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A violência doméstica como violação dos direitos humanos

A violência doméstica como violação dos direitos humanos

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SUMÁRIO: I. INTRODUÇÃO. 2. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO OBSTÁCULO À FRUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS. 2.1. Os direitos humanos fundamentais. 2.2 A proteção aos direitos humanos segundo a Constituição de 1988. 2.3. Evolução histórica da vitimologia. 2.4. A vitimologia e os direitos humanos caminham juntos. 2.5. A vítima no sistema penal brasileiro. 2.6. Vitimização e sobrevitimização. 3. VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 3.1. A Violência. 3.2. Conceito de Violência de gênero. 3.3. Conceito de Violência doméstica. 4. A VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA: BERÇO DA VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE. 4.1. A importância da família na formação do ser humano. 4.2. Infância vítima de violência. 4.3 A violência doméstica como uma das causas da violência na sociedade. 5. A CIDADANIA DA VÍTIMA DOS DELITOS DOMÉSTICOS.5.1. A cidadania. 5.2. A cidadania das mulheres vítimas de crimes domésticos e de gênero. 5.3 Perfil da mulher vítima de crimes domésticos. 5.4. Perfil do agressor. 5. ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 5.1. O poder público frente à problemática da violência de gênero e doméstica 5.2. O papel das Delegacias da Mulher no Brasil 5.3. O papel dos Centros de Apoio às vítimas de crimes 5.4. Metodologia de atendimento pelos Centros de Apoio 5.5 Dados estatísticos sobre violência doméstica na América Latina 6. A JUSTIÇA PENAL CONSENSUADA 6.1. Direito Comparado 6.2. Modelo brasileiro de justiça penal consensuada 6.3. A Lei n. 10.886/2004 7. A LEI N. 9.099/95 E OS JUIZADOS ESPECIAIS 7.1. Breve histórico sobre a criação dos Juizados Especiais Criminais no Brasil 7.2. O modelo de justiça criminal adotado no Brasil e os Juizados Especiais 8. BIBLIOGRAFIA.


1. INTRODUÇÃO

            A violência doméstica é um dos mais graves problemas a serem enfrentados pela sociedade contemporânea. É uma forma de violência que não obedece a fronteiras, princípios ou leis. Ocorre diariamente no Brasil e em outros países apesar de existirem inúmeros mecanismos constitucionais de proteção aos direitos humanos.

            Por essa razão, em 17 de junho de 2004, foi sancionada a lei n. 10.886/04, acrescentando um novo tipo ao artigo 129 do Código Penal – a violência doméstica, como meio de conter o avanço dessa manifestação de violência na família.

            Apesar de a Constituição Federal de 1988 ter incluído entre seus princípios fundamentais a dignidade da pessoa humana, o direito penal e processual penal pátrios ainda se preocupam em demasia com o crime e com o criminoso, deixando de lado quem mais necessita de assistência e apoio: a vítima.

            A Vitimologia contemporânea tem apresentado propostas para assegurar o direito fundamental à vida e à integridade física da vítima penal. Exemplo disso são os programas de assistência às vítimas de crime, mudanças legislativas que valorizem a atuação da vítima na justiça criminal e a criação de instrumentos jurídicos que assegurem a reparação do dano, no plano civil e penal. Com base em seus fundamentos foram criados em todo o Brasil os Centros de Apoio às Vítimas de Crimes - instituição que visa a reestruturar a vítima de crime e sua família, para o retorno ao convívio social, fornecendo apoio assistencial, psicológico e jurídico, metodologia e organização que veremos com vagar mais adiante.

            Preocupadas com as estatísticas alarmantes da ocorrência dos delitos domésticos, instituições públicas e organizações não-governamentais discutem o problema e tentam contribuir para a minimização dos efeitos avassaladores que a violência na família acarreta aos seres humanos, especialmente mulheres e crianças.

            Os dados são alarmantes. Em 1984, a Espanha registrou 16.070 denúncias de maus tratos encaminhadas à polícia. Segundo o Ministério do Interior, cada ano se apresenta no País uma média de 18.000 a 20.000 denúncias por maus tratos físicos e psíquicos a mulheres e estes números representam apenas 10% do total de casos que se produzem anualmente na Espanha. Isto significa uma cifra negativa de mais de 200.000 agressões silenciadas. [01]

            Os países árabes, a exemplo da Arábia Saudita em que a religião muçulmana impõe uma série de restrições à fruição dos direitos fundamentais pelas mulheres, no mês de abril de 2004, divulgou através do jornal Arab News fotos da agressão sofrida pela apresentadora da TV saudita Rania al-Braz, que sofreu 13 fraturas e foi hospitalizada após ser brutalmente espancada por seu esposo; isso demonstra que até os países árabes já começaram a se preocupar com a repressão da violência doméstica. [02] Segundo informações colhidas na revista francesa L’Express, que divulgou a notícia na França, o agressor será processado por tentativa de homicídio.

            No Brasil a situação não é diferente. Apesar de não haver estatísticas oficiais, algumas organizações não-governamentais de apoio às mulheres e crianças vítimas de maus tratos apresentam números assustadores da violência doméstica. Segundo relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito destinada a investigar a questão da violência contra a mulher, em 1993, mais de 70% de todos os casos denunciados de violência contra a mulher ocorrem no lar. [03] Estima-se que a cada 4 (quatro) minutos uma mulher seja vítima de violência doméstica [04]. Em São Paulo, os dados das Delegacias Especializadas demonstram que, em 84,3% dos casos de delitos domésticos, as vítimas são do sexo feminino. Dos 849 inquéritos policiais em instaurados na 1.ª e 3.ª Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo, entre 1988 e 1992, 81,5% se referem a lesões corporais dolosas. [05]

            A situação se repete em outras capitais. Apesar disso, o Brasil ainda caminha a passos lentos na busca de soluções para enfrentar o problema. Alguns fatores contribuem para o aumento da impunidade: a) por ocorrer no seio familiar, esse é um tipo de violência que é difícil de ser diagnosticado; b) não existem estatísticas oficiais precisas para demonstrar as causas do problema; c) as políticas públicas desenvolvidas até agora têm se mostrado insuficientes para evitar ou minimizar o sofrimento das vítimas da violência; d) a legislação brasileira ainda e preocupa demasiadamente com o réu em detrimento da vítima.

            Em recente pesquisa realizada pelo Alô Senado em 27 capitais brasileiras, constatou-se que 17% das entrevistadas reconheceram já ter sofrido algum tipo de violência doméstica, desse total, 54% afirmaram ter sofrido violência física, seguida da violência psicológica (24%), violência moral (14%) e 7% assumiram ter sofrido violência sexual doméstica. Constatou-se também que 4 em cada 10 mulheres afirmaram já ter presenciado algum tipo de violência contra outras mulheres. Deste total, 80% foram descritas como violências físicas [06].

            A violência doméstica atinge milhares de mulheres e crianças todos os dias no Brasil e no Mundo. São alvo tanto as vítimas diretas como as crianças que presenciam agressões entre seus genitores.

            Os números alarmantes relativos à violência doméstica levaram à Organização Mundial de Saúde a reconhecer a gravidade que o fenômeno representa para a saúde pública e recomendar a necessidade de efetivação de campanhas nacionais de alerta e prevenção.

            Um dos maiores desafios da democracia brasileira é o de criar condições para que todos os cidadãos tenham efetivamente os mesmos direitos, as mesmas garantias e as mesmas oportunidades de participar da construção do país.

            Porém, as estatísticas demonstram que, no Brasil, a perspectiva universalista de igualdade de direitos não tem se mostrado suficiente para que o ordenamento jurídico assegure a equidade desejada entre homens, mulheres, brancos, índios e negros. O problema está na desigualdade social e econômica cujas conseqüências levam à prática da violência doméstica e outras violações aos direitos fundamentais.

            Tal desigualdade está estampada nos dados sócio-econômicos da sociedade brasileira. Quando considerados à luz de indicadores como raça/étnica e gênero, essas diferenças ganham novos contornos e as desigualdades são ampliadas, sobretudo quando se observa a situação de grupos historicamente excluídos, de que são exemplos as mulheres negras e as indígenas.

            Diante desse cenário, para que ocorra a efetivação da equidade social e de gênero, torna-se necessário conciliar o princípio universalista da igualdade com o reconhecimento das necessidades específicas de grupos historicamente excluídos e culturalmente discriminados.

            Ao analisar 83 processos que tramitaram entre 1984 e 1989 em varas criminais e no Tribunal do Júri no Fórum Regional de Santo Amaro, em São Paulo, WÂNIA PASINATO IZUMINO, concluiu que:

            As estatísticas sobre o perfil dos vitimados por violência são eloqüentes a respeito do maior grau de insegurança doméstica para a população feminina, a porcentagem de mulheres atacadas por parentes e conhecidos é significativamente maior do que aquela agredida por estranhos (esta tendência se inverte no caso masculino). Na maioria dos casos o local da ocorrência é a residência da vitima. [07]

            No plano internacional, o Brasil é parte signatária de tratados e convenções internacionais de proteção e promoção dos direitos humanos. Isso não impede a existência de violações que precisam ser prevenidas e reprimidas mediante a ação ordenada do Poder Público.

            Nesse sentido, a Recomendação Geral n. 19/92, intitulada "A violência contra a mulher", aprovada pelo Comitê que monitora a CEDAW, [08] dispõe que a definição de discriminação contra a mulher, prevista no art. 1.º da Convenção, inclui a violência baseada no sexo, a violência perpetrada por autoridades públicas e por quaisquer pessoas, organizações, e que os Estados também podem ser responsáveis por atos privados se não adotarem medidas com a devida diligência para impedir a violação dos direitos ou para investigar e castigar os atos de violência e indenizar as vítimas. [09]

            Procurar-se-á neste artigo que os direitos humanos das mulheres, no âmbito da legislação brasileira, devem ser considerados na perspectiva da discriminação e da violência. Discriminação e violência são partes de um mesmo binômio, como faces da mesma moeda. Discriminação e violência se retro-alimentam na medida em que a discriminação das mulheres (a prática da exclusão) justifica as agressões (a prática da violência) e vice-versa.

            No Brasil a violência contra a mulher não encontra limites de idade, condição social, etnia e religião. Suas manifestações são variadas e muitas encontram fortes raízes culturais. Entre as formas mais freqüentes pode-se destacar as agressões físicas, sexuais e de caráter emocional.

            Embora atos de violência contra a mulher ocorram em todas as esferas da vida social, seja pública (assédio moral e sexual), ou privada (violência doméstica), as práticas que adquiriram maior visibilidade social são aquelas que ocorrem dentro de casa.

