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Consentimento livre e esclarecido na pesquisa envolvendo seres humanos.

A distância entre o "dever ser" e o "ser"

Consentimento livre e esclarecido na pesquisa envolvendo seres humanos. A distância entre o "dever ser" e o "ser"

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O artigo estuda o "consentimento livre e esclarecido" para as pesquisas envolvendo seres humanos, sob os ângulos do "dever ser" (ético e e legal-normativo) e do "ser" (fático).

INTRODUÇÃO

            O presente artigo tem por escopo o estudo do "Consentimento Livre e Esclarecido" para as pesquisas envolvendo seres humanos, bem como o documento dele resultante, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), enquanto "dever ser", isto é, sob os ângulos ético (Bioética) e legal-normativo (Biodireito), e "ser", sob o ângulo fático, a partir da realidade denunciada pela doutrina.

            Almeja-se com esse contraste verificar se a prática envolvendo o processo de obtenção do Consentimento Livre e Esclarecido e sua documentação efetivamente respeita ou ao menos granjeia elementos para respeitar o referencial bioético da "autonomia" do sujeito da pesquisa. [01]

            Para o desenvolvimento do proposto e como o estudo do Consentimento Livre e Esclarecido insere-se na temática Pesquisa Envolvendo Seres Humanos, faz-se necessário, preliminarmente, um breve esboço a respeito, para, na seqüência, abordar-se o Consentimento Livre e Esclarecido, no que tange ao seu conceito, ao histórico de seu surgimento e desenvolvimento, aos seus elementos essenciais, ao tratamento dispensado pela legislação.

            Por fim, à vista da formatação ética e legal do Consentimento Livre e Esclarecido e de sua confrontação com a sua execução na prática, lançaremos conclusões atinentes ao respeito do referencial ético da autonomia, como proposto.


1 – PESQUISAS ENVOLVENDO SERES HUMANOS

            1.1 - Conceito

            Pesquisa é um tipo de atividade estruturada para desenvolver ou contribuir para o conhecimento generalizável, assim entendido como aquele acessível a toda a sociedade. Esse conhecimento generalizável consiste em teorias, princípios ou relações, ou acúmulo de informações em que se baseiam, que podem ser corroboradas por métodos científicos.

            No contexto da pesquisa envolvendo seres humanos, ocorre um estreitamento quanto ao objeto da pesquisa, por se referir tão somente aos estudos médicos e de comportamento relativos à saúde humana. A Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n.º 196/96, em seu item II.2, dispõe que é a "que, individual ou coletivamente, envolva o ser humano de forma direta ou indireta, em sua totalidade ou partes dele, incluindo o manejo de informações ou materiais."

            Tem-se, portanto, que a pesquisa envolvendo seres humanos destina-se a desenvolver ou contribuir para o aumento do conhecimento e sua generalização, no que se refere a estudos médicos e de comportamento relativos à saúde humana.

            1.2 – Referencial Bioético e a Regulação pelo Estado (Biodireito)

            Qualquer que seja a forma eleita para a pesquisa em seres humanos, ela sempre envolve riscos e é quase sempre invasiva, razão pela qual existe ampla preocupação com o resguardo da dignidade do sujeito da pesquisa em suas dimensões física, psíquica, moral, intelectual, social, cultural ou espiritual, bem como com a observância dos quatro referenciais básicos da Bioética [02]: Autonomia, Beneficência, Não-maleficência e Justiça.

            O princípio da Autonomia prima pelo direito das pessoas de decidirem sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida, de forma que quaisquer atos médicos ou de pés,quisa devem ser autorizados pelo paciente, dizendo José Roberto Goldim que "sobre si mesmo, seu próprio corpo e mente, o indivíduo é soberano". [03]

            O princípio da beneficência manda promover o bem e evitar o mal [04]; em função disso, o profissional ou pesquisador deve ter a maior convicção e informação técnica possíveis que assegurem ser o ato médico ou de pesquisa benéfico ao paciente. Como o princípio da beneficência proíbe infligir dano deliberado, esse fato é destacado pelo princípio da não-maleficência, o qual estabelece que a ação do médico ou pesquisador sempre deve causar o menor prejuízo ou agravos à saúde do paciente. [05]

            Por fim, o princípio da justiça estabelece como condição fundamental a obrigação ética de tratar cada indivíduo conforme o que é moralmente correto e adequado, de dar a cada um o que lhe é devido. O médico ou pesquisador deve atuar com imparcialidade, evitando ao máximo que aspectos sociais, culturais, religiosos, financeiros ou outros interfiram na relação médico-paciente. Os recursos devem ser equilibradamente distribuídos, com o objetivo de alcançar, com melhor eficácia, o maior número de pessoas assistidas. [06]

            É exatamente em função do incondicional respeito aos parâmetros éticos que as pesquisas envolvendo seres humanos demandam toda uma estruturação, a qual é objeto de regulação e fiscalização pelo Estado, através do chamado Biodireito [07].

            Todos esses princípios ora cotejados encontram-se consagrados por documentos internacionais voltados à proteção do ser humano e, a nível nacional, pela Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n.º 196/96, que atualmente regula as pesquisas em questão. Esta exige o respeito à autonomia do ser humano, elegendo o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) como instrumento de manutenção dessa autonomia; exige ponderação entre riscos e benefícios atuais e potenciais, individuais e coletivos, e o comprometimento máximo de benefícios e o mínimo de danos e riscos (beneficência), sempre evitando-se o mal (não-maleficência) e diz ser importante a relevância social da pesquisa e a minimização dos ônus para os sujeitos vulneráveis, demonstrando acolhida ao princípio da justiça [08].

