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Novas técnicas processuais para uma tutela mais adequada e efetiva dos direitos

Novas técnicas processuais para uma tutela mais adequada e efetiva dos direitos

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Na busca do mais amplo significado de acesso à justiça, os estudiosos do direito processual vêm apontando a necessidade de uma reformulação e adaptação dos instrumentos processuais para que os mesmos se tornem mais simples e efetivos.

INTRODUÇÃO

            Na busca do mais amplo significado de acesso à justiça, os estudiosos do direito processual vêm apontando a necessidade de uma reformulação e adaptação dos instrumentos processuais para que os mesmos se tornem mais simples e efetivos. Talvez com isto possa a técnica processual perder em grande parte um o aspecto burocrático de suas formas, mas, por outro lado, ganhar em efetividade, em utilidade.

            Neste sentido, buscam-se instrumentos processuais mais ágeis e mais informais, que tenham uma preocupação maior em atingir um determinado resultado do que em criar um emaranhado de formas técnicas incapazes de fazer valer a premissa de direito material, o que acaba distanciando o processo do fim precípuo de sua instituição.

            Neste trabalho, procuramos identificar alguns destes novos mecanismos onde a preocupação maior é a busca da melhor forma de se prestar a tutela jurisdicional, através da tutela mais adequada de cada um dos direitos materiais, com todas as suas especificidades, possibilitando que, efetivamente, o direito substancial consiga produzir reais efeitos no mundo dos homens, conseguindo transpor o campo abstrato do direito.

            Ao se procurar disponibilizar outros meios processuais para tutelar de forma mais adequada e efetiva os direitos, ganha o Estado e a sociedade, já que o Judiciário conseguirá melhor cumprir o papel ao qual se destina, garantindo a observância por todos dos direitos abstratamente previstos na legislação.


I - O problema da autonomia do processo frente ao direito material

            Na atual concepção do direito processual, não há mais quaisquer dúvidas de que este trata-se de ramo autônomo e independente do direito, sendo tranqüila a conclusão de que o processo não depende do direito material para existir. Na verdade, hoje é pacífica a idéia de que o processo é um ramo próprio de direito instrumental do qual, entretanto, o direito substancial necessita para conseguir impor sua efetividade a todos.

            A conquista deste reconhecimento como ramo autônomo e independente do direito fez com que o processo passasse a ser visto e estudado por si mesmo e não somente através da lente do direito material, tendo, por vezes, mudado o enfoque anterior. Antes, o processo é que era visto como algo dependente do direito material, enquanto que, com esta conquista, o direito material é que passou a depender do processo para garantir a sua efetividade.

            Outrossim, esta fase autonomista do processo acabou implicando em uma incômoda conseqüência, qual seja, um distanciamento da mais nova "ciência processual" de sua real finalidade que é a de dar efetividade ao direito substancial, o que foi, de todo, extremamente danoso.

            Este distanciamento acabou por fazer com que o processo, muitas vezes, se tornasse indiferente ao direito de substância, gerando uma crise pela subversão de valores. Aquilo que deveria servir de instrumento de efetividade do direito material, passou a ser encarado como um objetivo em si mesmo, um novo propósito, qual seja, o atendimento dos anseios do próprio direito processual.

            Não se ataca, entretanto, a evolução obtida pelo processo e a conquista do seu reconhecimento não como um mero apêndice, mas sim como um ramo autônomo que, para ser melhor estudado e utilizado, deveria ser entendido e compreendido de acordo com as suas vicissitudes que, embora decorrentes de um direito acessório, distinguem-se do direito material principal

            Porém, certo é que a reconhecida (e merecida) independência do direito processual não pode importar na sua indiferença acerca das necessidades e peculiaridades do direito material que visa (ou ao menos deveria visar) a tutelar [01], sob pena de perder o direito processual a sua própria razão de existir.

            O fato deste novo ramo do direito ter galgado o reconhecimento de uma existência própria, não pode induzir ou mesmo justificar o abandono de qualquer vínculo com a razão de sua existência, o que caracteriza sua função. Assim, poderíamos afirmar que não é que o direito processual existe em decorrência da existência do direito material, mas sim que o mesmo existe por causa das necessidades de efetividade do direito substancial.

            Luis Guilherme Marinoni [02] explicita que esta indevida indiferença do processo com relação ao direito material derivou da Escola Sistemática de processo, a qual preocupou-se com a publicização do processo e seu conseqüente afastamento do direito substancial.

            Esta escola preconizou a necessidade de se uniformizar procedimentos de forma a criar uma distância das peculiaridades do direito material. Neste sentido, a existência de procedimentos especiais seria uma exceção ao procedimento ordinário comum, que seria a regra.

            Hoje, entretanto, tem-se que o direito processual, maduro e consciente de sua real função e também de sua autonomia e independência, deve resgatar a sua essência, buscando o real sentido de sua existência, qual seja, viabilizar a efetividade de um direito substancial abstratamente previsto na lei.


II – da necessária reaproximação do direito processual e do direito material

            Desta forma, para que esta função seja bem desempenhada, mister se faz uma reaproximação do direito processual do direito material, devendo o primeiro, inclusive, disponibilizar uma sorte de tutelas para melhor atender a toda sorte de direito material.

            Nesta linha de raciocínio, surge a idéia das tutelas diferenciadas, preconizada por Proto Pisani, e das tutelas adequadas, afastando-se a doutrina da técnica tradicional do procedimento ordinário para atendimento às mais diversas espécies de direitos.

            Esta busca de mecanismos processuais mais adequados à efetivar os direitos materiais, deu-se em razão da constatação da ineficiência dos mecanismos e tutelas tradicionais já utilizadas, já que, ante a diversidade dos direitos materiais a tutelar, os meios típicos, muitas vezes mostravam-se deficientes, ou melhor, insuficientes.

            Mais adiante nos dedicaremos a identificar tais ineficiências e as características dos direitos que indubitavelmente invocam a necessidade de adoção de tutelas diferenciadas, seja por autorização normativa, seja pela própria construção jurisprudencial.

