Este texto foi publicado no Jus no endereço https://jus.com.br/artigos/8777
Para ver outras publicações como esta, acesse https://jus.com.br

Modelos históricos de compreensão da loucura.

Da Antigüidade Clássica a Philippe Pinel

Modelos históricos de compreensão da loucura. Da Antigüidade Clássica a Philippe Pinel

Publicado em . Elaborado em .

O estudo das linhas de compreensão da loucura, da Antigüidade até o surgimento da Psiquiatria, proporciona elementos para um repensar sobre as medidas de segurança, quanto à sua finalidade e à possibilidade ou não de cura dos pacientes.

INTRODUÇÃO

Considerações Introdutórias

            Em geral, nas faculdades de direito não é possível o aprofundamento de determinados temas estudados. Opta-se, então, por uma visão geral, deixando-se ao interessado a responsabilidade de aprofundamento posterior. Tal postura pode ser notada no estudo da pena. As cadeiras de Direito Penal e Processual Penal enfrentam o tema da pena, sem examinar as teorias que lhe fundamentam. Estuda-se a pena, sem o correspondente estudo da história das prisões. Quando muito, são feitas referências simplórias ao seu significado como perda da paz ou a seus antecedentes, tais como as galés e o banimento.

            Em relação à Medida de Segurança, a seleção de conteúdos também é mínima, talvez para desenvolver-se todo o currículo. É apresentada como solução para os casos de inimputabilidade e semi-imputabilidade. Nos bancos acadêmicos, analisa-se a legislação pertinente e faz-se alguma referência ao duplo binário, com ênfase a seu caráter histórico, já que, com a reforma penal de 1984, foi eliminado do sistema penal pátrio.

            Quando se tem a oportunidade de freqüentar um curso de especialização em Ciências Penais, percebe-se que muito pouco se sabe do mínimo de conhecimentos que se pressupõe adquirido por um bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais. A falta de alicerces prejudica a evolução para o desenvolvimento de estudos mais críticos e aprofundados de determinados temas. Nesta situação, torna-se imperioso retroceder, buscar as bases, sedimentá-las, para depois construir sobre elas um conhecimento sólido e crítico.

            Se a história das prisões pôde ser analisada durante o curso de especialização em Ciências Penais, o mesmo não aconteceu com as Medidas de Segurança. Permaneceram dúvidas: será que sua trajetória histórica acompanhou a das prisões? Estarão elas, tal qual a pena de prisão, condenadas à bancarrota?

            Eram estas as perguntas às quais se gostaria de obter respostas durante o estudo preparatório à elaboração da monografia. E, em especial, partir para uma análise comparativa entre a visão penal da Medida de Segurança e a própria visão psiquiátrica. Através do estudo, deveria ser possível verificar se o internamento prescrito pelo Direito Penal também o é pela moderna Psiquiatria.

            No entanto, a falta de base não permitiu um trabalho tão aprofundado. Faltavam à signatária os conhecimentos históricos sobre a Medida de Segurança. Na busca destes, houve o encontro com a história da loucura. Tema por demais fascinante e que foi reputado essencial para posterior desenvolvimento do tema inicialmente proposto.

            Enveredou-se, então, pela trajetória histórica da loucura. Muitos foram os pontos de contato desta para com a história das prisões. Geralmente, os autores que abordam a uma delas fazem referência a outra. É possível que nas demais instituições totais [01], como o exército e a igreja, a história tenha sido escrita de modo semelhante.

            O aspecto que mais se destacou no estudo foi a repetição histórica dos ciclos de compreensão da loucura. Os modelos repetem-se em épocas diversas. Tal qual atualmente há movimentos a favor da pena de morte, banida da maioria dos ordenamentos jurídico-penais, a prescrição do internamento, como solução para a segurança social, é recomendada periodicamente. Sucedem-lhe movimentos contrários, de abolição dos hospícios e convivência dos pacientes com os familiares.

            Buscando-se um estudo genérico dos precedentes da medida de segurança, preferiu-se omitir as conceituações de loucura e sua classificação, sobre as quais não há consenso. Discute-se até o vínculo entre loucura e patologia, posto que não é universal. A loucura é descrita no decorrer do trabalho na conformidade do senso comum: comportamento desviante, produto de desequilíbrios psíquicos ou mentais. É bom recordar que nem o Código Civil a define, optando pela expressão "loucos de todos os gêneros". É certo que esta expressão é combatida, por não ser técnica. Mas isto não significa não permita a imediata compreensão de seu significado.

            Importante, ainda, referir que o senso comum tomado como referencial é o da sociedade brasileira. Isto porque a compreensão da loucura varia de cultura para cultura. A doença é variável como os costumes ou, no dizer de Michel Foucault, "a doença só tem realidade e valor de doença no interior de uma cultura que a reconhece como tal". [02] (FOUCAULT Apud FRAYZE-PEREIRA, 1993:23) Neste sentido, afirmam os etnopsiquiatras que rituais coletivos de "incorporação de espíritos" são bem aceitos em determinadas sociedades. O nativo "possuído" dificilmente é curado por métodos da psiquiatria ocidental. Por sua vez, quando vivendo em sua sociedade, não é visto como elemento "anormal". A sua cultura permite a possessão. Não há ruptura da norma. Não há desvio social. [03] (FRAYZE-PEREIRA, 1993:35)

            Apesar dessa mudança conceitual de cultura para cultura, três modelos de compreensão da loucura podem ser referidos. Cada um deles inspirou a abertura de um capítulo na monografia. Deste modo, após apontar as tendências atuais no tratamento da loucura no primeiro, trata-se do modelo mítico-religioso no segundo capítulo. Já o terceiro e quarto capítulos, respectivamente, tratam do modelo organicista e psicológico.

            O modelo mítico-religioso repousa sua origem na Antigüidade Clássica. Dentro da evolução cíclica retro referida, reaparece sob o enfoque demonista, séculos mais tarde. Explica a loucura a partir de forças sobrenaturais, as quais retiram a responsabilidade humana sobre sua conduta.

            Já o modelo organicista procura uma causa física para a loucura. Evolui da presença dos sais ou de vapores para uma lesão anatômica no cérebro. A cura implica tratamentos físicos, sobretudo farmacológicos. O campo de atuação ou de cura centra-se no encéfalo, enquanto sede do sistema nervoso.

            Por derradeiro, o modelo psicológico encontra duas vertentes. A primeira considera a loucura como oriunda de descontroles emocionais. Já a segunda, iniciada com Pinel, considera tais descontroles e procura saná-los, através de novas experiências cognitivas e afetivas que suplantem as impressões que originaram o descontrole passional inicial. Um fundo organicista, no entanto, permanece em Pinel, seja por considerar a loucura como sinônimo de desequilíbrio das funções mentais, embora acrescente também o desequilíbrio das funções afetivas, seja por prescrever tratamentos físicos similares aos já aplicados pelos organicistas.

            Em síntese, a presente monografia, elaborada através de pesquisa bibliográfica, trata dos modelos históricos de interpretação da loucura. O estudo das linhas de compreensão da loucura, da Antigüidade Clássica até o surgimento da Psiquiatria, com a publicação da obra de Philippe Pinel, proporciona elementos para um repensar sobre as medidas de segurança, quanto à sua finalidade e à possibilidade ou não de cura dos pacientes, através da utilização de métodos não mais recomendados pela moderna Psiquiatria.

            Ao longo desse estudo histórico, pode-se perceber que a internação não é o tratamento mais indicado para a cura da loucura. Se não o é atualmente, também nunca o foi. Representa uma das formas de exclusão. "Como se o fechamento intra muros da não-razão bastasse para tranqüilizar a sociedade, assegurando a ela que a loucura de cada um estava noutro lugar, longe dali". [04] Ou como se a segurança da sociedade fosse restabelecida por uma varredura dos elementos indesejáveis para baixo do tapete...


CAPÍTULO 1

            1. Tendências atuais no tratamento e concepção da loucura

            A loucura é um dos temas que mais fascina o homem. Sempre está presente nas artes, na literatura, no senso comum do homem. Tanto que Michel Foucault, ao analisar essa presença, anuncia como uma das formas de visão da loucura a que permite distinguir o não-louco do louco, pelo critério diferencial do eu e do outro ou do não eu. Comparando o outro a meu eu, vejo se ele é ou não normal. [05] (FOUCAULT, 1995:167-169)As idéias, conceitos e crenças do paciente são comparadas com as do observador e da sociedade em que ambos vivem.

            Chico Buarque, em uma de suas músicas, diz que o sanatório geral é quem desfila nas avenidas, durante o carnaval. A loucura ganha a rua em espetáculo carnavalesco. No carnaval do Rio de Janeiro, neste ano de 1997, duas escolas do grupo especial elegem o tema loucura para ser representado em suas alegorias: a Salgueiro e Porto da Pedra. Ambas têm entre seus desfilantes usuários de instituições psiquiátricas.

            A Porto da Pedra conta com usuários do Instituto Philippe Pinel e do Hospital Psiquiátrico de Jurujuba, em Niterói. Ambas instituições integram a Luta Antimanicomial, movimento contrário ao confinamento dos doentes em manicômios, e adotam tratamentos que fazem os pacientes darem vazão à criatividade. A Escola Porto da Pedra tem uma ala inteira de usuários do atendimento psiquiátrico e funcionários, como médicos, enfermeiros e terapeutas, os quais desfilam com vestes semelhantes ao uniforme usado no Instituto Pinel. Já os usuários do Jurujuba saem no carro alegórico de Dona Maria I, fantasiados de plantas carnívoras. Conta a história que a ex-monarca temia vir ao Brasil por medo dessas plantas.

            Já a Salgueiro traz usuários da Juliano Moreira e da Casa das Palmeiras, em carros alegóricos, exibindo pinturas e desenhos que criaram durante o internamento. [06] Segundo a interpretação de Juliano Matos [07] (1997), a loucura é revelada no carnaval do Salgueiro pelos que a imaginam e sonham, não pelos que a tratam e dominam. O Carnaval, com seu poder de desrazão, representa a antítese da clausura. Ao contrário do silêncio a que os loucos são subjugados, no ritual do carnaval a loucura poética das musas e do Salgueiro ganha destaque. Ainda que por pouco tempo, os loucos, atualmente esquecidos nas instituições totais de clausura e na carreira moral de estigmatizado, são relembrados.

            O quadro comum aos manicômios não é dos melhores. Apresenta superpopulação, descaso da sociedade e da própria família do internado. No Hospital de Custódia da Bahia, por exemplo, há trezentos e sessenta e três pacientes: trezentos e vinte e seis são homens e trinta e sete são mulheres. Segundo a psiquiatra e diretora desse estabelecimento, Terezinha Rocha, mais de noventa e cinco por cento dos doentes mentais são do interior e extremamente carentes de recursos financeiros. A ignorância de seus familiares faz com que só muito tardiamente a doença seja detectada. Geralmente os pais entendem o comportamento desequilibrado dos filhos como excentricidade. A situação sócio-econômica também serve como desencadeante da doença na falta de assistência pré-natal e de alimentação adequada na primeira infância. [08]

            No mesmo sentido noticia Ivan Padilla (1996), em reportagem sobre a esquizofrenia, mal que atinge, aproximadamente, cinqüenta milhões de pessoas ou cerca de um por cento da população mundial, sem que os medicamentos modernos possam reverter tal quadro. Segundo ele, no Brasil estima-se a existência de cerca de um milhão e meio de esquizofrênicos. Além da predisposição genética, verifica-se que o distúrbio começa atingir pessoas entre quinze e trinta anos. Isto dificulta o diagnóstico, porque alguns dos sintomas, como agressividade ou desinteresse, costumam ser relacionados a comportamentos típicos de adolescentes e jovens rebeldes. [09]

            Surgem correntes pregando a reforma psiquiátrica, sustentando o tratamento do louco em sua própria família. São cerca de quarenta instituições de apoio à luta antimanicomial no Brasil. Foi até instituído o Dia Nacional de Luta Antimanicomial, em dezoito de maio de 1987. Uma delas é o Núcleo de Estudos para Superação dos Manicômios, que conta com o apoio do Conselho de Psicologia da Universidade Federal da Bahia e do Conselho do Serviço Social da Universidade Católica de Salvador. [10]

            Passados dez anos da criação dessa data, verifica-se que o Brasil conta com duzentos e sessenta e dois manicômios. Os números de leitos destinados a doentes mentais são de sessenta e dois mil. Foram criados duzentos hospitais-dia e centros de atenção psicossocial. O Sistema Único de Saúde passa a pagar internações de um dia, quando em 1990 só pagava as que ultrapassassem trinta dias de internação. [11]

            Na Itália, a seu canto, dá-se o fechamento dos asilos e dos hospícios. O doente mental é tratado em sua própria casa, pelos seus parentes. O fim dos manicômios é conquista de Franco Basaglia, inserida na legislação, que não admite mais internamentos desde o ano de 1981. A reforma do sistema psiquiátrico italiano foi iniciada em 1978 e a previsão de sua conclusão é para o corrente ano.