            A violência doméstica é um fenômeno perverso que afeta mulheres, crianças e idosos com sérias conseqüências não só para o seu pleno desenvolvimento, mas também comprometendo o exercício da cidadania e dos direitos humanos.

            O Brasil que se quer é o Brasil de todos e para todos, sem exclusões. Um país onde a batalha para a erradicação da pobreza saiba atribuir a necessária prioridade à dimensão de gênero. Um país onde não exista um enorme conjunto de mulheres cuja existência se traduz, no cotidiano, na mais dura imagem da pobreza, da doença, da carência, da marginalização social e da violência. Um país onde não se tolere a violência doméstica.


2. A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA COMO OBSTÁCULO À FRUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

            2.1. Os direitos humanos fundamentais

            O Direito Internacional dos Direitos Humanos é recente na história contemporânea, tendo surgido no Pós-Guerra como resposta às atrocidades cometidas durante o nazismo. É naquele cenário que se desenvolve o esforço de reconstrução dos direitos humanos como paradigma e referencial ético a orientar a ordem internacional contemporânea.

            Uma das principais preocupações desse movimento foi converter os direitos humanos em tema de legítimo interesse da comunidade internacional. Diante da crescente consolidação do positivismo concernente aos direitos humanos, pode-se afirmar que os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos invocam, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que celebram o consenso internacional acerca de temas centrais à dignidade humana.

            O processo de universalização dos direitos humanos propiciou a formação de um sistema normativo internacional de proteção. Fundado no valor da primazia da pessoa humana, esse sistema interage com o sistema nacional de proteção, a fim de proporcionar a maior efetividade possível na tutela e proteção de direitos fundamentais.

            Em 1974, iniciaram-se os trabalhos de elaboração da Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher. Em 18 de dezembro de 1979, após cinco anos de intensos trabalhos, com a decisiva participação de mulheres e grupos da sociedade civil, a Assembléia Geral da ONU aprovou, por meio da resolução 34/180, o texto daquela Convenção. Em setembro de 1981, com o deposito o vigésimo instrumento de ratificação, a Convenção entrou em vigor.

            A Convenção impõe aos Estados-Partes uma dupla obrigação: eliminar a discriminação e assegurar a igualdade. A Convenção, portanto, consagra duas vertentes fundamentais: a vertente repressiva-punitiva (proibição da discriminação) e a vertente positiva-promocional (promoção da igualdade).

            Essa convenção foi ratificada pelo Brasil em 1984. Trata-se do instrumento internacional de direitos humanos que mais recebeu reservas pelos Estados. O Estado brasileiro formulou 15 reservas que só foram eliminadas em 1994, quando a convenção foi integralmente ratificada.

            A constitucionalização dos direitos humanos fundamentais não significou mera enunciação formal de princípios, mas a plena positivação de direitos, a partir dos quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Estado para a concretização da democracia.

            ANTONIO LUÑO [10] entende que:

            los derechos fundamentales aparecem, por tanto, como la fase más avanzada del proceso de positivación de los derechos naturales en los textos constitucionales del Estado de Derecho, proceso que tendría su punto intermedio de conexión en los derechos humanos.

            O Estado brasileiro também ratificou relevantes tratados internacionais de proteção dos direitos humanos, sendo exemplos: a Convenção Americana de Direitos Humanos "Pacto de San José da Costa Rica", em 25 de janeiro de 1992 e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher "Convenção de Belém do Pará",em 27 de novembro de 1995 que endossam o dever de assegurar a igualdade e proibir a discriminação, a fim de que se alcance o pleno exercício dos direitos humanos.

            Modernamente, a doutrina apresenta a classificação de direitos fundamentais de primeira, segunda e terceira gerações, baseando-se na ordem histórica cronológica em que passaram a ser constitucionalmente reconhecidos.

            Manoel Gonçalves Ferreira Filho conclui que "a primeira geração seria a dos direitos de liberdade, a segunda, dos direitos de igualdade, a terceira, assim, completaria o lema da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade". [11]

            Assim, os direitos humanos fundamentais podem entendidos como o conjunto de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana.

            1.2 A proteção aos direitos humanos segundo a Constituição de 1988.

            Rompendo com a ordem jurídica anterior, marcada pelo autoritarismo advindo do regime militar, que perdurou no Brasil de 1964 a 1985, a Constituição brasileira de 1988, no propósito de instaurar a democracia no país e de institucionalizar os direitos humanos, fez uma verdadeira revolução na ordem jurídica nacional, passando a ser o marco fundamental da abertura do Estado brasileiro ao regime democrático e da normatividade internacional de proteção aos direitos humanos.

            Para Dino Pasini [12]:

            "La concepción de los derechos del hombre es uma concepción histórica, dinámica que implica el progresivo reconocimiento, el respecto y la tutela jurídica del hombre considerado en su integridad como individuo y persona irrepetible, como ciudadano y como trabajador y, por tanto, no sólo de los derechos personales... de los derechos civiles y políticos... sino también de los derechos económicos-sociales y culturales.

            A Carta de 1988, logo em seu primeiro artigo, erigiu a dignidade da pessoa humana a princípio fundamental (art. 1.º, III), instituindo, com esse princípio, um novo valor que confere suporte axiológico a todo o sistema jurídico e que deve ser sempre levado em conta, quando se trata de interpretar qualquer das normas constantes do ordenamento jurídico nacional.

            No que concerne às declarações adotadas pelo Brasil, citam-se como exemplos: Declaração dos Direitos da Criança, adotada pela Assembléia das Nações Unidas de 20/11/1959; a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça Relativos às Vítimas da Criminalidade e de abuso de poder; a Declaração de Pequim, adotada pela quarta Conferência Mundial sobre Mulheres: ação sobre igualdade, desenvolvimento e paz, de 1995, entre outras.

            Apesar de existirem leis, declarações e tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, sabe-se que constantemente são violados. Quando um ser humano, seja criança, adolescente ou mulher é vítima de violência doméstica os pilares de sustentação da justiça são fortemente abalados.

            Norberto Bobbio, [13] corroborando esse entendimento, diz que:

            El problema que se nos apresente, em efecto, no es filosófico, sino jurídico y, em sentido más amplio, político. No se trata tanto de saber cuáles y cuántos son estos derechos, cuál es su naturaleza y su fundamento, si son derechos naturales o históricos, absolutos o relativos, sino cual es el modo más seguro para garantizarlos, para impedir que, a pesar de las declaraciones solemnes, sean continuamente violados.

            O Constituinte de 1988 seguindo tendência mundial demonstrou preocupação de indenizar a vítima de crime pelo dano sofrido, quando no artigo 245 disse que "A lei disporá sobre as hipóteses e condições em que o Poder Público dará assistência aos herdeiros e dependentes carentes de pessoas vitimas por crime doloso, sem prejuízo da responsabilidade civil do autor do ilícito". Foi o primeiro passo para a instituição de políticas públicas voltadas para o atendimento às vítimas no Brasil.

            2.3. Evolução histórica da vitimologia

            Foram três fases da historia da vitimologia. A primeira, a fase da vingança privada e da justiça privada, do protagonismo da vítima ou sua idade do ouro; a segunda, fase em que a vítima, marginalizada, ficou em segundo plano, ou fase de neutralização e finalmente a fase atual, do seu redescobrimento.

            O período da vingança privada certamente marcou a civilização. A vingança, como resposta à agressão, consistia geralmente na imposição ao algoz de males físicos, da tomada de seus bens materiais ou até à morte.

            Com o surgimento das organizações sociais, percebeu-se que não interessava mais a vingança sem limites. Surge, então o Direito Penal como matéria de ordem pública, a partir do Estado Moderno. Deste ponto em diante, o Estado chama para si a responsabilidade da administração da justiça, passando a ser o detentor exclusivo do Direito de Punir. Nesse segundo momento na história da Vitimologia, tem-se a fase da neutralização, em que é notório o enfraquecimento da vítima.

            A denominada fase do redescobrimento teve início após a Segunda Guerra Mundial. O termo Vitimologia foi primeiramente utilizado pelo advogado israelense Benjamim Mendelson, [14] um dos sobreviventes do holocausto, em conferência no Hospital do Estado, em Bucareste, quando afirmou: um horizonte novo na ciência biopsicossocial: a vitimologia.

            Posteriormente Hans Von Henting começou a escrever sobre a relação criminoso-vítima, demonstrando uma imagem nova do agredido, muito mais realista e dinâmica, como sujeito ativo e não como mero objeto.

            Daí em diante inúmeras obras sobre a vítima foram publicadas, muitas das quais no Brasil. É o momento de redescobrimento do papel da vítima na justiça criminal.

            Em 1979 foi criada a Sociedade Mundial de Vitimologia e em 1984, fundada no Rio de Janeiro a Sociedade Brasileira de Vitimologia. Finalmente, em 1985, na Assembléia Geral da ONU, foi aprovada a Declaração dos Princípios Básicos de Justiça para as Vítimas de Delito e de Abuso de Poder, mesmo ano em que a Sociedade Mundial de Vitimologia foi credenciada como órgão consultivo.

            Muito já foi feito em prol da Vitimologia, mas em época de redescobrimento há que arregaçar as mangas e lutar por dias ainda melhores, em que efetivamente estejam resguardados a cidadania das vítimas e seus direitos fundamentais.

            2.4. A vitimologia e os direitos humanos caminham juntos

            A Vitimologia é um campo multidisciplinar e oferece muito mais do que apenas uma coleção de estudos sobre vítimas. Inicialmente as pesquisas e abordagens vitimológicas eram ligadas à criminologia, mas agora existem muitas outras possibilidades, conforme se verá.

            Vítimas constituem um poderoso clamor para a consciência atual e debate público e levam à análise da medida do nosso próprio sofrimento e do sofrimento dos outros. É também um escopo para o Movimento de Direitos Humanos.

            Enquanto vítimas de crime freqüentemente têm preocupação com à sua participação no processo, na lei, nas conseqüências e efetividade, as vítimas da opressão e do abuso de poder necessitam e querem proteção e assistência antes de mais nada.

            A vitimologia abrange vários níveis de atuação em diferentes contextos. Pode-se dizer que repousa em um tripé: estudo e pesquisa; mudança da legislação e assistência e proteção à vitima. Cada um desses segmentos é de importância fundamental para uma nova visão do crime e de todo o sistema penal.

            A visão que durante séculos prevaleceu, da importância primordial que deveria ser dada ao crime e ao criminoso, sendo a vítima a grande esquecida no drama criminal, está sendo modificada com abordagem vitimológica da relevância da vítima e da necessidade da sua inclusão no processo de assistência.

