorciado). De fato, não teria sentido livrar de penhora a residência do casal e submeter a essa constrição a casa, onde um dos integrantes do casal continua a morar, após o falecimento de seu cônjuge.

Ainda, no que tange ao segundo requisito, imaginemos uma situação na qual os devedores não residem no imóvel familiar e o locam a terceiros. Deveria a prerrogativa da impenhorabilidade ser ilidida nesse caso?

Apesar da polêmica já instalada, a jurisprudência do STJ é forte no sentido de que a impenhorabilidade estende-se a um único imóvel do devedor, ainda que locado a terceiros, desde que o valor auferido com a locação seja notadamente destinado à subsistência da entidade familiar. Valhamo-nos de importante posicionamento assentado na quarta turma da Corte Superior:

"O ÚNICO BEM DE FAMÍLIA NÃO PERDE OS BENEFÍCIOS DA IMPENHORABILIDADE - LEI Nº 8.009/90 - SE OS DEVEDORES NELE NÃO RESIDIREM E O LOCAREM A TERCEIROS, DESDE QUE A RENDA AUFERIDA SEJA DESTINADA A MORADIA E SUBSISTÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR.

1. Conforme precedente da Segunda Seção, 'em interpretação teleológica e valorativa, faz jus aos benefícios da Lei 8.009/90 o devedor que, mesmo não residindo no único imóvel que lhe pertence, utiliza o valor obtido com a locação desse bem como complemento da renda familiar, considerando que o objetivo da norma é o de garantir a moradia familiar ou a subsistência da família'. 2. Viola a Lei o acórdão que deixa de reconhecer os benefícios da impenhorabilidade do bem de família, em face de os devedores não residirem no imóvel. Dissídio configurado.

Recurso conhecido e provido" (STJ, REsp 243.285/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, DJe 15/09/2008).

Dessa forma, resta desmistificada a problemática levantada quanto à relativização do requisito que, em tese, impõe a necessidade de que a unidade familiar resida no imóvel, tendo em vista que, ainda que, de fato, isso ocorra, o entendimento da Corte Superior é uníssono no sentido de que o referido imóvel não perde o seu caráter de bem de família quando, a despeito de não ser destinado à residência efetiva da entidade familiar, esteja sendo utilizado em seu proveito, como no caso de locação, com a destinação do produto dos alugueres à subsistência da unidade familiar ou manutenção de suas necessidades básicas.

Ainda, após a leitura do art. 5º da Lei nº 8.009/90, presume-se o reconhecimento de um terceiro requisito para a proteção do bem de família com o privilégio da impenhorabilidade: o fato de existir apenas um único imóvel de utilizado pelo casal ou pela entidade familiar como residência ou em razão de sua subsistência.

Vejamos o teor do dispositivo:

Art. 5º. Para os efeitos de impenhorabilidade, de que trata esta lei, considera-se residência um único imóvel utilizado pelo casal ou pela entidade familiar para moradia permanente.

Parágrafo único. Na hipótese de o casal, ou entidade familiar, ser possuidor de vários imóveis utilizados como residência, a impenhorabilidade recairá sobre o de menor valor, salvo se outro tiver sido registrado, para esse fim, no Registro de Imóveis e na forma do art. 70 do Código Civil.

Numa primeira leitura, poder-se-ia aviltar que, para o gozo da impenhorabilidade, a lei exige que o casal ou a entidade familiar seja proprietária de um único imóvel, sob pena de ver afastada a proteção legal.

No entanto, na leitura completa dispositivo, não é necessário socorrer-se de outra interpretação senão a meramente literal, ao revelar que a intenção do legislador não foi criar um outro requisito para o reconhecimento do privilégio de impenhorável, mas, sim, restringir a proteção legal a apenas um imóvel da entidade familiar, no caso de o casal ser proprietário de dois ou mais. Prova é tanto que o parágrafo único prevê a possibilidade de coexistir a propriedade de vários imóveis utilizados como residência, mas assevera claramente que a proteção recairá exclusivamente sobre o de menor valor, ressalvando, evidentemente, a hipótese na qual já exista outro imóvel, com esse fim, averbado no Registro de Imóveis.