            Segundo noticiado no Estado de São Paulo [12], a Itália, em 1996, ainda abrigava dezoito mil pacientes, distribuídos em sessenta e dois institutos públicos e dezoito privados. Os manicômios serão vendidos até 1997. Com o dinheiro da venda e com a cifra de um bilhão de dólares anuais, atualmente gastos para manter os centros psiquiátricos, o paciente será mantido em sua própria casa, por seus familiares.

            A família recebe uma subvenção de quinhentos dólares para acompanhar pessoa inválida física ou mental, não estando inseridos os esquizofrênicos nesta categoria. Em caso de crise, a família pode pedir o Tratamento Obrigatório, chamando a polícia, que leva o paciente ao centro de saúde mental, com o acompanhamento e autorização de um oficial judiciário. Uma vez passada a crise, estando o doente novamente calmo, retorna para casa.

            A cidade de Trieste, na Itália, é considerada um modelo internacional, pois foi a primeira a eliminar todos os seus manicômios. Mantém um centro de saúde mental com oito leitos, aberto vinte e quatro horas por dia, para cada cinqüenta mil habitantes. Os pacientes são acompanhados em casa e podem ir ao centro passar a noite, uma semana ou até um mês, se necessário. Nesses centros trabalham equipes compostas por quatro psiquiatras, dois psicólogos, dois assistentes sociais e vinte enfermeiros. [13]

            A ruptura com as práticas de confinamento dos doentes mentais é um processo complexo. Pode representar a negação da instituição de exclusão como meio de tratamento e a sua substituição por novas práticas, que destacam a efetiva participação dos familiares e dos dispositivos comunitários na assistência aos doentes. Pode representar, também, a perspectiva de abolição de todas as intituições de controle social, emparelhando-se à antipsiquiatria. [14](ORNELLAS Apud BARRETO, 1997) Em qualquer das formas, é um processo ainda em curso, com marchas e contramarchas, como será visto nos próximos capítulos.

            Se psiquiatricamente o internamento é discutido, juridicamente é aceito sem maiores contestações. No Brasil, os princípios do asilo pineliano permanecem vigentes, por força do Decreto 24.559, de 1934. Poucas são as mudanças legislativas a respeito do internamento. Dirceu Aguiar Dias Cintra Jr., juiz de Direito em São Paulo, destaca o Código de Saúde daquele estado, onde há previsão de tratamento em ambiente o menos restritivo possível. A internação deve ser o último recurso terapêutico e contar com o consentimento informado. [15] A vigilância dos direitos indisponíveis do indivíduo deve dar-se de forma articulada entre a autoridade sanitária e o Ministério Público. [16] (CINTRA JR., 1997)

            Segundo o mesmo jurista, em Minas Gerais foram banidas as práticas da camisa-de-força e cela-forte, além de regulamentadas as práticas terapêuticas psiquiátricas biológicas, como eletroconvulsoterapia, choque cardizólico e choque insulínico. Os hospitais psiquiátricos devem ser gradativamente extintos, substituídos por ambulatórios, serviços de emergência psiquiátrica, leitos em hospitais gerais, serviços de hospital-dia e hospital-noite, centros de convivência, lares e pensões. A internação deve acontecer como último recurso, vinculando-se à existência de laudo médico especializado, com diagnóstico, autorização de família ou do paciente, prevendo-se a intervenção do Ministério Público e da autoridade sanitária local. [17]

            Somada à falta de atualização da disciplina legal do internamento, percebe-se que os psiquiatras se dividem entre a aplicação de tratamentos somáticos e terapias cognitivas, fenômeno que já acontecia à época de Pinel, no final do século XVIII. Para exemplificar, pode-se fazer referências a profissionais como Wagner Gattaz, chefe do Departamento de Psiquiatria da Universidade de São Paulo, o qual opera com a hipótese de que as convulsões obtidas com o eletrochoque ou eletroconvulsoterapia, em sessões-padrão de um ou dois segundos, estimulam a hiperatividade de sistemas neurotransmissores. Assim sendo, podem ser utilizadas até para certos casos de Mal de Parkinson, onde há deficiência do neurotransmissor dopamina. Outros recomendam o eletrochoque por considerarem seus efeitos menos nocivos que os medicamentos contra a depressão.

            Já Elias Lino, responsável pela vigilância e controle das clínicas que atendem doentes psiquiátricos em São Paulo, mostra-se contrário ao eletrochoque sem anestesia ou como medida punitiva. Recomenda seja o médico denunciado aos conselhos regionais de medicina e às secretarias de saúde, além da informação precisa aos parentes sobre o tratamento.

            A terapia cognitiva também encontra acolhida entre os psiquiatras, como técnica de condicionamento, por meio de conversas e exercícios mentais, para auxiliar o paciente a restruturar sua maneira de ver a si mesmo e ao mundo. [18] Revela-se em duas orientações: condutivismo, behaviorismo ou comportamentalismo, que parte da idéia de que os homens podem ser treinados; sua conduta é ensinável. Ensinam técnicas que aliam às respostas condicionadas a um castigo ou recompensa. A segunda orientação, de fundo psicanalítico, é das comunidades terapêuticas, onde o paciente é levado a conversar sobre seu relacionamento com os demais. Procura confiar no potencial de cada um de seus membros para ajudar o outro a se curar. [19] (SERRANO, 1992:65)

            No caso da depressão, doença que atinge vinte por cento da população mundial, as justificativas para adoção de determinada prática médica também se polarizam. Há quem pregue a causa como desequilíbrio dos neurotransmissores denominados serotonina e noradrenalina. Para os psicanalistas, a causa está além dos mecanismos bioquímicos do funcionamento cerebral. Origina-se no descontentamento do homem com o progresso e com a sociedade em que vive, sem ter alcançado suas realização pessoal. Outros defendem uma postura eclética.

            Nesta situação está Carol Sonenreich, diretor do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica do Hospital do Serviço Público Estadual, em São Paulo. Com experiência de quarenta e sete anos em psiquiatria, sustenta que a depressão pode ser causada por doenças físicas, por alterações em todo o organismo, stress, estados de conflito e causas psicológicas. "O mal é a divisão que insistimos em fazer entre o físico e o psíquico". [20]

            Pode-se dizer, em síntese, que predominam duas perspectivas teóricas de concepção da loucura. A primeira é a visão da psiquiatria tradicional. Sua corrente organicista defende a doença mental como efeito de um processo orgânico. É uma realidade material, oriunda de uma lesão na natureza anatômica ou de algum distúrbio fisiológico, a ser tratada por psicofármacos. Abriga, ainda, a corrente que prescreve terapias cognitivas, que atingem o doente em seu psiquismo, seja adotando o modelo comportamentalista, seja embasando-se nos conhecimentos oriundos da Psicanálise. Desta última corrente vem florescendo a Antipsiquiatria.

            A segunda é a visão da Etnopsiquiatria, pela qual a loucura é uma criação cultural. As coletividades elaboram seus próprios modelos de loucura, sendo importante referir a ocorrência de doenças da moda. Há modos convenientes de ser anormal, como a crise histérica, no século XIX, e a esquizofrenia na atualidade.

            A crítica à visão da Etnopsiquiatria é de que não busca a origem da incorporação da loucura no universo das doenças, tratando-a como um fato em si, enquanto é sempre um fato relacional. [21] (FRAYZE-PEREIRA, 1993: 15-34) Remete-se novamente a Foucault, citado no início do capítulo, para sintetizar a loucura como um fato relacional: é doente em relação aos outros e a si mesmo.


CAPÍTULO 2

            2.1 Considerações Gerais

            Os modelos históricos de compreensão da loucura tomam como base a classificação feita por Isaias Pessoti na obra A Loucura e as épocas. Sem correspondência em teorias psiquiátricas, servem pelo efeito didático, pois permitem agrupar em três rubricas uma grande variação de escolas, teorias e correntes doutrinárias, diferentes entre si, é verdade, mas com um denominador comum, que possibilita a aproximação entre elas. Este denominador é a etiologia da loucura que cada grupo de teorias sustenta.

            Desta maneira, os autores que sustentam a influência sobrenatural como causa da loucura são agrupados sob o modelo mítico-religioso. Apontam em dois momentos diversos, inicialmente, na Grécia e Roma Antigas. Depois, reaparecem durante a Idade Média, sob as feições do demonismo. Não há, nessa época, uma escola ou corrente doutrinária no significado atual, mas a semelhança das idéias permite a sua apresentação unificada.

            O outro modelo sob o qual são agrupadas teorias, idéias ou autores recebe o nome de modelo organicista. Tem seu início na Idade Antiga, com Hipócrates, o Pai de Medicina. Persiste até a atualidade, justificando o emprego de terapêuticas psiquiátricas biológicas, como eletroconvulsoterapia.

            Sustenta a causa ou etiologia da loucura como sendo física, orgânica. Sua evolução histórica mostra a busca por um centro orgânico responsável pela loucura, variando entre útero, corrente sangüínea, coração, como responsável pelo calor vital, até sua fixação no encéfalo ou cérebro. Tem grande número de adeptos e desenvolve-se, sobretudo, a partir do Positivismo, que defende sua natureza científica.

            Por derradeiro, o modelo psicológico inicia na Antigüidade Clássica, com os autores de tragédia grega. Após um período de esquecimento, com prevalência de outros modelos, é retomado por Philippe Pinel, que passa a considerar as paixões na etiologia da loucura. Prossegue na atualidade com as teorias que sustentam terapias cognitivas ou psiquiatria analítica, sem medicamentos, aplicando os ensinamentos ou outras formas de terapias derivadas da Psicanálise. [22] (SERRANO, 1992:39)

            Pinel, como será visto, não é um representante aguerrido do modelo psicológico, apenas demonstra-lhe simpatias e inclinações. Ao defender a origem da loucura em desequilíbrios das funções mentais, é predominantemente organicista. Sua prática terapêutica, marcada por um tom moralista, é que permite o seu enquadramento neste modelo.

            Os três modelos são encontrados nas práticas atuais de Psiquiatria. O modelo mítico-religioso é percebido em práticas populares e contestatórias à oficial, como os ritos afro-brasileiros (umbanda) e espiritismo. [23] (SERRANO, 1992:12)O modelo psicológico é aplicado pelos psicanalistas, pelos seguidores de Pinel e Esquirol e por todos que sustentam a modificação do comportamento por convencimento do paciente, seja através da argumentação, seja através de comportamento condicionado, como os seguidores de Skinner. Por derradeiro, o modelo organicista é o predominante e adotado como oficial em muitos países. É combatido por correntes contrárias, como a Antipsiquiatria, que pretende a "derrubada dos muros" dos manicômios, mais ou menos como a Criminologia Crítica pretende a derrubada dos muros das prisões. [24] (BITENCOURT, 1996:28)

            2.2 Modelo mítico-religioso da Antigüidade Clássica

            Já na antiga Grécia, há registros de casos de loucura, de anormalidades psíquicas e de seres humanos com alguma diferença comportamental em relação aos demais. Isto pode ser constatado na obra dos clássicos, onde alguns dos personagens apresentam momentos transitórios ou não de insensatez, a exemplo da obra de Homero. Seus poemas caracterizam o primeiro modelo teórico da loucura.

            Esse autor clássico descreve uma bebida destinada ao esquecimento, o que pode ser visto como um dos primeiros fármacos, bem como quadros de melancolia e mania, vividos por seus personagens. São momentos passageiros, de que estes não precisam sentir culpa ou remorso.

            Isto porque os quadros de insensatez ocorrem por intervenção direta e permanente dos deuses, inclusive por caprichos e ciúmes. A cura dá-se quando o personagem deixa de querer superar ou assemelhar-se aos deuses, quando deixa de querer fugir de seu destino, bem como quando se reintegra ao modelo social de que se desviou.

            A etiologia da loucura é, portanto, teológica. Diante da intervenção sobrenatural, que acontece quotidianamente, determinando desejos e até o cometimento de crimes, não há estigma ou remorso para as personagens acometidas de momentos de insensatez. A intervenção sobrenatural funciona como um mecanismo de defesa, acarretando irresponsabilidade dos homens e conferindo-lhes serenidade.

