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A secessão e a federação brasileira sob o novo direito constitucional

A secessão e a federação brasileira sob o novo direito constitucional

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A titularidade do poder do Estado é do povo. Isso significa que todas as unidades da federação possuem a faculdade de constituírem Estados soberanos e independentes, de se unir a outro ou de permanecerem na República Federativa do Brasil.

1. INTRODUÇÃO

Embora a Constituição vede expressamente, é possível que Estados-membros deixem a Federação, desde que esse pensamento reflita o desejo majoritário de sua população. No moderno constitucionalismo, com a prevalência dos princípios constitucionais, não se pode negar ao cidadão o direito de ser feliz; se essa felicidade exigir a constituição de um novo Estado, e se esse desejo for partilhado pela maioria dos habitantes de um Estado-membro, não há lastro jurídico para invalidar essa decisão soberana, consequência do exercício da democracia. A ideia de uma união eterna e indissolúvel é fictícia, pois parte do equívoco de pressupor que a vontade do Estado deve prevalecer sobre a da população, quando na verdade o escopo estatal é justamente o de propiciar o bem estar aos seus cidadãos.


2. DA INDISSOLUBILIDADE DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Logo no caput do art. 1º da Lei Fundamental de 1988 está posto que Estados, Municípios e Distrito Federal, reunidos de modo indissolúvel, formam a República. Na primeira Constituição republicana, de 1891, também no art. 1º constava essa característica, ao afirmar que a “República Federativa” era constituída pela “união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil”; a fórmula foi repetida na Constituição de 1934, onde no art. 1º constava que “A Nação brasileira, constituída pela união perpétua e indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios em Estados Unidos do Brasil”. Na Constituição de 1937 não se repetiu a expressão “união perpétua”, assentando-se que “O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios”; na Constituição de 1946 nenhuma menção houve, e na Constituição de 1967 (art. 1º), como também na oriunda da Emenda Constitucional nº 1 de 1969 (art. 1º), a indicação da indissolubilidade da Carta de 1937 foi repetida. Dessarte, os constituintes de 1988 não inovaram ao estabelecer a impossibilidade de dissolução dos entes que compõem o Estado brasileiro.

Entretanto, deve-se ressaltar que na Constituição imperial de 1824 havia expressa indicação, no art. 3º, de que o governo seria monárquico e hereditário; com o advento da República, nova ordem jurídica foi constituída, rompendo com a anterior. As Constituições de 1937 e 1967, bem como no texto de 1969, também romperam com a ordem vigente, e constituem exemplos de violação à soberania popular, outorgadas que foram pelos grupos políticos que se assolaparam do Estado na conturbada história republicana nacional.

Na doutrina hodierna, é forte o entendimento de que a indissolubilidade do Estado é clara, induvidosa e absoluta. O sentimento de Agra sintetiza o pensamento majoritário dos estudiosos:

Assevera o caput do art. 1º da Constituição de 1988 que a República Federativa do Brasil é formada pela união indissolúvel dos Estados-membros, dos Municípios e do Distrito Federal. Isso significa que nenhuma das suas partes componentes pode se retirar da federação, seja para formar um novo país, seja para se anexar a um outro. Caso ocorra qualquer um desses casos, a medida cabível é a intervenção, por haver quebra da integridade nacional (art. 34, I, da CF). (AGRA, 2012, p. 355)

Com a devida vênia aos que comungam dessa compreensão, ela não se sustenta à luz do moderno constitucionalismo, onde os princípios possuem um valor cada vez mais relevante. Isso porque não é o povo que existe para o Estado, mas sim o Estado que existe para o povo. Assim, pertinente a análise, à luz do moderno constitucionalismo, do alcance da restrição constitucional em um Estado Democrático de Direito, como se pretende o Brasil, porque é possível, e necessária, uma relativização do instituto sem a necessidade de uma novel ordem jurídica.


3. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS DA CARTA POLÍTICA

Princípios fundamentais constituem os alicerces da Constituição, e por isso formam a base sobre a qual se estrutura todo o ordenamento jurídico. São considerados os mais importantes da Carta Magna, porque constituem “os núcleos jurídicos que serão desenvolvidos pelas demais normas ao longo da Constituição”, como lembra Agra (2012, p. 107), asseverando que funcionam, dentro do sistema constitucional, “como estruturas para a integração das normas”. E o professor completa:

Os princípios fundamentais apresentam uma densidade de legitimidade muito mais intensa do que a maioria das normas contidas na Constituição, em razão de que possibilitam um consenso nos diversos setores da sociedade. São normas que gozam de tamanho assentimento no universo jurídico que não há obstáculos à sua concretização, ao menos no plano teórico. Como são princípios fundamentais, em caso de aparente antinomia com outros princípios devem prevalecer em detrimento dos demais. (AGRA, 2012, p. 108)

No Título I da Constituição Federal, denominado “Dos Princípios Fundamentais”, estão elencados: (i) que a República é formada pela união indissolúvel das Unidades da Federação e que constitui um Estado Democrático de Direito, tendo como fundamentos: (a) a soberania, (b) a cidadania, (c) a dignidade da pessoa humana, (d) os valores do trabalho e da livre iniciativa, e (e) o pluralismo político; (ii) a existência dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e harmônicos entre si; (iii) os objetivos fundamentais da República; e (iv) os princípios norteadores das relações internacionais da República. E no parágrafo único do art. 1º está posto que “Todo o poder emana do povo”.

Os constituintes de 1988 inovaram ao adjetivar a República como um Estado Democrático de Direito. Como aponta Silva (2013, p. 121), “A configuração do Estado Democrático de Direito não significa unir formalmente os conceitos de Estado Democrático e Estado de Direito”, mas sim estabelecer uma novel conceituação, a qual “leva em conta os conceitos dos elementos componentes, mas os supera na medida em que incorpora um componente revolucionário de transformação do status quo”, que já nasce proclamado e fundado, e “não como mera promessa de organizar tal Estado”.

Essa nova conceituação de Estado Democrático de Direito, bem como dos valores que a fundamentam, devem ser interpretadas a partir da ideia básica de que a titularidade do Poder que legitima a atuação estatal é do povo. Com razão Binenbojm (2006, p. 441) ao dispor que “O povo é a autoridade última e primeira em uma democracia”. Na verdade, como aponta Agra (2012, p. 127), inúmeros são os exemplos na atualidade de governos legitimados teoricamente pelo povo, porque “ao início do terceiro milênio, a legitimidade popular se tornou um dogma intransponível, mesmo transformada em ordenamento semântico”. Durante muitos anos esses conceitos tinham força meramente formal, daí o pensamento constitucionalista atual, que pugna por conferir-lhes força material.

