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Medidas de urgência e poder geral de cautela

Medidas de urgência e poder geral de cautela

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Os procedimentos referentes ao pedido de tutela cautelar e ao pedido principal continuam autônomos e interdependentes no CPC/2015.

I – A GARANTIA DA JURISDIÇÃO E O PODER GERAL DE CAUTELA

O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição firma duas ideias: uma de que toda controvérsia, portanto, poderia ser levada ao Poder Judiciário e este teria de conhecê-la, respeitada a forma adequada de acesso a ele disposta pelas leis processuais; a duas que toda decisão definitiva sobre controvérsia jurídica, só poderia ser exercida pelo Poder Judiciário. Não haveria jurisdição fora deste, nem no Poder Legislativo e nem no Poder Executivo.

Dentro dessa garantia de acesso à jurisdição está o poder geral de cautela.

A função cautelar não fica restrita às providências típicas nominadas como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão etc.

Há medidas que o próprio legislador define e regula suas condições de aplicação e há medidas que são criadas e deferidas pelo próprio juiz diante de situações de perigo não previstas ou não reguladas expressamente pela lei.

Esse poder de criar providências de segurança, fora dos casos típicos que foram arrolados na lei processual, recebe o nome de “poder geral de cautela”.

Diante do poder geral de cautela, a atividade jurisdicional apoia-se em “poderes indeterminados”, porque a lei, ao prevê-los, não cuidou de preordená-los a providências de conteúdo determinado e específico.

Galeno Lacerda (Comentários ao Código de Processo Civil , volume III, t. 1, n. 25, 2ª edição, páginas 135 e 136) apreciando o tema ensinou que “no exercício desse imenso e indeterminado poder de ordenar as ‘medidas provisórias que julgar adequadas’ para evitar o dano à parte, provocado ou ameaçado pelo adversário, a descrição do juiz assume proporções quase absolutas. Estamos na presença de autêntica norma em branco, que confere ao magistrado, dentro do estado de direito, um poder puro, idêntico ao pretor romano, quando no exercício do imperium, decretava os interdicta”. Mas, impõe-se reconhecer, desde logo, que discricionariedade não é o mesmo que arbitrariedade, mas apenas possibilidade de escolha ou opção dentro dos limites traçados pela lei. Na verdade a outorga de um poder discricional resulta de um ato de confiança do legislador no juiz, não porém num bill para desvencilha-los dos princípios e parâmetros que serviram de fundamento a própria outorga, como disse Humberto Theodoro Jr. (Curso de direito processual civil, 22ª edição, pág. 378).

Essas ordens podem vir por ordens de caráter positivo(fazer) ou negativo(não fazer).

Como tal e em sendo medida cautelar representa uma ordem, um comando, ou uma injunção, imposta pelo órgão judicial.

Pontes de Miranda (Comentários ao Código de Processo civil, 174, primeiro volume, pág. 148) fez duas observações que merecem destaque por sua relevância para a compreensão da tutela cautelar. A primeira delas é a de que a ação cautelar tal como os interditos romanos, pressupõe uma certa inaptidão dos meios de tutela jurisdicional comuns, para a proteção reclamada para o caso concreto. Essa mesma ideia que aproxima a tutela cautelar dos interditos vem exposta por Calvosa(La tutela cautelare, 1963, páginas 123 e seguintes).

A outra lição de Pontes de Miranda, que é também decisiva para a compreensão da matéria, é a de que – tal como se dava com os interditos romanos – igualmente o julgamento cautelar exige uma sentença mandamental que é a forma de ato jurisdicional (obra citada, página 146).

São requisitos para a concessão desse poder geral de cautela:

1.Um interesse em jogo num processo principal(direito plausível ou fumus boni iuris);

2.Fundado receio de dano, que há de ser grave e de difícil reparação e que se tema possa ocorrer antes da solução definitiva da lied, a ser encontrada no processo principal(periculum in mora).

Para Ovídio Baptista da Silva(Curso de Processo Civil, volume III, 2ª edição, pág. 57), se a medida cautelar deve durar enquanto existir o estado perigoso, então a existência fundamental é que ela não crie uma situação jurídica definitiva, ou uma situação cujos efeitos sejam irreversíveis. Quer dizer, a medida cautelar deverá ser em si mesma temporária e igualmente temporária em seus efeitos.