            Isto não impede a adoção de certas medidas contra os loucos, embora os registros históricos sejam escassos. Aos loucos "em geral" recomenda-se sua guarda com parentes, "de maneira a tirar-lhe toda a possibilidade de prejudicar a si mesmo ou a outrem". Já aos loucos de difícil controle, reserva-se o encarceramento. Por derradeiro, aos loucos criminosos, impunha-se uma guarda mais rígida, prevendo-se, inclusive, a contenção por correntes. [25] (ALVIM, 1997:30)

            Conta-se que Enrico Ferri referiu, em um discurso no Parlamento Italiano, um episódio da Roma antiga, que doravante seria visto como antecedente das medidas de segurança. Trata-se do internamento a que foi submetido um matricida, tido como louco, por ordem de Marco Aurélio. [26] (ARAÚJO Apud ALVIM, 1997:57) Segundo Ferri, indagado a respeito de Elias Prisco, teria o Imperador respondido ao juiz:

            "Si tendes certeza de que Elias Prisco não simulou a sua loucura, podeis transigir sobre o modo de condemnação, desde que elle é bastante punido pelo seu proprio furor. Todavia elle deverá ser guardado cuidadosamente, e si o entenderdes, o sujeitareis também ao seqüestro (‘vínculo coercendus’), porque esta providencia valerá tanto como pena, quanto como à proteção d´elle e segurança do próximo." [27]

            Em síntese, este modelo de pensamento, na Antigüidade Clássica, inicia com Homero e finaliza com os autores de tragédia grega. Prega a intervenção dos deuses, entendidos como entidades sobrenaturais, sobre a inteligência e as paixões. A autonomia da vontade e do comportamento humano cede diante da entidade mitológica. Não há responsabilidade pelos atos cometidos por determinação das forças celestiais.

            2.3 Modelo Demonista da Idade Média

            A atribuição da influência cósmica como causa da loucura é retomada nos séculos XV e XVI. Desta feita, os comportamentos bizarros não são mais desígnios de deuses, mas, sim, do demônio. Com uma característica singular: não se fala mais da loucura em si. Passa a estar atrelada ao demonismo. Quem faz ou diz coisas estranhas, está possuído pelo demônio. É-se louco, porque endemoniado: a loucura é a prova da possessão diabólica direta ou por artes de bruxaria.

            O demonismo deita suas raízes na formação doutrinária do cristianismo. O culto a deuses pagãos é visto como obra do demônio. Do mesmo modo, os hereges são instrumentos daquele. A demonização dos hereges, segundo Isaias Pessoti [28] (1994:83), justifica a intolerância religiosa e a perseguição às dissidências. Atinge a terceiros inocentes, como fica evidenciado com a perseguição aos descendentes dos hereges. [29] (SOLER Apud ALVIM, 1997:30)

            Muitas das obras da época sofrem a influência das idéias de Santo Agostinho e de Tomás de Aquino. O primeiro prega a existência de demônios, como forma do homem atingir seu aperfeiçoamento, ao voltar-se à busca de Deus. Segundo ele, até fenômenos da natureza, como tempestades e perdas de colheitas podem ser causados por feitiçaria. Tomás de Aquino reconhece expressamente a existência de demônios em sua Summa Theologica.

            Sua influência pode ser sentida em obras escritas importantes, a exemplo de Malleus Maleficarum, de Sprenger e Heinrich Kramer, datado de 1484. Traduzido como "Martelo das Bruxas", serve como manual aos inquisidores e aos exorcistas, contendo informações doutrinárias para a identificação de casos de possessão demoníaca. Transmite as assertivas de que a loucura pode ser causada diretamente pelos demônios, ou indiretamente, por intermédio das bruxas. Não afasta, contudo, os desígnios de Deus, que pode determinar o quadro de loucura como doença natural.

            Uma das formas de atuação do demônio é a física. Nesta situação, instala-se no cérebro da pessoa, já que a alma é reservada a Deus. Pode ocorrer, ainda, de duas outras formas: ou dar-se mediante acompanhamento constante da pessoa, sem estar dentro dela, tomando-lhe o corpo, ou mediante a produção de alterações nos objetos e no corpo, no ânimo ou no humor da pessoa, de modo a causar alucinações, temores, cegueiras e doenças inexplicáveis para a Medicina. [30] (PESSOTI, 1994:96)

            Outra obra congênere ao Malleus é de autoria de Jerônimo Menghi de Viadana, intitulada Compendio dell’Arte Essorcista. Prega a intervenção constante dos demônios na vida humana, afirmando que toda doença pode ser obra daquele. Ensina fórmulas e orações para combatê-los através do exorcismo. Com isto, reforça a perda da autoridade dos médicos nas curas.

            Pode-se constatar que tanto o Compendio como o Malleus propagam a etiologia diabólica de qualquer fenômeno de aberração ou bizarrice do comportamento, ao mesmo tempo em que "demonizam" a doença em geral. Através dessas obras, espalha-se o medo e incentiva-se o exorcismo, que passa a ser uma atividade rentável.

            Isto porque a indicação dos sintomas da possessão e a descrição multiforme do demônio favorecem o comprometimento de qualquer pessoa de comportamentos tidos como estranhos ou de quem não se conheçam ou aprovem os hábitos, sobretudo na esfera sexual. Esta é vista como a área mais propícia para a tentação e corrupção dos homens pelos demônios.

            As pessoas com distúrbios mentais passam a evidenciar a possessão demoníaca, por obra desse ou de alguma bruxa. Em último prisma, sempre por permissão de Deus, como resultado da imperfeição e culpa humanas. "A perda da razão ou o descontrole emocional têm a marca da condenação e da culpa" [31] (PESSOTI, 1994:100), justificando a autoridade e a investidura em poder inquisitorial dos exorcistas e de teólogos especializados em demonologia.

            O louco passa a ser visto como perigoso. Isto porque a possessão demoníaca só ocorre em pessoas em falta. Os bons não são atingidos pelo demônio. Talvez aqui esteja o início da sustentação da periculosidade dos loucos, que mais tarde fundamentará a sua constrição através de medidas de segurança. Para Rui Carlos Machado Alvim [32] (1997:68), no entanto, o conceito de periculosidade já estaria presente no direito muçulmano antes da Idade Média cristã. De qualquer sorte, através da literatura demonológica cristã, a loucura é estigmatizada moralmente, o que não acontece no modelo mítico-teológico que a precede.

            2.4 A loucura e sua relação com a razão segundo o modelo mítico-religioso.

            Importa ressaltar que a adoção do modelo mítico-religioso latu senso, incluindo o demonismo, não implica a compreensão da loucura como falta de razão, necessariamente. Pode acarretar uma perda transitória, por vontade dos deuses, como sustentado por Homero. Também no Compêndio sustenta-se que a prática de sacrilégios e de bruxarias, ou o descontrole passional, por obra do demônio, não representam a perda da razão, embora possam resultar nela. [33] (MENGHIUS Apud PESSOTI, 1994: 110)

            Ao contrário, a loucura está infinitamente próxima da razão, no dizer de Michael Foucault. [34] (1995:35) No ponto mesmo em que atinge o máximo de suas possibilidades, como a vivacidade das imagens, a violência da paixão e o recolhimento do espírito para dentro de si mesmo, seus traços são também os traços mais aguçados da razão. A loucura é uma das figuras necessárias da razão: a razão necessita dela, até para certificar-se de si mesma.

            Já João Frayze-Pereira [35] (1993:40-41), adotando uma visão etnológica, sustenta que as possessões podem ser interpretadas dentro de uma teoria mitológica do cosmos ou como efeito de perturbações elétricas do cérebro. Entretanto, nem os deuses nem a energia cerebral podem existir independentemente dos respectivos contextos sociais em que são definidos e interiorizados como realidades pelos indivíduos. A possessão não deixa de ser uma celebração pública, fervorosa e entusiasta de um mito coletivo, onde o fenômeno do transe é vivido tanto pelo indivíduo possuído como por aqueles que o assistem.

            A loucura, pois, é um fenômeno social que deve ser interpretado conforme a época. No contexto dos séculos XV e XVI, a loucura é mantida em liberdade. Os loucos podem vagar pelas cidades, sendo tratados por caridade alheia. O mesmo acontece com os pobres. Acredita-se que o auxílio aos pobres contribui para a salvação do homem, sendo corrente a prática da compra de indulgências. A existência de pobres e de loucos faz parte dos desígnios de Deus. Os diferentes são parte da sociedade. Sua razão é diferente da razão comum, mas é explicável dentro do plano divino. Existem para que os ricos possam dar esmolas, salvando a si mesmos. [36] (SERRANO, 1992:13)

            Os segregados da época são os leprosos. Os significativos avanços na cura da lepra são atribuídos ao processo de exclusão social que sofrem, o qual acarreta, via de conseqüência, o isolamento do bacilo de Hansen e o rompimento dos focos de infecção. Aos poucos, os grandes leprosários passam a ficar desocupados.

            A decadência do Feudalismo, no entanto, ao provocar mudanças na economia, desembocando em alta de preços nos gêneros de primeira necessidade, aumenta o número de mendigos. Estes e os loucos passam a ser tidos como ameaças sociais, pela possibilidade de surtos de violência e de criminalidade.

            O cordão de pobreza e de mendigos é engrossado ainda, segundo Rui Carlos Machado Alvim [37] (1997:85), graças às medidas punitivas adotadas pela Igreja Católica, a exemplo das mutilações. Os criminosos, marcados ou aleijados, que haviam escapado da pena de morte, passam a perambular entre as cidades, não recebendo acolhida e ficando proibidos de retornar à sua cidade natal.

            Os leprosários, então, passam a ser ocupados, por outros tipos de excluídos, com destaque a mendigos, vagabundos, portadores de doenças infecto-contagiosas, sobretudo de origem sexual, e loucos. O convívio de loucos e doentes venéreos na mesma prisão dura cerca de cento e cinqüenta anos. [38] (FOUCAULT, 1995:87) Assim como a exclusão retirou a lepra de cena, espera-se alcançar a modificação dos novos excluídos através desse ritual de isolamento e de reintegração espiritual. [39] (PEREIRA, 1993:50)

            O internamento foi utilizado como um espaço comum às faltas carnais e da alma. [40] (FOUCAULT, 1995:87) Dividem-no os insanos, os homossexuais, os blasfemadores, os suicidas, e os que manifestam pensamento libertino, assim entendidos os que se dedicam à magia ou alquimia, a práticas de profanação, são ateus ou ímpios. Todos passam para o domínio da insanidade. Nesse sentido, o Conmpendio sustenta ser a avareza, a luxúria, a ambição desmedida e o desrespeito ao sagrado formas de manifestação da loucura. [41] (PESSOTI, 1994:104)

            Quanto aos loucos, além da custódia nos leprosários, há a prática de rituais de exclusão. Em um destes, os loucos são perseguidos pela cidade, com a população armada de bastões, até que deixem o local. Arqueiros colocados providencialmente nos muros da cidade impedem seu retorno. Outra forma de afastamento consiste na entrega dos loucos a mercadores e marinheiros, que os abandonam em locais distantes, para que não mais encontrem seu local de partida. [42] (FOUCAULT, 1995:11-12)

            Sem dúvida o ritual mais significativo dessa época é a Nau dos Loucos, conhecida embarcação literária, inspirada em acontecimento real. A Nau dos loucos ou Narrenschiff é uma barca que transporta loucos de um local para outro, não se sabendo ao certo de onde vem nem para onde vai. A significação da água sobre a qual navega é de purificação. Ao mesmo tempo, entende-se que o louco está preso no próprio veículo de passagem. [43] (FOUCAULT, 1995: 12)

            Com a chegada dos hospitais, a barca fica amarrada. Os postos e funções antes ocupados na barca são transferidos, passando cada louco a ter sua posição nos hospitais. O internamento, para Foucault, é a seqüência do embarque. [44] (FOUCAULT, 1972: 43)

            Em síntese, o modelo mítico-religioso prega a irresponsabilidade do doente mental perante seus atos. Sua conduta é determinada por forças superiores do Bem ou do Mal. A irresponsabilidade pelos atos, contudo, não é sinônimo de abolvição de instâncias de controle social. Aos poucos, o próprio acometimento de loucura passa a ser visto como o castigo para pessoas desaprovadas pelo senso moral dominante nas sociedades medievais.

            Enquanto não há adaptação do louco às normas vigentes, pode sofrer medidas de constrição de sua liberdade. Não há um tratamento diferenciado para o louco que delinqüe e o louco que só apresenta comportamentos tidos como estranhos, sem contudo ferir as normas penais estabelecidas. Conforme for seu grau de diferenciação dos demais membros da sociedade, pode ou não ser dela afastado. Até que, na Idade Média, todo aquele que se apresenta como desviante da norma vigente, seja louco, pobre, criminoso ou doente recebe o mesmo tratamento: a exclusão, como forma de eliminação da heterogeneidade dos associais. [45] (FOUCAULT, 1995:79)


CAPÍTULO 3

            3.1 O modelo orgânico na Antigüidade Clássica

            Hipócrates inaugura o modelo organicista da loucura, o qual tem ampla aceitação nos séculos XVIII e XIX. Para ele, a loucura é um desarranjo do cérebro, provocado por disfunções humorais. Tem causa orgânica. Os tipos de loucura não merecem especial enfoque pelo médico da cidade grega de Coos, posto que consistem em efeitos daquelas disfunções.