            Todo o arcabouço do sistema penal, a começar com a polícia, passando pelo Ministério Público, a Defensoria Pública, o Judiciário e finalmente a execução da pena é calcado quase que exclusivamente na perseguição ao criminoso (nem sempre bem sucedida) e na sua punição (quase sempre falha), deixando fora das preocupações do Estado a vítima, o lesado, o agredido, aquele que sofreu a ofensa e que deve requerer mais atenção.

            A visão vitimológica tem contribuído para modificar este contexto, inclusive apontando medidas extrajudiciais quando cabíveis, que geram diminuição da hostilidade e melhor resolução de conflitos. Muitos países de várias partes do mundo, inclusive do continente americano, já estão adiantados na prática da aplicação conceitual, na modificação das leis e principalmente na criação de centros de proteção e atendimentos às vítimas.

            A atenção à vítima engloba, portanto, o estudo e a pesquisa, para dimensionar e conhecer melhor o objetivo, a adaptação da legislação a uma nova abordagem.

            Algumas dessas ações, já implantadas com sucesso no Brasil, incluem o programa de intervenção em crises, a compensação, a restituição, o ressarcimento do dano, a assistência médica, psicológica e jurídica que prevê o acompanhamento tanto na mediação, como no processo criminal ou cível quando instaurado.

            As Nações Unidas têm se preocupado com a questão das vítimas, tendo aprovado, com o voto do Brasil, a Declaração dos Direitos das Vítimas de Crimes e Abuso de Poder, em Assembléia Geral no Congresso de Prevenção de Crime e Tratamento de Delinqüente em Milão, na Itália em 1985, ratificado em 1986.

            O campo dos direitos humanos, pode oferecer uma concepção mais ampla de vitimização e direito das vítimas. Pode também ajudar a melhor conceituar a vitimização definida como criminal, comparativamente às não consideradas criminais, apesar de seus efeitos danosos.

            O enfoque nos direitos humanos pode ajudar a examinar as fontes de vitimização e a relação entre causas do crime e causas da opressão. A opressão produz as condições primordiais para os crimes contra a pessoa e contra a propriedade. Uma análise do ponto de vista dos direitos humanos é detectar as condições adversas, políticas, sociais e econômicas provocadas da vitimização.

            A vitimologia é ciência que estuda vítimas – não somente vítimas de crime, mas vítimas em geral; os direitos humanos darão uma visão de vítimas antes ignorada. Para a vitimologia atual, promover direitos das vítimas depende de promover direitos humanos em geral. Por essa perspectiva, os direitos humanos internacionais oferecem um novo alento para as vítimas e a vitimologia.

            Em contrapartida a vitimologia oferece instrumental para o estudo científico de direitos humanos, que abrange mais direitos qualitativamente e quantitativamente, sendo que a vitimologia tem mais profundidade e produziu uma série de teorias e metodologias que podem fundamentar a compreensão da opressão, seus aspectos, causas, impactos e soluções.

            Também é sabido que as vitimas de crime enquanto vitimizadas fazem parte do leque de necessitados do país e acrescentam às estatísticas negativas da desigualdade social. Logo, a preocupação com a assistência às vítimas é necessária à diminuição às grandes desigualdades sociais existentes no país. Uma boa assistência fará com que a pessoa vitimizada deixe rapidamente essa condição e volte a contribuir para o crescimento do país.

            2.5. A vítima no sistema penal brasileiro

            O sistema penal brasileiro disseminou o discurso da ressocialização do agente, encampando a idéia de que o tratamento da vítima não é problema seu. As vítimas reivindicam, na verdade, o que realmente querem, é ajuda e proteção eficazes. Quando constatam a ineficácia do sistema penal em lhes prestar a assistência de que necessitam, muitas vezes procuram em outras fontes.

            Entretanto, como o apelo do sistema penal é ainda extremamente sedutor, essa lacuna muitas vezes tende a desaguar em demandas por mais criminalização, na medida em que o sistema penal cria e reproduz a idéia – aliás, totalmente fantasiosa, de que pode dar às vítimas a ajuda e a proteção que elas, com razão, reclamam.

            A partir desse tipo de consciência é que, na esfera do direito comparado e internacional, existe uma preocupação real com a valorização da vítima, de forma especial em relação à vítima mulher, no tocante à violência de gênero.

            Ainda hoje a vítima ocupa, no sistema penal, uma posição de desvantagem. Seus interesses são relegados a um plano absolutamente secundário. Seu papel é, basicamente, o de testemunha, ou seja, uma ferramenta utilizada para que se alcance resultado que o sistema almeja.

            A Carta Política de 1988 assegurou proteção específica à vítima, ao contrário do que ocorreu com a figura do criminoso. Exceção é o art. 245 que prevê a obrigação de o erário reparar os danos causados às vítimas. Todavia, tal previsão depende da criação de lei específica, que até o momento não foi editada.

            No Brasil ainda prevalece o preconceito e o desrespeito por parte da sociedade com relação à vítima. A vítima é considerada, na maioria das vezes e pela maioria das pessoas, a causadora do crime.

            Aos poucos, o Estado brasileiro vem se conscientizando do seu papel de proteção e amparo às vítimas de crimes. As Leis 9.099/95 e 9.714/98 são exemplos da preocupação dos legisladores penais com a vítima de crime. Infelizmente, essas leis não são suficientes para protegê-las do jugo da violência e do preconceito da sociedade.

            2.6. Vitimização e sobrevitimização

            Enquadrada a vítima no contexto do sistema penal vigente, cumpre abordar o que se denominou sobrevitimização no processo penal – vitimização secundária, ou seja, o dano adicional à vítima que advém do funcionamento do sistema.

            A vítima não sofre apenas o fato punível em si mesmo. Sofre também danos psíquicos, físicos, sociais e econômicos, gerados pela reações formais e informais decorrentes do fato. O que a vítima mais espera é por justiça e muitas vezes a justiça tarda e falha.

            Na opinião do autor Louk Hulsman [15] após sua experiência em alguns serviços de atendimento às vítimas, principalmente no Tribunal de Paris, a maioria delas não menciona que espécie de repressão ou retribuição deseja, nem muito menos se quer reparação. Não demonstram também desejo de vingança, mas tão somente querem ser ouvidas, querem falar do seu prejuízo na esperança de, ao fazê-lo, cessar o que lhe incomoda, reencontrando a paz.

            No curso do processo penal sente-se desprestigiada, mero instrumento a serviço de um sistema que não a considera. Quase sempre não compreende o procedimento legal, que habitualmente não lhe é esclarecido. Sente-se vexada por se ver obrigada a narrar os fatos por mais de uma vez (na polícia e em juízo, no mínimo). É constrangida, nas audiências de instrução e julgamento, a deparar-se com o agente. Sente-se freqüentemente como a verdadeira acusada, e constata, inúmeras vezes, que o dano sofrido ficou sem reparação.

            A maioria das pessoas que se sentem vitimizadas ou ameaçadas no contexto de uma situação criminalizável está sempre mais preocupada com a possibilidade de ver-se ressarcida, ajudada ou protegida – ou as três coisas – que com a punição do autor do fato que a atingiu. Por isso é importantíssimo situar a vítima e seus anseios no sistema penal brasileiro e a atuação do Estado na implementação de políticas compensatórias é imprescindível.

            No tocante à violência doméstica e contra a mulher se observa que há por parte das vítimas a busca de apoio moral, psicológico e material. Geralmente em face das relações afetivas que envolvem os conflitos domésticos, não há a intenção de a vítima punir o agressor.

            A realidade de sobrevitimização não restou alterada com o advento da Lei n. 9.099/95, que instalou os Juizados Especiais Criminais no Brasil. Ostentando um discurso de reinserção da vítima no contexto do sistema criminal, ante a possibilidade de composição civil dos danos e a ampliação dos casos de representação criminal, incluindo-se nesse rol as lesões leves, a lei não oferece opções de enfrentamento produtivo do conflito doméstico.


3. VIOLÊNCIA DE GÊNERO E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

            3.1. A Violência

            Enfrentar o tema violência doméstica implica abordar a questão do sofrimento intenso que a acompanha, sempre disseminado no ambiente em que ela impera. O universo da violência é sempre um universo de dor e sofrimento.

            Sônia Felipe conceitua a violência como:

            Uma série de atos praticados de modo progressivo com o intuito de forçar o outro a abandonar o seu espaço constituído e a preservação da sua identidade como sujeito das relações econômicas, políticas, éticas, religiosas e eróticas... No ato de violência, há um sujeito...que atua para abolir, definitivamente, os suportes dessa identidade, para eliminar no outro os movimentos do desejo, da autonomia e da liberdade.

            3.2. Conceito de Violência de gênero

            Violência, em seu significado mais freqüente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade; é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou até mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma forma de violação dos direitos essenciais do ser humano.

            Esse trabalho preocupa-se com a violência de gênero. O que é gênero? O termo gênero é bastante amplo, empregado com diferentes sentidos. Significa espécie, como quando se trata do gênero humano.

            A sociologia, a antropologia e outras ciências humanas lançaram mão da categoria gênero para demonstrar e sistematizar as desigualdades socioculturais existentes entre mulheres e homens, que repercutem na esfera da vida pública e privada de ambos os sexos, impondo a eles papéis sociais diferenciados que foram construídos historicamente, e criaram pólos de dominação e submissão.

            O gênero, no entanto, aborda diferenças sócio-culturais existentes entre os sexos masculino e feminino, que se traduzem em desigualdades econômicas e políticas, colocando as mulheres em posição inferior à dos homens nas diferentes áreas da vida humana.

            O estudo das ciências humanas, com o uso da categoria gênero, não só tem revelado a situação desigual entre mulheres e homens, como também tem mostrado que a desigualdade não é natural e pode, portanto, ser transformada em igualdade, promovendo relações democráticas entre os sexos.

            O conceito de violência de gênero deve ser entendido como um relação de poder de dominação do homem e de submissão da mulher. Ele demonstra que os papéis impostos às mulheres e aos homens, consolidados ao longo da história e reforçados pelo patriarcado e sua ideologia, induzem relações violentas entre os sexos e indica que a prática desse tipo de violência não é fruto da natureza, mas sim do processo de socialização das pessoas.

            Assim, não é a natureza a responsável pelos padrões e limites sociais que determinam comportamentos agressivos aos homens e dóceis e submissos das mulheres. Os costumes, a educação e os meios de comunicação tratam de criar e preservar estereótipos que reforçam a idéia de que o sexo masculino tem o poder de controlar os desejos, as opiniões e a liberdade de ir e vir das mulheres.