            Digna de mérito é a a Resolução CNS n.º 196/96, por ensejar a reflexão ética constante, por um estruturado sistema de controle social" [09] e declarar que a pesquisa em seres humanos deve ser a ultima ratio, isto é, realizada somente quando o conhecimento que se pretende obter não possa ser obtido por outro meio (item III.3 da Resolução CNS n.º 196/96).

            Feito esse breve apanhado a respeito das pesquisas envolvendo seres humanos, cumpre, agora, estudar o Consentimento Livre e Esclarecido e o seu respectivo Termo, o TCLE, tais como vislumbrados nos aspectos ético (Bioética) e legal-normativo (Biodireito).


2 – O CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO COMO "DEVER SER"

            2.1 - Conceito

            Trata-se o Consentimento Livre e Esclarecido de uma decisão voluntária, realizada por pessoa autônoma e capaz, após um processo informativo e deliberativo, visando à aceitação de um tratamento específico ou experimentação, sabendo da natureza do mesmo, das suas conseqüências e dos seus riscos [10]. A emissão dessa decisão vem corporificada no documento Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

            A exigência desse consentimento decorre da observância aos parâmetros éticos na pesquisa com seres humanos, ditados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), pelo Código de Nuremberg (1947), pelos Códigos Deontológicos e de Ética Médica, pelas Diretrizes Internacionais propostas para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos (1985) e, no contexto brasileiro, especialmente pela Resolução CNS n.º 196/96 e pelas resoluções de temáticas específicas que se lhe seguem e que contemplam também as diretrizes internacionais.

            2.2 – Breve Histórico das Pesquisas Envolvendo Seres Humanos e da Obtenção do Consentimento dos Pacientes e dos Sujeitos da Pesquisa

            Com o presente tópico objetiva-se demonstrar que o desenvolvimento da teoria acerca do "Consentimento Livre e Esclarecido" e seu Termo (TCLE) deu-se inicialmente no contexto dos tratamentos médicos, estendendo-se depois para as pesquisas, de modo a sofrer modificações ao longo do contexto histórico, sendo mister verificá-las. [11]

            Já em 1767, questiona-se a atitude de médicos ingleses que não consultaram o paciente para o tratamento de uma fratura óssea em sua perna.

            Em 1830, John William Willcock publicou livro no qual apresentou a base jurídica para a utilização do consentimento informado em pesquisa com pacientes.

            Três anos mais tarde, surge o primeiro documento estabelecendo normas de relação entre um pesquisador (William Beaumont) e um sujeito de pesquisa (Alexis St. Martin), dado o interesse em observar o interior do estômago deste, em função de ter uma seqüela de um tiro acidental de uma arma de fogo.

            Na seqüência, em 1880, Tribunal da Noruega condena médico por realizar pesquisa sem autorização antecipada do pesquisado.

            Em 1884, Pasteur propõe testar vacina contra a raiva em condenados à morte no Brasil, sem solicitar autorização prévia.

            Proposição de lei, em 1990, nos EUA, pelo senador Jacob H. Gallinger, para regulamentar os experimentos em seres humanos, consubstanciando-se no primeiro documento legal a estabelecer normas claras sobre a pesquisa, entre elas, autorização do sujeito da pesquisa, avaliação prévia de riscos envolvidos.

            Em 1901, o Governo da Prússia aprova lei, estabelecendo a informação e a autorização expressa como componentes básicos do consentimento.

            Edita em 1931, o Ministério das Relações Interiores da Alemanha aprova "Diretrizes para Novas Terapêuticas e Pesquisa em Seres Humanos", tornando imprescindível o consentimento.

            Em 1946, o Conselho Jurídico da Associação Médica Americana contempla a expressão consentimento, afirmando que a pesquisa deveria ser a ultima ratio, e que o consentimento desses deveria ser voluntário.

            Em razão da desconsideração da "autonomia" do ser humano nos campos de concentração nazistas, em que prisioneiros hebreus, poloneses, russos, italianos, de acordo com atas do processo de Nuremberg, foram submetidos a cruéis experimentações de remédios, de gás, de venenos [12], editou-se, em 1947, o Código de Nuremberg, primeiro documento legal destinado a expressar a necessidade de respeito aos referenciais éticos na pesquisa, mediante o estabelecimento de dez princípios básicos, sendo mais importantes o princípio 1 e 9, aquele declarando ser o consentimento voluntário do ser humano absolutamente essencial e este permitindo a retirada da pesquisa em qualquer momento.

            Em 1948, foi aprovada pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a qual foi sucedida pelo Pacto Internacional Internacional de Direitos Civis e Políticos (1966), responsável por lhe conferir força legal e moral, e de estabelecer, em seu art. 7, ninguém poderia ser submetido a pesquisas médicas ou científicas sem seu livre consentimento.

            Por conseguinte, a Associação Médica Mundial publica a Resolução Sobre Experimentação Humana, permitindo o consentimento por responsável e estabelecendo três princípios: n.º 3 – informação plena em pessoas saudáveis; n.º 4 – consentimento da própria pessoa e do representante, no caso de sujeitos doentes e n.º 5 – consentimento escrito e também dos responsáveis, em caso de pacientes irresponsáveis.