Registre-se a lição de Ovídio A, Baptista da Silva(As ações cautelares e o novo processo civil, pág. 69) quando disse que pressupostos ou condições da ação cautelar são o temor de dano jurídico decorrente de uma situação objetiva de perigo e a plausibilidade do direito invocado por quem pretenda a segurança.

Após, Ovídio A. Baptista da Silva(obra citada, pág. 69) conclui: 

"Afaste-se, para sempre, o periculum morae que traz a ideia inafastável de dependência do processo cautelar, em primeiro lugar, e em segundo porque o dano juridico que se pretende evitar não provém do perigo de demora decorrente da tutela jurisdicional satisfativa. Se não houver, além desse elemento, mais a situação objetiva de periclitação do interesse, não se comporá o suporte da ação cautelar(Ugo Rocco, Tratatto, volume V, pág. 44)." 

Isso porque há entendimento em parte da doutrina da existência de ações cautelares autônomas. Tal seria o caso da nunciação de obra nova - uma verdadeira ação de natureza preventiva - e aliás o projeto do CPC de 1973, sob inspiração do direito português, incluia a nunciação de obra nova ente os provimentos cautelares (o sistema processual italiano consagrou, igualmente entre as ações assecurativas as de "denunzie di nuova opera" e di danno infecto). Veja-se ainda o caso da posse em nome do nascituro.

Com o devido respeito os exemplos citados acima tem natureza preventiva, gênero, da qual faz parte o pedido cautelar.

Diga-se isso porque a tutela cautelar não perde a sua natureza de bi-instrumentalidade, a proteger ao processo, instrumento posto pelo Estado a serviço da jurisdição em busca da verdade.

Aliás é da própria natureza do procedimento seu caráter sumário(sumariedade formal e material) dentro de uma cognição sumária que não visa à coisa julgada material.

Era o que se via do CPC de 1973, no artigo 798.

“Art. 798 - Além dos procedimentos cautelares específicos, que este Código regula no Capítulo II deste Livro, poderá o juiz determinar as medidas provisórias que julgar adequadas, quando houver fundado receio de que uma parte, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra lesão grave e de difícil reparação.”

A doutrina brasileira, em especial com Rogério Lauria Tucci e José Roberto Cruz e Tucci (Constituição de 1988 e processo, 1989, pág. 15) emprega a locução devido processo legal no sentido da enumeração das seguintes garantias oriundas: a) o direito à citação e ao conhecimento do teor da acusação; b) direito a um público julgamento dentro de uma duração razoável; c) direito ao arrolamento de testemunhas e à notificação das mesmas para comparecimento perante os tribunais; d) direito ao devido contraditório; e) direito à plena igualdade entre acusação e defesa; f) direito de não ser condenado com provas ilegalmente obtidas; g) privilégio contra a autoincriminação.

A cautelar nunca poderá ser satisfativa. Mas observe-se que os alimentos provisionais são satisfativos e definitivos.

De toda sorte o juízo de certeza se opõe ao de cautelaridade, onde se busca a verossimilhança.

O caminho buscada não deve ser irreversível. Diante de sua eventual revogação, em sede de juízo definitivo, cabe lembrar a aplicação do artigo 811 do CPC de 1973, pelas perdas e danos, diante de uma responsabilidade objetiva.

Esse é o quadro a que deve ficar exposto o poder geral de cautela.


II – AS MEDIDAS DE URGÊNCIA

As medidas de urgências são remédios constitucionais que visam a tomada de providências antes do desfecho final do processo, visando retirar as situações graves de risco de dano à efetividade do processo ou prejuízos que podem decorrer de sua demora e que ameaçam a conclusão natural do processo e sua efetiva prestação jurisdicional.

O direito de ação decorre da função jurisdicional do estado, exercida tipicamente pelo Poder Judiciário, que intermedia e soluciona os conflitos que chegam à sua seara, objetivando a aplicação da Lei e pacificação social.