            Com a evolução deste estudo, vamos identificar situações em que o Judiciário, dada a inexistência de tutela específica prevista em lei, acabou por se valer de tutelas similares, para situações semelhantes, embora não iguais, utilizando, muitas vezes, institutos de forma "torta", tal como ocorreu com o uso das medidas cautelares para satisfação direta das necessidades do direito material.

            Estas eram as conhecidas "cautelares satisfativas" que, embora tivesse seu uso visto com bons olhos por boa parte da doutrina, por se tratar de um emprego indevido de um mecanismo processual originariamente destinado à socorrer urgências do próprio instrumento processual, somente autorizava a sua utilização para tal fim quando expressamente previsto em lei.

            Citamos como exemplos as hipóteses do artigo 659, incisos IX e X da Consolidação das Leis do Trabalho, que autorizavam expressamente o juiz a determinar liminarmente a reintegração de empregado estável bem como a impossibilidade de se transferir indevidamente empregado do seu local de trabalho muito antes do processo civil conhecer o instituto da antecipação de tutela.

            Tais hipóteses nada mais eram do que hoje nós conhecemos como antecipação de tutela, mecanismo destinado a socorrer situações de urgência do direito material. Entretanto, como já dito, à época, dada a inexistência de norma processual específica, impôs-se o uso das medidas cautelares já que eram os únicos mecanismos processuais que viabilizavam a concessão de medidas extraordinárias liminares.

            Mais adiante voltaremos a este assunto.


III – Da preocupação com o Acesso a Justiça e a crise de legitimidade do Judiciário

            Retornando ao ponto anterior, releva destacar que somente a partir da conscientização da necessidade de se ter uma nova perspectiva do direito processual, passando-se a compreendê-lo em suas dimensões políticas, social e econômica, ao lado da sua dimensão jurídica, poderá efetivamente o processo atender aos fins para os quais foi idealizado, qual seja, atender às necessidades do direito material.

            Ressalte-se que a ineficiência do processo na tarefa de dar efetividade ao direito material implica no surgimento de uma crise do próprio Poder Judiciário a medida em que este não consegue cumprir adequadamente sua função de pacificação de controvérsias, já que não faz incidir adequadamente e concretamente os comandos abstratos da Lei.

            A partir desta constatação, a garantia constitucional de acesso à Justiça passou a ganhar novos contornos, com novas interpretações acerca da real dimensão desta garantia. O que antes era conceituado como um mero direito de ir a juízo, passou a ser visto como um direito a receber do Estado uma tutela jurisdicional adequada e efetiva.


IV - A idéia do uso de Tutelas diferenciadas

            Nas palavras do jurista italiano, Andrea Proto Pisani, para que possa ser garantida a possibilidade de concessão de uma tutela adequada à cada direito, haverá necessidade da adoção de uma sorte de mecanismos diversos, cada um trazendo em si as especificidades necessárias para melhor atendimento à questão de direito material.

            Estas tutelas jurisdicionais diferenciadas, o que Proto Pisani denominou apenas de "tutelas diferenciadas", acabam por fazer valer a premissa de Chiovenda segundo o qual "o processo deve dar a quem tem um direito tudo aquilo e exatamente aquilo que tem direito de obter".

            Luiz Guilherme Marinoni [03] fazendo referência às idéias já sustentadas por Proto Pisani, afirma que "o direito processual não pode se contentar com um único procedimento e uma única forma de tutela" e que "da predisposição de procedimentos idôneos a fornecer formas de tutelas jurisdicionais adequadas às necessidades dos casos concretos depende a existência, ou o modo da existência, do próprio direito substancial."

            Neste sentido, somente com o uso de mecanismos processuais diferenciados é que será efetivamente possível viabilizar o atendimento adequado às necessidades do direito substancial, já que respeitadas as suas vicissitudes. Repetimos: somente com a quebra da unidade do procedimento e a utilização de diferentes tutelas jurisdicionais poderá ser garantido um efetivo acesso à justiça.

            Vale a pena transcrever algumas palavras de Ada Pellegrini Grinover [04]:

            "Mais recentemente, todavia, observou-se que o modelo tradicional de procedimento ordinário é inadequado para assegurar a tutela jurisdicional efetiva a todas as situações de vantagem. O procedimento ordinário de cognição mão pode mais ser considerado técnica universal de solução de controvérsia, sendo necessário substituí-lo, na medida do possível e observados determinados pressupostos, por outras estruturas procedimentais, mais adequadas à espécie de direito material a ser tutelado e capazes de fazer face à situações de urgência. Os termos tutela diferenciada, ou simplesmente tutela sumária lato sensu, indicam exatamente a utilização de técnicas processuais que, ainda no dizer de Proto Pisani possam: a) evitar às partes e à administração da justiça o "custo" do processo de cognição plena, nos casos em que não se justifica a plausibilidade de contestação; b) assegurar rapidamente a efetividade da tutela jurisdicional nas situações de vantagem de conteúdo (exclusiva ou prevalentemente) não patrimonial e que sofreriam dano irreparável pela demora da cognição plenária; e c) evitar o abuso de defesa do demandado, mediante a utilização dos instrumentos de garantia previstos para o procedimento ordinário."

            Alguns direitos, por ultrapassarem a esfera do indivíduo acabam não sendo tutelados adequadamente pelos procedimentos tradicionais, estes criados na esteira da tutela de interesses de órbita privada os quais, em regra, limitam-se à esfera do próprio indivíduo.

            Estes direitos, diagnosticados por Mauro Cappelletti no seu estudo sobre as ondas de renovação pelas quais tem passado o direito processual, em especial no que se refere à segunda onda, caracterizam-se por serem, portanto, metaindividuais.