            Em 1957, é feita referência à expressão "consentimento informado" em sentença judicial dos EUA, na qual o médico sob acusação alegou ter revelado plenamente os fatos necessários a um consentimento informado.

            Em 1964, a 18ª Assembléia Mundial de Médicos aprova a Declaração de Helsinque, a qual teve o condão de estabelecer o consentimento como uma condição indispensável para a realização de pesquisa clínica. Foi revisada em 1983, para reconhecer o direito moral de crianças e adolescentes de consentirem na pesquisa.

            Henry K. Beecher, em 1966, publica relatório denunciando deslizes éticos em pesquisas, entre eles o Estudo de Sífilis de Tuskegge, ocorrido no Alabama, entre 1932 a 1972, cujo projeto escrito nunca foi localizado e que teria o objetivo de observar a evolução da sífilis, livre de tratamento. A inadequação foi omitir o diagnóstico, mesmo quando o mesmo já existia (década de 50) e o prognóstico esperado. [13]

            Seguem-se as denúncias de Maurice Pappworth, no livro "Human Guinea Pigs" (Cobaias Humanas), em 1967.

            Em 1974, o Governo Norte-Americano decreta o "Ato de Pesquisa Nacional", exigindo requerimento para consentimento don sujeito da pesquisa. Nesse mesmo ano, surge a National Commission for the Protection of Human Subjects of Biomedical and Behavioral Research, com o objetivo de estabelecer critérios nacionais para a pesquisa, em vários campos temáticos (ex.: pesquisa com crianças, vulneráveis etc). Em 1979, essa Comissão elabora o Relatório Belmont, determinando a observância dos princípios bioéticos, o consentimento do sujeito da pesquisa, mediante a concessão de informação ampla e de qualidade, a avaliação de riscos e benefícios.

            Posteriormente, em 1982, o Council for the International Organization Of Medical Sciences (CIOMS), publica as Diretrizes Internacionais propostas para pesquisa biomédica com seres humanos, nas quais fornece orientações sobre os diversos aspectos da pesquisa, v.g.: Diretriz sobre consentimento informado individual, Diretriz sobre obtenção do consentimento informado: informações essenciais para potenciais sujeitos da pesquisa entre outras.

            No Brasil, publica-se, em 1988, a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) n.º 01, antecedente da Resolução CNS n.º 196/96.

            No ano seguinte, são publicadas as Diretrizes Internacionais de Boas Práticas Clínicas, no que concerne às pesquisas com fármacos, e em abril de 1990, Europa, EUA e Japão se reúnem para padronizar regras para o desenvolvimento de produtos farmacêuticos (Conferência Internacional de Harmonização – CIH).

            Em 1991, o CIOMS (Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas) publica suas diretrizes para revisão ética de estudos epidemiológicos, possibilitando a obtenção de um consentimento coletivo, desde que obtido junto às lideranças reconhecidas da comunidade, e preservando ainda o direito de um membro da comunidade recusar sua participação no estudo. Em 1993, são incluídas novas questões sobre o consentimento, a saber: discussão sobre o uso do termo de consentimento em estudos epidemiológicos; a possibilidade de crianças e de pessoas portadoras de distúrbios mentais ou comportamentais recusarem sua participação.

            Por fim, a Resolução CNS 196/96, substituindo a n.º 01/88, passa a exigir o consentimento livre e esclarecido do sujeito da pesquisa reduzido em termo, o TCLE. Segue-se a essa Resolução a de n.º 251/97, que inclui a discussão do consentimento na pesquisa clínica com pacientes idosos ou doentes mentais, e possibilita a participação de crianças e adolescentes no seu processo de obtenção.

            Em 1998, o Japão estabelece normas para a condução de pesquisa clínica em seres humanos e propõe a utilização do consentimento por escrito.

            Como se percebe do presente apanhado, a medida em que foram evidenciados tropeços éticos no relacionamento médico/pesquisador/paciente/sujeito da pesquisa, surgiu a preocupação pela observância de um referencial ético, no qual se insere o respeito à autonomia do ser humano, e, por conseguinte, ao Consentimento Livre e Esclarecido do sujeito da pesquisa.

            2.3 - A Resolução CNS n.º 196/96 e o Consentimento Livre e Esclarecido

            A Resolução CNS n.º 196/96, ao traçar diretrizes para as pesquisas envolvendo seres humanos, norteia o processo de obtenção do consentimento livre e informado e sua redução a termo, de que se passa a tratar.

            Inicialmente, convém assinalar que as razões para o tratamento legal do Consentimento Livre e Esclarecido do Sujeito da Pesquisa fundam-se na garantia e fortalecimento da autonomia deste, "principalmente em situações controvertidas e às vezes únicas na vida de uma pessoa", como acrescentam Joaquim Clotet, José R. Goldim e Carlos F. Francisconi [14].

            Com a Resolução CNS n.º 196/96 não é diferente; o princípio que a orienta é a salvaguarda da dignidade humana, cujos elementos básicos são a autonomia, a liberdade e o respeito a essas grandezas. Em decorrência disso, proclama que toda pesquisa deve se processar após consentimento livre e esclarecido dos sujeitos, indivíduos ou grupos que, por si e/ou por seus representantes legais, manifestem a sua anuência à participação na pesquisa, livre de vícios (coação, simulação, fraude ou erro), dependência, subordinação ou intimidação, após explicação completa e pormenorizada sobre a natureza da pesquisa, seus objetivos, métodos, benefícios previsto, potenciais riscos e o incômodo que esta possa acarretar, formulada em um termo de consentimento, autorizando sua participação voluntária na pesquisa (item II.11).