            Isaias Pessoti [46] (1994:54) explica o processo segundo a visão hipocrática: a fleugma bloqueia a passagem de ar ao cérebro, causando a desnutrição e o esfriamento deste. Temporariamente desalimentado, o cérebro movimenta-se, afetando os sentidos e as percepções sensoriais.

            A terapia recomendada é física, já que o problema também é físico, orgânico. Indica a diluição ou expulsão dos humores para os sítios orgânicos normais ou para fora do organismo. Tais processos de filtragem são denominados katarsis.

            Se de um lado o pensamento de Hipócrates marca o fim da medicina sacerdotal na Grécia, de outro retarda o desenvolvimento da concepção psicológica da alienação, que aparece embrionariamente na obra do autor trágico Eurípedes.

            A influência de Hipócrates pode ser sentida na obra da maioria dos pensadores da época, de Platão a Célio Aureliano. Filiados à teoria hipocrática, apresentam a loucura como desarranjo dos humores. Prescrevem terapias físicas, indicando a purificação dos órgãos e a diluição dos humores, para restabelecimento do equilíbrio. A verdadeira terapia deve assegurar a excreção, fluidificação ou transformação da atrabílis.

            Aristóteles e seu discípulo Teofrasto não concordam com a colocação do cérebro como fonte da razão. Tampouco seguem a teoria humoral. Para eles, o coração funciona como a fonte do racional e do irracional, podendo sofrer alterações, conforme o calor vital. Ainda que divergente de Hipócrates e de sua teoria humoral, o modelo conceptual de Aristóteles sobre a loucura não deixa de ser orgânico.

            Aristeu da Capadócia também se destaca por não seguir integralmente a teoria dos humores. Filia-se ao pneumatismo. É tido como um alienista ou como o "Hipócrates da medicina mental". [47] (BALL, RITTI Apud PESSOTI, 1994:63) Recomenda a catarse, a expulsão das substâncias que provocaram as disfunções orgânicas, através da prática de banhos, de sexo, sangramentos ou da ativação do suor.

            No entanto, em termos de terapia psiquiátrica, merece destaque Solanus de Efeso. Tal pensador recomenda aos melancólicos assistirem a comédias. Aos loucos alegres, a assistência a tragédias. Inova em psicoterapia, ainda, ao incentivar a seus "pacientes", ainda que iletrados, à escrita e preparação de discursos, a serem aplaudidos pelos familiares. Com isto, evidencia a importância da aprovação social e do sucesso pessoal, afastando-se da teoria humoral.

            Na medicina greco-romana destaca-se, igualmente, Galeno. Pode ser tido como autor eclético. Acredita que a loucura é produzida por um desarranjo humoral, mas substitui os humores líquidos e palpáveis de Hipócrates por conceitos da escola pneumática. Sua doutrina de pneumas tem ampla aceitação nos séculos XVIII a XIX, a ponto de Starobinski [48] (Apud PESSOTI: 1994:77) chamar as obras de medicina dessa época de "paráfrase de Galeno".

            Anuncia o pneuma como vapor interno do corpo. Quando produzido no cérebro, denomina-se pneuma psychicon e destina-se a dirigir as atividades mentais e nervosas. O vapor produzido no coração é conhecido como pneuma zoticon, devendo dirigir as funções e órgãos da vida biológica. Por derradeiro, ao pneuma produzido no fígado, conhecido como pneuma physicon, atribui a incumbência de comandar as atividades nutricionais e metabólicas. [49] (PESSOTI, 1994:73)

            Segundo Galeno, as doenças mentais são lesões nas faculdades superiores, assim entendidas a imaginação, razão e memória. O processo causal começa com vapores de origem abdominal, que afetando o encéfalo, atingem as funções superiores. O quadro nosológico varia, segundo as diferentes combinações entre os tipos de lesões e as faculdades afetadas.

            Logo, a natureza da loucura para Galeno é híbrida. De um lado, é somática, orgânica, atribuída aos pneumas, enquanto vapores e sopros internos do corpo humano que afetam imediatamente o encéfalo e mediatamente as faculdades mentais. De outro, é psicológica, porque seu sintoma é justamente a disfunção da imaginação, razão ou da memória. Embora buscando uma explicação física, a teoria dos pneumas não deixa de introduzir um elemento mágico como causa da loucura.

            3.2 O enfoque médico da loucura nos séculos XVII e XVIII

            A partir do século XVII, prosperam reações ao modelo mítico-teológico, passando os médicos a buscar fundamentos anatomofisiológicos para a loucura. Se as respostas encontradas não são as mais adequadas, sobretudo por não disporem de critérios nosográficos unívocos, têm ao menos o mérito de afastar explicações sobrenaturais. Pelo enfoque médico da época, a essência da alienação passa a ser um distúrbio de alguma função ou estrutura orgânica, sobretudo do cérebro.

            Destacam-se as classificações de Zachias e de Félix Plater. O primeiro baseia-se em conceitos jurídicos e de tribunais eclesiásticos. Sustenta que somente o médico pode atestar a insanidade e determinar o internamento. Félix Plater, a seu canto, é o responsável pela introdução do conceito de alienação mental; vislumbra fases sucessivas entre a mania e a melancolia, o que mais tarde gerará a conceituação de psicose maníaco-depressiva. Sua ênfase no delírio como essência da loucura ou seu elemento discriminante repercute em toda doutrina médica que lhe é subseqüente.

            Apesar da doutrina de Zachias, na prática a internação dá-se sem acompanhamento de médicos. Raros são os internamentos que se fazem acompanhados de dossiê médico. Dão-se por decisão da família e do rei, através das cartas-régias. Ou por decisão do juiz de paz e dos tribunais. Pouca diferença há entre a compreensão da loucura e do crime, posto que conceitualmente não se excluem. Ambos estão ligados ao mal. Para a lei, no entanto, "a loucura atinge essencialmente a razão e altera a vontade, ao tempo em que a inocenta". [50] (FOUCAULT, 1995:125-137)

            A busca de explicação anatomofisiológica do delírio é responsável pelo surgimento das teorias iatroquímica, pneumática e iatromecânica. A primeira teoria tem em Paracelso um de seus expoentes. Sustenta a presença de sais, mercúrio ou substâncias tóxicas no corpo, provocando o delírio. Para os pneumáticos, com representantes da estirpe de Descartes e de Thomas Willis, o delírio ocorre por obra dos espíritos animais. Por derradeiro, os iatroquímicos pregam que a loucura dá-se por processos hidráulicos e mecânicos internos ao corpo, como entupimento de dutos e contração das fibras nervosas. O excesso de tensão nas fibras causa a loucura, sem que componentes afetivos estejam envolvidos.

            Segundo Isaias Pessoti [51] (1995:133), tanto os iatroquímicos como os pneumáticos concordam que a loucura tem causas naturais e implica danos à fisiologia cerebral. Tais danos acarretam delírios, irracionalidade e descontrole emocional. Não abandonam, contudo, a possibilidade de deixar lesões na estrutura do cérebro. Essas teorias, somadas à iatromecânica, representam a busca de fundamentos anatomofisiológicos que sustentem a negação das concepções mitológicas ou mágicas.

            Numerosas outras classificações são elaboradas no século XVIII. Muitas evidenciam critérios pessoais e arbitrários na sua formulação. Querem se afastar da influência filosófica e também do modelo mítico-teológico, por não serem considerados científicos. Não consideram o aspecto afetivo da pessoa em delírio. Tudo isto implica dispersão em pluralidade de linhas de pensamento.

            De um lado têm-se as idéias filosóficas de Locke e Condillac, que definem faculdades da alma e da mente. De outro, as doutrinas médicas, confusas e desorientadas metodologicamente. A ponto de Laignel-Lavastine e Vinchon [52] (Apud PESSOTI, 1996:61) sintetizarem o estilo setecentistas da seguinte forma:

            "Os textos setecentistas começam com extensas considerações psicológicas, a partir das doutrinas de Locke e de Condillac; o primeiro capítulo é, quase sempre, uma discussão da questão da alma. Em seguida se trata das sensações e das espécies de inteligências. Depois se discorre sobre os erros e suas origens: a sensação ou o julgamento, ou, ainda, sobre a imaginação, uma origem mais evidente nos casos de visões, sonhos e devaneios"

            As teorias médicas da época difundem o apego acrítico a algum modelo patológico acabado e dogmático, como o iatromecânico ou pneumático. "O saber é inteiramente possuído pelo médico, pela teoria, mesmo antes do encontro com o caso clínico (...) Requer apenas a aplicação das categorias prefixadas pela teoria. [53] (SIMONETTO e DEL PISTOIA Apud PESSOTI, 1996: 49)

            De Bossier de Sauvages, com seu Jardim das Espécies [54], até o final do século XVIII, o quadro nosológico mantém certa estabilidade. São discernidas a mania, melancolia, frenesi e demência. O critério de diferenciação entre as duas primeiras permanece na presença clássica da febre. Somente no final do século XVIII a hipocondria e a histeria passam a ser assimiladas como doenças mentais. Segundo Michel Foucault, as classificações só funcionam a título de imagens, posto que seus conceitos permanecem sem eficácia. [55] (1995:195).

            Além dos sintomas, os médicos dos séculos XVII e XVIII procuram as causas da loucura. A causa próxima deve ser a alteração visível do sistema nervoso, sendo realizadas autópsias para constatar modificações no cérebro. De outro lado, há uma diversidade de causas distantes, algumas já sustentadas como tais pelos adeptos do modelo demonista. Dentre estas, Michel Foucault [56](1995:222) destaca as seguintes: ar, alimentação, paixões, leituras de romances, espetáculos de teatro, amor pelas ciências, cultura das letras. Sem esquecer a influência da lua, a que Paracelso, o representante maior dos iatroquímicos, denomina lunatismo.

            3.3A retomada ao modelo orgânico na Idade Moderna e seu significado

            Relegado ao esquecimento durante a Idade Medieval, o modelo organicista de compreensão da loucura é retomado no século XVII, adentrando o século XVIII. Encontra os loucos nos leprosários e nas prisões, misturados a outras espécies de pessoas excluídas da sociedade. Contra esta situação há movimentos contrários, seja dos próprios criminosos, que não concordam em ficar presos junto com insanos, seja de teóricos, a exemplo de Howard [57] (FOUCAULT, 1995:55) que, ao visitar as prisões, insurge-se contra a mistura de condenados, jovens que perturbam a família, vagabundos e insanos. Se há polêmica quanto à mistura de loucos e pessoas que raciocinam, não há polêmica sobre a relação entre louco e internamento.

            Durante o século XVII, a criação de grandes hospitais favorece tanto a internação, como uma reação à miséria, como sua duração mais prolongada. Segundo Michel Foucault [58] (1995:48), a cada cem habitantes um é internado, à época, em Paris. Não há, contudo, um critério específico para determinação das pessoas que são internadas. Os hospitais servem tanto para o internamento dos pobres como dos loucos. Em parte, "o tratamento serve para controlar a massa dos diferentes, prendendo-os e isolando-os". [59] (SERRANO, 1992:21) Serve como meio de homogeneização dos diferentes. O louco, custodiado entre tantos, não tem facetas e caracteres próprios.

            O início do século XVIII, por sua vez, reflete a mera custódia dos loucos. Não recebem tratamento médico constante. Não há um tratamento específico para a doença mental. As visitas médicas que lhes são feitas servem apenas para minimizar o problema de febre das prisões. Além disto, os médicos não têm formação específica. São indicados pelo poder político: o Estado designa quem vai cuidar dos grandes hospitais.

            Com a reforma protestante, sustenta-se que a salvação ocorre através do trabalho, não mais através da prática de esmolas. Os loucos e os pobres começam a ser questionados por viverem na ociosidade. Julga-se que se encontram nessa situação por viverem no ócio e não produzirem riquezas através do trabalho. Passam a ser temidos como ameaça social, pela possibilidade de surtos de violência. Proíbe-se serem auxiliados, salvo através de instituições oficiais.

            Ocorre nos hospitais, então, um fenômeno comum às prisões da época. Ambas funcionam como "prisões da miséria" [60](FOUCAULT, 1995:70), como centros de reabsorção dos desempregados, ocultando seus efeitos sociais, além de promover o controle de preços, de agitações e de motins [61] (BITENCOURT, 1993:35). Pregando-se o trabalho dos custodiados, alcança-se mão-de-obra barata. Isto incentiva o desemprego, e nova fileira de miseráveis é recolhida às cadeias, casas de trabalho ou aos hospitais.