            Assim, diante da própria natureza destes conflitos, foram criados mecanismos processuais que permitissem a defesa coletiva de direitos. Inicialmente, tais direitos limitavam-se àqueles hoje ditos "essencialmente coletivos" [05], a saber, os direitos coletivos e difusos, unidos por uma característica comum, qual seja, a indivisibilidade do direito.

            Mais adiante, porém, a defesa coletiva de direitos foi estendida aos direitos individuais homogêneos, estes hoje conhecidos como acidentalmente coletivos. Estes direitos são aqueles que, em sua essência, são direitos individuais, divisíveis, sujeitando-se, como regra, à tradicional tutela processual individual.

            Entretanto, em determinados casos, tais direitos, por trazerem em si uma predominância de um aspecto coletivo, pela repercussão social da lesão havida ou do ato irregular cometido, somente serão adequadamente tutelados se o forem através de mecanismos coletivos, o que ocorre com os casos típicos de lesões causadas em relações de consumo. Não foi por outra razão que o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) trouxe o alargamento do uso da então inexpressiva ação civil pública prevista na Lei 7347/85.

            Releva destacar que, diante da natureza dos direitos, já que de ordem eminentemente social e coletiva (categorias de trabalhadores e de empregadores) os conflitos trabalhistas foram os primeiros a serem dirimidos por mecanismos coletivos, dentre eles o dissídio coletivo e a ação de cumprimento [06], na forma do artigo 852 da CLT.

            Na mesma linha de pensamento, como já acima mencionado, foi criada a antecipação de tutela, visando a dar uma solução mais adequada àqueles direitos materiais que se encontrassem em uma situação de premente urgência.

            Mais tarde, já sentindo a necessidade de não perder tempo com a duração de um processo em que nada haverá mais a ser discutido, dada a inexistência de controvérsia, ou ainda, naqueles casos em que houve um uso abusivo do direito de defesa pelo réu, quebrando a lealdade e boa-fé processual, permitiu o legislador que o juiz pudesse antecipar os efeitos da tutela de mérito, a qual, naturalmente, somente poderia ser concedida em sentença, sujeitando-se à execução forçada somente após o seu trânsito em julgado, salvo no que se refere à obrigações de fazer em que seja possível a execução provisória do julgado. Esta a razão da nova redação dada ao artigo 273 do CPC para permitir a concessão de tutelas de evidência do direito.

            Neste sentido, o Prof. Luiz Fux afirma: "Evoluímos em nossas digressões e concluímos pela inadequação do procedimento ordinário, não só para a tutela dos direitos em estado de periclitação, mas também para os direitos evidentes, culminando por assentar que tanto a evidência quanto a periclitação reclamavam tutela antecipada." [07]

            Com estes exemplos de novos mecanismos hoje já incorporados à nossa legislação, procuramos demonstrar que as necessidades destes direitos substanciais nestas situações específicas, foram sentidas pelo legislador, pelos operadores do direito e pelos juízes, ante a ineficiência ou ineficácia dos meios tradicionais processuais ordinários.

            Encontramos, ainda, outros mecanismos de tutela diferenciada de direitos espalhados ao longo de nosso ordenamento jurídico, como tutelas mandamentais ou inibitórias. Citamos os exemplos do procedimento do mandado de segurança, onde não há fase instrutória e tem por finalidade socorrer direitos líquidos e certos violados por autoridade pública, e ainda, as ordens de índole possessória.

            Entretanto, não obstante disponhamos destes diversos instrumentos, entendemos que estes deveriam ser melhor explorados e utilizados, cabendo, inclusive, em alguns casos, cessar limitações legislativas de forma a ampliar o uso destes mecanismos processuais tão bem adequados à esta nova formatação dos instrumentos processuais.

            Ressalto, porém, que não estamos aqui defendendo uma total quebra de normas processuais, possibilitando que o julgador possa utilizar a forma ou mecanismo processual que melhor lhe convier.

            Não.

            O nosso sistema de procedimento é um sistema legal, embora flexível, onde as formas e mecanismos processuais têm que estar previstos em lei, de forma a proporcionar uma maior segurança jurídica e respeito à garantia do devido processo legal.

            O que sustentamos neste presente trabalho é tocar em pontos sensíveis do direito processual, procurando identificar a falha existente nas formas tradicionais que não conseguem atender às necessidades de tutela adequada dos direitos.


V – O uso das Tutelas Inibitórias

            Como já acima mencionado, uma outra forma processual utilizada para uma adequada tutela dos direitos materiais é o mecanismo das tutelas inibitórias.

            Esta espécie de tutela jurisdicional visa a impedir, inibir a ocorrência do ilícito. É adequada tanto para tutela de direitos patrimoniais como de direitos não patrimoniais (absolutos). Entretanto, para estes últimos (não patrimoniais), somente se faz adequada a tutela inibitória ora em comento, que pode tratar em si o usos de diversas técnicas processuais, determinação de atender a obrigações de fazer ou não fazer, não sendo, porém, adequado o uso de tutelas condenatórias, por terem natureza ressarcitória, o que não impede a ocorrência do ilícito e nem mesmo do dano, buscando apenas reparar aquele já ocorrido. Neste sentido, quando necessário o uso de tutelas inibitórias, o uso dos meios de execução por sub-rogação tornam-se inadequados, já que a verificação de ocorrência do dano é irrelevante e não integra os limites da questão.

            As tutelas inibitórias poderão ser concedidas através de diversas técnicas processuais, seja determinando a prática de uma obrigação de fazer, quando será denominada positiva, seja quando determinada a prática de uma obrigação de não fazer (abstenção), quando será negativa.

            Assim, podemos citar alguns exemplos de tutelas inibitórias previstas em nosso ordenanento, através de diferentes técnicas processuais, como o interdito proibitório, a nunciação de obra nova, a reintegração liminar de empregado estável, o impedimento de transferir empregador de um lugar para outro (art. 659, incisos IX e X da CLT), e mandados de segurança (lei 1533) para os casos de direitos líquidos e certos agredidos por ato de autoridade pública.