Dessa forma, ainda que o devedor seja proprietário de mais de um imóvel, aquele que primeiro for registrado junto ao Registro de Imóveis como bem de família ou o de menor valor, caso nenhum deles já tenha precedido ao registro, será assim considerado como tal e terá o manto protetivo da lei, não havendo óbice que a penhora recaia sobre os demais.

3.2 MÍNIMO VITAL

A principal intenção do legislador ao consagrar esse instituto é fortalecer os mecanismos de proteção do direito à moradia, básico para a manutenção de uma vida digna de qualquer cidadão, já que visa a garantir ao indivíduo, como postulado da dignidade da pessoa humana, a fruição do mínimo necessário à sua sobrevivência e de sua família, buscando assegurar aos devedores o mínimo exigível para se viver com dignidade, que é o direito à moradia,, de forma a inibir a pretensão de penhorabilidade do imóvel residencial no qual habita a entidade familiar.

3.3 IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA E EXCEÇÕES À PROTEÇÃO

Ainda introduzindo a lei, o seu art. 1º reveste com o instituto da impenhorabilidade, salvo raras exceções, o imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, quando alvo de execução de dívidas de natureza civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de qualquer outra espécie, contraídas pelos cônjuges, pais ou filhos que sejam seus proprietários ou nele residam.

A impenhorabilidade guarnece tanto o imóvel sobre o qual se assentam as construções como as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.

Em que pese haver ampla proteção ao bem de família, o art. 3º desse diploma legal estabelece algumas situações nas quais é afastada a impenhorabilidade do imóvel residencial próprio da entidade familiar, tornando possível a execução da penhora pretendida.

Dentre as exceções, mais nos interessa a que se encontra no inciso IV do referido artigo, senão vejamos:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:

[...]

IV - para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar;

(Grifo nosso)

Ao nos debruçarmos sobre o dispositivo mencionado, percebemos que os débitos oriundos de cobranças de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições que guardam relação direta com o imóvel não protegem o referido bem do registro da penhora, ou seja, nos casos de débitos decorrentes do próprio imóvel dado como bem de família, o bem imóvel perde a qualidade de impenhorável e torna-se, legitimamente, alvo de penhora.

3.4 FLEXIBILIZAÇÃO DA EXCEÇÃO TRAZIDA NO ART. 3º, IV, DA LEI 8.009/90

Para melhor visualizarmos como se concretiza na prática o referido dispositivo, tomemos como base o seguinte exemplo fictício: João, proprietário de único imóvel no qual reside com sua esposa e filhas, no município do Jaboatão dos Guararapes, é réu em Ação de Execução Fiscal promovida pela Procuradoria competente, objetivando a satisfação de débito de IPTU originado em decorrência do não pagamento do referido imposto do imóvel em questão, no qual o devedor reside com sua família. O débito não foi adimplido por João, tampouco este utilizou-se das hipóteses de suspensão ou extinção do crédito fiscal, nem foram oferecidos à Fazenda Pública bens em garantia da dívida, fato que resultou na de decretação da penhora on-line, via BACEN-JUD, pelo juízo competente, a qual restou-se frustrada, tendo em vista a não localização de quantia em dinheiro nas contas bancárias do executado. Assim, determinou o juiz a penhora de bens do devedor, por Oficial de Justiça, que localizou, junto ao Registro de Imóveis local, um imóvel de propriedade do devedor. Ao se dirigir ao endereço, foi constatado pelo Oficial de Justiça que o imóvel a ser penhorado servia como moradia para João e sua família. Amparado pela Lei, procedeu o serventuário de justiça ao registro da penhora e lavrou o competente Auto de penhora e avaliação, que avaliou o imóvel em R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) frente a um débito inscrito em Dívida Ativa no valor atualizado de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), somados juros e multa.