            Para que a obtenção do consentimento do sujeito da pesquisa seja efetivamente uma etapa destinada a resguardar a eticidade da pesquisa, a Resolução sob comento traça as diretrizes para tanto, seguindo, a propósito, as Diretrizes Internacionais propostas para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos. Pelo seu item IV.1, a Resolução CNS n.º 196/96 exige que o esclarecimento dos sujeitos se faça em linguagem acessível e que inclua necessariamente os seguintes aspectos:

            a) justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;

            b) os desconfortos e riscos possíveis e os benefícios esperados;

            c) os métodos alternativos existentes;

            d) a forma de acompanhamento e assistência, assim como seus responsáveis;

            e) a garantia de esclarecimento, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia, informando a possibilidade de inclusão em grupo controle ou placebo;

            f) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;

            g) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa;

            h) as formas de ressarcimento das despesas decorrentes da participação na pesquisa; e

            i) as formas de indenização diante de eventuais danos decorrentes da pesquisa.

            Ao nível de exigências de caráter essencialmente burocrático, dispõe o item IV.2 que o termo de consentimento livre e esclarecido obedecerá aos seguintes requisitos:

            a) ser elaborado pelo pesquisador responsável, expressando o cumprimento de cada uma das exigências acima;

            b) ser aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa que referenda a investigação;

            c) ser assinado ou identificado por impressão dactiloscópica, por todos e cada um dos sujeitos da pesquisa ou por seus representantes legais; e

            d) ser elaborado em duas vias, sendo uma retida pelo sujeito da pesquisa ou por seu representante legal e uma arquivada pelo pesquisador.

            Ademais, a Resolução CNS n.º 196/96 ainda traça diretrizes especiais, as quais serão abordadas em pormenores nos itens seguintes, para os casos que denotam vulnerabilidade do sujeito da pesquisa, crianças e adolescentes, portadores de perturbação ou doença mental e sujeitos em situação de substancial diminuição em suas capacidades de consentimento, contemplados em seu item IV.3.

            Postas as diretrizes legais acerca do Consentimento de forma dogmática, precisamos aprofundar nossa pesquisa, a fim de, a partir da lei e da doutrina, afirmar o que representa o consentimento e o documento que o corporifica (TCLE), quais são seus elementos fundamentais, como ele deve ser encarado pelos sujeitos da pesquisa, pelo Estado e pela comunidade científica, quais são as condutas necessárias para torná-lo efetivamente um instrumento legítimo, hábil a resguardar a eticidade da experimentação com seres humanos.

            2.4 – Consentimento Livre e Esclarecido - processo repleto de diálogo e informação

            Diz Gonzalo HERRANZ que "toda experimentação deve ser submetida à norma universal do respeito ao ser humano". [15] Nesse sentido, também Joaquim CLOTET, entendendo que o "O consentimento informado é um elemento característico do atual exercício da medicina, não é apenas uma doutrina legal, mas um direito moral dos pacientes que gera obrigações morais para os médicos"; "é o aspecto mais importante na experimentação com seres humanos" e quando "obtido de forma correta legitima e fundamenta o ato médico ou de pesquisa como justo e correto". [16]

            Respeitar a norma moral referida pelos autores equivale, lembre-se, a respeitar os referenciais básicos da Bioética, quais sejam, a "autonomia", a "não maleficência", a "beneficência" e a "justiça".

            Embora não se duvide da importância de todos os princípios, no contexto do Consentimento Livre e Esclarecido, a discussão concentra-se no respeito à autonomia do(s) sujeito(s) da pesquisa, do que decorre a essencialidade da "capacidade para consentir", a consideração à "vulnerabilidade", a "informação", a "ausência de coerção" e a "possibilidade de desistência da pesquisa a qualquer momento", elementos estes homenageados na disciplina da Resolução CNS n.º 196/96, e que, em função de sua importância, serão estudados de per si.

            A autonomia, conforme destaca Maria Celeste Cordeiro Leite Santos, é compreendida como a "capacidade de atuar com conhecimento de causa e sem coação externa"; por conseguinte, ente autônomo é "o indivíduo capaz de deliberar sobre seus objetivos pessoais e agir sob a orientação desta deliberação". [17]

            Com efeito, como assevera José Luiz Telles de Almeida [18], "a autonomia tem assumido um papel de destaque. A ascendência da autonomia sobre o valor primário tradicional da beneficência representaria ‘a mais radical reorientação na longa história da tradição hipocrática’".

            A essencialidade desses elementos permite à doutrina afirmar que o Consentimento Livre e Esclarecido é um processo repleto de diálogo e informação. Ora, senão vejamos.

            José Roberto Goldim assevera que "O Consentimento Informado é um processo, e não uma simples assinatura de um documento. Este processo envolve respeito mútuo, diálogo, paciência e persistência na relação pesquisador-paciente ou profissional de saúde-paciente". [19] (sem grifos no original)

            Complementando as palavras do eminente Goldim, Hildegard Taggesell Giostri: o diálogo entre paciente e médico, por meio do qual, ambas as partes trocam perguntas e informações culminando com o acordo expresso do paciente para uma intervenção cirúrgica, ou para um determinado e específico tratamento ou exame". [20] (idem)

            Pois bem, o fato de se dizer que o Consentimento Livre e Esclarecido é um processo que envolve amplo diálogo e informação, além de demonstrar os seus elementos fundamentais, estudados na seqüência, permitirá a crítica a algumas situações, bem a afirmar se na prática o propalado respeito à autonomia do sujeito de pesquisa é realizado.