            Outra semelhança da história da loucura com a história das prisões refere-se à exibição dos insanos à comunidade. As famílias providenciam o internamento dos seus, como forma de evitar o escândalo e a vergonha. Paralelamente a isto, os loucos podem ser visitados e exibidos ao público. Tal como Le Peletier propõe que o povo, inclusive as crianças, uma vez por mês, visitem os condenados, a título de publicidade e de ligação da idéia do crime à idéia da pena [62] (FOUCAULT, 1996:99), no Hospital de Bethleem, na Inglaterra, a exibição de loucos custa um penny, sendo realizada aos domingos. [63] (FOUCAULT, 1995:146)

            "Esse olhar que se voltava sobre ela [loucura] era então um olhar fascinado, no sentido de que o homem contemplava nessa figura tão estranha uma bestialidade que era a sua própria e que ele reconhecia de um modo confuso, como infinitamente próxima e infinitamente afastada, essa existência que uma monstruosidade delirante tornava desumana e colocava no ponto mais distante do mundo era secretamente aquela que ele sentia em si mesmo" [64] (FOUCAULT, 1995: 438).

            Ainda não se fala em doença mental. O louco é tido como ser inferior, incompetente e desadaptado para o trabalho. As idéias de seleção natural de Darwin servem para vislumbrar o louco como um ser mais fraco, que necessita da ajuda dos mais fortes. "A loucura é vista no horizonte social da pobreza, da incapacidade para o trabalho e da impossibilidade de integrar-se no grupo". [65] (FOUCAULT, 1995:78)

            Alan Índio Serrano também oferece uma visão bem crítica desse processo de isolamento e neutralização, ao afirmar que, com a inferiorização dos desviantes, afirma-se subrepticiamente como "homem apropriado para viver em liberdade o burguês, branco, dominador e colonizador, com sua cultura e sua moral". [66] (1992:24). A internação do louco nesse período destina-se, unicamente, à sua custódia pelo Estado, sem qualquer finalidade curativa.

            Os casos de doenças venéreas passam a receber atenção da medicina, sendo direcionados aos hospitais. Com a separação dos presos e de portadores de doenças contagiosas dos loucos, a loucura pode ser melhor observada em suas características próprias. O reconhecimento da loucura, em sua realidade patológica, só corre com o seu isolamento, quando então é definida em sua realidade médica. Michel Foucault [67] (1995:384) denomina a este acontecimento da segunda metade do século XVIII de "a nova exclusão no interior da antiga", talvez uma nova saída da Nau dos Loucos.

            As monografias da época não se aplicam mais, urgindo a feitura de nova classificação, que tome por base a observação asilar. O louco não tem caracteres que o distingam dos demais internados por insanidade. A diferenciação só é fácil e evidente em relação a criminosos, pobres e doentes venéreos que dividem o espaço comum do internamento. Com seu afastamento, faz-se necessária a "instrusão da diferença na igualdade da loucura. [68] (FOUCAULT, 1995:387)

            As mudanças econômicas, a exigirem mão-de-obra barata, contribuíram para o progressivo isolamento do louco dentro do asilo. Percebe-se que o internamento de pobres em instituições representa um custo assistencial alto. Seu aproveitamento é melhor no comércio, indústria e no ciclo de consumo, ainda que limitadas sejam suas possibilidades. O pobre é reintroduzido na comunidade, não mais para possibilitar a santificação do rico, através da esmola, mas para sustentá-lo.

            Já com o doente, que não pode trabalhar e produzir riquezas, o tratamento não tem utilidade econômica. Conseqüentemente, não há urgência em promovê-lo. A melhor forma de assistência passa a ser vista como a realizada dentro do seio da família. A manutenção pelo Estado, distribuindo diretamente auxílio às famílias dos doentes é mais barata do que a construção de hospitais. Estas idéias, como visto, são encontradas também em Basaglia, na Itália, ao pregar o fim dos manicômios. O lugar da cura deixa de ser o hospital e passa a ser a família.

            O louco deve ser mantido em casa com os familiares. Se estes descuidarem de sua guarda, podem sofrer conseqüências. O seu isolamento domiciliar, segundo o direito penal catalão, pode prolongar-se até a completa cura; caso contrário, até a morte, não afastando a utilização de correntes.

            Esta providência, na opinião de Cuello Calón [69](Apud ALVIM, 1997:83), figura como medida de segurança, ainda que bastante cruel. Autoriza-se a prisão de loucos que não tenham família. Isto justifica a prisão e perseguição às pessoas encontradas sozinhas pelas ruas. São conduzidas para as vagas dos leprosários, em asilos ali montados, afastadas do convívio público e obrigadas ao trabalho. "Enquanto as outras figuras encerradas tendem a escapar ao internamento, só a loucura ali permanece". [70](FOUCAULT, 1995:414)

            Além disto, há certa desigualdade no tratamento dos loucos, mesmo que realizado através das famílias, a depender de sua classe social. Os ricos passam a cuidar rigorosamente de seus parentes atacados por loucura dentro de suas casas, diretamente ou por pessoas contratadas e de sua confiança. Já os pobres não têm os recursos necessários para conter os insensatos. Urge o auxílio do Estado, colocando à disposição também dos pobres a possibilidade de cuidados e vigilância, desta feita de forma gratuita e intra muros.

            Dá-se um processo similar ao da psiquiatria na atualidade. As pessoas mais favorecidas economicamente podem buscar consultas particulares ou mediante convênios. Já as pessoas de classes sociais inferiores não dispõem desse recurso, por vezes socorrendo-se de formas de psiquiatria alternativa, como a umbanda e outros ritos afro-brasileiros, que podem ser vistos como reação popular à psiquiatrização ocidental, vinda da Europa. Ou então, colocam-se à disposição centros comunitários de psiquiatria, inseridos no sistema oficial de saúde, como ocorre nos Estados Unidos.

            A necessidade de definição de um espaço público de assistência destaca hospitais gerais como o de Bicêtre, destinado aos homens, e o de Salpêtriére, destinado às mulheres, ambos situados na França. Para lá são enviados os insensatos pobres. Sendo o louco oriundo de províncias distantes de tais hospitais gerais, é mantido nas prisões. É a própria população que reage contra a falta de um espaço social próprio para os loucos: prega a construção de hospitais especializados para eles ou, no máximo, sua permanência na família. De qualquer sorte, não os quer misturados à sociedade.

            Na interpretação de Michel Foucault, no momento em que a doença e a miséria passam a ser coisas privadas, a loucura vem a necessitar de um estatuto público e de um espaço de confinamento que garanta a sociedade contra os seus perigos. [71](1995: 424) Não se sabe como deve ser esse espaço. Entretanto, deve servir para recepcionar o louco, bem como os doentes e pobres sem família, substituindo-a em hipótese de tentativas frustadas de manutenção desses dentro do espaço familiar. O louco fica situado entre uma assistência incipiente e o internamento em vias de desaparecimento.

            Aos poucos, os locais de internamento também se transformam em espaços de cura. Procura-se não mais coagir o louco, porque isto o leva a se refugiar na imaginação. Deixa-se ser ele mesmo, para que a loucura assuma suas próprias faces. Principia um sistema de registros dos acontecimentos do asilo, ao contrário do que acontecia anteriormente, onde não havia registros sobre as pessoas internadas. A "liberdade enjaulada" dos loucos, na expressão de Michel Foucault [72] (1995:432), com valor terapêutico, só é concretizada, no entanto, com Pinel e Tuke.


CAPÍTULO 4

            4.1 A loucura na visão dos autores trágicos da Grécia Antiga

            Os autores trágicos, notadamente Ésquilo e Eurípedes, apresentam traços da credulidade na intervenção cósmica sobre o comportamento humano. Embora quisessem retratar em sua obra a vida humana, com suas aberrações, e não visassem à psicopatologia, aos olhos atuais pode-se sustentar que traçaram complexos quadros clínicos de insanidade.

            Um dos personagens de Ésquilo, denominado Orestes, vive em conflito por ter de obedecer às imposições divinas, que coincidem com a norma social. Deve matar a mãe adúltera, para vingar o próprio pai. Sente-se dominado por forças sobrenaturais, contra as quais não pode se insurgir. Já a personagem Cassandra apresenta loucura profética. Seu castigo é o descrédito em suas previsões e a desmoralização no meio social.

            Eurípedes, de formação filosófica mais racionalista, dado o convívio com os sofistas e com Sócrates, começa por afastar a compreensão mitológica da loucura. Para o trágico grego, a loucura é fruto de contingências naturais humanas, como paixão, ódio, vergonha, instinto, em conflito com a norma. Quando alude a algum deus, fá-lo por mera referência, ante a falta de um sistema de conceitos psicológicos sobre a loucura, sem que aquele fosse responsável pelo comportamento humano desequilibrado.

            O autor reflete a natureza do homem como sendo contraditória, conflitiva, por vezes patológica. Através de seus personagens, apresenta quadros de melancolia, mania, paranóia e esquizofrenia. Destacam-se Freda e Medéia como sujeitas a conflitos causados pela paixão. A primeira é melancólica; vive em conflito entre a norma social ou ética e seu desejo, mais tarde chamado de forças da libido, na expressão de Freud.

            Já Medéia apresenta um quadro de manie raisonannte, para usar a terminologia do século XIX. Reflete perda de afetividade e do controle ético sobre a vontade, ao desejar matar seus filhos. No entanto, não sofre a perda da racionalidade e da consciência nem abalo na imaginação.

            Eurípedes também cria um personagem denominado Orestes. Exemplifica um caso crônico de paranóia. O quadro clínico faz-se sempre presente, mesmo nos momentos em que a personagem não está em crise. Orestes sente-se perseguido por mulheres. Quer matá-las, temendo ser emasculado por elas. O autor grego aborda, em síntese, um conflito de definição sexual.

            Na obra derradeira, intitulada As Bacantes, Eurípedes traça um quadro de esquizofrenia. Suas personagens buscam a loucura extática, como forma de sair de si e de desrecalque de necessidades sexuais reprimidas. Há perda da própria personalidade e do contato com a realidade.

            Desse modo, Penteu, criado para o poder, sente-se em conflito por desejar cultuar um deus bissexual como Dioniso. Já Agave e as bacantes vivem rituais de orgia. Representam a libertação feminina em face da prepotência masculina. Entretanto, tal situação de desrecalque é paradoxal: cultuam um deus, ao invés de uma deusa, e vivem seus rituais de prazer coletivo por concessão de uma figura masculina.

            O modelo psicológico de compreensão da loucura, que é refletido na tragédia grega, indica a soberania da natureza animal ou do instinto sobre o comportamento e a vontade do homem. Ainda que os autores anunciem, em breves referências, a permissão ou imposição dos deuses, detêm-se mais na explicação de conflitos passionais dos homens, provocados por suas próprias contingências naturais. Este modelo é superado ou substituído por outros, até sua retomada parcial por Pinel, no final do século XVIII.

            4.2 A doutrina de Pinel e seu enfoque psicológico ou moral

            A Psiquiatria, como especialidade médica, pode dizer-se iniciada a partir da publicação da obra de Philippe Pinel, intitulada Tratado Médico-filosófico sobre a Alienação Mental. Antes dele, não pode ser entendida como existente, pois limitada a capítulos dentro do estudo da medicina. Atribui-se a Pinel a autonomia da medicina do espírito e o mérito de aplicação de técnicas revolucionárias para a época, como soltar os grilhões e liberar os loucos das correntes. A liberdade a eles concedida, no entanto, dá-se dentro dos muros dos hospícios. A esse "gigantesco aprisionamento moral é que se está acostumado a chamar de a libertação dos alienados por Pinel e Tuke". [73] (FOUCAULT, 1995: 503)

            Em vinte e oito de agosto de 1793, Pinel assume a direção do Bicêtre, transformado no principal centro de hospitalização de insensatos, a par da previsão legislativa de 1790, determinando a construção de casas para os insensatos. O Bicêtre, construído inicialmente para abrigar a pobreza, recepciona, além dos loucos, velhos, indigentes e condenados, aos quais se somam os presos políticos da Revolução Francesa. "Pinel recebe o mérito de ter protegido, sob os andrajos dos pobres, a aristocratas e sacerdotes". [74] (FOUCAULT, 1995:463)

            Para Pinel, lesões no intelecto e na vontade podem provocar a loucura. Deve-se observar os comportamentos, os gestos, o modo de falar dos pacientes. Isto porque as aberrações comportamentais refletem a ocorrência de lesão ou comprometimento das faculdades mentais. Observando-se os traços comuns, pode-se evoluir para a especificação da doença, constatando-lhe a natureza e elaborando sua classificação, passos fundamentais para o diagnóstico. Para Isaias Pessoti [75] (1995:146), o apego de Pinel à instituição hospitalar pode ter origem nessa exigência metodológica.