Ocorre, no presente caso, o cumprimento integral da lei, conforme exceção prevista no inciso IV do art. 3º da Lei 8.009/90, não havendo ilegalidade alguma por parte do Oficial. Porém, em que pese a atuação do magistrado esteja em conformidade com a lei – que autoriza a penhora de bem de família por dívidas decorrentes do próprio imóvel –, entendemos que tal dispositivo, da forma como é aplicado, frustra direitos e garantias mínimas exigíveis para a subsistência do indivíduo na sociedade, em especial o direito à moradia – reconhecido como direito social (art. 6º, CF) –, e, consequentemente, contrapõe-se à proteção conferida à família no art. 226 da Constituição Federal.

Ora, não se pode conceber que um débito de quatro mil reais tenha o condão de ver leiloado um imóvel cujo valor representa 10 (dez) vezes o valor débito que se busca liquidar.

Esse é o entendimento da 4ª Câmara de Direito Público do TJPE, sob relatoria do saudoso Des. Rafael Machado da Cunha Cavalcanti[18], para o qual:

"Entrementes, embora a execução tenha como finalidade assegurar que o exequente receba o seu crédito, deve sempre se desenvolver sob a forma menos gravosa possível ao executado (artigo 620 do CPC) e em observância aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade. - Por fim, no que atine à alegação do ora agravante de que não dispõe do CPF do executado para efeito de formulação de penhora online, entendo que a incumbência quanto à indicação de bens ou contas bancárias para o prosseguimento do executivo fiscal cabe ao exequente, não merecendo acolhida a mera afirmação, para efeito de desonerar-se de tal ônus, de que tal informação não foi fornecida pelo contribuinte quando da regularização do cadastro imobiliário perante a prefeitura municipal. Com isso em mente, não vislumbro malferimento à fundamentação trazida na r. decisão ao indeferir a penhora do imóvel por considerá-la excessivamente onerosa, intimando a Fazenda para que proceda a substituição da penhora por outros bens passíveis de constrição, não tendo se esgotado ainda a possibilidade de localização de outros bens penhoráveis ou até mesmo a tentativa de penhora online, consoante o disposto no art. 185-A do CTN.-Acresço ainda, quanto à alegação de que o valor da dívida é em muito excedente ao valor do bem imóvel de pretensa penhora, que os autos não comprovam tal alegação. À latere, se tomarmos que os autos trazem por valor da dívida excutida o noticiado à fl. 17 (R$ 4.392,25), bem como indicam, através de alegação do próprio recorrente, como valor do imóvel de pretensa penhora o valor de R$ 21.194,41, de fato existiria a onerosidade excessiva da penhora se esta recaísse sobre o bem imóvel." (Grifei)

Porém esse não é o posicionamento dominante nos tribunais, que consideram legítima a penhora, ainda que o valor cobrado seja infinitamente menor que o do imóvel alvo de penhora, sob o argumento de que o valor excedente ao realmente devido será devolvido ao devedor. Exemplificando: consideremos o mesmo exemplo dado anteriormente, em que há um imóvel no valor de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais) alvo de um débito executado de R$ 4.000,00 (quatro mil reais), o que representa 10% do valor do bem. Caso o bem seja penhorado e levado a leilão, seria retido o valor devido, mas o saldo remanescente (R$ 36.000,00 – trinta e seis mil reais) seria devolvido ao executado. Esse é o entendimento da 2ª Câmara de Direito Público do TJPE[19], para o qual é

"Pacífica a possibilidade de penhorar o próprio imóvel para o pagamento do IPTU, mesmo que o valor cobrado seja infinitamente menor que o do imóvel, ante o fato de que não há excesso da penhora que abrange fração correspondente a valor superior ao do débito, pois o que sobejar será devolvido aos devedores."

Nesse sentido, merece valorosa atenção o pensamento segundo o qual a aplicação do art. 3º, IV, da referida lei deve ser, senão revista, ao menos flexibilizada, para que se adeque à Constituição Federal de 1988 e à realidade econômica e social do povo brasileiro, quando confere proteção máxima ao direito à moradia, estendendo-o à noção de mínimo vital para o indivíduo, garantia esta que visa a preservar as bases de dignidade do devedor para que possa restabelecer sua situação subsistencial e econômico-contributiva, mantendo íntegra a sua personalidade.