            Em pesquisa realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos Humanos da Mulher [16], a violência de gênero é concebida como resultado "das motivações que hegemonicamente levam sujeitos a interagirem em contextos marcados por e pela violência". O trabalho ressalta que "a prática da violência doméstica e sexual emerge nas situações em que uma ou ambas as partes envolvidas em um relacionamento não cumprem os papéis e funções de gênero imaginadas como naturais pelo parceiro. Não se comportam, portanto, de acordo com as expectativas e investimentos do parceiro, ou qualquer outro ator envolvido na relação".

            A própria expressão violência contra a mulher foi assim concebida por ser praticada contra pessoa do sexo feminino, apenas e simplesmente pela sua condição de mulher. Essa expressão significa a intimidação da mulher pelo homem, que desempenha o papel de seu agressor, seu dominador e seu disciplinador.

            Nesse contexto, violência contra a mulher é qualquer ação ou conduta que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado, motivada apenas pela sua condição de mulher.

            Muito se tem feito para mudar essa situação. Houve êxitos importantes. Desenvolveram-se por toda parte a luta pela igualdade de direitos, o reconhecimento da situação das mulheres e as proposituras de ações afirmativas que garantem oportunidades e condições iguais. São tratados, declarações internacionais, assinados praticamente em todos os países do mundo e que representam instrumentos de desenvolvimento e progresso para a sociedade.

            Mesmo com esses avanços, há problemas sérios que continuam a se perpetuar, como ocorre com a violência praticada diariamente contra as mulheres.

            3.3. Conceito de Violência doméstica

            Violência doméstica ou intrafamiliar é aquela praticada no lar ou na unidade doméstica, geralmente por um membro da família que viva com a vítima, podendo ser esta homem ou mulher, criança, adolescente ou adulto.

            A violência doméstica pode ser praticada contra o gênero feminino e masculino. É um tipo de violência que ocorre dentro de casa, nas relações entre as pessoas da família, entre homens e mulheres, pais, mães e filhos, entre jovens e idosos. Pode-se afirmar que, independentemente da faixa etária das pessoas que sofrem espancamentos, humilhações e ofensas nas relações descritas, as mulheres, crianças e adultas são os principais alvos.

            Há os que preferem denominá-la violência intrafamiliar e, neste caso, pode ocorrer fora do espaço doméstico, como resultado de relações violentas entre membros da própria família. Existe uma crítica com relação a essa terminologia porque, mais uma vez se estaria escondendo a violência praticada contra a mulher.

            O termo violência intrafamiliar tem sido bastante usado nos programas nacionais adotados por governos latinos e caribenhos. Por exemplo, na Bolívia, a lei que impulsiona as políticas públicas nessa área denomina-se "Violência na Família ou Doméstica", compreendida como "agressão física, psicológica ou sexual cometida pelo cônjuge ou convivente, pelos ascendentes e descendentes, irmãos, parentes civis ou afins em linha direta ou colateral; os tutores, curadores ou encarregados da justiça".

            No Chile, há uma legislação específica sob o título "Lei de Violência Intrafamiliar" definida como "todo maltrato que afete a saúde física ou psíquica de ascendente, cônjuge, convivente, menores de idade ou incapazes, sejam descendentes, adotados, tutelados, colaterais consangüíneos até o quarto grau, inclusive dependente de qualquer dos membros do grupo familiar".

            Estudos intitulados "Informes sobre a situação da violência de gênero contra as mulheres", organizados pelas Nações Unidas e realizados em 1999, em relação à Bolívia, revelam que, das vítimas de violência intrafamiliar, 98,4% são mulheres. Por sua vez, estatísticas policiais realizadas com base em atendimentos realizados no Chile, referentes ao ano de 1997, identificaram o homem como a principal figura agressora, representando 85% dos que praticam a violência intrafamiliar [17].

            A violência doméstica é um problema que acomete ambos os sexos e não costuma obedecer nenhum nível social, econômico, religioso ou cultural específico, como poderiam pensar alguns.

            Segundo o Ministério da Saúde, as agressões constituem a principal causa de morte de jovens entre 5 e 19 anos. A maior parte dessas agressões provém do ambiente doméstico. A Unicef estima que, diariamente, 18 mil crianças e adolescentes sejam espancados no Brasil. Os acidentes e as violências domésticas provocam 64,4% das mortes de crianças e adolescentes no País, segundo dados de 1997.

            A vítima de violência doméstica, geralmente, tem pouca auto-estima e se encontra atada na relação com quem agride, seja por dependência emocional ou material. O agressor geralmente acusa a vítima de ser responsável pela agressão, a qual acaba sofrendo os efeitos da discriminação, culpa e vergonha.. A vítima também se sente violada e traída, já que o agressor promete que nunca mais vai repetir este tipo de comportamento e termina não cumprindo a promessa.

            Estudos da socióloga Heleieth Saffiori concluíram que quando as mulheres se atrevem a prestar queixa às autoridades já estão sofrendo em silêncio há pelo menos dez anos. [18]

            Para entender a violência doméstica, deve-se ter em mente alguns conceitos sobre a dinâmica e diversas faces da violência doméstica, como por exemplo:

            Violência física é o uso da força com o objetivo de ferir, deixando ou não marcas evidentes. São comum murros e tapas, agressões com diversos objetos e queimaduras por objetos ou líquidos quentes. Quando a vítima é criança, além da agressão ativa e física, também é considerado violência os atos de omissão praticados pelos pais ou responsáveis.

            O abuso do álcool é um forte agravante da violência doméstica física. A embriagues patológica é um estado onde a pessoa que bebe torna-se extremamente agressiva, às vezes nem lembrando com detalhes o que tenha feito durante essas crises de furor e ira. Nesse caso, além das dificuldades práticas de coibir a violência, geralmente por omissão das autoridades, ou porque o agressor quando não bebe "é excelente pessoa", segundo as próprias esposas, ou porque é o esteio da família e se for detido todos passarão necessidade, a situação vai persistindo.

            Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), foram agredidas fisicamente por seus parceiros entre 10% a 34% das mulheres do mundo. De acordo com a pesquisa "A mulher brasileira nos espaços públicos e privados" – realizada pela Fundação Perseu Abramo em 2001, registrou-se espancamento na ordem de 11% e calcula-se que perto de 6,8 milhões de mulheres já foram espancadas ao menos uma vez.

            A violência psicológica ou agressão emocional, às vezes tão ou mais prejudicial que a física, é caracterizada por ameaça, rejeição, depreciação, discriminação, humilhação, desrespeito, punições exageradas. Trata-se de uma agressão que não deixa marcas corporais visíveis, mas emocionalmente causa cicatrizes indeléveis para toda a vida.

            3. A VIOLÊNCIA NA FAMÍLIA: BERÇO DA VIOLÊNCIA NA SOCIEDADE

            3.1. A importância da família na formação do ser humano

            A criança tem no adulto um modelo a ser seguido. A relação com os familiares é a primeira relação do indivíduo com o mundo. É nela que ele aprende as regras de convivência que norteiam a vida em sociedade. É a partir dela que a criança vai gradativamente construindo seus conceitos sobre o respeito ao outro, os limites, os direitos e deveres.

            É na família que o indivíduo começa a perceber a si mesmo e ao mundo que o cerca. Se ele encontra um ambiente de respeito e equilíbrio, tende a utilizar como paradigma ao longo de sua vida. Se, ao contrário, convive com adultos desequilibrados e violentos, muito provavelmente utilizará esse padrão para se relacional com todos a sua volta. Geralmente filhos de pais violentos acabam repetindo a estória de seus pais no futuro.

            A família, sendo o primeiro grupo social do indivíduo, homem ou mulher, tem o dever de oferecer a ele condições dignas para o seu pleno desenvolvimento físico e psíquico, garantindo-lhe segurança e proteção.

            No entanto, a cada dia mais e mais crianças são vitimizadas com atos violentos dentro da sua própria casa, caracterizando assim a violência doméstica – aquela que se dá no âmbito familiar ou entre pessoas muito próximas da família.

            Afinal, se a criança e o adolescente não conseguem encontrar segurança e estabilidade em suas próprias casas, que visão levarão para o mundo lá fora? Os conflitos nas crianças podem resultar da disparidade entre o que diz a mãe, sobre ter medo de estranhos, e a violência sofrida dentro de casa, cometida por pessoas que a criança conhece muito bem. Além disso a violência doméstica pode ainda perpetuar um modelo de ração agressiva e violenta nas crianças que estão com a personalidade em formação.

            A violência doméstica é considerada um dos fatores que mais estimula crianças e adolescentes a viver nas ruas. Em muitas pesquisas feitas, as crianças de rua referem maus-tratos corporais, castigos físicos, violência sexual e conflitos domésticos como motivo para sair de casa.

            3.2. Infância vítima de violência

            A infância vítima de violência compreende o contingente social de crianças e adolescentes que se encontram em situação de risco pessoal e social, daqueles que se encontram em situações especialmente difíceis, ou, ainda, daqueles que por omissão ou transgressão da família, da sociedade e do Estado estejam sendo violados em seus direitos básicos.

            A eles a Constituição Federal de 1988 e a Lei n. 8.069/90 asseguram o direito de Proteção Especial, como forma de defesa contra a violência em suas várias modalidades.

            As crianças vítimas de violência formam no Brasil um país chamado infância que está longe de ser risonho e franco. Nele encontram-se:

            - a infância pobre, vítima da violência social mais ampla;

            - a infância explorada, vítima da violência no trabalho;

            - a infância fracassada, vítima da violência escolar;

            - a infância vitimizada, vítima da violência doméstica.

            O objetivo deste trabalho é estudar a infância vitimizada pela violência doméstica. Este é o contingente vítima da violência praticada no lar e, por isso mesmo, a mais secreta de todas. Aqui estão as vítimas da pedagogia negra – maus tratos físicos, da negligência, do abuso sexual quase sempre de natureza incestuosa e da perversa doçura, ou seja, da violência psicológica. As notícias a seguir dão uma idéia da amplitude e da gravidade dessas formas de violência doméstica:

            - Bebê de cinco anos é morto por pai bêbado. [19]

            - Mãe é acusada de acorrentar filha à cama [20].

            - Abuso sexual de natureza incestuosa [21].

            - Menina passou meses trancada e sem comida em casa [22].

            - Desde 2000, país já mataram 456 filhos [23].

            Estudo inédito do Lacri (Laboratório de Estudos da Criança e do Adolescente) da USP indica que, desde 2000, ao menos 456 crianças ou adolescentes morreram em conseqüência de atos de violência sofridos dentro de casa no Brasil. Segundo o estudo, ocorreram no primeiro trimestre do ano passado, em 128 municípios pesquisados (20 Estados), 20.757 notificações e 456 óbitos.

            Tais formas de violência compõem um triste mosaico: o da infância em dificuldade, da infância violentada e violentada cotidianamente.