Essa mudança conceitual exige do intérprete das normas constitucionais a extração de efeitos à luz de um Estado Democrático de Direito. Caso contrário, estaria violado o escopo pretendido pelos constituintes de 1988 e, quiçá, se equipararia à letra morta de dispositivos encontrados em constituições pretéritas, solapados de efeitos concretos, como o existente no § 1º do art. 1º da Constituição de 1967[2], cuja redação foi repetida na Carta oriunda da Emenda Constitucional nº 1, de 1969[3], de que “Todo o poder emana do povo e em seu nome é exercido”; ora, no Brasil de 1964 a 1985 havia uma ditadura militar, e de forma alguma o dispositivo constitucional externava efeitos concretos, pois não havia democracia, tampouco Estado de Direito, e muito menos respeito aos direitos humanos fundamentais. Da mesma forma a Constituição dos Estados Unidos do Brasil, outorgada em 1937, que na parte final do seu art. 1º dispunha que “O poder político emana do povo e é exercido em nome dele e no interesse do seu bem-estar, da sua honra, da sua independência e da sua prosperidade”; durante esse período, de 1937 a 1945, denominado Estado Novo, havia um governo ditatorial[4].

Não se pode aturar, no estágio atual do constitucionalismo, palavras e expressões elencadas na Lei Maior desprovidas de resultado prático e efetivo, ainda mais quando expressam fundamentos principiológicos da República. Mello (2010, p. 958-959) lembra que princípio constitui “mandamento nuclear de um sistema”, funcionando como “verdadeiro alicerce”, que alcança as diversas normas, “compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”. E o autor é taxativo:

Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.

Isso porque, com ofendê-lo, abatem-se as vigas que o sustêm e alui-se toda a estrutura nelas esforçada. (MELLO, 2010, p. 959)

 Assim, aos conceitos de cidadania (art. 1º, II, CF), de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) e de soberania do poder popular (art. 1º, parágrafo único, CF), reconhecidos como princípios fundamentais pelos constituintes de 1988, deve-se sempre buscar um sentido mais consentâneo à evolução do constitucionalismo. Como lembra Barroso (2013, p. 288-289),

O novo direito constitucional [...] tem sido referido, por diversos autores, pela designação de neoconstitucionalismo. O termo identifica, em linhas gerais, o constitucionalismo democrático do pós-guerra, desenvolvido em uma cultura filosófica pós-positivista, marcado pela força normativa da Constituição, pela expansão da jurisdição constitucional e por uma nova hermenêutica. Dentro dessas balizas gerais, existem múltiplas vertentes neoconstitucionalistas. Há quem questione a efetiva novidade dessas ideias, assim como seus postulados teóricos e ideológicos. Mas a verdade é que, independentemente dos rótulos, não é possível ignorar a revolução profunda e silenciosa ocorrida no direito contemporâneo, que já não se assenta apenas em um modelo de regras e de subsunção, nem na tentativa de ocultar o papel criativo de juízes e tribunais. Tão intenso foi o ímpeto das transformações que tem sido necessário reavivar as virtudes da moderação e da mediania, em busca de equilíbrio entre valores tradicionais e novas concepções.

O Direito não é estanque, e a jurisprudência nacional, acompanhando a melhor doutrina, entende que o alcance dos direitos fundamentais não deve ser menor do que aquele adequado para atender as necessidades da sociedade em um determinado momento. Sem essa interpretação consentânea da Carta Política, os conflitos imanentes da própria evolução social não seriam enfrentados com justiça; mais que isso, os fundamentos pretendidos pelo Estado Democrático de Direito brasileiro, como a dignidade da pessoa humana e a promoção do bem comum, seriam lançados meramente à condição de normas programáticas. Preciso José Afonso da Silva (2013, p. 469) ao dispor sobre a eficácia dos direitos fundamentais, aduzindo que “a garantia das garantias consiste na eficácia e aplicabilidade imediata das normas constitucionais”. Oportuno escólio de Barroso:

A nova interpretação constitucional surge para atender às demandas de uma sociedade que se tornou bem mais complexa e plural. Ela não derrota a interpretação tradicional, mas vem para atender às necessidades deficientemente supridas pelas fórmulas clássicas. Tome-se como exemplo o conceito constitucional de família. Até a Constituição de 1988, havia uma única forma de se constituir família legítima, que era pelo casamento. A partir da nova Carta, três modalidades de família são expressamente previstas no texto constitucional: a família que resulta do casamento, a que advém das uniões estáveis e as famílias monoparentais. Contudo, por decisão do Supremo Tribunal Federal, passou a existir uma nova espécie de família: a que decorre de uniões homoafetiva. Veja-se, então, que onde havia unidade passou a existir uma pluralidade.

A nova interpretação incorpora um conjunto de novas categorias, destinadas a lidar com as situações mais complexas e plurais [...]. Dentre elas, a normatividade dos princípios (como dignidade da pessoa humana, solidariedade, segurança jurídica), as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação jurídica. Nesse novo ambiente, mudam o papel da norma, dos fatos e do intérprete. A norma, muitas vezes, traz apenas um início de solução, inscrito em um conceito indeterminado ou em um princípio. Os fatos, por sua vez, passam a fazer parte da normatividade, na medida em que só é possível construir a solução constitucionalmente adequada a partir dos elementos do caso concreto. E o intérprete, que se encontra na contingência de construir adequadamente a solução, torna-se coparticipante do processo de criação do Direito.

Essa evolução na interpretatio do Direito é essencial para que se possa adequar a vida em sociedade com o ordenamento jurídico. As normas devem adequar-se à sociedade, e não esta àquelas. Evidente que são dos legisladores, em um Estado Democrático de Direito, a atribuição republicana de criar, revisar e revogar leis; todavia, na hipótese de inércia do Poder Legislativo no cumprimento de suas atribuições, cabe ao Poder Judiciário, no exercício de suas também republicanas atribuições, extrair da norma um sentido que atenda aos anseios da sociedade, notadamente quando fundamentado em princípios constitucionais.