O procedimento comum não elimina esses tipos de riscos. Para tanto, fazer-se necessário afastar uma série de situações que podem interferir no andamento célere do processo, tornando-o mais lento, como também, afastar qualquer ato que possa trazer prejuízos que influenciam na eficácia do provimento final.

Dessa forma, o lento andamento dos processos comum vinha a causando danos permanentes aos demandantes que, na sentença final, via seu direito perdido no tempo, por não se obter mais formas de resgatá-lo, visto que talvez o objeto havia se deteriorado, desaparecido e entre outras situações.

Assim, houve a necessidade de se criar um procedimento que resguardasse os direitos colocados à discussão perante o Judiciário.

Ante esses problemas é que se fez necessário a criação das Medidas de Urgências, que são procedimentos de ritos diferentes, previsto como um remédio constitucional, mais ágeis e capazes de resguardar o objeto da ação até a sua efetiva entrega para quem de direito.

Inicialmente o ordenamento jurídico brasileiro previu as medidas cautelares com o objetivo de garantir ou assegurar direito futuro, e posteriormente com a reforma processual de 1994, foi introduzida a tutela antecipada que é capaz de antecipar os efeitos da sentença de mérito.

Após a reforma processual, o nosso sistema incluiu dois regimes distintos: de um lado, o da tutela cautelar (com os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora) e, de outro, o da tutela antecipada (baseada na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano ou no abuso do direito de defesa).

Tanto uma como a outra formam o gênero das tutelas de urgência, e embora sejam diferentes, estas foram objeto de discussão jurisprudencial e doutrinária no tocante a possível aplicação do instituto da fungibilidade, qual solucionou esse impasse entre as duas medidas (cautelar e antecipatória) por meio da lei 10.444 de 2002, que acrescentou o § 7º ao artigo 273 do CPC.

Ante a evolução das medidas de urgência no nosso ordenamento jurídico, que a priori trouxe a medida cautelar, e por meio da reforma processual de 1994 introduziu a tutela antecipada, vemos que a tendência é sempre atrelada à maior efetividade processual.

Convém citar Bedaque, que em sua obra “Tutela cautelar e tutela antecipada: tutelas sumárias e de urgência (tentativa de sistematização)” (2ª ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2001), mencionava sobre a possibilidade de unificação das medidas de urgência de modo a garantir maior efetividade processual.

Anos depois, o novo CPC adota um sistema muito mais simples, unificando o regime, estabelecendo os mesmos requisitos para a concessão da tutela cautelar e da tutela satisfativa (probabilidade do direito e perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo).


III - A COGNIÇÃO NAS MEDIDAS LIMINARES E A TUTELA PROVISÓRIA

A cognição superficial é própria das apreciações judiciais com relação a medida liminar de cunho cautelar.

O termo “liminar” advém do latim liminaris, que radicularmente exprime a ideia de início, limite, coadunando com o papel que o instituto representa no ordenamento jurídico pátrio, que é o de viabilizar decisões no primeiro momento processual, sem a oitiva da outra parte, diferindo o contraditório mediante fundada urgência, afastando os efeitos nocivos da demora, através de decisão interlocutória , que avaliará o mérito de forma não terminativa.Há na liminar uma profundidade mínima na cognição, onde não se busca a certeza, mas, sim, a aparência ou a verossimilhança.  Ela não se destina, desta forma, à certeza, onde se persegue à formação de coisa julgada.

Essa tutela provisória pode ser de urgência, cautelar ou antecipada, podendo ter caráter incidente ou antecedente. Fala-se ainda numa tutela provisória de evidência(artigo 311 do novo CPC, que será concedida independentemente de demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, caracterizado o abuso do direito de defesa, o manifesto proposto protelatório da parte, as alegações de fato puderem ser comprovados de forma documental, ou seja firmada em tese reafirmada em casos repetitivos ou em súmula vinculante, se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito), de urgência, que será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil ao processo, podendo ser concedida, se for o caso, dado a possibilidade de reversibilidade, da exigência de caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que advierem a parte contrária. Na tutela de evidência firma-se uma tutela executiva lato senso, que permite o que chamamos de execução provisória.

A tutela antecipada é decisão de urgência satisfativa de mérito. É, portanto, espécie, do gênero, tutela provisória.