            Essas crianças necessitam de proteção especial. Mas, dentre todas, existe um grupo que até recentemente tinha ficado esquecido e que agora está sendo tirado da clandestinidade – é o grupo das crianças vítimas, principalmente meninas, da violência doméstica.

            A violência sexual também é forma de violência doméstica. Quando a violência sexual é praticada por familiares ou pessoas que gozam da confiança da vítima, as conseqüências são ainda muito mais graves, posto que a relação da criança e do adolescente com a família é elemento fundamental na construção da sua identidade.

            Os pais exercem poder e fascínio sobre os filhos que necessitam sentir que são amados, que possuem uma relação de confiança e segurança, onde haja troca de carinho, diálogo e compreensão.

            Entre os abusadores, os padrastos aparecem como os mais freqüentes, seguidos dos pais biológicos, avós, tios e outros parentes próximos.

            3.3 A violência doméstica como uma das causas da violência na sociedade

            Ao afirmar que a violência na família é o berço da violência na sociedade, pretende-se enfatizar o quanto uma estrutura familiar emocionalmente equilibrada é importante para a formação de adultos responsáveis e conscientes do seu papel de cidadãos. Não se pode, contudo, deixar de identificar outras matrizes geradoras da violência no bojo da própria sociedade.

            A questão da violência doméstica só pode ser entendida dentro do contexto social mais amplo, pois a estrutura familiar não está isolada da estrutura da sociedade. Uma está contida na outra, influenciando as relações entre as pessoas.

            A exclusão social, o autoritarismo, o abuso de poder, as imensas desigualdades entre os povos, raças, classes e gêneros, são elementos que desencadeiam estresse, competitividade, sentimento de humilhação e de revolta, falta de diálogo e de respeito ao outro. Esses elementos da estrutura social se inserem na estrutura familiar sem que seus membros se dêem conta, desencadeando relações carregadas de intolerância e violência, atingindo principalmente a criança e as mulheres, por se encontrarem em condições de maior vulnerabilidade.

            Enquanto a violência das ruas e o crime organizado vêm sendo temas de muitas discussões, mobilizando cada vez mais pessoas no mundo inteiro, a violência dentro da estrutura familiar é ainda intocável, protegida sob o manto do silêncio, pelo mito de que toda família é amorosa e protetora, não sendo capaz de maltratar seus próprios membros. No entanto, não se pode pensar em um mundo mais pacífico enquanto não se conseguir garantir a todos uma infância de respeito e uma vida digna junto a sua família.

            O ambiente de paz em casa contribui efetivamente para que a criança, ao tornar-se adulta, estabeleça relações emocionalmente mais equilibradas com as outras pessoas. A paz em casa, portanto, é um grande começo para a paz nas ruas.


4. A CIDADANIA DA VÍTIMA DOS DELITOS DOMÉSTICOS

            4.1. A cidadania

            A cidadania é um processo em constante construção, que teve origem, historicamente, com o surgimento dos direitos civis, no decorrer do século XVIII – chamado Século das Luzes -, sob a forma de direitos de liberdade, mais precisamente, a liberdade de ir e vir, de pensamento, de religião, de reunião, pessoal e econômica, rompendo-se com o feudalismo medieval, na busca da participação na sociedade.

            A concepção moderna de cidadania surge, então, quando ocorre a ruptura com o Ancien Régime absolutista, em virtude de ser ela incompatível com os privilégios mantidos pelas classes dominantes, passando o ser humano a deter o status de cidadão, tendo asseguradas, por um rol mínimo de normas jurídicas, a liberdade e a igualdade contra atuação arbitrária do então Estado-coator.

            Com o aparecimento do Estado Social nas primeiras décadas do século XX, as fronteiras da cidadania ampliaram-se ainda mais, aumentando as dificuldades de formulação de um conceito mínimo capaz de entender, coerentemente, esse novo fenômeno em construção.

            A partir do século XVIII, com o movimento iluminista, começam a ser definidos os primeiros contornos do conceito de cidadania. Como resultado da Revolução Francesa, surge, então, a famosa Déclaration des Droits de L`Homme et du Citoyen, de 1789, que, sob a influência do discurso jurídico burguês, lançou as primeiras bases da idéia de cidadão.

            A revolução burguesa pretendeu deixar claro – e o fez no art. 16 da Declaração – que não há Constituição onde não se tem assegurado garantia dos direitos individuais nem é determinada a separação dos poderes. Buscou-se, então, colocar em primeiro plano os direitos dos indivíduos, transformando os súditos em cidadãos, em repúdio à monarquia absolutista, sob o manto de uma república constitucional.

            A idéia de cidadão, que, na Antiguidade Clássica conotava o habitante da cidade – o citadino – o indivíduo a quem se atribuiam os direitos políticos; um status jurídico que assegurava o direito de participar ativamente da vida política do Estado em que vivia.

            4.2. A cidadania das mulheres vítimas de crimes domésticos e de gênero

            Não é outra a lição de João Baptista Herkenhoff, para quem a cidadania não se resume ao estado ou qualidade de quem goza os direitos e desempenha os deveres para com o Estado. Segundo ele, a cidadania em sua essência é composta por quatro dimensões: a social, a econômica, a educacional e a existencial [24].

            No Brasil as mulheres conquistaram o direito ao voto em 1930, antes não eram cidadãs na acepção maior da palavra. A partir da conquista do direito ao voto advieram outras conquistas femininas. Hoje as mulheres são freqüentemente eleitas para cargos públicos, inclusive estando à frente da administração de grandes metrópoles.

            Ao analisar o cenário sociopolítico brasileiro nas últimas décadas é possível verificar que, embora grandes parcelas da população permaneçam sem ter seus direitos reconhecidos, vivendo em situação de absoluta carência de direitos e de cidadania, vários setores se mobilizaram cobrando uma maior intervenção das instituições na resolução dos conflitos.

            Especificamente nos casos de violência contra a mulher, no período que vai dos anos 70 até meados dos anos 80, todas as iniciativas de combate e denúncia da violência partiram da sociedade civil, principalmente de coletivos feministas.

            O carro-chefe das reivindicações feministas no início da década de 80, elemento catalisador e marca significativa do movimento das mulheres brasileiras, a mobilização sob o lema "quem ama não mata" contra os assassinatos de mulheres justificados pela legítima defesa da honra, alcançou eco na opinião pública levando à experiência internacionalmente inédita da criação, em 1985, da primeira Delegacia de Defesa da Mulher pelo governo Franco Montoro em São Paulo.

            Na década de 90 o cenário começou a ser alterado, com a institucionalização do combate e prevenção da violência contra a mulher, principalmente após o surgimento de novas Delegacias de Defesa da Mulher e dos Centros de Apoio às Vítimas de Crimes em vários Estados da Federação.

            Em contrapartida, os dados alarmantes sobre a ocorrência da violência doméstica e de gênero faz perceber que ainda não se pode comemorar, já que há um grande caminho a ser trilhado na luta contra a violência no Brasil. A violência impede as suas vítimas do pleno exercício da cidadania, além de vilipendiar os direitos e garantias individuais assegurados pela Constituição Federal de 1988.

            3.Perfil da mulher vítima de crimes domésticos

            As estatísticas demonstram que a mulher é mais freqüentemente vítima da violência intrafamiliar que o homem. O quadro abaixo demonstra qual o perfil da vítima de violência doméstica no Brasil:

            39,3% têm entre 18 e 40 anos

            30,7% dão donas de casa

            6,3% comerciárias

            5,7% trabalhadoras da economia informal e

            profissionais liberais

            3,6% funcionárias públicas [25]

            Nos últimos 10 anos proliferaram os estudos que, utilizando-se de boletins de ocorrência registrados nas Delegacias de Defesa da Mulher, procuraram a partir das informações ali descritas definir qual é o perfil das mulheres que recorrem à delegacia para comunicar as agressões sofridas, bem como delinear um perfil do agressor e as circunstâncias que cercam as agressões.

            Os estudos demonstraram que o número de ocorrências registradas tem crescido a cada ano, sugerindo que as mulheres, com a abertura desse espaço, tornaram-se menos tolerantes com a violência e mais fortalecidas para denunciar seus agressores.

            Demonstraram também que as mulheres que procuram as unidades das DDMs são freqüentemente vitimadas pelos mesmos agressores com os quais em geral possuem algum tipo de vínculo (na maior parte das vezes, conjugal). [26]

            Alguns dados ajudam a traçar um perfil da mulher agredida em casa em Alagoas:

            50% têm entre 30 e 40 anos,

            30% têm entre 20 e 30 anos.

            50% dos casos o casal tinha entre 10 e 20 anos

            de convivência e,

            40% entre um e dez anos.

            Esses dados mostram que, depois da queixa:

            40% dos casais se separam.

            60% continuam a viver conjugalmente.

            Em 1988, 85% das denúncias registradas nas primeiras e terceira DDM de São Paulo foram de agressão e 4,17% de ameaças. Em 1992, nas mesmas delegacias, as denúncias de agressão caíram para 68% dos casos, com as ameaças subindo para 21,3%. Essa alteração é um indicador de que, em alguns casos, a mera apresentação da queixa numa delegacia e uma advertência da autoridade policial consegue cessar a violência [27].

            4.4. Perfil do agressor

            A maioria os agressores são homens (67,4%), cônjuge e/ou ex-cônjuge da vítima. Não há trabalhos explícitos sobre incidência de patologias psiquiátricas nos agressores, entretanto, considera-se válido que os agressores se dividem entre portadores de: transtorno anti-social da personalidade, transtornos explosivos da personalidade (emocionalmente instável), dependentes químicos e alcoolistas, embriagues patológica, transtornos histéricos (histriônico), outros transtornos da personalidade, tais como, paranóia e ciúme patológico [28].

            Através da análise empírica detecta-se também que os agressores geralmente têm baixa auto-estima, estão desempregados ou com algum problema financeiro ou dependem economicamente da mulher.

            O quadro abaixo demonstra quem são os principais agressores:

            33,1% têm entre 21 e 50 anos

            9,0% comerciários

            8,4% desempregados

            5,9% trabalhadores da economia informal

            e profissionais liberais

            2,6% funcionários públicos [29]


5. ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO COMBATE À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

            5.1. O poder público frente à problemática da violência de gênero e doméstica

            Qual o papel que deve desempenhar o poder público frente à problemática da violência doméstica?

            O poder público é o primeiro interessado no combate à violência. Porém a violência que é veiculada pela mídia diariamente é a violência urbana. A violência doméstica é discutida isoladamente, como se não fosse importante para a sociedade, como se fosse apenas preocupação da família vítima da violência. Mas os estudos demonstram a interligação das várias formas de violência, logo o poder público começa a despertar para o grave problema da violência doméstica, suas causas e conseqüências desastrosas para a sociedade.