Nesse diapasão, não se pode perder de vista que a disposição do caput do art. 1º da Carta Política, que estabelece a indissolubilidade dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, busca fundamentos nos dispositivos que elenca. Dito de outra forma, é pelo alcance dos fundamentos de soberania (inciso I), de cidadania (inciso II), de dignidade da pessoa humana (inciso II), de valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (inciso IV), e notadamente de que todo o Poder estatal emana do povo (parágrafo único), que se deve compreender a restrição do caput do art. 1º da Lei Maior.

Igualmente não se pode descurar de que, dentre os objetivos fundamentais da república (art. 3º, CF), está dito:

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

[...]

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dessarte, a promoção do bem de todos, sem quaisquer formas de discriminação, constitui um dos objetivos fundamentais da República, e qualquer privação ao exercício desse direito fundamental constitui afronta aos princípios que alicerçam a Carta Constitucional.

3.1 DA GARANTIA DO DIREITO DE SER FELIZ

Dentre os fundamentos republicanos estabelecidos pelos constituintes de 1988 está “a dignidade da pessoa humana” (art. 1, III). Esse princípio, como explica Moraes (2011, p. 24), “concede unidade aos direitos e garantias fundamentais, sendo inerente às personalidades humanas”, e afasta a noção “de predomínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual”. Ferraz Filho (2013, p. 5) o define como “valor- fonte de todos os direitos fundamentais”, aduzindo:

Esse valor, que se apresenta como fundamento e fim último de toda a ordem política, busca reconhecer não apenas que a pessoa é sujeito de direitos e créditos diante dessa ordem, mas que é um ser individual e social ao mesmo tempo. [...] Sucede que o ser humano se completa e se plenifica com a presença de todas as dimensões em um contexto harmônico, interdisciplinar e interativo. Isso é que vai, em última análise, permitir a democracia e a atualidade dos direitos fundamentais, a dignidade da pessoa humana constitui, por assim dizer, um valor único e individual, que não pode, seja qual for o pretexto, ser sacrificado por interesses coletivos. (destaques no original)

Do princípio da dignidade da pessoa humana deflui, implicitamente, outro princípio, que dele decorre naturalmente, assegurando a todos o direito de perseguir a felicidade. Nesse sentido ementa de lavra do Min. Celso de Mello, do STF, relator do RE nº 477.554 (2011, p.1):

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E BUSCA DA FELICIDADE. - O postulado da dignidade da pessoa humana, que representa - considerada a centralidade desse princípio essencial (CF, art. 1º, III) - significativo vetor interpretativo, verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o ordenamento constitucional vigente em nosso País, traduz, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta, entre nós, a ordem republicana e democrática consagrada pelo sistema de direito constitucional positivo. Doutrina. - O princípio constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o postulado da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais. - Assiste, por isso mesmo, a todos, sem qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte americana. Positivação desse princípio no plano do direito comparado. (destaques no original)

Dessarte, o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana constitui a garantia reconhecida pelos constituintes de 1988 de que o ser humano deve ser tratado com dignidade, a qual pressupõe respeito às suas convicções pessoais, porque é inato o direito de ser feliz. No aspecto individual, essa dignidade se revela na não submissão ao interesse coletivo como regra, de modo que a busca da felicidade não pode ser obstada por eventual norma restritiva. Essa garantia, aliás, já restou consignada na Declaração de Direitos do Estado da Virgínia, de 1776, no seu item 1:

Que todos os homens são, por natureza, igualmente livres e independentes, e possuem certos direitos inatos, dos quais, quando entram em estado de sociedade, não podem, por qualquer contrato, privar ou despojar sua posteridade; ou seja, o gozo da vida e da liberdade com os meios de adquirir e possuir propriedades, e de buscar e obter felicidade e segurança[5].

A Constituição Federal também dispõe, ao elencar os objetivos fundamentais republicanos, a obrigação de “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação” (art. 3º, IV). Disso deflui que a promoção do bem comum, que é o bem estar coletivo, sem diferenças entre uns e outros, é o escopo do Estado Nacional. Sobre o tema, oportuna advertência de Agra (2012, p. 181):

Quando a Constituição fala que não pode haver preconceito em relação a raça, sexo, cor, idade, origem etc., não está falando, de forma absoluta, que é impossível qualquer tipo de discriminação com base nestes elementos. Por exemplo, pode haver diferenciação de sexo, possibilitando a inscrição de apenas mulheres, em um concurso para trabalhar como carcereira em um presídio feminino. Portanto, o que a Constituição veda são diferenciações com base nos elementos mencionados que não tenham um amparo lógico plausível que os justifique, que eles sejam alçados a critérios diferenciadores sem uma forte motivação que os ampare.

Lembra Ferraz Filho (2013, p. 8) que o bem comum, inerente a “todos os seres humanos”, constitui o “fim último da democracia constitucional brasileira”, advertindo que não se trata de “um ideal irrealizável”. Agra (2012, p. 129) lembra que os objetivos fundamentais constituem princípios de conteúdo polissêmico, “que impedem definições precisas acerca de sua essência”, concluindo que “formam as normas do welfarestate brasileiro, isto é, são normas programáticas que têm o objetivo de criar um Estado de bem-estar social. Possuem eficácia mediata, no sentido de que o legislador infraconstitucional não pode afrontar o conteúdo de suas disposições”.

O princípio constitucional do bem comum, sem quaisquer formas de preconceito ou discriminação, portanto, reconhece o direito humano inerente a todos individualmente de não serem diferenciados indevidamente. Nesse mesmo sentido também dispõe o caput do art. 5º da Carta Política, encartado no Capítulo I, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, inserido no Título II, denominado “Dos Direitos e Garantias Fundamentais”, de lavra dos constituintes de 1988:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:


4. DO DIREITO À AUTODETERMINAÇÃO

Os constituintes de 1988 expressamente consignaram, no rol dos princípios aplicáveis às relações internacionais, a prevalência dos direitos humanos (inciso II) e a autodeterminação dos povos (inciso III), estabelecendo no parágrafo único o escopo de integrar-se aos demais países ibero-americanos:

Art. 4º

[...]

Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.

Sem dúvida, a inspiração dos constituintes nacionais tem origem na Carta das Nações Unidas, de 1945, recepcionada no direito nacional por meio do Decreto nº 19.841, de 22 de outubro de 1945, que reconhece aos povos o direito à sua autodeterminação e ao Estado o direito de defender sua integridade territorial. Vejamos:

Artigo 1. Os propósitos das Nações Unidas são:

[...]