            2.4.1 - Informação

            A função primordial da informação no processo de obtenção do consentimento para a pesquisa é possibilitar o conhecimento do objetivo do tratamento ou da experimentação e a sua duração. Para Genival Veloso de FRANÇA, são notas peculiares dessa informação "uma explicação simples, aproximativa, inteligente e honesta". [21]

            O TCLE envolve uma relação dialogante, o que deve eliminar uma atitude arbitrária ou prepotente por parte do profissional. Este posicionamento do profissional manifesta o reconhecimento do paciente ou sujeito da pesquisa como um ser autônomo, livre e merecedor de respeito.

            Para que assim se efetive o processo de obtenção do consentimento, devem ser observadas à risca as diretrizes declinadas pela Resolução CNS n.º 196/96, de que se falou no item 2.3, as quais declaram que esse processo deve se desenvolver com base em ampla e qualitativa informação; não basta apenas dar informação, é imprescindível que a mesma seja ampla, de qualidade e perceptível pelo sujeito ou grupos da pesquisa, antes, durante e após a pesquisa.

            Estabelecendo com maestria a relação entre a informação e o respeito à autonomia do sujeito da pesquisa, doutrinam Joaquim Clotet, José Roberto Goldim e Carlos Fernando Francisconi:

            "... o componente de consentimento baseia-se na autonomia. A autodeterminação é uma condição necessária ao Consentimento Informado, cuja validade moral e legal depende da capacidade do indivíduo. Esta capacidade de decisão autônoma individual, além das características de desenvolvimento psicológico, se baseia em diversas habilidades, entre as quais o envolvimento com o assunto, a compreensão das alternativas e a possibilidade de comunicação de uma preferência, que nos remete a outro componente que é o da informação." [22]

            A questão da informação pela legislação brasileira é tida como imprescindível não apenas previamente à obtenção do consentimento do sujeito da pesquisa, tanto que torna obrigatória a entrega de cópia do TCLE ao sujeito da pesquisa, atribuindo, com isso, uma dupla função ao mesmo, já que permite não apenas o contato inicial do SP com o projeto, informações sobre os procedimentos, riscos, benefícios e direitos, mas também porque possibilita que a pessoa recupere estas mesmas informações ao longo de sua participação no projeto ou até mesmo após o término do mesmo. [23]

            Em suma, a informação deve ser o ponta-pé inicial do processo de obtenção de consentimento, posto que é a partir da reflexão sobre o que consistirá a pesquisa, os seus contornos, os seus riscos e benefícios, eventuais desconfortos, que o sujeito da pesquisa, poderá, a partir de sua autonomia, consentir em participação ou não da pesquisa. Óbvio que em não sendo o sujeito da pesquisa correta e amplamente informado, subsídios não lhe serão dados para que exerça com autonomia sua decisão.

            2.4.2 – Capacidade para Consentir

            A capacidade de consentimento pode ser abordada de diversas maneiras, segundo critérios filosóficos, legais, psicológicos, morais. Necessário, para o presente contexto, verificar a capacidade sob o enfoque legal, bem como sob os enfoques psicológico e moral, a fim de se apontar eventuais situações que tornam vulnerável o sujeito da pesquisa, mesmo quando dotado de capacidade legal plena.

            De acordo com o Código Civil brasileiro, a capacidade civil é aferida de acordo com a idade cronológica da pessoa e, mesmo após o alcance da idade de 18 (dezoito) anos, quando a princípio se atingiria a capacidade civil plena, pela ausência de perturbações ou doenças mentais e outras causas que causem ou possam causar interferência na capacidade de consentir da pessoa.

            Definindo a capacidade plena aos 18 anos de idade, trata a lei da questão da incapacidade civil a partir de dois grupos, os relativa e os absolutamente incapazes.

            No que tange aos primeiros, tem-se, segundo o art. 4º do CC, que "São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer: I – os maiores de 16 (dezesseis) e os menores de 18 (dezoito) anos; II – os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido; III – os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo e IV – os pródigos." Tais pessoas necessitam de assistentes legais para que possam praticar os atos da vida civil.

            Já referentemente aos segundos, dispõe o art. 3º, que "São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil: I – os menores de 16 (dezesseis) anos; II – os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III – os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade." Essas pessoas, para praticarem os atos da vida civil, necessitam ser representadas legalmente.

            Os casos referenciados de incapacidade relativa ou absoluta são os que, segundo o Código Civil brasileiro, denotam ausência de capacidade de autodeterminação, razão pela qual a prática de atos civil pelos sujeitos incapazes demanda a intervenção de assistentes aos relativamente ou de representantes aos absolutamente incapazes.

            No que tange à Pesquisa com Seres Humanos, a capacidade de consentir está condicionada também à ausência de vulnerabilidade (capacidade moral e psicológica).

            Nos termos do item II.15 da Resolução CNS n.º 196/96, a vulnerabilidade refere-se ao estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido.