A tutela de urgência, de natureza satisfativa, antecipada(executiva lato senso) , é baseada, como já se via do antigo artigo 273 do CPC de 1973, na verossimilhança da alegação e no fundado receio de dano .Pode-se ter essa tutela em provimentos requeridos de índole declaratória, constitutiva e principalmente condenatória. Nos índole constitutiva, tem-se o exemplo de pedido final para desconstituir decisão em assembleia de condomínio e pedido de tutela antecipada para suspender os efeitos dessa decisão.

 A tutela de urgência, de natureza cautelar, que exige uma fumaça de bom direito e um perigo de demora, poderá vir sob a forma de arresto, sequestro, arrolamento de bens, registro de protesto contra a alienação do bem e qualquer outra medida idônea para assegurar o direito(medidas cautelares nominadas), sem esquecer o que se tinha no antigo artigo 798 do CPC revogado: um poder geral de cautela.

 Bem explicou Guilherme Marinoni(Da tutela cautelar à tutela antecipatória) ao dizer: “A tutela cautelar tem por fim assegurar a viabilidade da realização de um direito, não podendo realizá-lo. A tutela que satisfaz um direito, ainda que fundada em juízo de aparência, é “satisfativa sumária”. A prestação jurisdicional satisfativa sumária, pois, nada tem a ver com a tutela cautelar. A tutela que satisfaz, por estar além do assegurar, realiza missão que é completamente distinta da cautelar. Na tutela cautelar há sempre referibilidade a um direito acautelado. O direito referido é que é protegido (assegurado) cautelarmente. Se inexiste referibilidade, ou referência a direito, não há direito acautelado”. Assim não há arresto sem penhora. Na tutela cautelar, há uma verdadeira busca de proteção do processo. Surge um instrumento do próprio instrumento, que é o processo. Mas, veja-se: há decisões chamadas de cautelares, dentro de um juízo de aparência, que não são verdadeiramente cautelares. É o exemplo a medida de atentado, que é tipicamente satisfativa, não cautelar. As providências destinadas a protesto, notificação, interpelação têm precipuamente a natureza conservativa, não propriamente cautelar.

Mas a tutela que concede liminar de natureza cautelar é tipicamente mandamental, pois representa uma verdadeira ordem emanada da autoridade judicial. Aliás, a sentença, na tutela cautelar, é ainda mandamental, sem eficácia declaratória suficiente para produzir a coisa julgada material. Como bem ensinou Ovídio Baptista (Curso de Processo Civil, volume III, 2º edição, pág. 64) a sentença que impõe uma medida cautelar não chega a declarar a existência de um direito assegurado, limitando-se, fundamentalmente, a ordenar que ela se efetive.

 Falemos numa tutela de urgência(não se falando em processo cautelar), mas uma tutela de urgência que abrange uma tutela cautelar e uma tutela antecipatória, de natureza satisfativa.Com a decisão em sede de tutela provisória, seja de urgência ou de evidência, poder-se-á pensar em execução que será provisória, sujeita à caução e a responsabilidade civil objetiva da parte que promove tal forma de execução.

De toda sorte, na tutela de urgência ou na tutela de evidência, concretizadas por liminar, não se fala em certeza, não tendo o provimento a índole do definitivo, tal como ocorre na coisa julgada.Na tutela de aparência busca-se o provável não a certeza.

O artigo 303, parágrafo sexto, do novo Código de Processo Civil atesta-se que a decisão que concede a tutela não fará coisa julgada, mas a estabilidade dos respectivos efeitos só será afastada por decisão que a revir, reformar ou invalidar, proferida em ação ajuizada por uma das partes, nos termos do § 2o deste artigo. Isso porque qualquer das partes poderá solicitar a revisão da decisão concedida por conta de uma tutela de urgência(parágrafo segundo), mas esse direito de rever, reformar, invalidar a tutela antecipada(hipótese de tutela de urgência) extingue-se após 2(dois) anos, contados da ciência da decisão que extinguiu o processo, nos termos do parágrafo primeiro daquele dispositivo, dando-se a chamada preclusão pro iudicato.