            Dada a sua característica destinação, qual seja, a busca da inibição da prática do ilícito ou mesmo a remoção deste [08], serve a tutela inibitória para possibilitar sejam tutelados adequadamente direitos que não terão como ser especificamente atendidos através de técnicas processuais de sub-rogação, convertendo o direito de origem em indenização substitutiva.

            Este tipo de tutela, como dito, tem a finalidade de impedir, inibir a ocorrência do ilícito e, com isto, evitar a ocorrência de danos decorrentes do comportamento irregular, estes sim sujeitos à tutela indenizatória e à técnica de sub-rogação na execução do direito.

            Vale a pena transcrever as palavras de Sérgio Cruz Arenhart:

            De toda sorte, em face do que restou dito, é claramente identificável a situação ilícita, como separada do evento "dano", que lhe é meramente acidental (na maioria das vezes) e ocasional. Realmente, o dano é, exclusivamente, pressuposto necessário para a incidência da responsabilidade reparatória. A tutela jurisdicional, porém, que não se revista desse conteúdo (reparação do dano) jamais precisará preocupar-se com esse prejuízo sensível para incidir. A propósito, é magistral, a advertência de Pontes de Miranda, dirigida no sentido de que "não se identifiquem o delito (ato ilícito) e a reparabilidade, pode haver delito, ou melhor, ato ilícito, sem dano, e, pois, sem que se possa reclamar a reparação. Então, a ilicitude só permite a legítima defesa, as ações de manutenção de posse, os preceitos cominatórios, o habeas corpus e outros remédios preventivos dos danos à pessoa ou ao patrimônio. [09]

            Tomemos como exemplo casos relativos à tutela do meio ambiente. Dada a regra geral de que a prática de um ato ilícito ou irregular pode fazer gerar uma lesão que não terá como ser remediada em espécie, retornando a situação ao estado anterior, como se nada houvesse ocorrido.

            Mesmo eventual condenação pecuniária por danos decorrentes poderá satisfazer adequadamente esta espécie de direito. Senão vejamos. Hoje já se tem plena consciência de que o meio ambiente necessita ser preservado, sob pena de estarmos colocando em risco nossa própria sobrevivência. Assim, em nada adianta, com relação a este propósito, condenar-se a um infrator ao pagamento de diversas indenizações milionárias, já que o meio ambiente já foi destruído e o dinheiro não trará o bem maior necessário a todos para preservação da vida e da espécie do ser humano.

            Ao contrário do que possa parecer em um primeiro momento, nem mesmo a condenação do infrator à adoção de determinadas condutas de recomposição e recuperação do meio ambiente não irão conseguir recuperar exatamente o dano ou lesão já havidos. Neste sentido, deve-se buscar uma medida que vise a impedir o comportamento irregular cometido pelo infrator da lei ambiental, impedindo, via de conseqüência, a ocorrência do dano.

            Neste sentido, buscar-se não reparar o dano mas sim evitá-lo.

            Releva destacar que não se deve confundir a condenação do devedor no cumprimento de obrigações de fazer e não fazer com a concessão de tutelas inibitórias. A primeira se destina não a inibir a prática do ilícito, mas sim à recomposição do dano já havido, através da condenação do devedor na prática de atos de comportamentos positivos (de fazer) ou negativos (de não fazer). Paralelamente, as tutelas inibitórias visam a impedir a ocorrência do próprio dano e não a recompô-lo nem muito menos a indenizá-lo.

            Assim, se o infrator destruiu parte de uma mata preservada, pode o mesmo ser condenado a replantar o que destruiu ou mesmo ser condenado a indenizar o prejuízo causado, mas o dano já ocorreu e mesmo a condenação em obrigação de fazer não reconduz a situação ao mesmo status quo.

            Como em todos os direitos similares ao ambiental, somente através da concessão pelo Judiciário de uma ordem que faça cessar, de imediato, o comportamento irregular é que se conseguirá tutelar adequadamente esta espécie de direito, impedindo a prática do ilícito ou a perpetuação do mesmo, evitando a ocorrência de uma situação irreversível derivada da continuidade do ilícito e efetivação do dano ou lesão.

            Dada a necessidade de evitar a prática delituosa e, com isto, uma situação de dano irreversível, naturalmente, tais tutelas inibitórias deverão ser prestadas de forma urgente. Daí, inclusive, a grande proximidade destes conceitos.

            A doutrina, entretanto, acabou adotando parâmetros para viabilizar a concessão destas medidas de urgência, seja de índole instrumental ou cautelar, seja de índole satisfativa. Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni [10].

            O primeiro destes parâmetros ou vetores é o princípio da necessidade, que compreende o princípio do meio mais idôneo (adequação dos meios) e o da menor restrição possível (adoção do meio menos gravoso).

            Assim, para a concessão de tutelas de urgência (inibitórias ou não), deve ser observada a real necessidade do direito a tutelar de forma a impedir a prática do ilícito e inibir a ocorrência do dano ou mesmo sua perpetuação [11], buscando-se o uso do meio mais idôneo (efetivo) à esta tarefa, de acordo com a natureza do direito a tutelar. Em paralelo, busca-se, ainda, a adoção de práticas que induzam à menor restrição possível para o infrator, adotando-se o meio menos gravoso para o mesmo, desde que passível de induzir a um mesmo resultado.

            Nestes casos, em situações de urgência, tais tutelas podem ser concedidas sem a prévia oitiva da parte contrária, diferindo-se o contraditório para outro momento processual.

            Ora, estes parâmetros, embora estipulados inicialmente para nortear a concessão de tutelas de urgência também devem pautar a concessão das tutelas inibitórias. Neste sentido, a tutela a ser adotada para coibir o ilícito deve ser a mais idônea e a que gerar menos gravames para a parte infratora.

            O segundo vetor indicado pela doutrina [12] para servir como referencial da concessão destas tutelas é o princípio da proporcionalidade (balance of hardships [13]) – (proporcionalidade em sentido estrito).