Corroborando tal entendimento, valhamo-nos das lições de ZILVETI (2006, p. 256), para a qual:

O princípio da dignidade humana leva o Estado a garantir o mínimo existencial para cada ser humano em seu território. A tendência é encontrar instrumentos hábeis que preservem o devedor e que, ao mesmo tempo, não frustrem a garantia do credor. Nesse sentido, o Brasil lidera verdadeira revolução silenciosa, impulsionada pelos tribunais, que vêm realizando o direito em sua concretude e atribuindo à lei o seu sentido social, deixando ele lado a visão extremamente positivista e literal a que está acostumada a tradição jurídica brasileira.[20]

Dessa forma, defendemos a tese de que, embora a execução tenha como finalidade assegurar que o exequente receba o seu crédito, essa busca deve sempre se desenvolver sob a forma menos gravosa possível ao executado e em constante observância aos princípios constitucionais da proporcionalidade e razoabilidade.

Para tanto, nos casos em que o valor da dívida seja inferior ao valor do bem imóvel de pretensa penhora, deve-se haver a correspondência de no mínimo 50% (cinquenta por cento) entre o valor da execução e o do bem a ser penhorado.

Entendemos que este é um patamar razoável para que, só assim, frustre-se o direito de moradia e intervenha o Estado na propriedade privada do devedor, sob pena de macular onerosidade excessiva da penhora se esta recair sobre o referido imóvel.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo em vista que a penhora é ato de constrição que objetiva a satisfação do crédito executado, soa desmedido levar um bem à hasta pública cujo valor em muito excede ao débito cobrado na Execução Fiscal.

Ora, é evidente que a satisfação do crédito exequendo deve ser buscada pelo fisco com todos os recursos de que dispõe. Porém, revela-se desarrazoada a penhora de único imóvel do devedor, consagrado como bem de família e que não demonstra riqueza ou luxuosidade, avaliado em valor que em muito supera a quantia devida na execução, a ponto de torná-la inexpressiva face ao valor venal do referido imóvel objeto da constrição, pois tal praxe jurídica tem o condão de ferir o direito de moradia e o mínimo existencial do indivíduo e de sua família, à medida que, forçadamente, dá cabo à propriedade do devedor e a leva a leilão, provocando consequências fático-sociais irreversíveis na vida do indivíduo perante a sociedade.

É nesse ponto que deve ser trazido à torna o princípio da menor onerosidade da execução, fazendo-se necessário perquirir-se se, neste caso, a penhora do imóvel, da forma como se verifica na prática, é meio mais idôneo à satisfação do interesse creditício ou se, ao revés, existem outros meios que, em respeito à menor onerosidade, promovam de maneira efetiva e razoável o cumprimento da obrigação, desde que não se sacrifique garantias e direitos previstos na Constituição como normas fundamentais à manutenção da vida do indivíduo em no meio social em que está inserido.

Para tanto, propõe-se que, nos casos em que o valor da dívida seja muito inferior ao valor do bem imóvel de pretensa penhora, deve-se haver a correspondência de no valor razoável, a ser estabelecido na margem de 30 (trinta) a 50% (cinquenta por cento) entre o valor da execução e o do bem a ser penhorado, entendendo ser esta uma proporção justa e requisito imprescindível para que se busque a penhora de bem de família que cumpre sua função social.

Sendo assim, merece atenção o argumento de que, conquanto a execução vise à satisfação do crédito exequendo em face do credor, os procedimentos adotados devem sempre ocorrer da forma menos gravosa possível ao executado e, sempre, em observância obrigatória dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, ainda que constitucionalmente implícitos, bem como da dignidade da pessoa humana, da menor onerosidade ao devedor, da função social da propriedade e do direito à moradia.