            Essa preocupação que se vê é o início de um processo de conscientização de que para tratar a violência urbana, deve-se primeiramente extirpar suas causas, que vão desde as desigualdades sociais, à fome, ao desemprego, até à violência doméstica, pois quem vive a violência no seio familiar geralmente a repete na rua.

            A partir do entendimento do problema da violência doméstica como um problema social e, por conseguinte, que diz respeito a todos os indivíduos, pode-se apresentar sugestões para que o poder público atue de forma eficaz para tentar conter essa onda de violência que assola o Brasil.

            Como exemplos têm-se:

            Desenvolver políticas públicas de qualidade que visem a prevenção e o combate à violência, tendo como prioridade o acesso das famílias à educação saúde, trabalho, habitação e ao lazer;

            Realizar pesquisas objetivando diagnosticar a violência praticada no seio familiar, possibilitando assim, uma intervenção acertada, contemplando as peculiaridades de cada localidade;

            Promover campanhas de cunho educativo nas escolas e nos meios de comunicação, divulgando os locais de atendimento à criança e ao adolescente em caso de violência doméstica;

            Capacitar os agentes de atendimento às vítimas de violência, tais como: médicos, enfermeiros, psicólogos, psiquiatras, assistentes sociais, advogados, promotores de justiça, juízes, policiais e educadores, a exemplo do que ocorre em Maceió através do atendimento do CAVCRIME – Centro de Apoio às Vítimas de Crime;

            Estruturar serviços de referência em cada município para atender aos casos de violência doméstica;

            Instalar e fornecer boa estrutura aos Conselhos Tutelares e capacitação freqüente para os seus membros;

            Garantir um serviço policial e jurídico eficiente na apuração e na punição dos delitos domésticos, que devem funcionar articulado com a equipe multiprofissional do centro de referência e com o centro de apoio às vítimas.

            5.2. O papel das Delegacias da Mulher no Brasil

            A violência doméstica ganhou força em sua denúncia nos anos 80, período em que coincidiu com a abertura democrática na sociedade brasileira, momento de ampliação dos espaços sociais em que as mulheres, articuladas nos diversos grupos feministas, ocuparam-se em denunciar a ocorrência de crimes contra a mulher.

            A primeira Delegacia de Polícia de Defesa da Mulher (DDM) foi criada pelo Decreto n. 23.769, de 6 de agosto de 1985, cuja atribuição era a investigação e apuração dos delitos contra pessoas do sexo feminino, sem limitações de idade, referentes a lesões corporais, crimes contra a liberdade pessoal e crimes contra os costumes.

            O objetivo da criação de Delegacias especializadas no atendimento às mulheres é criar um espaço institucional de denúncia e repressão à violência contra a mulher, visando a dar um atendimento diferenciado às mulheres vítimas de violências físicas, estimulando-as a denunciarem seus agressores.

            As DDMs foram idealizadas como espaço institucional de combate a prevenção da violência contra a mulher, com quadros formados apenas por policiais mulheres (delegadas, escrivãs, investigadoras) apoiadas por uma equipe de assistentes sociais e de psicólogas.

            Visava-se criar um espaço em que as mulheres pudessem trazer da notícia dos crimes sem constrangimento, em que fossem ouvidas, sua representação encaminhada e todos os procedimentos legais adotados.

            Embora tenha sido uma iniciativa pioneira que ainda hoje desperta o interesse de organismos internacionais que trabalham com a assistência a mulheres vítimas de violência e com a defesa dos direitos das mulheres, passados 19 anos de sua criação ainda há muita polêmica sobre as DDMs e os problemas que afetam seu funcionamento.

            Entre os problemas apontados estão a falta de recursos materiais e de pessoal especializado, além da rápida multiplicação de delegacias por todo o Estado brasileiro, atendendo mais a interesses políticos do que às reais necessidades de atendimento às vítimas.

            O Estado de Alagoas possui uma Delegacia Especializada da Mulher e o Centro de Apoio às Vítimas de Crimes – CAVCRIME, órgãos especializados no atendimento às mulheres vítimas de delitos. O CAVCRIME presta atendimento na Delegacia da Mulher e vem desempenhando um trabalho magnífico com as vítimas de violência em Alagoas.

            5.3. O papel dos Centros de Apoio às vítimas de crimes

            A partir da Constituição de 1988, artigo 245, o Estado brasileiro ficou obrigado a dar uma atenção especial às pessoas vítimas de crimes e seus herdeiros e dependentes.

            Com esse respaldo é que o Ministério da Justiça, por meio da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, decidiu fomentar, nos Estados, a criação de centros de assistência e apoio às vítimas de crimes. No ano de 1999, a Lei n. 9.807, de 13 de julho, estabeleceu normas de organização e manutenção de programas especiais de proteção às vítimas e testemunhas ameaçadas.

            A partir da edição da Lei n. 9.807, o Ministério da Justiça apoiou a implantação, nos Estados de Santa Catarina e da Paraíba, de centros de assistência e apoio às vítimas de crimes atuantes nas áreas de suas respectivas capitais: Florianópolis, com o Pró-CEVIC (Programa Catarinense de Atendimento às Vítimas de Crime), e João Pessoa, com o CEAV (Centro de Atendimento às Vítimas de Violência).

            No ano de 2000 outros centros foram criados em parceria com as Secretarias de Estado dos Direitos Humanos, a exemplo de Minas Gerais, com o Núcleo de Atendimento a Vítimas de Crimes Violentos, São Paulo, por meio do CRAVI (Centro de Referência e Apoio a Vítimas) e em Alagoas com o CAVCRIME (Centro de Apoio às vítimas de crime).

            O fenômeno mundial pelo qual a violência toma proporções assustadoras, fato que é mais evidentemente percebido nos grandes centros urbanos, mas que existe em todos os rincões do mundo, torna as pessoas freqüentemente passíveis de vitimizações geradas pelas mais variadas motivações.

            Já que o Estado tem fracassado no combate às várias formas de violência, ao menos tem se mostrado preocupado em compensar suas vítimas através de políticas públicas compensatórias. Os Centros de Apoio são uma iniciativa de pôr à disposição daqueles que são diretamente afetados pelos matizes impostos pela violência social um serviço que torna o Estado, mormente em seu papel de ente garantidor do acesso à justiça e da prática da cidadania, uma figura mais presente em suas vidas.

            Essa experiência pioneira vem dando certo em vários Estados da federação, a exemplo do Estado de Alagoas em que o CAVCRIME atende inúmeras pessoas na capital e no interior e presta relevante serviço à sociedade.

            O objetivo desses centros de assistência e apoio a vítimas de crimes é basicamente o de conceder amparo jurídico, social e psicológico às pessoas vitimizadas. A atuação interdisciplinar das áreas jurídica, social e psicológica busca primordialmente a reestruturação moral, psíquica e social da vítima. O acesso à justiça significa para essas pessoas o restabelecimento da ordem social individual e familiar, o que implica, em última instância, o controle da violência, o exercício da cidadania e o resgate dos direitos humanos.

            5.4. Metodologia de atendimento pelos Centros de Apoio

            Em linhas gerais, o funcionamento desses centros segue uma metodologia de funcionamento semelhante. O primeiro atendimento à pessoas que a eles recorrem é geralmente feito por psicólogos e assistentes sociais que, na oportunidade, colhem as informações necessárias para a instrução do processo de acompanhamento do caso: dados pessoais, escolaridade, profissão, estrutura familiar, situação de violência que a levou a procurar o centro, etc.

            Como, em geral, as queixas têm relação direta com importantes questões jurídicas, ocorre o encaminhamento para o núcleo jurídico, que a partir de então passa a acompanhar o andamento processual do caso.

            No aspecto social, os procedimentos referem-se basicamente ao apoio à família, capacitação e reinserção profissional, encaminhamento para tratamento de saúde etc. Para tanto, são acionadas as várias instituições governamentais e não-governamentais com atuação nessas áreas específicas, formando uma rede de parcerias que convergem em seus objetivos principais.

            No aspecto psicológico, ocorre o atendimento sempre centrado no luto violento, ou seja, no incidente criminoso, razão motivadora da situação de vitimização. O acompanhamento é tanto individual quanto familiar, uma vez que a desestabilização do núcleo familiar é uma tônica constante nos casos atendidos.

            5.5 Dados estatísticos sobre violência doméstica na América Latina

            Bolivia:

            - 66% dos 1.432 casos de agressão física denunciados na Clínica Forense de La Paz em 1986 eram mulheres;

            - Dessas 60.7% foram agredidas pelo cônjuge e 16.7% foram agredidas por outros familiares ou vizinhos.

            Chile:

            - Em Santiago 80% das mulheres foram vítimas de abuso físico, emocional ou sexual por parte do seu companheiro ou de um familiar.

            Colombia:

            - 65% das mulheres declaram terem sido agredidas por seus maridos ou companheiros.

            Costa Rica:

            - 95% das mães jovens são vítimas de incesto.

            Nicaragua:

            - Segundo o (BID) 52% das mulheres de Managua (60% segundo várias organizações não governamentais) sofrem algum tipo de violência por seus parentes.

            - A violência doméstica custa ao Estado 29.5 milhões de dólares por ano (1.6% do produto interno bruto) são em faltas ao trabalho.

            - 30% das mulheres que sofreram agressões em 1997 foram hospitalizada e 15% necessitaram de alguma cirurgia.

            - No Bairro de Cuba libre em Managua 95% das agressões contra mulheres ocorrem em suas casas; em 53% dos casos o homem estava bêbado.

            Perú:

            - 70% de todos os crimes denunciados à polícia são de mulheres lesionadas por seus maridos.

            - No Hospital Materno de Lima, 90% das mães entre 12 e 16 anos foram violentadas sexualmente por seus pais, padastros ou familiar próximo.

            Venezuela:

            - Em Caracas, durante a primeira semana de funcionamento do Serviço Municipal para Mulheres em 1985, 89% dos casos atendidos estavam relacionados com grave maltrato físico por parte de seus companheiros [30].

            Brasil:

            - Dos 849 processos analisados, referentes a casos de violência doméstica apresentados na Primeira DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) de São Paulo, em 1988, e na Terceira DDM de São Paulo, em 1988 e 1992, 81,5% se referem a lesões corporais dolosas, ou seja, houve evidências de agressão suficientes para que a Polícia levasse o caso a Justiça.

            - Dos casos restantes, 4,47% se referem a estupro ou atentado violento ao pudor; 7,77% a ameaças; e 1,53% a seduções.