O Código de Processo de 2015 buscou o que chamamos de efetividade do processo, algo que se tem no direito positivo brasileiro, a partir de dezembro de 1994, com a redação que se deu àquela época ao artigo 273 do CPC e se buscou a verdadeira dicotomia entre a tutela de urgência cautelar e a tutela de urgência satisfativa.

Fala-se ainda em segurança-da-execução futura propriamente(de natureza cautelar), diversa da execução-para-segurança, como se vê em liminares(provimentos concedidos de início)  no mandado de segurança e nas ações civis públicas e coletivas, quando temos uma tutela satisfativa, de natureza antecipatória, surgindo uma execução antecipada.


IV – AS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS E O MÉRITO

Em todas essas hipóteses, em havendo decisões de índole de cognição  provisórias, fala-se em decisões propriamente interlocutórias.

Vejam-se as chamadas sentenças interlocutoras.

Na lição de Chiovenda(Princípios de direito processual civil) há as chamadas sentenças interlocutórias em sentido próprio, que são aquelas que provêm sobre a formação do material de cognição e, portanto, tocam mais de perto ao mérito. Uma sentença interlocutória pode decidir definitivamente um artigo da demanda, tendo-se uma sentença, em parte interlocutória, em parte definitiva. As interlocutórias, sendo antecipatórias, definem o mérito, embora de modo provisório. Daí a relevância de distinguirem-se, dentre as decisões não finais, as verdadeiras interlocutórias e as que, sendo antecipatórias, definem o mérito, embora de forma provisória.

O novo CPC admite verdadeiras decisões interlocutórias de mérito, quando se tem uma efetiva utilidade a decisões antes de ser proferida a sentença, último ato do procedimento de primeiro grau.  Há ali verdadeiras decisões que enfrentam o mérito(pedido, lide), objetivando grau de certeza e a formação da coisa julgada.

Admitem-se decisões interlocutórias de mérito (art. 354, par. ún., no que concerne aos casos dos arts. 487, II e III, e art. 356). Nesses casos, até para se permitir o trânsito em julgado autônomo dessa decisão (art. 356, § 3.º), e assim se conferir efetiva utilidade à resolução parcial do mérito, não se poderia atrelar a sua recorribilidade ao recurso contra a decisão final. Mas o agravo cabe não apenas quando a interlocutória de mérito desde logo resolve uma parte do objeto do processo. Há casos em que a decisão versa sobre o mérito, mas se limita a descartar a ocorrência de um fato impeditivo ou extintivo do direito do autor, sem ainda definir nenhuma parcela da lide. É o que acontece, por exemplo, quando no saneamento do processo o juiz rejeita a ocorrência de prescrição ou decadência e determina a produção de provas, como bem ensinou Eduardo Talamini(Agravo de instrumento: hipóteses de cabimento no CPC/15).


V – A TUTELA DE EVIDÊNCIA

Suas raízes estão na tutela satisfativa da posse concedida pelo pretor em grau de interdito.

Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando:

I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte;

1.Trata da tutela punitiva: ABUSO DO DIREITO DE DEFESA (a maioria sustenta que é uma tutela punitiva ou sancionatória; outros dizem que não é uma punição, pois, se fosse, sobreviveria à improcedência).

2.Abuso de direito é um desvio de finalidade, vale dizer, a parte se utiliza de um direito para obter um fim não desejado pelo ordenamento jurídico (tem direito de defesa, mas está usando este direito apenas para protelar).

c) É preciso observar o comportamento do réu durante o processo (não é só na contestação).

Não há previsão legal de concessão de tutela de evidência de ofício.

A evidência é um estado processual em que as afirmações de fato estão comprovadas. Há quem afirme ser a evidência “o direito evidenciado por provas”; há provas que colocam o direito da parte em evidência, tal como ocorre com o direito líquido e certo no mandado de segurança ou com o título executivo no processo de execução. Também há situações de evidência quando os fatos são notórios, incontroversos, confessados em outro processo, bem como os demonstrados por prova emprestada ou antecipada.

É espécie de tutela provisória de cunho tipicamente satisfativa.

Sua finalidade seria promover a igualdade substancial entre as partes, distribuindo a carga do tempo no processo, a depender da maior ou menor probabilidade de ser fundada ou não a postulação do autor. Não haveria natureza sancionatória. Já há a sanção por ato atentatório à dignidade da jurisdição e a responsabilidade por dano processual, previstas, respectivamente, nos arts. 77, § 2º, e 81, ambos do CPC.