            A proteção dos indivíduos e dos grupos legalmente incapazes e vulneráveis constitui parâmetro de eticidade da pesquisa, nos termos da mencionada Resolução. "Neste sentido, a pesquisa envolvendo seres humanos deverá sempre tratá-lo em sua dignidade, respeitá-lo em sua autonomia e defendê-lo em sua vulnerabilidade". [24]

            Em função do dever de resguardo dos indivíduos e grupos vulneráveis, prescreve a Resolução que a pesquisa deve:

            "ser desenvolvida preferencialmente em indivíduos com autonomia plena. Indivíduos ou grupos vulneráveis não devem ser sujeitos de pesquisa quando a informação desejada possa ser obtida através de sujeitos com plena autonomia, a menos que a investigação possa trazer benefícios diretos aos vulneráveis. Nestes casos, o direito dos indivíduos ou grupos que queiram participar da pesquisa deve ser assegurado, desde que seja garantida a proteção à sua vulnerabilidade e incapacidade legalmente definida."

            Em função de a participação de pessoas incapazes ou vulneráveis (crianças, adolescentes, doentes mentais e sujeitos em situação de diminuição de suas capacidades de consentimento) ser encarada como ultima ratio pela Resolução CNS n.º 196/96, impõe ela clara justificação quanto a escolha dos sujeitos da pesquisa, especificada no protocolo, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sem prejuízo do consentimento livre e esclarecido, através dos representantes legais dos referidos sujeitos, sem suspensão do direito de informação do indivíduo, no limite de sua capacidade.

            No mais, a Resolução considera a situação daqueles sujeitos que, embora adultos e capazes, estejam expostos a condicionamentos específicos ou à influência de autoridade, especialmente estudantes, militares, empregados, presidiários, internos em centros de readaptação, casas-abrigo, asilos, associações religiosas e semelhantes, determinando a necessidade de certeza quanto à obtenção de um consentimento livre de ingerências.

            Além desses casos de vulnerabilidade individual do sujeito da pesquisa, deve-se considerar as situações de vulnerabilidade social, isto porque respeitar a autonomia das pessoas traz como condição a necessidade de situá-las no conjunto social ao qual pertencem.

            Assim, deve-se voltar a atenção para as opções sócio-estruturais que interferem na produção da vida e da saúde e acabam por repercutir e determinar as dimensões das relações. A vulnerabilidade social diz respeito às situações de pobreza, de desigualdades sociais, o acesso às ações e serviços de saúde e educação, o respeito às diferenças culturais e religiosas, à marginalização de grupos particulares. Nesse contexto, podemos questionar se o sujeito depois de enfrentar, muitas vezes, tantas dificuldades para conseguir um atendimento sente-se verdadeiramente livre para exercer sua opção com autonomia e se o mesmo projeto desenvolvido num hospital público seria proposto a um usuário de um serviço privado.

            Merece registro que não é raro encontrarmos descrito dentre os potenciais benefícios decorrentes da participação em pesquisa uma assistência de qualidade. Isto além de contrariar a Resolução CNS n.º 196/96, atenta contra a missão social dos estabelecimentos de saúde e os pilares e as diretrizes que balizam o Sistema de Saúde. Receber uma assistência que prime pela excelência técnica e ética é um direito de cidadania e garanti-la é dever dos serviços de saúde, estatuída constitucionalmente. [25]

            A decisão do sujeito da pesquisa deve ser fruto de sua liberdade, não podendo ser condicionada por interesses ou promessas que poderiam modificar o resultado da opção, quando se fala na necessidade de ausência de coerções sobre o sujeito da pesquisa.

            A respeito desta temática, manifesta-se GOLDIM:

            "Os pesquisadores deverão ser esclarecidos sobre os limites de sua autoridade e as diferenças existentes entre persuasão e coação. Os possíveis sujeitos da pesquisa deverão ter compreensão de seus direitos e da garantia real de que a sua negativa em participar não trará qualquer repercussão em termos assistenciais ou sociais". (...) "A prática de obter o consentimento informado requer do profissional a consideração do paciente ou sujeito da pesquisa – ainda que aparente uma pessoa carente em múltiplos aspectos – como ser autônomo e merecedor de respeito". [26]

            Ausência de coerção quer dizer que a decisão do sujeito da pesquisa não pode significar um ato de reconhecimento ao assistencialismo prestado pelo médico, pesquisador na ocasião.

            Por fim, como imperativo da autonomia, ao sujeito da pesquisa deve ser propiciado o direito de recusar ou interromper o tratamento ou experimentação, a qualquer momento, sem qualquer prejuízo.

            Esta compreensão multidimensional da vulnerabilidade denuncia os determinantes e condicionantes individuais e sociais que podem limitar ou anular a autonomia do sujeito da pesquisa, impondo-se o desafio de investigar meios para evitar a incidência dos mesmos no processo de obtenção do consentimento.