            A observação clínica, para ter os efeitos pretendidos por seu idealista, não pode se processar nas condições que vinham sendo praticadas dentro dos asilos e hospícios. Torna-se necessária a libertação dos loucos das correntes, para que alcance seus objetivos. A observação deve dar-se sobre o comportamento em seu estado natural e, não, distorcido pelo desconforto e pela violência das antigas práticas asilares. Quando a contenção à força for necessária, deve utilizar a camisa-de força ( gilet de force).

            Dá-se, pois, a introdução da função médica no Bicêtre. Para Michel Foucault [76] (1995:464), a própria nomeação de Pinel para a direção desse hospital prova que a presença de loucos no Bicêtre já é um problema médico. Isto porque Pinel é conhecido por seus artigos, publicados na Gazzete de Santé, sobre as doenças do espírito. Passando o internamento a ser considerado por seu valor terapêutico e a loucura a ser vista como doença, estabelece-se uma relação necessária entre asilo e doença. [77](FRAYZE-PEREIRA, 1993:83)

            O Traité inova na classificação nosográfica. O termo "alienação mental" passa a englobar as formas clássicas de loucura: mania e melancolia. A primeira, chamada de "delírio total", caracteriza-se por desordens da atividade ideativa, reveladas pela agitação ou furor do paciente, as quais não implicam, necessariamente, uma lesão no cérebro ou perda total da racionalidade. Pode-se aqui recordar a personagem Medéia, de Eurípedes. [78] Já a melancolia apresenta o "delírio exclusivo", tristonho, absorto em um só pensamento. A atenção do melancólico permanece fixa em um dado objeto. O critério básico de diferenciação entre uma forma e outra é, pois, a extensão do delírio, generalizado na mania e limitado a uma idéia fixa na melancolia. [79](PESSOTI,1995:169)

            O tom moralista no tratamento prescrito por Pinel pode ser percebido na citação das causas morais do desarranjo mental. Destacam-se o tipo de educação, o modo de vida e a excessiva religiosidade, além da revalorização das paixões, já presente ao tempo de Eurípedes, como cólera, terror, dor, ódio, amor, ciúme, inveja, etc., como fontes da loucura. A inconstância dos hábitos funcionaria como "prelúdio de uma alienação patente". [80] (PINEL Apud PESSOTI, 1995:158) Sob esta ótica, a loucura pode ser vista como "produto da imoralidade ou dos hábitos inadequados" [81](PESSOTI, 1996:106), sobretudo das classes sociais inferiores.

            Diante dessas causas "morais" da loucura, Pinel acredita ser possível revertê-la através da educação. Por isto, emprega processos disciplinares em seus pacientes. O tratamento, enquanto reeducativo, operando ao nível de convencimento do paciente, é dotado de conteúdo moralizante, pois busca a modificação de comportamentos, tidos como inadequados. Outro toque de moralidade dá-se pela reprovação a certos comportamentos sexuais, denominados vícios. "É assim que o médico se torna ordenador não só da vida (psíquica)do paciente mas também o agente da ordem social, da moral dominante". [82] (PESSOTI, 1996:128)

            O trabalho terapêutico de Pinel é dirigido ao tratamento das paixões excessivas ou desviantes dos pacientes. Para curar os excessos e eliminar os delírios, passam a ser utilizadas experiências emotivas igualmente fortes. O confronto entre a emoção que provoca o delírio e a empregada para suplantá-la deve estimular uma elaboração racional do paciente, causando a superação do pensamento delirante. Para que isto ocorra, o paciente deve ter um resíduo de racionalidade. Caso contrário, o tratamento moral apresenta-se ineficaz.

            A loucura, vista como um desequilíbrio na natureza do homem, no que se refere à sua razão ou a seus afetos, mostra-se passível de correção. No entanto, o tratamento moral exige um resíduo de racionalidade do paciente para ter eficácia. Quando o tratamento não obtém a reforma dos costumes, deve cessar a competência clínica e dar-se início aos "processos repressivos adequados" [83] (PESSOTI, 1995:150) ou mesmo prescrever o confinamento definitivo.

            O confinamento puro e simples aplica-se aos fanáticos religiosos que venham a desobedecer as ordens, justificando seu dever de só obedecer a Deus. Aplica-se, igualmente, aos que resistem ao trabalho ou se dedicam ao roubo. Percebe-se aqui, novamente, o tom moralista da obra de Pinel, ao conferir conseqüências mais graves a faltas contra a sociedade burguesa, às quais nem a loucura serve como desculpa ou causa de perdão.

            Com estas inovações, não há adequação exata do tratado de Pinel aos modelos de explicação da loucura anteriormente analisados. Não apresenta conceitos exclusivamente organicistas, nem faz uso de explicações mitológicas. Pinel vislumbra a loucura sempre como lesão da mente, ainda quando causada por excesso de alguma paixão. Rejeita, igualmente, a apresentação dada por Eurípedes à loucura, como descontrole passional. Nesse desarranjo intelectual ou afetivo não há, necessariamente, uma lesão anatômica do cérebro, daí indicar a medicina moral para seu tratamento.

            4.2.1 O tratamento moral e suas conseqüências

            O tratamento "moral" inspirado em Pinel não é isento de críticas. Como visto, centra-se no poder do médico, como defensor da razão e depositário da norma social. Para Isaias Pessoti, este é o ponto inquietante da práxis psiquiátrica, pois o médico passa a ter um compromisso "com alguma forma de ordem pública, alguma forma de conduta socialmente aprovada e na qual o comportamento aberrante deve ser enquadrado". [84](1996:129)

            Mesmo sendo extremamente valorizada, é bom ressaltar que a intervenção médica não se dá por seus conhecimentos científicos. São escolhidos para trabalharem com os insanos aqueles têm grandes conhecimentos. Estes podem provir da experiência asilar, não sendo necessário sejam conhecimentos objetivos da medicina ou que seu aplicador seja um médico, bastando fosse um sábio. Kant, a respeito, prefere que o contato com os insanos seja realizado por filósofos. [85] (KANT Apud FOUCAULT, 1995:497) Daí ser possível afirmar que o médico, nessa época, domina a loucura não por a conhecer, mas por circunscrevê-la e discipliná-la dentro do asilo.

            Com a libertação dos loucos das correntes, deixando-os relativamente livres dentro dos muros, surgem sintomas e aspectos da loucura que antes não eram percebidos. Os loucos passam a ser agrupados em pavilhões segundo os sintomas comuns que apresentam. Pinel introduz alguma racionalidade na acomodação dos loucos, segundo as peculiaridades de sua patologia. [86] (PESSOTI, 1996:165). O manicômio passa a servir como espaço privilegiado para a observação sistemática dos comportamentos e seu diagnóstico.

            Abandonada a finalidade de pura exclusão e custódia, modifica-se o papel da medicina. A equipe médica passa a ter finalidades de cura e terapia. Assume grande importância, pois deve permanecer o maior tempo possível com o paciente, interagindo com o mesmo, para buscar resgatar sua racionalidade. Institui-se, pois, a relação terapêutica médico-paciente, vista como fundamental para alcançar as alterações comportamentais pretendidas. Os diversos papéis que o médico desempenha são explorados, a final, por Freud. [87](FOUCAULT, 1995:503)

            Dá-se, ainda, a modificação arquitetônica dos manicômios. O trabalho de controle e vigilância fica facilitado em prédios térreos. Devem ser eliminadas as escadas e os andares, para que os enfermeiros sempre vejam os pacientes e com eles mantenham contatos. A visita médica aos pacientes passa a ser mais cômoda. Em caso de problemas, não é necessário arrastar o paciente escadas acima, quando atravessa, por exemplo, uma crise de fúria. Ou, nessa mesma oportunidade, um enfermeiro pode fugir e evitar entrar em confronto físico direto com o paciente, cuja agressão teria efeitos na evolução clínica do paciente.

            Tais modificações só são possíveis pela mudança de enfoque sobre a loucura. Enquanto adotado o modelo organicista, tais providências não se fazem recomendadas. O sucesso do tratamento depende das práticas farmacológicas, para as quais pouco importa a relação afetiva estabelecida entre médico e enfermeiros para com o paciente. O efeito do medicamento, ainda, opera-se independentemente das condições físicas das instalações manicomiais.

            Os organicistas aplicam tratamentos físicos violentos, além de numerosos psicofármacos ou psicotrópicos, buscando atingir o sistema nervoso. Pretendem alterar o estado do cérebro, atuando diretamente sobre ele, para modificar as idéias delirantes e o comportamento desviante. [88](PESSOTI, 1996: 293) As emoções e percepções do paciente não são consideradas, apenas a lesão no encéfalo.

            Ao lado das práticas inovadoras, Pinel e seus seguidores, com destaque para Esquirol, fazem uso de tratamentos físicos. Tal qual os organicistas, empregam sangrias, vomitórios, duchas frias, entre outros métodos. Fazem-no, porém, por acreditarem em experiências sensoriais e cognitivas novas, contrárias às que o comportamento ou a fala delirante do alienado evidencia, como forma de corrigir os distúrbios mentais.

            Os métodos terapêuticos dos organicistas do século XVIII passam a ser utilizados como castigos. Se anteriormente a ducha era utilizada para atuar sobre o sistema nervoso, passa a servir como punição. Durante sua aplicação, reforça-se a idéia de que aquela medida é para o benefício do próprio paciente e que sua aplicação é feita com pesar.

            Repete-se o método tantas vezes quantas forem necessárias para o paciente reconhecer sua falta, até que ocorra a interiorização da "instância judiciária" e o nascimento do remorso. [89](FOUCAULT, 1995:494-495) O louco passa a se sentir como doente e acreditar no poder de cura do médico; introspecta a etiqueta de doente e modifica sua vida em função dela. Passa a ser apenas o papel que representa, perdendo a identidade pessoal.

            Pinel inaugura, pois, uma nova visão da psicopatologia [90] (PESSOTI,1996:66), inovando no método de diagnóstico, ao pregar a observação metodológica. Afasta não só as idéias dominantes como também os padrões de cientificidade vigentes no final do século XVIII. Influencia uma nova atitude científica, baseada na "visão clínica da loucura" ou "na clínica psiquiátrica", que implica a convivência e a interação com o paciente, conhecendo-lhe a "vida biológica, as atividades mentais e o comportamento social". [91](PESSOTI, 1995:170)

            Com a difusão dos manicômios, o tratamento moral passa a ser utilizado somente com o sentido disciplinar. Utilizam-se os métodos repressivos com desvirtuamento e de forma excessiva, buscando-se mais o controle da instituição manicomial do que o bem do paciente alienado.

            Na metade do século XIX, o método de Pinel e Esquirol está deteriorado. O manicômio retorna à sua finalidade primordial de instrumento de segregação. A custódia dos loucos deve dar tranqüilidade à família e a sociedade. A sua cura, para ser científica, deve ter bases orgânicas, encontrando fortes aliadas nas drogas ou psicofármacos. O conhecimento psicopatológico volta a ser abandonado, repetindo-se a tendência histórica de retorno a outro modelo de compreensão da loucura, desta feita, ao modelo organicista.

            4.2.2 Reflexos do modelo psicológico pineliano sobre o Direito Penal

            Importa referir que o louco adentra o século XIX como coisa médica. A sua falha moral transforma-se em fenômeno físico observável. Surge como objeto de conhecimento de um não-louco, dotado de saber científico. Separam-se tanto loucos e não-loucos como especialistas e não especialistas. O especialista é aquele autorizado a proferir determinado discurso impessoal, neutro e competente, assim entendido o discurso instituído, socialmente permitido e autorizado. A crença na competência científica alimenta o prestígio desse discurso.

            A racionalização do mundo afasta a crença nos mágicos, nos deuses e demônios. Abandona-se o modelo mítico-religioso. O modelo psicológico sustenta-se sobre um fundo organicista. Não é um modelo puro. A Psiquiatria vem atender aos anseios de uma justificativa científica para o tratamento dado aos loucos. Destina-lhes os hospícios, "por razões científicas", como espaço de exclusão, discriminação e local de disciplina. No fundo, "o hospício é um lugar para se isolar os doentes (exclusão), incapacitá-los de conviver com os normais (reclusão) e vigiar suas atitudes, a fim de não oferecerem perigo a si e aos outros (custódia)". [92] (SERRANO, 1992:32)

            O poder disciplinar é aplicado não só nos asilos psiquiátricos, como na penitenciária, casa de correção, estabelecimentos de educação e hospitais. Há uma divisão constante entre normal e anormal, bem como "um conjunto de técnicas e de instituições que assumem como tarefa medir, controlar e corrigir os anormais". [93] (FOUCAULT, 1996:176) Dentre as técnicas, destaca-se o emprego de psicotrópicos, sob a influência, na atualidade, de multinacionais farmacêuticas, que os vêem como uma das mais seguras rendas industriais.