2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;

[...]

Artigo 2. A Organização e seus Membros, para a realização dos propósitos mencionados no Artigo 1, agirão de acordo com os seguintes Princípios:

[...]

4. Todos os Membros deverão evitar em suas relações internacionais a ameaça ou o uso da força contra a integridade territorial ou a dependência política de qualquer Estado, ou qualquer outra ação incompatível com os Propósitos das Nações Unidas.

Na verdade, há um aparente conflito, que não se sustenta diante de uma análise mais acurada: de um lado, o direito à autodeterminação de um povo, com a consequente criação de um novo Estado ou sua agregação a um Estado já existente e, de outro lado, o direito da defesa da integridade territorial do Estado cuja população pretenda se desagregar. Sobre a Carta das Nações Unidas, pertinente o escólio de Ramina (2010, p. 3692):

As pretensões à independência que hoje assombram muitos Estados, espalhados por diversas regiões do globo, e que enfrentam minorias no interior de suas fronteiras, chocam-se com um problema jurídico de grande complexidade: a ausência de consenso relativamente às regras que permitem aos povos o chamado “direito à autodeterminação”, direito alçado a princípio com previsão expressa no artigo 1º, § 2º da Carta de São Francisco de 1945, que constituiu a Organização das Nações Unidas. Esse princípio, todavia, se interpretado em sua matriz anticolonialista, colide frontalmente com o princípio da integridade territorial, igualmente importante e previsto no mesmo documento, em seu artigo 2º, § 4º.

A comunidade internacional discorda acerca dos critérios que viabilizam a independência de regiões intraestatais, já que em cada situação particular entram em jogo os interesses das potências envolvidas, bem como diferem o grau de envolvimento dessas potências e o grau de poder e de resistência dos opositores. Essa constatação encontra respaldo na ausência de uniformidade dos argumentos que são utilizados cada crise.

Em um Estado Democrático de Direito, pautado na premissa de que o Poder estatal é do povo, é a vontade da população envolvida que deve prevalecer. Notadamente em um Estado Federal, como o brasileiro, onde esses entes federativos possuem autonomia. A mantença ou não na União deve sempre resultar do desejo da maioria, sob pena de violar os próprios objetivos pretendidos pela República, de promoção do bem de todos (art. 3º, IV, CF), e dos fundamentos republicanos de cidadania (art. 1º, II, CF) e de dignidade da pessoa humana (art. 1º, III). A mantença do status quo, se compulsória, agride cabalmente o direito à liberdade em sentido lato, o qual engloba o direito de ser livre para decidir em qual Estado se pretende viver.

A ideia segundo a qual o Estado não pode desintegrar-se, ou permitir a secessão, parte de uma lógica equívoca, na qual se protege esse ente abstrato, o Estado, em desfavor da população que habita em parte do território desse Estado. Contudo, o Estado existe para propiciar o bem estar das pessoas, e não as pessoas para a existência do Estado. Essa lógica não pode ser invertida, risco de violar direitos humanos fundamentais dos cidadãos.

Na verdade, a integridade territorial deve ser defendida sempre que a ruptura não representar o desejo majoritário dos habitantes do território envolvido. A doutrina dominante, contudo, tem pensamento diverso, como bem sintetiza Ramina (2010, p. 3704):

Resta flagrante que o princípio da autodeterminação dos povos mantém-se sujeito a interpretações diversas e flexíveis, sempre na esteira dos interesses estratégicos das grandes potências. Como sujeitos de direito, os povos definem-se pelos direitos e obrigações que lhes são reconhecidos pelo direito internacional, que podem variar em função de sua situação concreta, conferindo ao princípio um conteúdo variável. Para os povos que se confundem com Estados democráticos, o princípio se traduz em uma “autodeterminação interna”, ou em um “direito à democracia”. Nos Estados onde diversos povos coexistem, por sua vez, o princípio se traduz no reconhecimento dos direitos das minorias. Todavia, o direito à “autodeterminação externa” conduziria à secessão, incompatível com o princípio fundamental do direito dos Estados a sua integridade territorial. Apenas em caso de “povos subjugados a uma dominação ou ocupação estrangeira”, nos termos da Resolução 1514 da Assembleia Geral da ONU, admitir-se-ia um direito à autodeterminação externa de encontro aos Estados preexistentes.

Sendo assim, apenas a existência de um regime político, jurídico ou cultural discriminatório constituiria a ausência de autonomia em relação a um “povo colonial” com vocação à independência. Em outras palavras, o direito à independência ou à secessão abrange somente os povos privados do exercício de sua autodeterminação interna, como nos casos de discriminação racial, a exemplo da Palestina e da África do Sul. O direito à autodeterminação externa aplica-se nos casos das antigas colônias, de povos submetidos a uma ocupação militar estrangeira – como é o caso do Iraque e do Afeganistão nos dias de hoje - e de grupos sociais impedidos de ter acesso ao governo para assegurar seu desenvolvimento político, econômico, social e cultural. Nesses três casos, o povo em questão deverá gozar da autodeterminação externa porque está sendo impedido de exercer seu direito à autodeterminação interna.

O equívoco dessa concepção repousa na submissão do povo ao Estado, privando-lhe do exercício do direito humano fundamental de se autodeterminar. Na verdade, é inequívoco que a grande causa dos conflitos entre povos e Estados sempre foi o Poder: os que não o possuem, almejam tê-lo; os que o detêm, não querem perdê-lo.

Daí o exemplo atual de Estados avançados sob o ponto de vista democrático, como Canadá e Reino Unido, que onde se permitiu à população residente em determinadas regiões de seus territórios decidir pela constituição de um novo Estado ou na mantença do status quo. No Canadá, os eleitores da Província de Quebec se submeteram a dois plebiscitos, um em 1980 e outro em 1995, e em ambas a proposta de secessão não correspondeu ao desejo da maioria (G1, 2014¹); no Reino Unido, os eleitores da Escócia decidiram, em 18 de setembro de 2014, pela não independência (OPPENHEIMER, 2014). Na Europa, aliás, são inúmeros os movimentos que reivindicam a possibilidade de separar-se do Estado a que pertencem[6], como na Espanha, onde é antigo o desejo das regiões de Catalunha (BBC, 2014) e do País Basco de independência (G1, 2014²), na Bélgica, com a região de Flandres (BBC, 2012), ena Itália, com Trentino Alto-Ádige (BBC, 2012).