Para que se conceda a medida, é preciso que o ato, além de abusivo, impeça ou retarde o andamento do processo. Se, mesmo abusivo, não impedir, nem retardar a sequência dos atos processuais, não deve ser concedida a tutela provisória. 

A hipótese do inciso III do art. 311 do CPC também não é, rigorosamente, uma novidade. O procedimento especial para ação de depósito, que estava previsto nos arts. 901 a 906 do CPC/1973, deixou de ser previsto no CPC/2015. A ação de depósito passou a submeter-se ao procedimento comum, com a possibilidade de uma tutela provisória de evidência. O pedido de cumprimento de obrigação reipersecutória (ou seja, obrigação de entregar coisa) decorrente de contrato de depósito autoriza a concessão de tutela provisória de evidência. Essa ação de depósito é tipicamente executiva lato sensu.

Já o inciso II do art. 311 do CPC prevê a tutela de evidência fundada em precedente obrigatório. Estando documentalmente provados os fatos alegados pelo autor, poderá ser concedida a tutela de evidência, se houver probabilidade de acolhimento do pedido do autor, decorrente de fundamento respaldado em tese jurídica já firmada em precedente obrigatório, mais propriamente em enunciado de súmula vinculante (CPC, art. 927, II) ou em julgamento de casos repetitivos (CPC, arts. 927, III, e 928).

Nesses casos do inciso II do art. 311 do CPC, o juiz pode, liminarmente inclusive, conceder a tutela de evidência, independentemente de haver demonstração de perigo de dano ou de risco à inutilidade do resultado final do processo. A evidência, em tais hipóteses, revela-se por ser aparentemente indiscutível, indubitável a pretensão da parte autora, não sendo seriamente contestável.

Por sua vez, o inciso IV do art. 311 do CPC prevê a concessão de tutela de evidência quando “a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável”. Nessa hipótese, o autor deve apresentar prova documental que seja suficiente para comprovar os fatos constitutivos do seu direito, sendo-lhe, por essa razão, evidente.

A evidência, que decorre da prova documental apresentada pelo autor, não deve ser desfeita por prova igualmente documental do réu. Se a prova documental apresentada pelo autor for suficiente para comprovar suas alegações, sem que o réu apresente qualquer dúvida razoável, haverá evidência que justifique a concessão da tutela provisória.

Essa é uma hipótese que não permite a concessão liminar da tutela de evidência. Isso porque depende da conduta do réu; ele, ao contestar, não apresenta dúvida razoável às alegações, comprovadas documentalmente, do autor. 

O ministro Luiz Fux (Tutela antecipada e locações, pág. 87) já dizia que há casos em que a incerteza é evidente e há casos em que  o direito é evidente. Para esses a tutela há de ser imediata como consectário do devido e adequado processo legal. É indevido, segundo o ministro Fux, o processo moroso diante da situação jurídica da evidência. Ademais, imaginar-se o devido processo legal com fases estanques, é observá-lo com as vistas voltadas somente para os interesses do demandado, olvidando-se a posição do autor, que em regra, motivado por flagrante necessidade de acesso à jurisdição, reclama por justiça tão imediata quanto aquele que ele empreenderia não fosse a vedação à autotutela.

Sendo assim o acesso à justiça adequada, através do devido processo, sustenta, sob o ângulo legislativo, a tutela da evidência, quer pela adoção do procedimento sumário, quer pela possibilidade de concessão de tutela antecipada.

No Brasil, a tutela de evidência guarda à conexão com o direito líquido e certo conhecido no mandado de segurança, escoimado de dúvidas ou calcado em fatos incontestáveis. Mas, observe-se que, no mandado de segurança, busca-se, dentro de uma sumariedade formal, à vista de ato abusivo e ilegal da autoridade, uma cognição exauriente sentencial.