            Em matéria de loucura, o homem contemporâneo passa a ser aquilo que o discurso competente ou fala autorizada diz que ele é, enquadrado em espécies patológicas e tratado de acordo com determinada teoria. Dependendo do conceito teórico de loucura, os loucos podem ser recuperados ou não, variando também os procedimentos terapêuticos a que são submetidos. [94] (FRAYZE-PEREIRA: 1993:97) Urge salientar que a Psiquiatria não é uma ciência pura ou neutra. Reflete a visão do mundo, a mentalidade e ideologia da sociedade que a pratica e patrocina. [95] (SERRANO: 1992:9)

            Quando há prática de crimes por loucos, mesmo sendo absolvidos, devem ser segregados, diante de sua periculosidade. Aplicam-se-lhes as medidas de segurança. A conseqüência da absolvição é a constrição da liberdade, o mesmo efeito de uma condenação. Justifica-se com a necessidade de tratamento.

            No entanto, historicamente tem se recomendado o tratamento no meio dos familiares. A finalidade da medida de segurança é, então, de marcar com a exclusão aquele que se desvia da norma. Esconde-se esta violência social sob o rótulo de tratamento. Julga-se não o crime e seu elemento culpabilidade. Julga-se a pessoa que o pratica e sua (a)normalidade, prescrevendo-se técnicas para uma normalização possível. [96](FOUCAULT, 1996:24) Em relação aos loucos, aplica-se o Direito Penal do Autor.

            Para Michel Foucault, as conseqüências do modelo pinelista são três: a) permite-se que a liberdade do louco atue, mas num espaço fechado e rígido; b)se há liberação das conseqüências da prática de um crime, por outro lado o louco é visto como aprisionado por um determinismo dos mecanismos que atuam sobre ele, tornando-o irresponsável. Sua irresponsabilidade é assunto de apreciação médica. O louco vive a inocência do crime, em situação de não-liberdade. c) as correntes que impedem o exercício da livre vontade do louco são abertas. Contudo, o querer daquele é substituído pelo do médico. [97] (1995:507)

            Não é demais recordar que o conceito de loucura varia de sociedade para sociedade, é um conceito construído. [98] (ARANHA, MARTINS, 1993:39) O mesmo acontece com a enquadramento de determinada conduta como infração penal. Nesse sentido, diz Michel Foucault que " a sociedade define, em função de seus próprios interesses, o que deve ser considerado crime. [99](1996:94) Na esteira desse entendimento Jostein Gaarder, na obra sobre Filosofia que ocupa os primeiros lugares de vendas desde seu lançamento, ao sustentar que a sociedade determina o que é permitido ou não. [100(GAARDER, 1996:74)

            A conduta humana, normal ou patológica, individual e grupal, só é inteligível quando analisada dentro do contexto sócio-cultural em que se verifica. Torna-se culpável ou não, a depender do grupo social e do modelo social onde se realiza.

            Todas as entidades nosológicas clínicas podem ser incluídas no conceito genérico de loucura ou alienação. Têm recepção pelo Direito Penal quando atingem a inteligência e a vontade, requisitos formadores da imputabilidade. Outros setores do psiquismo que sofram alterações, como as alterações psicopatológicas da percepção e os transtornos de afetividade, lembrados por Francisco Muñoz Conde [101](1988:143), não são considerados como fatores de inimputabilidade. A respeito, o Código Penal Brasileiro é expresso, ao ditar que a paixão não exclui a imputabilidade.

            A internação do louco por cometimento de crime, contra sua vontade, é vista como crime contra a humanidade, similar à escravidão. Em face disto, as correntes psiquiátricas atuais, sobretudo, a Antipsiquiatria, combatem esse internamento. Francisco Muñoz Conde [102] (1988:150) sustenta que se a finalidade da medida é a cura do doente mental, a sua imposição, quando não seja necessária para a cura ou seja, inclusive, inútil, significa pura e simplesmente repressão. Nesse caso, o internamento converte-se em prisão por tempo indeterminado, até perpétuo. O internamento obrigatório do doente mental se converte em um substitutivo de pena, com a mesma finalidade aflitiva e defensiva.

            A psiquiatria moderna demonstra que a periculosidade permanente de alguns doentes é muito reduzida. O percentual de doentes mentais que comete crimes também é pequeno. [103](ROCHA Apud MATOS:1997) No entanto, suas recomendações não vêm sendo consideradas pelo Direito Penal. Mitifica-se sua periculosidade, exagerando-lhe a quantidade e qualidade. Alcança-se um pretexto para imposição de medida essencialmente repressiva. [104](KARAM, 1993:158)


CONSIDERAÇÕES FINAIS

            A loucura, como visto, é tema presente na vida do homem, seja nas Artes, seja nas Ciências. Tema que fascina e intriga, não tendo sentido único em todas as sociedades, como demonstra a Etnopsiquiatria. É um conceito construído, com variações de cultura para cultura.

            As formas de compreendê-la sofrem alterações ao longo dos séculos, mas podem ser sintetizadas em três grandes grupos ou modelos. Esses modelos se sucedem ou substituem de épocas em épocas. Dentro da classificação apresentada por Isaias Pessoti, são eles o modelo mítico-religioso, o organicista e o psicológico.

            O modelo mítico-religioso inicia na Antigüidade Clássica com a obra de Homero, que apresenta os personagens de seus poemas com a conduta determinada e totalmente conduzida por forças sobrenaturais, às quais não conseguem superar. A autonomia da vontade e do comportamento humano cede diante da entidade mitológica. A conseqüência da adoção desse modelo é a irresponsabilidade do homem frente à conduta.

            Segue-lhe, ainda na Grécia e Roma antigas, o modelo organicista, iniciado com Hipócrates, pelo qual a causa da loucura é física, provocado por desarranjos do cérebro, provocados por disfunções humorais. Destacam-se, ainda, Aristóteles, defendendo o coração como centro produtor da loucura, e Galeno. Este aponta os pneumas como causa da loucura, definindo-os como vapores e sopros internos do corpo humano que afetam o encefálo e as faculdades mentais. Mais tarde, os pneumas são denominados de "espíritos animais" pelos filiados à escola pneumática, como Descartes e Thomas Willis.

            Ainda na Antigüidade Clássica, sobrevem o modelo psicológico, encabeçado por Eurípedes, autor de tragédias gregas. Suas personagens apresentam quadros clínicos completos, se enfocados com os conhecimentos psiquiátricos atuais. Para Eurípedes, a loucura é produzida pela paixão, que domina a conduta humana. No conceito de paixão inclui todas as sentimentos fortes, tais como ódio, ira, amor e medo. O descontrole passional conduz à loucura.

            Na Idade Média, há o retorno ao modelo mítico-religioso. No entanto, as forças sobrenaturais que atuam sobre o homem, determinando-lhe a conduta, não são mais positivas. São forças do Mal ou do Demônio, vindas diretamente dele ou por artes de bruxaria. Todo comportamento bizarro pode ser obra do demônio. As pessoas tidas como loucas eqüivalem a endomoniadas; são mutiladas, queimadas em fogueiras, exorcizadas. Sofrem toda a sorte de perseguições.

            As conjecturas econômicas de extrema pobreza na Europa, após um período de guerras, provocando o surgimento de uma massa de desempregados e de pobres, torna inócua a pena de morte na fogueira ou por outros métodos. Faz-se necessário aplicá-la constantemente e constata-se que tal pena já não vem surtindo o efeito de intimidação esperado.

            Os diferentes são, então, encaminhados aos leprosários ou à prisão, que nesse período passa a ter autonomia, não sendo mais somente a ante-sala de outra pena. Passam a conviver, sob o mesmo teto, criminosos, loucos, doentes venéreos, ateus, bruxos, entre outros "associais", por cerca de cento e cinqüenta anos [105] (FOUCAULT, 1995:87), reunidos sob o signo da insanidade.

            A loucura não recebe tratamento médico especial, mas passa a ser estudada. Os médicos da época rejeitam o modelo mítico-religioso, passando a (re)sustentar a modelo orgânico, iniciado na Antigüidade Clássica com Hipócrates. São traçadas inúmeras classificações da loucura (nosografias) e apontadas inúmeras causas para esse fenômeno (etiologia), não percebido, ainda, como doença. As classificações são feitas por critérios pessoais e arbitrários. Retratam a busca de fundamentos anatomofisiológicos para a loucura, sustentados de valor científico, ao contrário de fundamentos filosóficos ou de origem mítico-teológica. Destacam-se, como correntes de pensamento, os iatroquímicos, pneumáticos e iatromecânicos.

            Ao final do século XVIII, o louco permanece nos leprosários ou nos locais de internamento que lhe destinam, enquanto os doentes venéreos são encaminhados para os hospitais, diante dos avanços da medicina, que lhes apontam curas. Os pobres são liberados para servirem como mão-de-obra barata nas fábricas. Outros doentes retornam para as famílias, tentando-se o mesmo com os loucos. A medida só é profícua com os loucos de família de posses econômicas, pois só estas conseguem tratá-los.

            Há necessidade de um estatuto público sobre a loucura, que passa a ser vista como perigo. O internamento de loucos é defendido por grandes segmentos da sociedade, em nome de sua tranqüilidade. Pela legislação, devem ser destinadas casas para os insanos. Estas não são construídas e eles continuam a ocupar os hospitais gerais, como Bicêtre e Salpêtriére.

            Assumindo a direção do Bicêtre, Pinel encontra os loucos presos em correntes, limitados na movimentação e em seus sintomas. Libera-os, para observá-los e tratá-los. Sustenta-se o surgimento da Psiquiatria com a publicação da obra de Pinel, que defende, entre outras idéias, a observação metodológica dos insanos, a reforma física dos locais de internamento e a causa da loucura em desequilíbrios mentais ou afetivos.

            Pinel retoma o modelo psicológico, relegado ao esquecimento desde a época de Eurípedes. Não o aplica de forma pura, apenas considera os efeitos das paixões sobre o comportamento humano, defendendo, ainda, tratamentos morais para os pacientes. Estes tratamentos inspiram remorso e autocondenação do paciente que não se pautar pelas normas ditadas pelo médico e sua equipe, as quais revelam o pensamento, em termos de moralidade e de normalidade, do segmento social dominante.

            Na atualidade, a Psiquiatria sustenta predominantemente, o modelo organicista, com emprego de psicofármacos e terapêuticas biológicas, como eletroconvulsoterapia. Convive, no entanto, com correntes que defendem terapias cognitivas e até o fim dos manicômios, como a Antipsiquiatria.

            Na área penal, a discussão sobre a conveniência do internamento ou não como cura ainda é incipiente. Sustenta-se o internamento com base na periculosidade dos pacientes. Só que esta, conforme os próprios psiquiatras, é mínima, melhor tratada no seio familiar.

            Cometido um crime por um insano, este é absolvido, mas obrigatoriamente submetido à medida de segurança, que apresenta os mesmos e tão combatidos efeitos da prisão, com a agravante da indeterminação no tempo. A medida de segurança pode constituir uma pena perpétua, pois dependente da diminuição da periculosidade, sempre presumida, do insano. Se seu objetivo não é o apenamento, urge seja revista, nos termos da moderna Psiquiatria.


Notas

01 "Toda instituição que absorve parte do tempo e do interesse de seus membros, proporcionando-lhes um mundo particular e uma tendência absorvente, simbolizada por obstáculos que se opõem à interação social com o exterior e ao êxodo de seus membros". (Erving GOFFMAN Apud Cezar Roberto BITENCOURT, Falência da Pena de Prisão, p.152.

02 Michel FOUCAULT Apud João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura, p. 23.

03 João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura. p. 35-44.

04 Giuseppe DELL´AQUA, Itália vai acabar com manicômios em 97, Folha de São Paulo, p. 1-2.

05 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 167-169

06 Mário MOREIRA, Carnaval, Folha de São Paulo, p. 3.

07 Juliano MATOS, O Carnaval dá passagem à loucura, A Tarde, p. 2.

08 Márcia MATOS, Doente mental inocentado de crime, A Tarde, p. 18.

09 Ivan PADILLA, Droga de dupla ação, Isto É- arquivo. p.1-3.

10 Núcleo já discute a reforma psiquiátrica, A Tarde, p. 8.

11 Maria PAGENOTTO, Melhora atendimento a doentes mentais no País, O Estado de São Paulo- Net Estado, p. 1-2.

12 Assimina VLAHOU, Itália vai acabar com manicômios em 97, O Estado de São Paulo- Net Estado, p. 1-2.

13 Trieste mantém sistema-modelo, O Estado de São Paulo- Net Estado, p.1.

14 Cleuza ORNELLAS Apud Fátima BARRETO, Grades Insanas, A Tarde, p. 3.

15 Termo de responsabilidade em que o paciente ou um responsável se declara informado dos riscos da terapia. (Médicos desconhecem como eletrochoque age no organismo, O Globo on, p. 1-3.