Ao discorrer sobre o processo de formação dos Estados a partir de Estados preexistentes, Dallari (2013, p. 64) dispõe:

Há dois processos típicos opostos, ambos igualmente usados na atualidade, que dão origem a novos Estados: o fracionamento e a união de Estados. Tem-se o fracionamento quando uma parte do território se desmembra e passa a constituir um novo Estado. Foi este o processo seguido para os territórios coloniais, ainda existentes no século XX, na maioria localizados na África, passassem à condição de unidades independentes e adquirissem o estatuto de Estados. [...]

Outro fenômeno, este menos comum, é a separação de uma parte do território de um Estado, embora integrado sem nenhuma discriminação legal, para constituir um novo Estado, o que ocorre quase sempre por meios violentos, quando um movimento armado separatista é bem sucedido, podendo também, embora seja rara a hipótese, por via pacífica[7]. (destaques no original)

Com a atual evolução do pensamento constitucionalista, que privilegia a defesa dos direitos humanos e consagra a dignidade da pessoa humana como valor sublime de um Estado de Direito, no qual a democracia se paute efetivamente no reconhecimento de que a titularidade do Poder do Estado é do povo, não há espaço para se avalizar juridicamente contratos que firmem união perpétua entre pessoas de territórios diversos na mantença de um ente abstrato, o Estado, notadamente quando tal não constituir o desejo majoritário do povo fixado em parte daquele território. E aqui uma advertência oportuna: descabe considerar a opinião dos habitantes dos demais territórios, porque tal poderia revelar uma aparente maioria em sentido oposto ao desejo majoritário daquele fixado em determinado território; a opinião do povo de todo o território de um Estado poderia ser diversa daquela expendida pelo povo fixado em parte desse território, maculando a estes o exercício da liberdade de livremente decidir pela manutenção ou não do vínculo[8]. Assim, em um Estado Democrático, é tão só a população do território que se pretende desmembrar que deve ser inquirida sobre cisão, revelando o resultado a verdadeira vontade do titular do Poder estatal, o povo.

Sobre o resguardo de direitos fundamentais das minorias, oportunas as colocações do Min. Gilmar Mendes em voto na ADI nº 4.277/DF (2011, p. 778-779):

É evidente também que aqui nós não estamos a falar apenas da falta de uma disciplina legislativa que permita o desenvolvimento de uma dada política pública. Nós estamos a falar, realmente, do reconhecimento do direito de minorias, de direitos fundamentais básicos. E, nesse ponto, não se trata de ativismo judicial, mas de cumprimento da própria essência da jurisdição constitucional.

[...]

Nesse sentido, é possível destacar, dentre outros: os fundamentos da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1º, II e III); os objetivos fundamentais de se construir uma sociedade livre, justa e solidária e de se promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 3º, I e IV); a prevalência dos direitos humanos (art. 4º, II); a igualdade de todos perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantida a inviolabilidade do direito à liberdade e à igualdade (art. 5º, caput); a punição a qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (art. 5º, XLI); bem como a aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais (art. 5º, §1º) e a não exclusão de outros direitos e garantias decorrentes do regime constitucional e dos princípios por ela adotados ou incorporados por tratados internacionais (art. 5º, §2º). (destaques no original)

Destarte, as minorias nacionais devem ter resguardados seus direitos humanos fundamentais, e com maior razão quando essas minorias nacionais constituem, num determinado espaço físico contido no território nacional, maioria. Nesta hipótese, em que a minoria nacional é maioria em parte do Estado, constitui violação ao direito humano fundamental privar-lhes da liberdade de decidir pela conveniência ou não de manterem-se vinculados a esse mesmo Estado, ou a outro, ou mesmo de constituírem um novo Estado, com soberania e independência. 

Daí porque uniões eternas devem perdurar por todo o tempo em que assim desejarem as partes envolvidas. A voluntariedade é indissociável da dignidade da pessoa humana e da cidadania.


5. DA FEDERAÇÃO BRASILEIRA

O federalismo, como modelo de organização do Estado, surgiu nos Estados Unidos da América, lembra o professor Paulo Gustavo Gonet Branco (2011, p. 827), “como resposta à necessidade de um governo eficiente em vasto território, que, ao mesmo tempo, assegurasse os ideais republicanos que vingaram com a revolução de 1776”. Posteriormente, “outros Estados assumiram também esse modo de ser, ajustando-os às suas peculiaridades, de sorte que não há um modelo único de Estado federal a ser servilmente recebido como modelo necessário” (2011, p. 828). Entretanto, há características comuns entre os vários modelos possíveis de Estado federal, como a distinção entre soberania, que no federalismo constitui “atributo do Estado Federal como um todo”, e a autonomia, de que dispõem os Estados-membros, caracterizada pela descentralização do Poder, administrativa e politicamente (BRANCO, 2011, p. 828). Ao dispor sobre o motivo que levam Estados a assumirem a forma federal, Branco explica:

Os Estados assumem a forma federal tendo em vista razões de geografia e de formação cultural da comunidade. Um território amplo é propenso a ostentar diferenças de desenvolvimento de cultura e de paisagem geográfica, recomendando, ao lado do governo que busca realizar anseios nacionais, um governo local atento às peculiaridades existentes.

O federalismo tende a permitir a convivência de grupos étnicos heterogêneos, muitas vezes com línguas próprias, como é o caso da Suíça e do Canadá. Atua como força contraposta a tendências centrífugas.

O federalismo, ainda, é uma resposta à necessidade de se ouvirem as bases de um território diferenciado quando da tomada de decisões que afetam o país como um todo. A fórmula opera para reduzir poderes excessivamente centrípetos.

Aponta-se, por fim, um componente de segurança democrática presente no Estado federal. Nele o poder é exercido segundo uma repartição não somente horizontal de funções- executiva, legislativa e judiciária-, mas também vertical, entre Estados-membros e União, em benefício das liberdades políticas. (BRANCO, 2011, p. 832)

A divisão de recursos é essencial para a concretização da Federação, lembrando Ferreira Filho que constitui “a medida da autonomia real dos Estados-membros”. Oportuno seu escólio:

Na verdade, essa partilha pode reduzir a nada a autonomia, pondo os Estados a mendigar auxílios da União, sujeitando-os a verdadeiro suborno. Como a experiência americana revela, pelo concurso financeiro, a União pode invadir as competências estaduais, impondo sua intromissão em troca desse auxílio.