            - As mulheres são vítimas em 84,3% dos casos. Com mais freqüência, as vítimas estão nas seguintes faixas etárias: 24,6% de 18 a 35 anos, 21,3% de 36 a 45 anos e 13% de 46 a 55 anos. [31]

            Os dados estatísticos apresentados confirmam o que a pesquisa empírica já havia revelado, ou seja, que a mulher e a criança do sexo feminino são as maiores vítimas da violência; que o delito de lesão corporal leve (violência doméstica) é o mais praticado, seguido pela ameaça e que as pessoas realmente necessitam e procuram apoio assistencial, psicológico e jurídico junto às políticas públicas de atendimento, que prestam relevante serviço à comunidade a que servem.


6. A JUSTIÇA PENAL CONSENSUADA

            6.1. Direito Comparado

            As reflexões acerca de uma justiça penal consensuada são antigas, tendo a legislação processual espanhola se ocupado da questão em 1882, em sua Ley de Enjuiciamiento Criminal.

            O motivo justificador dessa forma distinta de solução dos conflitos penais tem origem no seio social, na insatisfação das pessoas com o processo penal tradicional. A celeridade do processo, cada vez mais exigida pela população, aliada à importância adquirida pela vitimologia, fez com que a justiça consensuada se tornasse caminho obrigatório, também para o processo penal.

            O direito comparado é importante fonte para a construção do modelo consensual de processo brasileiro, que viria a ser implantado no país, a partir da Lei dos Juizados Especiais.

            Dentre os ordenamentos jurídicos estudados para a criação da justiça consensuada no Brasil, observa-se o norte-americado, com o plea-bargaining, o francês (art. 40 do CPP), o alemão (art. 153, CPP), o espanhol. Entretanto, foi dos ordenamentos italianos e português que a Lei n. 9.099/95 mais se aproximou.

            No sistema norte-americano, a disponibilidade é princípio há muito adotado. O acusado pode ali ser condenado com base na sua confissão (declaração de culpabilidade), evitando-se o ajuizamento da ação penal propriamente dita, e por conseqüência, o processo tradicional.

            O parágrafo 153 da legislação processual penal alemã prevê que o Estado pode abster-se da persecução penal em caso de delitos menores (crimes de bagatela); caso a pena prevista para o crime seja inferior a um ano, o Ministério Público pode prescindir da acusação, mediante autorização do Tribunal competente para a abertura do procedimento ordinário.

            A Lei de Procédure Pénale da França, em seu livro I (De l’exercice de l’action publique et de l’instruction), Título I (Des autorités chargées de l’action publique et de l’instruction), Capítulo II (Du ministère public), Seção III (Des attributions du procureur de la République), artigo 40, esclarece o papel do Ministério Público, diante de um fato criminoso

            A Lei italiana n. 689, de 24 de novembro de 1981, em seus artigos 77 e seguintes, prevê que o juiz, nos casos em que forem aplicáveis penas alternativas, a pedido do acusado e após parecer favoráveis do Ministério Público, aplique-se sanção, declarando-se em via de conseqüência extinta a infração penal, com o registro da pena para o efeito único de impedir um segundo benefício.

            O Código de Processo Penal Italiano de 1988, em seus artigos 439 e seguintes e artigo 556, prevê que a proposta de acordo pode ser formulada para crimes apenados com até 2 (dois) anos de detenção, dele não decorrendo efeitos civis ou registros penais, nem impedimento à concessão de sursis sucessivo. Tampouco implica o acordo condenação a custas processuais.

            O Código de Processo Português, de 1987, em seus artigos 392 e seguintes, prevê que o Ministério Público pode requerer ao tribunal a aplicação da pena de multa ou de pena alternativa para penas detentivas não superiores a seis meses. O representante do Ministério Público também funciona como representante da vítima para formular pedido de indenização civil. A homologação judicial da proposta aceita corresponde à condenação. Em caso de não aceitação, o Ministério Público não fica vinculado à proposta para instauração do procedimento sumaríssimo. [32]

            6.2. Modelo brasileiro de justiça penal consensuada

            Previu a Constituição de 1988 em seu artigo 98, I, a criação dos juizados especiais cíveis e criminais, tendo estes últimos competência para a conciliação, julgamento e execução das infrações de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

            Essa previsão constitucional veio a atender à necessidade, já premente à época, de se conferir maior velocidade aos julgamentos, especialmente na esfera criminal.

            Com esse entendimento, o constituinte determinou o início de um novo modelo de processo penal no Brasil, no qual inúmeras garantias individuais eram previstas ao cidadão, ao passo que certos princípios jurídico-criminais ganhavam elasticidade.

            Por esse novo paradigma processual, aceitou o legislador primário que nem todas as controvérsias penais necessitavam de processo efetivo e rígido, podendo ser resolvidas mediante o consenso.

            A fim de se fazer cumprir a norma constitucional, era mister a promulgação de uma lei federal, uma vez que apenas à União cabe legislar em matéria penal (artigo 22, I, CF).

            Apenas após a promulgação da lei federal é que se permitiria aos Estados criar seus juizados especiais, as respectivas regras de organização judiciária, e os procedimentos, atendendo estes às normas gerais editadas pela União na lei federal, obedecendo sempre às peculiaridades regionais.

            A Lei n. 9.099/95 previu a criação dos Juizados Especiais e instituiu o consenso na justiça penal brasileira.

            Pode-se, nesse contexto, traçar o perfil esquemático da justiça consensuada brasileira da seguinte forma:

            - Contexto de política-criminal: princípio da intervenção mínima; descriminalização; despenalização;

            - Órgão do Poder Judiciário competente: Juizados Especiais Criminais;

            - Legislação correspondente: Lei n. 9.099/95 e Lei n. 10.259/01;

            - Competência material: infrações de menor potencial ofensivo, definidas como contravenções penais e crimes a que a lei penal comine pena privativa de liberdade máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que a lei preveja procedimento especial. A partir da Lei n. 10.259/01, o conceito de infrações de menor potencial ofensivo passou a abranger os crimes a que a lei penal comine pena privativa de liberdade máxima não superior a dois anos, abrangidas as contravenções e os delitos para os quais a lei preveja procedimento especial.

            - Princípios gerais: oralidade, simplicidade, informalidade; economia processual e celeridade;

            - Objetivos da lei: reparação dos danos sofridos pela vítima; aplicação da pena não privativa de liberdade;

            - Principais institutos: conciliação (composição de danos civis) e transação penal.

            6.3. A Lei n. 10.886/2004

            Em maio de 2002, foi sancionado pelo Presidente da República o Projeto de Lei n. 76, de 2001, convertido na Lei n. 10.455/02 que criou o instituto do afastamento cautelar do agressor.

            Em virtude da necessidade premente e da cobrança da sociedade civil organizada pela tipificação dos crimes intrafamiliares, em 17 de junho de 2004 foi publicada a Lei n. 10.886 que acrescentou parágrafos ao art. 129 do Decreto-Lei n. 2.848, de 07 de dezembro de 1940 – Código Penal, criando o tipo especial denominado Violência doméstica, nos seguintes termos:

            Art. 129. ..............................

            .....................................

            Violência Doméstica

            § 9.º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

            Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano.

            § 10. Nos casos previstos nos §§ 1.º e 3.º deste artigo, se as circunstâncias são as indicadas no § 9.º deste artigo, aumenta-se a pena em 1/3 (um terço)."

            A edição desta lei é um marco na história da violência doméstica no Brasil, pois em um passado próximo era ela admitida nas relações conjugais, como no caso da ausência de tipificação do delito de estupro praticado pelo cônjuge.

            Porém, a pena aplicada ao delito ainda possibilita a sua inserção entre os delitos considerados de menor potencial ofensivo, em razão de a lei dos juizados especiais não distinguir os tipos penais pela sua natureza, mas apenas leva em consideração a pena.

            Pretende-se, portanto, demonstrar que os delitos domésticos em razão dos bens jurídicos atingidos, saúde, integridade física e psíquica e de ser praticados com violência contra a pessoa não poderiam ser considerados de menor potencial ofensivo.


7. A LEI N. 9.099/95 E OS JUIZADOS ESPECIAIS

            7.1. Breve histórico sobre a criação dos Juizados Especiais Criminais no Brasil

            A criação dos Juizados Especiais Criminais veio atender parte da demanda reformista vigente há décadas no seio do pensamento jurídico brasileiro.

            O anteprojeto que resultou na lei federal n. 9.099/95 nasceu antes da promulgação da Constituição de 1988, sob a forma de proposta ofertada por dois juizes de São Paulo à Associação Paulista de Magistrados e colocada sob o crivo de grupo de trabalho constituído por ordem da presidência do Tribunal de alçada daquele Estado, integrado por juristas de renome.

            O grupo optou por elaborar substitutivo que foi discutido na seccional da OAB em São Paulo e foi mesclado com sugestões de representantes de todas as categorias jurídicas, resultando no anteprojeto finalmente apresentado ao deputado Michel Temer. O anteprojeto transformou-se no projeto de lei n. 1480/89.

            Ao iniciar a tramitação legislativa surgiram propostas e projetos paralelos, inclusive projeto de lei do Deputado Nelson Jobim.

            O Deputado Ibrahim Abi-Ackel, relator de todas as propostas na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara selecionou, para o âmbito penal, o projeto Michel Temer, e para o cível o projeto Nelson Jobim, unificando os dois projetos num substitutivo que, depois de tramitar pelo Senado foi retomado na Câmara e aprovado definitivamente, transformando-se na lei n. 9.099, de 26.09.95.

            Cumpre informar, que os Estados do Mato Grosso do Sul – em 1990, através da Lei Estadual n. 1.071 – e do Mato Grosso – em 1993, pela lei n. 6176 tomaram a vanguarda na regulamentação do art. 98 do Texto Constitucional de 1988. Aos Estados pioneiros juntou-se posteriormente a Paraíba.

            A discussão sobre a constitucionalidade das leis estaduais instalou-se de forma ampla no cenário nacional. Enquanto alguns defendiam a necessidade de promulgação de lei federal para a regulamentação da norma constitucional, outros aplaudiam a adoção de iniciativas que implementavam no país a política da oralidade, da celeridade, da economia e da racionalidade.

            Embora o Supremo Tribunal Federal tenha por fim decidido que a criação de juizados criminais pelos Estados dependia de lei federal, e decretado a inconstitucionalidade de norma estadual que outorgasse competência penal a juizados especiais, a iniciativa dos Estados pioneiros vingou, cumprindo seu papel, sobrevindo a edição da lei federal.