16 Dirceu Aguiar Dias CINTRA JR., O fim dos manicômios. O Estado de São Paulo, p.1-2.

17 Id, Ibidem, p. 2.

18 Médicos desconhecem como eletrochoque age no organismo, O Globo on, p.1-3.

19 Alan Índio SERRANO, O que é psiquiatria alternativa, p. 65.

20 O mal do desconsolo, Isto é, p. 1-3.

21 João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura, p. 15-34.

22 Alan Índico SERRANO, O que é psiquiatria alternativa, p. 39.

23 Id, Ibidem, p.12.

24 Cezar Roberto BITENCOURT, Juizados Especiais Criminais e Alternativas à Pena de Prisão, p. 28.

25 Rui ALVIM, Uma pequena história das medidas de segurança, p. 62.

26 João V. ARAÚJO Apud Rui ALVIM, Ibidem, p. 57.

27 Id, Ibidem, p. 30.

28 Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p. 83

29 Sebastião SOLER Apud Rui ALVIM, Uma pequena história das medidas de segurança, p.77.

30 "Portanto, o demônio é capaz, pela alteração das percepções e dos humores interiores, de provocar mudanças nas ações e nas faculdades físicas, mentais e emocionais, operando através de qualquer órgão físico". M. KRAMER, J. SPRENGER Apud Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p. 96.

31 Isaias PESSOTI, Ibidem, p. 100.

32 Rui ALVIM, Uma pequena história das medidas de segurança, p.68.

33 "...o que muitas vezes [o demônio]faz sem retirar-lhe a luz (lume) natural e o uso da razão como acontece...e algumas outras vezes retirando-lhe o uso da razão, tal como faz o vinho e os humores, como se vê nos ébrios e nos loucos(frenecti)...[o diabo]faz que os homens se tornem no amor e no ódio, conforme ao modo [de ser] dos loucos..." MENGHIUS Apud Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p. 110.

34 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 35.

35 João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura, p. 40-41.

36 Alan Índio SERRANO, O que é Psiquiatria Alternativa, p. 13.

37 Rui ALVIM, Uma pequena história das Medidas de Segurança, p. 85.

38 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 87.

39 João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura, p. 50.

40 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p.87.

41Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p. 104.

42 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 11-12.

43 "É para o outro mundo que parte o louco em sua barca louca; é do outro mundo que ele chega quando desembarca.(...) Se ele não pode e não deve ter outra prisão que o próprio limiar, seguram-no no lugar de passagem.(...)É o prisioneiro da passagem.(...) A terra à qual aportará não é conhecida assim como não se sabe, quando desembarca, de que terra vem.(...) Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 12.

44 Id, Ibidem, p. 43.

45 Id, Ibidem, p. 79.

46 Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p.54.

47 B. BALL,A. RITTI, Apud Isaias PESSOTI, Ibidem, p. 63.

48 J. STAROBINSKI, Apud Id, Ibidem, p. 77.

49 Id,Ibidem, p. 73.

50 Michel FOUCAULT, História da loucura, p. 125-137.

51 Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p.133.

52 M. LAIGNEL-LAVASTINE,J. VINCHON Apud Isaias PESSOTI, O século dos manicômios, p. 61.

53 E. SIMONETTO,L. DEL PISTOIA, Apud Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p. 49.

54 "Busca classificar as doenças com o mesmo método utilizado em Botânica. A doença, tal como a planta, seria a própria racionalidade da natureza, ao passo que os sintomas equivaleriam a suas folhas e suportes". (Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 190)

55 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 195.

56 Id. Ibidem, p. 222.

57 Id, Ibidem, p. 55.

58 Id, Ibidem, p. 48.

59 Alan SERRANO, O que é psiquiatria alternativa, p. 21.

60 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 70.

61 Cezar Roberto BITENCOURT, Falência da pena de prisão, p. 35. No mesmo sentido, ver Michel FOUCAULT, História da loucura, p. 404-407.

62 Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 99.

63 Id, História da loucura, p. 146.

64 Id, Ibidem, p. 438.

65 Id, Ibidem, P. 78.

66 Alan SERRANO, O que é psiquiatria alternativa, p. 24.

67 Michel FOUCAULT, História da loucura, p. 384.

68 Id, Ibidem, p. 387.

69 Cuello CALÓN Apud Rui ALVIM, Uma pequena história das medidas de segurança, p. 83.

70 Michel FOUCAULT, História da loucura, p. 414.

71 Id, Ibidem, p. 424.

72 Id, Ibidem, p. 432.

73 Id, Ibidem, p. 503.

74 Id, Ibidem, p. 463.

75 Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p. 146.

76 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 464.

77 João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura, p. 83.

78 "... fiquei muito surpreso ao constatar que muitos alienados que não tinham qualquer lesão do intelecto eram todavia presas de um instinto furioso, como se apenas as faculdades afetivas estivessem lesadas...Um exemplo de furor maniacal sem delírio (...)no qual ocorre um conflito interno entre uma razão lúcida e uma crueldade sanguinária..." (PINEL Apud Isaias PESSOTI, A loucura e as épocas, p.114).

79 Id, Ibidem, p. 169.

80 Pinel Apud Isaias PESSOTI,Ibidem, p.158.

81 Id, O século dos manicômios, p. 106.

82 Id, Ibidem, p. 128.

83 Id, A loucura e as épocas, p.150.

84 Id, O século dos manicomios, p. 129.

85 Michel FOUCAULT, Historia da Loucura, p. 497.

86 Isaias PESSOTI, O século dos manicômios, p. 165.

87 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 503.

88 Isaias PESSOTI, O século dos manicômios, p. 293.

89 Michel FOUCAULT, História da loucura, p. 494-495.

90 "Somente a partir da obra de Pinel, o termo psicopatologia pode ser tomado como sinônimo cabal de teoria da loucura". (Isaias PESSOTI, O século dos manicômios, p. 66).

91 Id,A loucura e as épocas, p.170.

92 Alan Índio SERRANO, O que é Psiquiatria Alternativa, p. 32.

93 Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 176.

94 João FRAYZE-PEREIRA, O que é loucura, p. 97.

95 Alan Índio SERRANO, O que é Psiquiatria Alternativa, p. 9

96 Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir, p. 24.

97 Id, História da Loucura, p.507.

98 Maria Lúcia de Arruda ARANHA, Maria Helena Pires MARTINS, Filosofando. Introdução à Filosofia, p. 39.

99 Michel FOUCAULT, Vigiar e Punir. p. 94.

100 Jostein GAARDER, O Mundo de Sofia. p. 74.

101 Francisco Muñoz CONDE, Teoria Geral do Delito, p. 143.

102 Id, Ibidem, p. 150.

103 Terezinha ROCHA Apud Márcia MATOS, Doente Mental inocentado de crime, A Tarde, p.18.

104 Maria Lúcia KARAM, De crimes, penas e fantasias, p. 158.

105 Michel FOUCAULT, História da Loucura, p. 87.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

            AGUIAR, Josélia. Acervo de Goya chega à Bahia. A Tarde. Salvador, 28 maio. 1997, p. 8.

            Associações dão apoio a familiares. O Estado de São Paulo- Net Estado. São Paulo, 29 dez. 1997, p. 1.

            BARRETTO, Fátima. Grades Insanas. A Tarde. Salvador, 20 jul. 1997, p. 3.

            BASTOS NETO, Osvaldo. Doença Mental e Família. A Tarde. Salvador, 5 jul. 1997, p. 4-5.

            CARVALHO, Rosa Meire. Nos Domínios da Loucura. A Tarde. Salvador, 19 abr. 1997, p. 10-11.

            CASTRO, Ruy. Enredo sobre loucura revela sanidade mental. O Estado de São Paulo-Net Estado. São Paulo, p. 1-2.

            Famílias reclamam da falta de ajuda do Estado. O Estado de São Paulo- Net Estado. São Paulo, 30 dez. 1996, p. 1-2.

            MATOS, Juliano. O Carnaval dá passagem à loucura. A Tarde. Salvador, 7 fev. 1997, p. 2.

            MATOS, Márcia. Doente Mental inocentado de Crime. A Tarde. Salvador, 3 jul. 1997, p. 18.

            Médicos desconhecem como eletrochoque age no organismo. O Globo on. Rio de Janeiro, 22 mar. 1997, p. 1-3.

            Médicos indicam eletrochoque numa emergência. O Globo on. Rio de Janeiro, 22 mar. 1997, p. 1-2

            MOREIRA, Mário. Carnaval. O Estado de São Paulo. São Paulo, 12 jan. 1997, p. 7.

            Núcleo já discute a reforma psiquiátrica. A Tarde. Salvador, 22 jun. 1997, p. 8.

            O fim dos Manicômios. O Estado de São Paulo-Net Estado. São Paulo, 28 jan. 1997, p. 1-2.

            O mal do desconsolo. Isto é- arquivo net. São Paulo, p. 1-2, 31 jul. 1996.

            PADILLA, Ivan. Droga de dupla ação. Isto é- arquivo net. São Paulo, p. 1-3, 13 nov. 1996.

            PAGENOTTO, Maria Lígia. Melhora atendimento a doentes mentais no país. O Estado de São Paulo-Net Estado. São Paulo, 18 mai, 1977, p. 1-2.

            PORTELA, Patrícia. Delírios Gravados. A Tarde. Salvador, 4 jun. 1997, p. 7.

            Tese Universitária mostra que Ayrton Senna foi um herói "compensatório". A Tarde. Salvador, 5 abr. 1997, p. 8.

            Trieste mantém sistema-modelo. O Estado de São Paulo- Net Estado. São Paulo, 29 dez. 1996, p. 1.

            VLAHOU, Assimina. Itália vai acabar com os manicômios em 97. O Estado de São Paulo- Net Estado. São Paulo, 29 dez. 1996. p. 1-2.

            ALVIM, Rui Carlos Machado. Uma Pequena História das Medidas de Segurança. São Paulo:IBCCrim, 1997, p. 125.

            ARANHA, Maria Lúcia de Arruda, MARTINS, Maria Helena Pires. Ideologia. In:_____.Filosofando: introdução à Filosofia. 2.ed.rev.atual. São Paulo:Moderna, 1993. cap. 5, p. 34-53.

            BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão- Causas e Alternativas. São Paulo:Revista dos Tribunais, 1993, p. 352.

            _____. A pena de prisão e sua mitológica função ressocializadora. In:_____. Juizados Especiais Criminais e Alternativas à pena de prisão. 2.ed.rev.ampl. Porto Alegre:Livraria do Advogado, 1996. cap. 1, p.19-34.

            CONDE, Francisco Muñoz. A Imputabilidade. In:_____. Teoria Geral do Delito. Porto Alegre: Safe, 1988. cap.8, p. 137-155.

            FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir. 13.ed. Petrópolis:Vozes, 1996, p. 277.

            _____. História da Loucura. 4.ed. São Paulo:Perspectiva. 1995, p. 551.

            FRAYZE-PEREIRA, João. O que é Loucura. 9.ed. São Paulo:Brasiliense, 1993, p. 112.

            GAARDER, Jostein. Sócrates. In:_____. O Mundo de Sofia. São Paulo:Companhia das Letras, 1995. cap.7, p. 71-75.

            HERRMANN, Fábio. O que é Psicanálise. São Paulo:Brasiliense, 1983, p. 93.

            KARAM, Maria Lúcia. Violência e Direitos Humanos. In:_____. De Crimes, Penas e Fantasias. Niterói:Luam Ed., 1993. cap.5, p. 139-167.

            LEITE, Oscar Cesarotto. LEITE, Márcio Peter de Souza. O que é Psicanálise. 5.ed. São Paulo:Brasiliense, 1992, p. 96.

            PESSOTI, Isaias. A Loucura e as Épocas. 2.ed. Rio de Janeiro:34, 1997, p. 206.

            PESSOTI, Isaias. O Século dos Manicômios. Rio de Janeiro:34, 1996, p. 300.

            ROCHA, Everardo. O que é Etnocentrismo. São Paulo:Brasiliense, 1984, p. 95.

            SERRANO, Alan Índio. O que é Psiquiatria Alternativa. 7.ed. São Paulo:Brasiliense, 1992, p. 107.


Autor

  • Karina Gomes Cherubini

    Promotora de Justiça do Estado da Bahia. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. Especialista em Gestão Pública pela Faculdade de Ilhéus. Especialista em Direito Educacional pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

    Textos publicados pela autora

    Fale com a autora


Informações sobre o texto

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CHERUBINI, Karina Gomes. Modelos históricos de compreensão da loucura. Da Antigüidade Clássica a Philippe Pinel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1135, 10 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8777. Acesso em: 26 abr. 2024.