            Este princípio é invocado em especial para justificar a adoção de medidas antecipadas e de urgência necessárias a socorrer o direito do autor, mesmo causando riscos ou desconfortos ao réu. Através do mesmo se justifica que, em determinados casos, como nos de risco de irreparabilidade definitiva do direito do autor se não atendido de imediato, possa o juiz, cotejando os prejuízos a serem suportados por cada uma das partes, autor e réu, entender que os interesses do autor correm riscos maiores e, por isto, devem ser atendidos primeiramente, mesmo com o inicial sacrifício da parte contrária.

            Assim, haveria o denominado balance of hardship, segundo o qual o juiz poderia verificar qual a lesão que naquele momento necessita ser tutelada de forma mais célere e efetiva.

            Releva destacar que tais vetores ou parâmetros estipulados para nortear a concessão de tutelas de urgência e, como explicitado acima, as tutelas inibitórias, são os mesmos daqueles que são as características do próprio princípio da razoabilidade, quais sejam: a) adequação dos meios; b) adoção do meio menos gravoso (princípio da necessidade); e c) proporcionalidade em sentido estrito [14].

            Neste sentido, temos que o parâmetro para uso das tutelas de urgência e específicas, como a inibitória deve ser o próprio princípio da razoabilidade, nos seus três aspectos.


V - O uso das Tutelas adequadas

            Como já acima explicitado, para garantir ao jurisdicionado o melhor e mais efetivo acesso à justiça, há necessidade do uso de diferentes instrumentos processuais, possibilitando que o Judiciário consiga efetivamente atender às diversas necessidades do direito material a tutelar. Chegamos aqui ao conceito de tutela adequada.

            Pode-se entender como tutela adequada aquela tutela que destina-se à se amoldar às necessidades do direito que necessita ser socorrido. Nesta esteira, surgiram as medidas de urgência, hoje já definidas em duas espécies, aquelas medidas que visam a socorrer uma emergência direta do próprio direito e aquelas medidas que visam a socorrer uma urgência direta do direito processual, embora possa, indiretamente, repercutir, resvalar na esfera do direito material.

            Tais provimentos serão sempre mais adequados à dar efetividade a direitos que estejam em estado de periclitância. Como mencionado, esta necessidade urgente, entretanto, pode assumir dois aspectos, quais sejam, urgências diretas do próprio direito material e urgências indiretas do mesmo.

            Neste último caso, diretamente tutela-se uma situação de emergência processual de forma a socorrer um risco processual de ineficácia do provimento.

            No primeiro caso, estamos diante das medidas de antecipação de tutela, hoje já positivadas em nosso sistema, e, no segundo caso, estaremos diante das medidas de ordem e natureza cautelar. Embora as diferenças entre estes dois mecanismos estejam presentes, já que, enquanto que o primeiro tem natureza substancial e, portanto, satisfativa, o segundo tem natureza meramente instrumental e, portanto processual e não satisfativa, também encontramos certas similitudes entre ambos, vez que os mesmos, seja direta ou indiretamente, acabam por repercutir efeitos no próprio direito material.

            Releva destacar que, justo visando a um correto e adequado atendimento às necessidades do direito material a tutelar, a concessão de tais medidas pode até mesmo relativizar algumas regras processuais de suma importância, como a garantia do contraditório entre os litigantes.

            Explica-se.

            Na verdade, não estamos afirmando que o contraditório não será necessário nestes casos, mas apenas que o mesmo poderá ser postergado em casos onde o juiz verifica que a fórmula tradicional de ouvir a parte contrária antes da apreciação da medida, poderá colocar em risco a eficácia da própria medida de urgência. Em casos como estes, o julgador estará autorizado a conceder a medida inaudita altera parte, desde que, após, aperfeiçoe o contraditório dando ciência da concessão à mesma, bem como possibilidade de manifestação. [15]

            Este cotejo de esferas jurídicas, quais sejam, a do autor e a do réu é derivada justamente da aplicação do segundo vetor acima em referência, o que corresponde à proporcionalidade em sentido estrito.

            Com estas palavras, procuramos demonstrar que mesmo os atuais mecanismos existentes no nosso ordenamento somente conseguirão servir à tutela adequada de direitos se também adequadamente utilizados.

            Neste sentido, tecemos agora algumas observações.

            Justamente em razão de ser constatada a necessidade de se viabilizar uma forma diferente de atuação jurisdicional para tutelar adequadamente os direitos, foi autorizado expressamente ao juiz conceder, mesmo sem requerimento da parte interessada, provimentos de ordem cautelar - artigo 798 do CPC.

            Tal permissão certamente levou em consideração o fato de que as medidas cautelares têm por finalidade atender a uma urgência do próprio processo, o qual, em última análise, é um instrumento que se colocou nas mãos do Estado e que, portanto, teria o próprio Estado interesse em efetivá-lo.

            Ocorre que o legislador não teve o mesmo comportamento com relação ao mecanismo de antecipação de tutela, tendo em vista que somente autorizou que este fosse concedido mediante requerimento da parte - artigos 273 e 461, já que, por ser referente ao próprio direito, sujeitar-se-ia ao princípio do dispositivo, este positivado em nosso ordenamento nos artigos 2º e 262 do CPC, não podendo ser disponibilizado pelo juiz.

            Entretanto, não obstante, no campo exclusivamente técnico possa se extrair coerência nesta regra, certamente, no campo social e político da atuação jurisdicional não há. Senão vejamos.

            Neste momento em que se busca tutelar adequadamente direitos, reconhecendo-se a necessidade de oferta de diversos mecanismos e procedimentos, quebrando a regra do procedimento ordinário único, não se pode fechar os olhos para as necessidades do direito material a socorrer somente porque a parte não requereu que o juiz agisse de uma ou de outra forma.