A questão é mais complexa ainda nos tempos que correm. Pode a União, com suas faculdades econômicas e financeiras, manipular a seu bel-prazer o crédito mais o câmbio e o volume de papel-moeda. Daí decorre que de sua política é que depende a substância dos recursos à disposição dos Estados-Membros. Uma política inflacionária, por exemplo, pode reduzi-los a nada, tornando incapazes os Estados de pagar seus próprios funcionários. (FERREIRA FILHO, 2012, p. 88-89)

Na Federação Brasileira, o Poder Legislativo é bicameral, formado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, que juntos compõem o Congresso Nacional (art. 44/ CF). Leciona Silva (2013, p. 511):

É da tradição constitucional brasileira a organização do Poder Legislativo em dois ramos, sistema denominado bicameralismo, que vem desde o Império, salvo as limitações contidas nas Constituições de 1934 e 1937, que tenderam para o unicameralismo, sistema segundo o qual o Poder Legislativo é exercido por uma única câmara. Debate-se muito sobre as vantagens e desvantagens de um ou de outro sistema. Mas a dogmática constitucional, desde a promulgação da Constituição dos EUA, recua aceitar o unicameralismo nas federações, por entender que o Senado é a câmara representativa dos Estados federados, sendo, pois, indispensável sua existência ao lado de uma câmara representativa do povo. (destaques no original)

Entretanto, a Câmara dos Deputados, que deveria representar proporcionalmente a população dos Estados-membros e do Distrito Federal no Parlamento, deve atentar-se na sua composição aos limites estabelecidos, entre o mínimo de oito e o máximo de setenta deputados por unidade da Federação (art. 45, §1º, CF). Para Silva, “Essa regra que consta do art. 45, §1º, é fonte de graves distorções do sistema de representação proporcional”, pois

[...] com a fixação de um mínimo de oito Deputados e o máximo de setenta, não se encontrará meio de fazer uma proporção que atenda o princípio do voto com valor igual para todos, consubstanciado no art. 14, que é aplicação particular do princípio democrático da igualdade em direitos de todos perante a lei. É fácil ver que um Estado com quatrocentos mil habitantes terá oito representantes enquanto um de trinta milhões será apenas setenta, o que significa que um Deputado para cada cinquenta mil habitantes (1:50.000) para o primeiro e um para quatrocentos e vinte e oito mil e quinhentos e setenta e um habitantes para o segundo (1:428.571).

Em qualquer matemática, isso não é proporção, mas brutal desproporção [...]. (2013, p. 512-513)

Essa desproporcionalidade tem sido acentuada ao longo dos Textos constitucionais republicanos. Em 1891, a Constituição fixava que “A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo eleitos pelos Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da minoria” (art. 28), “em proporção que não excederá de um por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado” (art. 28, §1º). Na Constituição de 1934, foi assentado que os eleitos deveriam representar, proporcionalmente, a população dos Estados e do Distrito Federal, “não podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para cima, de um por 250 mil habitantes” (art. 23, §1º). Em 1937, a Carta Magna estabeleceu que “O número de Deputados por Estado será proporcional à população e fixado por lei, não podendo ser superior a dez nem inferior a três por Estado” (art. 48), o que perdurou até o advento da Lei Constitucional nº 9, de 1945, que modificou aqueles limites para um mínimo de cinco e um máximo de trinta e cinco.  Na Constituição de 1946, ficou dito que “O número de Deputados será fixado por lei, em proporção que não exceda um para cada cento e cinqüenta mil habitantes até vinte Deputados, e, além desse limite, um para cada duzentos e cinqüenta mil habitantes” (art. 58), que com o advento da Emenda Constitucional nº 17, de 1965, teve a parte final do dispositivo alterada para que a proporcionalidade “não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além dêsse limite, um para cada quinhentos mil habitantes”. Em 1967, a Lei Maior determinou que a quantidade de Deputados obedecesse a “proporção que não exceda de um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco Deputados, e, além desse limite, um para cada milhão de habitantes” (art. 41, §2º). Com o novo Texto Constitucional de 1969, a quantidade de parlamentares na Câmara Federal passou a ser calculada conforme faixas preestabelecidas: (i) “até cem mil eleitores, três deputados” (art. 39, §2º, “a”); (ii) “de cem mil e um a três milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de cem mil ou fração superior a cinqüenta mil” (art. 39, §2º, “b”); (iii) “de três milhões e um a seis milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de trezentos mil ou fração superior a cento e cinqüenta mil”; e (iv) “além de seis milhões de eleitores, mais um deputado para cada grupo de quinhentos mil ou fração superior a duzentos e cinqüenta mil”; posteriormente, a Emenda Constitucional nº 8, de 1977, estabeleceu que “nenhum Estado tenha mais de cinqüenta e cinco ou menos de seis deputados”, o que novamente foi alterado pela Emenda Constitucional nº 22, de 1982, “para que nenhum Estado tenha mais de sessenta ou menos de oito deputados”. Os constituintes de 1988 apenas ampliaram o teto para setenta Deputados, sem corrigir efetivamente qualquer desproporção[9].

De fato, hodiernamente são 513 Deputados federais que representam a população dos Estados-membros e do Distrito Federal, ainda que de forma desproporcional, no Congresso Nacional.Já o Senado Federal é composto por 81 Senadores, sendo que cada Estado-membro e o Distrito Federal elegem três representantes (art. 46, §1º, CF).

A Federação da República, pois, constitui um engodo; os Estados-membros mais populosos são sufocados pela falta de espaço político.

Tomando por base dados do IBGE de 2007, a somatória da população dos Estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, de Minas Gerais e do Rio de Janeiro ultrapassa 50% da brasileira. Todavia, esses Estados ocupam apenas 18 vagas no Senado Federal, restando as outras 63 para outras unidades da Federação; tampouco a questão se resolve pela quantidade de assentos na Câmara dos Deputados, porque enquanto os Estados mencionados ocupam 246 cadeiras, os demais Estados, que representam menos que a metade da população brasileira, possuem 267 lugares. Daí porque Bandeira, ao discorrer sobre o ressurgimento de movimentos independentistas no Brasil, afirma que

[...] o fator político que mais contribuiu para o aumento da insatisfação em algumas regiões foi a existência de distorções no sistema representativo, que fazem com que a participação quantitativa dos estados do Sul e do Sudeste no Congresso Nacional - e, portanto, sua influência nas decisões legislativas-  seja bem inferior à sua importância demográfica e econômica.