3 – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO COMO "SER"

            A grande maioria dos institutos jurídicos tem frustrada a expectativa de serem utilizados efetivamente para o fim para o qual foram moldados; em relação ao instituto do Consentimento Livre e Esclarecido e ao Termo (TCLE) que o corporifica não foi diferente. Concebido para corporificar o consentimento livre e esclarecido de sujeitos ou grupos de pesquisa, o TCLE passou a ser utilizado como documento hábil para prevenir responsabilidades dos responsáveis pelas pesquisas. Como diz Joaquim Clotet, José Roberto Goldim e Carlos Fernando Francisconi, "Para muitos, o Consentimento Informado tem apenas o significado de gerar uma prova deste processo de informação, na expectativa de eximir o profissional de futuras conseqüências advindas dos mesmos." [27]

            A partir da observação da realidade, os autores acima pontuaram:

            "Em alguns projetos de pesquisa os Termos de Consentimento Informado são tão longos e de difícil compreensão que não poderiam ser utilizados na prática de forma adequada. Estes documentos poderiam ser caracterizados apenas como instrumentos burocráticos, com a finalidade de cumprir exigências de normas nacionais e internacionais. Na realidade alguns deles tem uma redação tão técnica e detalhada que sua finalidade parece ser outra. Poderiam ser caracterizados como pretensos termos de isenção de responsabilidade para o pesquisador e eventuais patrocinadores, na medida em que todas as informações estão ali contidas e o participante autorizou a realização dos procedimentos." [28]

            Não quero dizer que conceber o Termo de Consentimento como um documento destinado a fazer prova a favor do médico ou do pesquisador em eventual litígio jurídico seja de todo errado, mas o grande problema é que ao se conceber o Termo de Consentimento Livre e Voluntário apenas com essa finalidade acaba-se se esquecendo que, sobretudo, demanda um processo informativo destinado a obter o consentimento livre e esclarecido do sujeito quanto à participação em uma pesquisa, contrariando, assim, não apenas o espírito da Resolução CNS n.º 196/96 e das normas internacionais, que têm o CLE e o TCLE como instrumentos de proteção da liberdade e dignidade dos sujeitos da pesquisa, mas em especial a Constituição Federal que tem a dignidade da pessoa humana como fundamento do Estado Democrático de Direito (art. 1º, II).

            Os reflexos dessa dissociação na prática são desastrosos: pesquisas sem consentimento informado; exigência de consentimento para uma série de procedimentos (o bundled consent); TCLEs com informação insuficiente, com linguagem inacessível, demasiadamente técnica, de conhecimento restrito à comunidade científica, indutores da participação, termos longos e resultado de traduções de idiomas estrangeiros para o nacional, termos cujo objetivo é tão-somente proteger os pesquisadores; execução do processo de obtenção do consentimento por pessoa diversa da que redigiu o termo e sem qualificação para prover a informação ampla e irrestrita ao sujeito da pesquisa; demasiada importância ao termo em si, como se estivesse dissociado do processo de que faz parte; obtenção do consentimento a posteriori, quando já realizada a pesquisa, especialmente no âmbito das instituições de ensino, especialmente fundamental; termos obtidos de pessoas que demonstram evidente grau de vulnerabilidade (militares, funcionários etc), sem um cuidado adicional para com a constatação dessa vulnerabilidade e com a observância da Resolução CNS n.º 196/96, quando diz que as pesquisas com pessoas vulneráveis somente podem ser realizadas quando impossível de o serem com pessoas plenamente capazes.

            Tão verdadeiras são essas assertivas que, como informam José Roberto Goldim e Carlos Fernando Francisconi, "Aproximadamente 60% dos projetos submetidos ao Grupo de Pesquisa e Pós Graduação do HCPA, para serem realizados na Instituição, retornam aos seus autores para que o Termo de Consentimento seja corrigido ou aprimorado." [29]


CONCLUSÃO

            Constatou-se, ao longo do presente artigo, que se criou toda uma teoria a respeito do processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido, bem como da sua corporificação em um documento escrito, com a finalidade de se resguardar a dignidade do ser humano, enquanto sujeito da pesquisa, mediante o respeito à sua autonomia, mas que, na prática, aquilo que é pregado pela teoria acaba não sendo seguido, evidenciando, portanto, uma distância entre o mundo do "dever ser" e do "ser".

            Essa dissociação, em grande parte, deve-se à falta de plena ciência, por parte dos agentes que lidam com a pesquisa, quanto aos riscos a ela inerentes e o seu caráter invasivo, os quais por vulnerabilizarem o sujeito da pesquisa e a sociedade, ensejam a necessidade de proteção dos mesmos, a qual só se perfaz mediante condutas estribadas na Ética. Parece faltar, portanto, um pouco de reflexão, de cuidado, de bom senso, daqueles que intervêm nas pesquisas.

            Á vista disso, imperativa se faz essa reflexão, seja partindo dos agentes que participam das pesquisas (uma auto-reflexão), seja partindo do CONEP (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa), para o qual, aliás, a Resolução CNS n.º 196/96, atribui o dever de motivar a reflexão ética constante e os instrumentos necessários para tanto.

            Acredita-se que êxito considerável pode ser obtido pela reflexão aqui proposta, no que concerne ao reforço da eticidade da pesquisa, contribuindo para reduzir o espaço entre o "Consentimento Livre e Esclarecido" enquanto "dever ser" e enquanto "ser".


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Notas

            01 Em sua dissertação de mestrado, Sérgio Slawka questiona a concretização de uma decisão efetivamente autônoma e genuína do sujeito da pesquisa face aos atuais contornos do processo de obtenção do consentimento livre e esclarecido. (SLAWKA, S.. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a pesquisa em seres humanos na área da saúde: uma revisão crítica. São Paulo: 2005. Dissertação (Mestrado). Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Departamento de Medicina Preventiva).

            02 "A Bioética nasce oficialmente quando o oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter criou o neologismo bioethics para indicar um novo campo de pesquisa e de atuação da ética. Para esse autor, o novo campo teria caráter interdisciplinar, com marcado conteúdo ecológico, e deveria preocupar-se com a sobrevivência da espécie humana (...)." SCHRAMM, F. R.. Cadernos Adenauer III (2002), n.º 1, p. 40.