REFERÊNCIAS

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Notas

[1] Art. 3º do CTN: “Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.

[2] PAULSEN, Leandro, op. Cit., p. 698-703.

[3] Art. 151. Suspendem a exigibilidade do crédito tributário: I - moratória; II - o depósito do seu montante integral; III - as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; IV - a concessão de medida liminar em mandado de segurança; V – a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de ação judicial; VI – o parcelamento.

[4] Lei de execução fiscal – comentada e anotada / Arthur Moura. 2. ed. rev., atual. e ampl. – Salvador: JusPODIVM, 2017.

[5] Lei 10.522/2002, arts. 1º usque 8º.

[6] Lei 9.492/1997, art. 1º, Par. ún.

[7] CTN, Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

[8] Art. 185, CTN. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

[9] Lei nº 6.830/80. Preâmbulo: “Dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, e dá outras providências.”

[10] CHIMENTI, Ricardo Cunha; ABRÃO, Carlos Henrique; ÁLVARES, Manoel; BOTTESINI, Maury Ângelo; FERNANDES, Odmir. Lei de execução fiscal comentada e anotada: lei 6.830, de 22.09.1980: doutrina, prática, jurisprudência. 5. Ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p.37-38.

[11] PORTO, Éderson Garin. Manual de execução fiscal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 19.

[12] A Portaria MF 75/2012, em seu art. 1º, § 2º, considera a expressão “valor consolidado” como sendo “o resultante da atualização do respectivo débito originário, somado aos encargos e acréscimos legais ou contratuais, vencidos até a data da apuração”.

[13] O crédito fiscal oriundo de multa criminal deverá ser cobrado independentemente do seu valor, não existindo, portanto, valor mínimo exigido para seu processamento.

[14] MOREIRA, José Carlos Barbosa. O Novo Processo Civil Brasileiro. 22ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2002. p. 225.

[15] Na versão original, o dispositivo de lei citado pelo autor era o artigo 591 do Código de Processo Civil de 1973, já revogado. No CPC de 2015, seu correspondente é o artigo 789, que apregoa, in verbis, que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações, salvo as restrições estabelecidas em lei.

[16] ASSIS, Araken de. Manual da Execução. 4ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997. p. 463.

[17] Art. 835, CPC.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: I - dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira; II - títulos da dívida pública da União, dos Estados e do Distrito Federal com cotação em mercado; III - títulos e valores mobiliários com cotação em mercado; IV - veículos de via terrestre; V - bens imóveis; VI - bens móveis em geral; VII - semoventes; VIII - navios e aeronaves; IX - ações e quotas de sociedades simples e empresárias; X - percentual do faturamento de empresa devedora; XI - pedras e metais preciosos; XII - direitos aquisitivos derivados de promessa de compra e venda e de alienação fiduciária em garantia; XIII - outros direitos.

[18] AGV 3301086-PE. Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público. Publicado em 04/05/2015. Julgamento do dia 17 de abril de 2015. Des. Relator Rafael Machado da Cunha Cavalcanti.

[19] AI 3386398-PE. Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Público. Publicado em 26/11/2014. Julgamento do dia 13 de novembro de 2014. Des. Relator Ricardo de Oliveira Paes Barreto.

[20] ZILVETI, Ana Marta Cattani de Barros. Novas tendências do bem de família. São Paulo: Quartier, 2006. p. 256.


Autor

  • Hugo Gomes

    Graduado pelo Centro Universitário dos Guararapes - UNIFG. Trabalhou no Tribunal de Justiça de Pernambuco - TJPE, lotado na Assessoria do Juízo da Vara de Execuções Fiscais, convocado mediante seleção pública. Trabalhou na Assessoria Jurídica da Secretaria Executiva de Educação da Prefeitura Municipal de Jaboatão dos Guararapes - SEE/PMJG. 25 anos.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Hugo. Processo de execução fiscal: uma reflexão sobre a penhora excessivamente onerosa que recai sobre bem de família por débito de IPTU. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5865, 23 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73285. Acesso em: 3 maio 2024.