            Muitas vezes a inércia da parte não deriva de uma disposição de direitos, sendo decorrente da sim de um simples desconhecimento do direito ou mesmo ineficiência técnica. Entretanto, não pode o Judiciário, nas situações em que o mesmo constate que o direito somente será adequadamente tutelado se mediante uma medida de urgência, ficar à mercê da vontade da parte para desempenhar o seu papel de dar efetividade aos direitos que lhes foram apresentados para atendimento. A parte, na verdade, já provocou a atuação do Estado quando do ajuizamento da ação, sendo certo que a mera antecipação dos efeitos do que foi postulado seria inerente à própria atuação do Judiciário.

            Entretanto, releva destacar que o Judiciário somente estaria autorizado a tanto naqueles casos específicos em que constatasse a imperatividade da concessão da medida.


VI – Novas regras processuais

            Ressaltamos, ainda, a existência de diversas propostas de alteração legislativa nas quais busca-se a criação de novas técnicas processuais visando à efetividade dos direitos, com o processo tendo uma duração mais enxuta possível. Uma destas propostas prevê a possibilidade da tutela antecipada poder ser enfim concedida de ofício bem como que a antecipação de tutela pode ser requerida em procedimento antecedente ou de forma incidental ao processo já em andamento.

            Segundo este anteprojeto proposto pelo IBDP, nas pessoas dos nobres processualistas Ada Pellegrini Grinover, José Roberto dos Santos Bedaque, Kasuo Watanabe e Luiz Guilherme Marinoni, a antecipação de tutela teria em si um caráter exaustivo, estabilizador.

            Nos casos de requerimentos de antecipação de tutela, o direito de ação será exercido tão-só para requerer a concessão desta medida especial. A partir daí, a posição se inverte e a parte interessada é que, se desejar, terá que ajuizar uma ação de conhecimento, em um prazo de sessenta dias, visando à desconsideração desta medida especial concedida, sob pena de, no caso de não ser intentada a ação, adquirir a medida antecipatória força de coisa julgada nos limites da decisão proferida.

            A antecipação de tutela, neste novo formato, em muito se assemelha ao refere do direito francês.

            No caso de antecipação de tutela incidental, após a concessão da medida, será facultado às partes prosseguir ou não com o processo aguardando uma decisão de mérito com uma investigação probatória exaustiva. [16]

            Entretanto, nem tudo somente é mera expectativa. Nosso legislador já andou grandes passos no sentido de busca de proporcionar meios e técnicas de melhor tutelar direitos materiais. Releva destacar, porém, que, estas necessidades do direito substancial, por vezes, são diagnosticadas pelos próprios operadores do direito, os quais, muitas vezes, mesmo sem expressa autorização legislativa, acabam por legitimar procedimentos diferenciados que, após algum tempo, são incorporados à estrutura positivada de nosso ordenamento jurídico.

            Um destes casos foi a quebra de uma extrema separação entre as espécies processuais, cada qual visando a um tipo específico de tutela. Assim, o processo de conhecimento destinar-se-ia somente à entrega de tutelas para dizer o direito, enquanto que o processo cautelar seria apenas para atendimento à situações urgentes de risco processual e o processo de execução, destinado à satisfação de um direito já acertado, já reconhecido. A quebra desta regra, geraria conseqüentemente a carência de ação por falta de interesse de agir.

            Entretanto, a própria praxe forense foi constatando casos que, não obstante tenham como questão central a atuação do Poder Judiciário para acertamento do direito, havia a necessidade de concessão de medidas urgentes de índole não satisfativa, destinada à socorrer situações de risco processual. Embora o modelo tradicional impedisse a concessão de medidas cautelares em sede de ação de conhecimento, isto vinha sendo deferido, de forma a respeitar o princípio da celeridade processual, já que os resultados poderiam ser regularmente concedidos, com o respeito a todas as garantias das partes.

            Desta forma, andou bem o legislador quando autorizou expressamente a possibilidade de haver esta concessão de ordem cautelar em sede cognitiva, requerida sob a rubrica de antecipação de tutela. Tal fungibilidade restou expressamente autorizada no §7º do art. 273 CPC.

            Uma outra forma de se tutelar de forma mais adequada direitos defendida doutrinariamente e que agora encontra respaldo legal é a possibilidade de concessão de medidas jurisdicionais de ordem, buscando atender de forma extremamente rápida, direitos "líquidos e certos", seja pela existência de prova robusta, seja pela ausência de controvérsia, seja pelo abuso no direito de defesa.

            Em casos como estes, não se preocupou com a viabilização de procedimentos rápidos para atender a situações de urgência, temendo o risco de ineficiência de um provimento tardio, tendo havido a preocupação de fazer com que o processo dure o menor tempo possível, sendo injusto se pensar que o processo, apenas por uma questão burocrática, teria que caminhar por estradas totalmente inúteis apenas para cumprir um itinerário previamente e secamente previsto em lei.

            Esta concepção hoje encontra, inclusive, abrigo constitucional, ante a nova redação dada ao artigo 5º pela inclusão do inciso LXXVIII, feito pela Emenda Constitucional n. 45/04, garantindo que a prestação jurisdicional deve ser prestada em um "tempo razoável".

            Esta a razão de ser da autorização normativa prevista no §6º do artigo 273 do CPC trazido pela novel Lei 10444/02, bem como foi o que inspirou o legislador a autorizar que o tribunal, nos casos de reforma de uma decisão de extinção do feito sem julgamento de mérito, desde que a causa seja relativa a matéria de direito - artigo 515, §3º, trazido pela Lei 10352/01.

            Não obstante já tenham sido feitos inúmeros progressos legislativos, os quais, para produzirem os devidos efeitos deverão ser objeto de dedicada aplicação pelos magistrados, certamente ainda podemos caminhar um pouco mais rumo a um processo justo, com procedimentos compostos somente dos atos processuais absolutamente indispensáveis à tutela de direitos.

            Neste sentido, Luiz Guilherme Marinoni [17] defende que, nos casos em que há cumulação de pedidos, se a questão atinente a um destes já encontra-se "madura" para julgamento, não deveria o julgador aguardar o desenrolar instrutores dos demais pedidos cumulados, devendo ser objeto de imediata solução.