            03 GOLDIM, J. R. Núcleo Interdisciplinar de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Princípio do Respeito à pessoa ou da autonomia. Disponível [online] http://www.bioetica.ufrgs.br/autonomia.htm. Acessado em 20/05/2006.

            04 GOLDIM, J. R. Núcleo Interdisciplinar de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Princípio da Beneficência. Disponível [online] http://www.bioetica.ufrgs.br/beneficencia.htm. Acessado em 20/05/2006.

            05 GOLDIM, J. R. Núcleo Interdisciplinar de Bioética do Hospital de Clínicas de Porto Alegre. Princípio da Não-Maleficência. Disponível [online] http://www.bioetica.ufrgs.br/não_maleficencia.htm. Acessado em 20/05/2006.

            06 PALÁCIOS, M.; OLINTO A. PEGORARO, A. M. (org.). Ética, ciência e saúde: desafios da bioética. Petrópolis/RJ: Vozes, 2001, p. 168-169.

            07 Enquanto a Bioética é conhecida como "o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais" (LEPARNEUR, Hubert. Força e fraqueza dos princípios da bioética. Bioética - v. 4 nº 2 , Brasília, Conselho Federal de Medicna, 1996 fls 138), o Biodireito, a partir de um compromisso interdisciplinar com a Bioética, visa, através de seu principal elemento que é a "coercibilidade", exercer a função de indicador as condutas justas, ou procedimentos apropriados para que as decisões e as opções tenham todas as chances de resolver os problemas suscitados pelas novas tecnologias. (GUSMÃO, P. D. de. Introdução ao Estudo do Direito. 19º ed. Rev. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p. 201).

            08 SLAWKA, S.. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a pesquisa em seres humanos na área da saúde: uma revisão critica, p. 25-33.

            09 Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Biomédica em Seres Humanos. Preparadas pelo Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas (CIOMS), em colaboração com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Traduzida por Maria Stela Gonçalves e Adail Ubirajara Sobral. São Paulo: Edições Loyola, 2004, p. 111.

            10 CLOTET, J. O consentimento informado: uma questão do interesse de todos, p. 9.

            11 Os dados para a presente pesquisa foram obtidos junto às seguintes fontes: SLAWKA, S.. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a pesquisa em seres humanos na área da saúde: uma revisão crítica, p. 36-37 e CLOTET, J.; FRANCISCONI, C. F.; GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 30-56.

            12 VARGA, A. C. Problemas de Bioética, p. 535.

            13 O caso Tuskegee. Quando a ciência se torna eticamente inadequada. Disponível online: http://www.ufrgs.br/bioetica/tueke2.htm. Acessado em 20 de maio de 2006.

            14 CLOTET, J., FRANCISCONI, C. F., GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento Informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 14.

            15 CLOTET, J., FRANCISCONI, C. F., GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento Informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 14.

            16 CLOTET. J.. O consentimento informado nos Comitês de Ética em Pesquisa e na prática médica, p. 51-59.

            17 SANTOS, M. C. C. L.. O Equilíbrio de um pêndulo. Bioética e a Lei: implicações médico-legais, p. 60.

            18 ALMEIDA, J. L. T. de. Respeito à autonomia do paciente e consentimento livre e esclarecido: uma abordagem principialista da relação médico-paciente, p. 61.

            19 CLOTET, J., FRANCISCONI, C. F., GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento Informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 111.

            20 GIOSTRI, H. T. Responsabilidade Médica. As obrigações de meio e de resultado: avaliação, uso e adequação, p.83.

            21 FRANÇA, G. V.. Flagrantes médico-legais III, p. 56.

            22 CLOTET, J.; FRANCISCONI, C. F.; GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 72.

            23 Id, ibidem, p. 74.

            24 CLOTET. J.. O consentimento informado nos Comitês de Ética em Pesquisa e na prática médica, p. 67.

            25 É o que consta, aliás, do folder esclarecendo perguntas sobre a pesquisas em seres humanos, constante da página do Conselho Nacional de Saúde: www.cns.gov.br.

            26 CLOTET, J.; FRANCISCONI, C. F.; GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 70.

            27 CLOTET, J.; FRANCISCONI, C. F.; GOLDIM, J. R. (org.). Consentimento informado e a sua prática na assistência e pesquisa no Brasil, p. 9.

            28 Id, ibidem, p. 80-81.

            29 GOLDIM, J.; FRANCISCONI, C. F.. Termo de Consentimento Informado para Pesquisa. Auxílio para sua estruturação. Disponível [online] no endereço: http://www.ufrgs.br/bioetica/textos.htm. Acessado em 19/05/2006.


Autor

  • Adriana Estigara

    Adriana Estigara

    Doutora pela PUC/SP Mestre em Direito Econômico e Social pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Advogada e Consultora na área do Direito Tributário, e Direito do Terceiro Setor, integrante do Lewis & Associados. Professora junto à Universidade Positivo nas graduação e na pós graduação junto às disciplinas de Direito Tributário.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ESTIGARA, Adriana. Consentimento livre e esclarecido na pesquisa envolvendo seres humanos. A distância entre o "dever ser" e o "ser". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1144, 19 ago. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8803. Acesso em: 28 mar. 2024.