Pode-se afirmar, ainda à luz dos ensinamentos do ministro Luiz Fux (obra citada, pág. 98) que a “tutela de evidência” através da sumariedade formal está encartada na garantia constitucional do acesso à justiça mediante tutela adequada e processo devido”, mercê do dever de um juiz prestar uma rápida solução dos litígios, velando pela manutenção de interesses de prosseguir o processo na busca da verdade, dispensando esse prolongamento desnecessário, à luz da efetividade, toda vez que se verifique direito evidente.

Deve então interpretar as essas processuais com seu cunho nitidamente instrumental que seja indissociavelmente ligada ao direito material que se pretenda aplicável.


VI  – O PODER GERAL DE CAUTELA NO CPC DE 2015

O jurista, Luiz Guilherme Marinoni, no denominado “Projeto do CPC críticas e propostas”, em parceria com Daniel Mitidiero(O projeto do CPC críticas e propostas. São Paulo: RT, 2010, asseveraram que:

“O projeto não consta com um livro destinado ao processo cautelar. Trata-se de posição acertada. Também não disciplina tutelas cautelares nominadas. Teria sido ideal, todavia, que o Projeto tivesse mantido certas tutelas cautelares em espécie – o arresto, o sequestro, as cauções, a busca e apreensão e o arrolamento de bens. Reconheceu-se, na esteira do que sustentamos há muito tempo, o fato de a tutela antecipatória fundada no perigo e de a tutela cautelar constituírem espécies do mesmo gênero: tutela de urgência. Seguindo esta linha, o Projeto propôs a disciplina conjunta do tema”.

Tal situação é extremamente preocupante no que tange aos requisitos específicos que exigem e ensejam situações de dependências e limitações ao direito de propriedade da parte, e a possibilidade de excessos com o aumento do poder discricionário em relevância ao julgador.

A justificativa para o poder geral de cautela do juiz está na impossibilidade de o legislador prever, ao tempo da elaboração da norma, todas as hipóteses em que os bens juridicamente tuteláveis poderiam estar envolvidos quando objetos de demanda judicial.

Sancionada em 16 de março de 2015, a Lei nº 13.105, que cuida do novo Código de Processo Civil, busca conferir maior celeridade e efetividade à prestação jurisdicional, por meio da revisão e aperfeiçoamento de diversos institutos.

O processo cautelar, que foi tratado no Livro III, dos artigos 796 ao 889 do CPC/1973, foi um dos institutos que mais sofreram alterações de texto.

Com o novo Código, o processo cautelar é integralmente eliminado, adotando-se a sistemática das tutelas de urgência e de evidência.

Em substituição aos procedimentos cautelares típicos (artigo 813 a 873 do CPC/1973), atípicos (artigo 798 do CPC/1973) e a tutela antecipada (artigo 273 do CPC/1973), o novo CPC passa a tratar da “Tutela Provisória” no Livro V.

Segundo Antônio Cláudio da Costa Machado (Desaparecimento do poder cautelar e mais poder para os juízes):

O grande problema que decorre do desaparecimento de um Livro dedicado ao Processo Cautelar é que, não havendo mais regulamentações expressas, os nossos juízes poderão conceder medidas acautelatórias apenas com base na sua vontade e liberdade imaginativa. Toda a limitação imposta pela lei terá desaparecido, todas as barreiras e condicionamentos estabelecidos previamente pelo legislador terão caído por terra. A vontade da lei terá sido substituída pela do juiz e já não saberemos – partes, advogados e promotores de justiça – como se desenvolverão postulações tão comuns e constantes como as de arresto, sequestro, busca e apreensão, arrolamento e alimentos. O poder terá sido tirado das previsões gerais do CPC e colocado nas decisões individuais dos magistrados.

Disse ainda Antônio Carlos da Rocha Machado:

A existência de procedimentos como o arresto, o sequestro, a busca e apreensão, o arrolamento e a caução significam importantes limitações ao poder jurisdicional. Sem tais procedimentos, ficaremos todos à mercê da vontade unilateral dos juízes para concessão de medidas cautelares.

Nossos direitos estarão sob risco se os magistrados de primeiro grau puderem conceder: a) arresto sem “prova literal de dívida líquida e certa”; b) busca e apreensão a ser cumprida por um único oficial de justiça; c) arrombamento sem testemunhas ou; d) busca e apreensão de bens objeto de contrafação sem a comprovação por peritos; e) arrolamento de bens sem disciplina alguma sobre legitimação ou sobre os interesses tuteláveis; f)caução sem procedimento previsto em lei.