            Este mesmo autor defende, ainda, que para melhor tutelar os direitos através das tutelas inibitórias, em especial situações de violações de direitos líquidos e certos, deveria ser autorizado em nosso sistema que a ordem de segurança (evidente tutela que visa a inibir o ilícito) possa ser concedida tanto em razão de violação feita por atos de autoridades públicas, como contra violações cometidas por particulares.

            O cabimento de mandado de segurança contra atos de particulares (pessoa jurídica ou natural) foi inicialmente trazido no corpo do artigo 85 do Código de Defesa do Consumidor, tendo sido, entretanto, vetado. Porém, constatamos que a legislação alienígena expressamente autoriza esta técnica processual, como ocorre no Constituição Argentina, a qual, após a reforma de 1994, previu, em seu artigo 43, o cabimento do "amparo" - nossa ordem de segurança - também contra atos de particulares.

            Existem, ainda, outras técnicas processuais que podem ser utilizadas pelo julgador para melhor atender às necessidades e vicissitudes do direito material a tutelar. São estes os meios de coerção, direta ou indireta, que podem e devem ser adotados pelo Estado para compelir o obrigado a cumprir o que deve ou mesma a cumprir uma determinação judicial.

            No nosso direito, encontramos como meios de coerção somente a possibilidade do juiz fixar pena pecuniária para os casos de descumprimento da obrigação determinada e a determinação de prisão civil, a qual somente é admitida para dívidas de alimentos e de depositário infiel.

            Contudo, o mestre Marinoni defende que o texto constitucional não vedou e limitou a esta interpretação e, com isto, entende haver total respaldo na nossa Carta Maior de cabimento desta espécie em outros casos que não os acima especificados. [18]

            No Brasil, a forma de coerção atinente à fixação de uma pena pecuniária, diária ou não, foi inicialmente prevista não como sendo um mecanismo de atuação da Jurisdição, mas sim como um direito da parte, que, ao formular pedido de condenação da parte adversa no cumprimento de alguma obrigação de fazer ou não fazer, deveria formular o denominado "pedido cominatório".

            Com o passar do tempo, foi sendo entendida a natureza instrumental de tal medida de coerção. O simples fato do produto desta cominação reverter, como ocorre no Brasil, para a parte contrária, não faz com que esta técnica esteja adstrita ao princípio do dispositivo. Como já mencionado, por ser inerente à atuação jurisdicional, deve a mesma enquadrar-se no princípio do inquisitório.

            Não foi por outra razão que foi alterada a redação do artigo 287 do digesto processual.

            Releva destacar, entretanto, a forma pela qual outros sistemas estrangeiros lidam com o mesmo assunto. Na França, as astreintes, quando estipuladas pelo Conselho, poderão ser revertidas para um fundo, não estando adstrito o seu cabimento às obrigações de fazer, podendo ser adotada esta técnica para impor o cumprimento de toda e qualquer determinação judicial, havendo, inclusive, as astreintes endoprocessuais, as quais destinam-se a cominar a mesma conseqüência nos casos em que a parte deixa de atender à determinações menores processuais dadas pelo julgador.

            No sistema alemão, ganha relevância a destinação do numerário apurado por conta do inadimplemento da parte, já que as mesmas vão para o Estado.

            Já em Portugal, o produto da penalidade imposta reverte metade para a parte contrária e metade para o Estado.


Conclusão

            Procuramos com estas linhas escritas traçar a importância deste processo de reformulação e reestruturação que vem mergulhando o direito processual, buscando o resgate de sua real função, qual seja, efetivar adequadamente cada um dos mais diversos direitos materiais abstratamente garantidos pelo legislador.

            Neste sentido, procuramos estudar as principais teses que vêm sendo abordadas atualmente, bem como procuramos identificar quais as espécies de tutelas, as técnicas e mecanismos processuais hoje já em vigor na legislação, identificando, ainda, quais os pontos ainda sem um regular atendimento legislativo.

            Assim, procuramos identificar quais as deficiências ainda hoje sentidas pelos operadores do direito, sugerindo a adoção de alguns mecanismos em funcionamento no processo alienígena.

            Releva esclarecer que este trabalho não teve o condão de ser taxativo já que as necessidades são sentidas ao longo do tempo, razão pela qual a própria praxe judiciária acabará por adotar um outro mecanismo ou mesmo tutela jurisdicional, através da adaptação de outros hoje já existentes em nosso ordenamento.


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Notas

            01 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. "Não há dúvidas de que o processo não se confunde com o direito material. Contudo, a escola sistemática, ao construir as bases da autonomia do direito processual civil, parece ter esquecido a diferença entre autonomia e indiferença.O fato de o processo civil ser autônomo em relação ao direito material não significa que ele possa ser neutro ou indiferente às variadas situações de direito substancial.Autonomia não é sinônimo de neutralidade ou indiferença. Ao contrário, a consciência da autonomia pode eliminar o medo escondido atrás de uma falsa neutralidade ou de uma indiferença que, na verdade, é muito mais meio de defesa do que alheamento em relação ao que acontece à "distância das fronteiras". pp.55-56

            02 obra citada - pp. 54 " De lado essa questão, não é possível ignorar que a escola sistemática, em sua ânsia de redescobrir o valor do processo e de dar contornos científicos ao direito processual civil, acabou excedendo-se em sua missão. A intenção de depurar o processo civil de sua contaminação pelo direito substancial, a ele imposta pela tradição jurídica do século XIX, levou a doutrina chiovendiana a erguer as bases de um "direito processual civil" completamente despreocupado com o direito material.[...]No entanto, o fruto mais óbvio dessa escola foi a pretensão de uniformização do procedimento. A idéia de um único procedimento para atender a diferentes situações de direito substancial tem origem pouco mais do que óbvia na tentativa de isolamento do processo em face do direito material."