            7.2. O modelo de justiça criminal adotado no Brasil e os Juizados Especiais

            O modelo de justiça criminal adotado no Brasil, marcado mais recentemente pela edição da lei dos crimes hediondos, em 1990, insere-se no contexto de um sistema penal de tendência eminentemente "paleorepressiva", assinalado por posturas como a de endurecimento das penas, corte de direitos e garantias fundamentais, tipificações novas e agravamento da execução penal.

            O texto da Lei Federal n. 9.099/95 regula, a partir do art. 60, o funcionamento dos Juizados Especiais Criminais, delineando sua competência e estabelecendo normas penais, processuais e de procedimento, além de cuidar da execução da pena.

            Considerando a justiça criminal um subsistema do sistema penal, os Juizados Especiais Criminais representam um novo modelo de justiça criminal, de natureza antes de tudo consensual, cuja finalidade maior e principal seria perseguir soluções pacificadoras, rápidas e eficazes que atendam aos interesses dos diretamente envolvidos no conflito - agente, vítima e sociedade.

            A Lei n. 9.099/95 é aplicável aos delitos tidos como de menor potencial ofensivo, considerados aqueles cuja pena máxima cominada for igual ou inferior a dois anos.

            Várias são as críticas a essa definição de menor potencial ofensivo, principalmente em virtude de absorver alguns delitos em que há violência, como no caso dos crimes domésticos.

            O que se pretende, neste estudo, é justamente abordar o tema da violência doméstica à luz do sistema consensual inaugurado pela lei n. 9.099/95, realizando a constatação empírica, através da realização da pesquisa de campo proposta na introdução, da vitimização duplicada nesse novo subsistema.

            Diante de tudo o que foi dito, impende formular um questionamento: a atuação funcional do sistema penal oferece solução, ou a resposta efetiva passa pela diversificação das reações jurídicas diante da conduta desviante? Em alguns ordenamentos jurídicos tem predominado a tendência à despenalização e descriminalização, com a negação expressa e absoluta das posições radicais de ultradireita, que pregam o dito novo realismo criminológico.

            Mas para que as alternativas descriminalizadoras causem uma renovação construtiva, as medidas encetadas devem estar comprometidas, acima de tudo, com a pacificação da situação conflituosa, almejada pela vítima, pela sociedade e, muitas vezes, até mesmo pelo agente. Também na esfera judicial ele pode e deve ocorrer, desde que os agentes de controle que promovem a aplicação efetiva da lei tenham em mira buscar solução para o conflito, mais que para o processo.

            Questiona-se se o critério adotado pela Lei n. 9.099/95 para aplicar a justiça penal consensual é adequado, ou seja, o critério da pena aplicada ao tipo penal infringido. Entende-se que um conceito de direito material, como é o de infração de menor potencial ofensivo, deveria ter atendido a critérios definidos na criminologia e pela vitimologia (dentre eles o bem jurídico tutelado pela norma e a periculosidade do agente), a fim de, conforme o objetivo da lei – atender aos interesses da vítima – viabilizar a justiça consensuada para as infrações cuja solução através do consenso sejam suficientes para a solução do conflito.

            Ocorre que não é esse procedimento que se observa desde o atendimento prestado à vítima nas Delegacias de Polícia, na falta de cumprimento dos prazos legais e no tratamento que lhe é dispensado nas audiências nos juizados especiais.

            Na verdade, a vítima freqüentemente é mal atendida nas Delegacias de polícia, não recebendo o tratamento e encaminhamento devido; as Delegacias não cumprem os prazos para conclusão dos Termos Circunstanciados; os Juizes e Promotores desconhecem o procedimento e na hora de aplicar a reprimenda penal, geralmente estabelecem o pagamento de cestas básicas ínfimas pelo crime praticado.

            O resultado é que o sistema, confirmando uma tendência que não é nova, acaba por jogar na vala comum o conflito doméstico, cuja potencialidade lesiva é alta, porque a violência ocorre num âmbito eminentemente privado, costuma aumentar gradativamente de intensidade e é normalmente reiterativa, implicando, no mais das vezes, em constante e crescente risco de vida para a vítima.

            Assim, mister que sejam analisados mais profundamente esses aspectos da prática judicial, a fim de salvaguardar os interesses das vítimas de crimes, principalmente dos delitos domésticos. Pretende-se com a elaboração da dissertação de mestrado discutir os problemas enfrentados pelas vítimas nos juizados especiais criminais e quais as perspectivas de mudança desta realidade, salvaguardando os direitos fundamentais das vítimas, sobretudo mulheres e crianças.

            Apresentada a problemática a ser enfrentada, os dados estatísticos e as pesquisas empíricas realizadas, conclui-se que a violência doméstica é um delito grave e que acomete centenas de milhares de pessoas em todo o mundo. No Brasil os dados são alarmantes.

            A potencialidade lesiva do conflito doméstico é intensa. A escalada progressiva dessa violência que ocorre dentro de casa vai de um padrão de lesividade menos grave (ameaças e lesões corporais leves) para outro altíssimo, às vezes irreparável (lesões graves, estupro, homicídio).

            Apesar disso o que se vê é que os delitos domésticos são tratados nas instâncias do sistema penal, em especial pelos Juizados Especiais Criminais, da mesma forma que são tratados conflitos marcados pela eventualidade da relação vítima X autor, como uma briga de vizinhos e um atropelamento no trânsito.

            Fato preocupante também é que o aparato da justiça também não está comprometido com a solução do conflito, tampouco Juízes e Promotores estão preparados para prestar um adequado atendimento às vítimas, preocupados, no mais das vezes, com o destino do procedimento e com a celeridade do processo.

            Precisa-se modificar essa realidade. Conscientizar os atores do atendimento às vítimas de crimes das conseqüências maléficas à sociedade pela prática da violência doméstica e conclamá-los a abraçar essa causa e a se preocupar com os reais interesses da vítima no processo criminal.

            É certo que muito pode ser feito para que, sem o desrespeito aos Direitos Fundamentais do réu, possa a vítima ter tratamento digno de seu valor na justiça criminal, satisfazendo suas pretensões e interesses, satisfazendo sua concepção de justiça, o que está diretamente ligado ao retorno do status quo anterior ao cometimento da infração e da harmonia tão desejada pela sociedade.


BIBLIOGRAFIA PROVISÓRIA

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            3. Relatório

            CEDAW, Relatório Nacional Brasileiro. Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher. Protocolo Facultativo. Brasília. 2002.


NOTAS

            01 RUIZ, Juana Maria Gil. "La violência jurídica em lo privado". Revista Direitos & Deveres. ano I, número 2. Maceió: Edufal, 1998, p. 34.

            02 Jornal L`Express. L´hebdomadaire d´information du lundi. n. 2758, 16 de maio de 2004, p.75.

            03 Fonte: A Violência dentro de casa. Revista Cláudia, 1996.

            04 Fonte: Dados do Cefêmea – Centro Feminista da Assessoria colhidos no site www.wmulher.com.br/template.asp?canal=saude&id-mater=2071

            05 Fonte: www.psiqweb.med.br/infantil/violdom.html

            06 Fonte: www.interlegis.gov.br/comunidade/casas_legislativas/federal

            07 IZUMINO, Wânia Pasinato. Justiça e Violência contra a mulher – o papel do sistema judiciário na solução dos conflitos de gênero. São Paulo: Annablume: Fapesp, 1998, p. 09.

            08 Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, assinada pelo Brasil em 1981 e ratificada em 1984, com reservas e em 1994, sem reservas. Publicada no Diário do Congresso Nacional em 23.06.1994.

            09 CEDAW. Relatório Nacional Brasileiro. Brasília, 2002, Distribuição gratuita. p. 46.

            10 LUÑO, Antonio. Los derechos fundamentales. 6. ed. Madri: Tecnos, 1995, p. 43-44.

            11 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos Fundamentais. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 57.

            12 PASINI, Dino. Il problema dei diritti umani nel mondo occidentale. I Diritti dell´uomo, Casa Dott. Eugenio Jovene. Napoli, 1979, p. 198.

            13 BOBBIO, Norberto. Presente y porvenir de los derechos humanos. Universidade Complutense. Faculdade de Derecho. Instituto de Derechos Humanos, Madrid, 1982, p. 09.

            14 PIEDADE JUNIOR, Heitor. Vitimologia: sua evolução no tempo e no espaço. Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1993, p. 11.

            15 HULSMAN, Louk & CELIS, Jacqueline Bernal. Penas Perdidas – o sistema penal em questão. 2. ed. Trad. Maria Lúcia Karam. Rio de Janeiro: Luam, 1997, p. 117.

            16 Pesquisa Nacional sobre as Condições de Funcionamento das Delegacias Especializadas no Atendimento às Mulheres, realizada pelo Conselho Nacional dos Direitos da Mulher em parceria com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, sistematizou informações do atendimento referentes ao ano de 1999, no território nacional, em 267 delegacias de mulheres.

            17 GARCIA, Ana Isabel e outros. Sistemas Públicos contra la Violência Doméstica en América Latina – Un Estudo Regional Comparado. Fundación Gênero Y Sociedad. San Jose. Costa Rica. 2000.

            18 Fonte: A violência dentro de casa. Revista Cláudia, julho de 1996, p.36.

            19 Estado de São Paulo, 1990.

            20 Estado de São Paulo, 1990.

            21 O Globo, 6/8/1989, p. 06.

            22 Jornal do Brasil, 11/7/1989, p. 08.

            23 Folha de São Paulo, 10/01/2004, p. 14.

            24 HERKENHOFF, João Baptista. Como funciona a cidadania. 2.ª ed. Manaus: Editora Valer, 2001, p. 20-21.

            25 Fonte: Diário do Congresso Nacional, relatório final da CPI destinada a investigar a questão da violência contra a mulher, 1993.

            26 Comissão Parlamentar de Inquérito – CPI da Violência contra a Mulher, Congresso Nacional, 1993.

            27 Fonte: idem 18.

            28 Fonte: idem 18.

            29 Fonte: idem 23.

            30 Fonte: video "Violence against women: a violation of human rights", editado pelo Institute for Development Training en Chapel Hills, NC, EE.UU. As estatísticas sobre Nicaragua foram colhidas no artigo "‘Sopa de muñeca´´ a discreción", publicado por el diario El País em 22 de março de 1998. (www.vidahumana.org)

            31 Fonte: www.psiqweb.med.br/infantil/violdom.html

            32 ARAÚJO, Letícia Franco de. Violência contra a Mulher. A Ineficácia da Justiça Penal Consensuada. São Paulo: Lex, 2003, p. 34-36.


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CAVALCANTI, Stela Valéria Soares de Farias. A violência doméstica como violação dos direitos humanos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 10, n. 901, 21 dez. 2005. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/7753. Acesso em: 28 mar. 2024.