Segundo dados publicados recentemente na imprensa do Rio Grande do Sul, essas duas regiões, que somadas representam mais de 77% do PIB e quase 60% da população do Brasil, possuem menos da metade das vagas do Congresso. (1993, 211)

A desproporção fica mais flagrante quando tomados os dados populacionais do Estado de São Paulo, que em 2007 possuía 39,838 milhões de habitantes e representação no Congresso Nacional de 70 Deputados federais e 3 Senadores. Somadas as populações dos sete Estados das regiões norte e dos três do centro oeste, mais a do Distrito Federal, perfaziam 27,789 milhões de habitantes, mas estavam representados no Congresso Nacional com 106 Deputados federais e 33 Senadores.

Essa falta de representatividade política dos Estados mais populosos acarreta, em princípio, o induvidoso questionamento sobre a legitimidade do trabalho do Poder Legislativo e sobretudo dos constituintes de 1988, especialmente com relação aos dispositivos constitucionais que mantiveram essa desproporcionalidade no valor político entre cidadãos de Estados densamente povoados, como São Paulo, e outros com quantidade diminuta de habitantes, como Roraima, bem como na vedação de retirada da Federação, tida como indissolúvel.Isso porque o vício da representação dos congressistas, principalmente na composição da Câmara dos Deputados, em que a população nacional deveria estar representada proporcionalmente, conforme a quantidade de habitantes das unidades da Federação, não se convalida com o tempo, constituindo um nada, incapaz de produzir efeitos jurídicos; essa nódoa insuperável conduz inexoravelmente ao questionamento sobre sua legitimidade, notadamente quando busca legitimar maior poder político das minorias sobre a maioria, zurzindo o princípio pelo qual o Poder Legislativo da Federação teria no Senado a representatividade equivalente dos Estados, enquanto na Câmara deveria ser proporcional ao número de habitantes.

Destarte, se no âmbito do Poder Legislativo da República o equilíbrio entre os Estados-membros ocorre no Senado Federal, onde todos estão representados de forma equânime, a proporcionalidade entre o tamanho da população e a quantidade de representantes deve ser cabalmente verificada na composição da Câmara dos Deputados. Essa a essência do sistema bicameral. Não há se falar em limites máximos para essa representação, porque consequência da própria quantidade de habitantes dos Estados-membros e do Distrito Federal. 

A solução, portanto, repousa com mais razão na valoração dos princípios, gerais e abstratos. A Constituição Federal, e o trabalho dos legisladores que sucederam aos constituintes de 1988, devem ser relativizados nos pontos que legitimam a inaceitável distinção entre brasileiros e impedem os Estados-membros, na hipótese de assim desejar livre e conscientemente a maioria de sua população, de deixar a União.

Dessarte, a interpretação do dispositivo insculpido na Lei Fundamental que veda a indissolubilidade da República, à luz dos direitos humanos fundamentais, da cidadania e da premissa de que o Poder do Estado se origina no povo, conforme os princípios constitucionais elementares, aponta no sentido de que nenhuma unidade da Federação poderá se separar da União se sua população assim não desejar.


6. CONCLUSÃO

A titularidade do Poder do Estado é do povo. Disso importa que princípios constitucionais estruturantes, como cidadania e dignidade da pessoa humana, da qual emerge o subprincípio que assegura a todos o direito de buscar sua felicidade, dão azo à possibilidade de qualquer Estado-membro retirar-se da Federação brasileira.

Embora a Carta de 1988 estabeleça a indissolubilidade dos entes federativos (art. 1º), uma interpretação do dispositivo à luz dos princípios constitucionais permite a conclusão de que essa união indissolúvel entre Estados, Municípios e Distrito Federal exige uma adesão do povo temporânea, de sorte que se a maioria da população de qualquer ente federado optar por deixar a Federação poderá fazê-lo, sem qualquer óbice jurídico constitucional que frustre esse intento, que resulta da liberdade que todos dispõem para, de forma livre, buscar a felicidade. E se a felicidade da maioria da população de um Estado-membro reclamar a separação da Federação, esta não terá qualquer legitimidade para criar qualquer impedimento à soberania popular manifestada.

Na verdade, a atual Lei Fundamental, a exemplo das demais insculpidas no período republicano, corroborou para que a Federação constituísse uma realidade artificiosa, verdadeiro embuste, ao negar aos Estados-membros a adequada representação política. O Parlamento Federal, bicameral, é composto pelo Senado, cujos membros devem representar os Estados-membros e o Distrito Federal, e pela Câmara dos Deputados, que deveria representar proporcionalmente a população dos Estados-membros e do Distrito federal; ao se criar Estados sem densidade demográfica e estabelecer limites para que a população seja representada pelos Deputados, alija-se a causa justificante de duas casas legislativas em uma Federação e, pior, busca-se constitucionalizar a supremacia da minoria sobre a maioria, subvertendo a ordem democrática.

A consequência é que a Câmara dos Deputados nunca representou proporcionalmente a população porque sua composição obedece ao critério de que cada Estado-membro seja representado por no mínimo oito Deputados e pelo máximo de setenta. Disso resulta uma desigualdade indevida entre brasileiros, e consequentemente menos poder político aos Estados-membros com maior número de habitantes. A produção do Poder Legislativo, pois, tal como aquela expressa no exercício do Poder Constituinte, seja originário ou derivado, é de questionável legitimidade. 

Não bastasse essa nódoa, que não se convalesce por qualquer interregno, há a incidência do moderno constitucionalismo, que imprime aos princípios uma força sobranceira sobre todo o ordenamento, fomentando uma exegese que atenda às necessidades prementes da sociedade. Daí porque, em um Estado Democrático de Direito, onde o Poder estatal emana efetivamente do povo, em que a cidadania e a dignidade da pessoa humana constituam fundamentos, e que desta seja reconhecida a garantia do direito universal inato de buscar a felicidade, não há espaço para negar o exercício de livremente decidir, à população de um Estado-membro, sobre sua autodeterminação, e a consequente mantença ou não na Federação brasileira.