Tudo isso se diz diante da defesa da garantia do devido processo legal que exige o correto contraditório com paridade de armas.

Reforçando as consequências negativas da ausência de regulamentação procedimental específica das tutelas de urgência concedidas incidentalmente em processos de execução ou em fases de cumprimento de sentença, Paula Simão Normanha(Tutelas de urgência no projeto do Código de Processo Civil; reflexos da supressão do processo cautelar sobre o princípio do devido processo legal)  conclui que:

“É que não haverá previsão legal específica que norteie um procedimento relativo às medidas cautelares incidentais, fato este que, aliado ao poder de adequação procedimental que será conferido ao juiz, resultará em uma série de decisões conflituosas, causadoras de uma insegurança jurídica que não pode ser tolerada pelo atual Estado Democrático de Direito, eis que consubstanciada em significativo retrocesso do sistema processual civil brasileiro, bem como em absoluta afronta ao direito fundamental à segurança jurídica”.

Observe-se a redação do artigo 305 do CPC de 2015:

Art. 305. A petição inicial da ação que visa à prestação de tutela cautelar em caráter antecedente indicará a lide e seu fundamento, a exposição sumária do direito que se objetiva assegurar e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.

Parágrafo único. Caso entenda que o pedido a que se refere o caput tem natureza antecipada, o juiz observará o disposto no art. 303.

O poder geral de cautela está aí exposto de forma visceralmente literal e procedimental.

 Efetivada a tutela cautelar, o pedido principal terá que ser formulado pelo autor no prazo de trinta dias (art. 308, 1ª parte), a contar da efetivação da medida cautelar – e não do deferimento ou ciência desta. Diferentemente do processo cautelar completamente autônomo (cautelar preparatória) com o qual estávamos acostumados, o pedido principal deverá ser feito nos mesmos autos e independerá do adiantamento de novas custas processuais (art. 308, 2ª parte). O novo CPC permite, ainda, que a causa de pedir seja aditada no momento da formulação do pedido principal (art. 308, § 2º). Quando do requerimento da tutela cautelar, apenas a lide e seu fundamento foram indicados, bem como a exposição sumária do direito que pretendia assegurar. Ao apresentar o pedido principal, faculta-se o reforço da causa de pedir e a apresentação de provas.

O prazo para ajuizamento do pedido principal é peremptório(fatal). Pode ser objeto de prorrogação pelo juiz e não pelas partes.

A medida cautelar requerida em caráter antecedente em tudo se assemelha à cautelar preparatória do CPC/1973, distinguindo-se principalmente pela redução de atos processuais. Diferentemente do que ocorria no Código revogado, não há duplicidade de pagamento de custas, de distribuição, de autuação, de citação e de outros atos processuais. Diz-se que o processo cautelar perdeu a autonomia. Contudo, não se vislumbra essa anunciada dependência.

Os procedimentos referentes ao pedido de tutela cautelar e ao pedido principal continuam autônomos e interdependentes.  Com relação ao pedido principal, a autonomia é quase absoluta, somente sofrendo influência do que se decidir no pedido cautelar se houver declaração de prescrição ou decadência.

Esse procedimento deverá ser utilizado naquelas hipóteses em que a urgência e a verossimilhança não permitem que a petição inicial seja completa, isto é, que contemple os pedidos principal e cautelar, com os respectivos fundamentos e provas. A urgência, por ser contemporânea à propositura da ação – embora possa ter surgido anteriormente –, enseja o desmembramento do pedido: primeiro se formula o pedido de tutela cautelar e, depois, em aditamento, o pedido principal. Há dois pedidos – um de natureza acautelatória e outro subsequente, de direito substancial -, mas um só processo (que pode ser de conhecimento ou de execução).

Diante de garantias que se constituem em verdadeiras cláusulas pétreas, há de se assegurar a permanência do processo cautelar, em face do devido poder geral de cautela, que tem fulcro constitucional.


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Medidas de urgência e poder geral de cautela. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5845, 3 jul. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73428. Acesso em: 4 maio 2024.