            03 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica Processual e Tutela de Direitos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

            04 GRINOVER, Ada Pellegrini, Tutela jurisdicional diferenciada: a antecipação e sua estabilização, RePro n. 121, março de 2005, pp.11-37.

            05 na expressão de José Carlos Barbosa Moreira

            06 embora particularmente entendamos que a ação de cumprimento não se trata de uma ação coletiva propriamente dita, seja ante a necessidade de especificação dos favorecidos exigida na ação, seja ante o fato de que, nem em todos os casos de uso desta ação de cumprimento haverá repercussão coletiva ou social da questão.

            07 FUX, Luiz. Tutela de Segurança e Tutela da Evidência (fundamentos da tutela antecipada), São Paulo: Saraiva, 1996. p. VII.

            08 há controvérsia doutrinária acerca da conceituação da tutela de remoção do ilícito como sendo uma tutela inibitória, haja vista que o ilícito, de fato, não foi elidido, já que o mesmo já ocorreu, buscando-se apenas a sua remoção. Neste sentido, Sergio Cruz Arenhart: "[...] se a tutela a preventiva, considera-se ela como inibitória; se age depois de operado o fato ilícito, então será repristinatória ou do adimplemento, conforme a sanção legal correspondente ou a intenção do autor. [...]". in Perfis da Tutela Inibitória Coletiva. P. 133.Entretanto, nos convencemos que a melhor razão encontra-se nas palavras de Luiz Guilherme Marinoni, que sustenta que a remoção do ilícito também é uma forma de inibição, já que impede a perpetração do ilícito.

            09 ARENHART, Sergio Cruz. Perfis da Tutela Inibitória Coletiva, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.103.

            10 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 145

            11 há algumas divergências doutrinárias acerca da natureza preventiva desta medida que visa não a impedir o ilícito, mas sim impedir a sua continuação, sendo assim uma tutela de remoção do ilícito.

            12 vide Marinoni. Obra citada.

            13 doutrina anglo-saxônica

            14 neste sentido, transcrevemos as palavras de Luis Roberto Barroso: "A doutrina - tanto lusitana quanto brasileira - que se abebera no conhecimento jurídico produzido na Alemanha reproduz e endossa essa tríplice caracterização do princípio da proporcionalidade, como é mais comumente referido pelos autores alemães. Assim, é que dele se extraem os requisitos (a) adequação, que exige que as medidas adotadas pelo Poder Público se mostrem aptas a atingir os objetivos pretendidos; (b) da necessidade ou exigibilidade que impõe a verificação da inexistência de meio menos gravoso para atendimento dos fins visados; e (c) da proporcionalidade em sentido estrito, que é a ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se é justificável a interferência dos direitos dos cidadãos,, [...] BARROSO, Luís Roberto, Interpretação e Aplicação da Constituição, São Paulo: Saraiva, 1998, 2ª edição, p.209.

            15 hipóteses como estas são comuns em casos de arrestos ou seqüestros de bens, já que, no primeiro caso, um dos casos em que torna-se viável a medida diz respeito justamente a tentativa do réu de sumir e, com ele, seu patrimônio.

            16 "PROPOSTA DE ESTABILIZAÇÃO DA TUTELA ANTECIPADA.Art. 273. [...]I - [...]II - [...]§1º - [...]§2º - [...]§3º - [...]§4º - A tutela antecipada poderá ser revogada ou modificada, fundamentadamente, enquanto não se produza a preclusão da decisão que a concedeu (artes. 273-B e 273-C).§5º - Na hipótese do inciso I deste artigo, o juiz só concederá a tutela antecipada sem ouvir a parte contrária em caso de extrema urgência ou quando verificar que o réu citado, poderá torná-la ineficaz.Art. 273-A - A antecipação de tutela poderá ser requerida em procedimento antecedente ou na pendência do processo.Art. 273-B - Aplicam-se ao procedimento antecedente, no que couber, as disposições do Livro III, Título único, Capítulo I deste Código.§1º - Preclusa a decisão que apreciou o pedido de tutela antecipada, é facultado à parte interessada propor ação de conhecimento, no prazo de 60 (sessenta) dias.§2º - Não intentada a ação, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida.Art. 273-C - Preclusa a decisão que apreciou o pedido de tutela antecipada no curso do processo, é facultado à parte interessada requerer o seu prosseguimento, no prazo de 30 (trinta) dias, objetivando o julgamento de mérito.Parágrafo único - não pleiteando o prosseguimento do processo, a medida antecipatória adquirirá força de coisa julgada nos limites da decisão proferida.Art. 273-D - proposta a ação de conhecimento ou retomado o seu curso, eventual extinção do processo, sem julgamento de mérito, não determinará a ineficácia da medida antecipatória, ressalvada a carência de ação, se incompatíveis as decisões." Texto extraído do anexo do seguinte artigo: GRINOVER, Ada Pellegrini, Tutela jurisdicional diferenciada: a antecipação e sua estabilização, RePro n. 121, março de 2005, pp.11-37.

            17 MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela Inibitória (individual e coletiva). 3ª ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. pp. 173-174. Transcrevemos: "[...] Em outras palavras, havendo cumulação de tutela inibitória com tutela ressarcitória, é possível que o pedido de tutela inibitória torne-se "maduro" para julgamento antes do pedido ressarcitório, já que, a partir de determinado momento, apenas a existência do dano ainda poderá restar não esclarecida.Neste caso, é possível admitir por meio da tutela antecipatória, o julgamento antecipado do pedido inibitório, aguardando-se o desenrolar do procedimento para a definição do pedido ressarcitório.Não há razão para não se aceitar o julgamento antecipado do pedido cumulado, quando um dos pedidos está "maduro" para o julgamento e o outro requer instrução dilatória."

            18 obra citada. p. 231


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PISCO, Claudia de Abreu Lima. Novas técnicas processuais para uma tutela mais adequada e efetiva dos direitos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 856, 6 nov. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7540. Acesso em: 19 maio 2024.