Não é a força que mantém uma união, tampouco um contrato. Ela deve refletir o desejo do povo de um território, num determinado momento histórico. Assim houve no Canadá, quando os habitantes da Província de Quebec manifestaram nas urnas seu desejo de não constituírem um Estado soberano, e com o Reino Unido, quando os escoceses também manifestaram no voto o desejo de manutenção do vínculo; todavia, nesses dois Estados, foram os habitantes dos territórios que decidiram sobre o futuro, de forma livre, consciente e soberana.

Na verdade, quiçá uma das maiores causas de conflitos armados e violência decorram do pensamento que nega a supremacia da vontade popular em relação ao Estado. O Estado existe para propiciar o bem estar à sua população, e não a população para servi-lo. O direito à autodeterminação dos povos, reconhecido pela Carta da ONU de 1945, à luz do moderno constitucionalismo, permite sempre a possibilidade à população de qualquer território decidir pelo seu futuro, seja constituindo um novo Estado, seja unindo-se a outro, ou mesmo em manter seu status quo.

Os Estados-membros da República Federativa do Brasil, portanto, possuem a faculdade, assim desejando a maioria de seus habitantes, de constituírem Estados soberanos e independentes, de unirem-se a outro, ou de permanecerem na Federação. Desse direito de livremente decidir nenhuma população poderá jamais ser privada em um Estado que se pretenda democrático.


REFERÊNCIAS

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Notas

[2] Destaca Dantas (2013, p. 53) que “Muito embora o Congresso Nacional, ao menos formalmente, tenha aprovado e promulgado a nova constituição, em 24 de janeiro de 1967, prevalece na doutrina a opinião que se tratou, na realidade, de uma constituição outorgada, uma vez que não foi dado aos congressistas poder efetivo para alterar substancialmente o documento apresentado, caso o desejassem”. (grifo no original)

[3] Lembra Dantas (2013, p. 53) que, como decorrência das “crescentes convulsões sociais, e também às manifestações populares de oposição ao regime, notadamente de estudantes universitários e parlamentares”, foi editado o Ato Institucional nº 5, em 1968, “composto por um impressionante conjunto de medidas, recrudescendo ainda mais as medidas autoritárias até então vigentes”, resultando na edição da “Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, que entrou em vigor em 30 de outubro daquele mesmo ano. Em razão da profunda alteração da ordem estatal então vigente, sem qualquer observância, aliás, aos limites e condicionalmente fixados pela Constituição de 1967, alguns doutrinadores chegam mesmo a considerar que referida emenda se tratou de nova constituição, outorgada por manifestação do poder constituinte originário”.

[4] Como ensina Dantas (2013, p. 50), “Após dissolver a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, e revogar a Constituição de 1934, instituindo o chamado Estado Novo, alegadamente para a proteção do país contra a crescente influência tanto do fascismo como do comunismo, que supostamente exigia o fortalecimento do poder central (em detrimento da Federação), o Presidente Getúlio Vargas nos impôs uma nova constituição [...]”.

[5] Tradução livre.

[6] Estudos apontam a existência de aproximadamente vinte movimentos independentistas no continente europeu nos dias atuais (NOACK, 2014).

[7] O autor, em nota de rodapé, acrescenta: “Exemplo típico de fracionamento pacífico foi o que ocorreu com Cingapura, no ano de 1965. Estando integrada à Federação da Malásia, esta consentiu a independência de Cingapura, que passou a constituir um novo Estado”. (DALLARI, 2013, p. 64)

[8] Como exemplo, imaginemos um Estado com 200 milhões de cidadãos, onde uma região, com 10 milhões de eleitores, possui 90% de adesão à tese de secessão, embora nas demais regiões desse Estado, onde vivem os demais nacionais, é nula a adesão ao pensamento independentista daquela região. Se for considerada a vontade da maioria da maioria da população diretamente afetada com a questão, haverá a formação de um novo Estado. Entretanto, se for considerada a opinião de todos os eleitores do Estado, que apenas reflexamente serão afetados com a separação da região independentista, o desejo da secessão, por ser majoritário apenas na região que pretende a cisão, não prevalecerá; disso resulta absoluta violação ao direito da maioria da população fixada em parcela do território do Estado de autodeterminar-se ou, noutras palavras, legitima a ditadura da minoria sobre a maioria dos habitantes que preferem a cisão.

[9] Para Bandeira (1993, p. 211), entretanto, “A origem dessas distorções remonta a uma medida casuística tomada pelo governo militar, na década de 70, com a finalidade de assegurar a manutenção de uma maioria no Congresso Nacional. No entanto, mais significativo do que essa origem ‘espúria’ é o fato de que tal desproporcionalidade tenha sido convalidada pela legislação posterior à redemocratização do País, assegurando a sobrevivência dessa parcela do que o jargão político de alguns anos atrás denominava de ‘entulho autoritário’. Se a existência de tais distorções tinha pouca relevância no passado, sob os governos militares, quando o papel do Congresso era bastante reduzido, na atualidade sua significação política tem se mostrado muito grande, podendo aumentar ainda mais, caso venha a ser implantado o sistema parlamentarista no País.” De fato, a quebra do princípio básico da Federação de representatividade política proporcional à população fulmina qualquer pretensão à instauração do parlamentarismo; antes, contudo, fulmina a própria legitimidade na atuação da Câmara dos Deputados, porque o povo, real titular do Poder do Estado, não está representado adequadamente em proporcionalidade.


Autor

  • Vladimir Polízio Júnior

    Professor, advogado e jornalista. Membro da Comissão do Meio Ambiente da OAB/SP, 33ª Subseção de Jundiaí. É especialista em direito civil e direito processual civil, em direito constitucional e em direito penal e direito processual penal. Mestre em direito processual constitucional. Doutor em direito pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Argentina. Pós-doutor em em Cidadania e Direitos Humanos pelo Ius Gentium Conimbrigae da Universidade de Coimbra, Portugal. Autor de artigos e livros, como Novo Código Florestal, pela editora Rideel, Lei de Acesso à Informação: manual teórico e prático, pela editora Juruá, e Coleção Prática Jurídica, por e-book, com 4 volumes: Meio Ambiente e os Tribunais, Crimes contra a Vida e os Tribunais, Crimes contra o Patrimônio e os Tribunais, e Liberdade de Expressão e os Tribunais.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

POLÍZIO JÚNIOR, Vladimir. A secessão e a federação brasileira sob o novo direito constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 24, n. 5918, 14 set. 2019. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/74404. Acesso em: 4 maio 2024.