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liminar em cautelar impede cultivo e comércio

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01/07/1999 às 00:00
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A decisão interlocutória, em sede de ação cautelar impetrada pelo IDEC, impede o cultivo e o comércio de sementes da soja geneticamente modificadas pelas empresas rés, cominando multa em caso de desobediência

PODER JUDICIÁRIO - JUSTIÇA FEDERAL
SEÇÃO JUDICIÁRIA DO DISTRITO FEDERAL

Cuida-se de medida cautelar, originalmente ajuizada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor - IDEC contra a União Federal, visando, impedir, imediatamente, a autorização para qualquer pedido de plantio da soja transgênica (Round up Ready), antes que se proceda à devida regulamentação da matéria e a prévio Estudo de Impacto ambiental.

Distribuídos os autos ao Juízo da 11ª Vara da Seção Judiciária do Estado de São Paulo, a douta Juíza Federal substituta, Drª Raquel Fernandez Perrini, deferiu, liminarmente e em caráter provisório, a medida cautelar, com este fundamento:

"Relevantes os argumentos trazidos pelo IDEC, sendo de todo louvável e salutar sua atuação na defesa dos direitos do consumidor, entre os quais todos nos incluímos, e, ao menos nesta cognição sumária do pedido, a liminar comporta deferimento.

Com efeito, a Constituição Federal erigiu o meio ambiente como bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida (art. 225). Determinou, ainda, incumbir ao Poder Público preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético (art. 225, II, CF).

De igual forma, impõe o estudo prévio de impacto ambiental - EIA para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente (art. 225, IV, CF).

Também incumbe ao Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, pesquisa e capacitação tecnológicas, tendo em vista o bem público e o progresso das ciências, bem como o desenvolvimento do sistema produtivo nacional (art. 218, §§ 1º e 2º, CF).

Diante de dois valores aparentemente antagônicos é que a legislação de regência e as convenções internacionais fazem menção ao desenvolvimento sustentável, assim entendida a compatibilização entre os bens juridicamente tutelados, e ambos de grande relevância.

Estas, em síntese, as disposições constitucionais relevantes para o caso concreto.

Nessa medida, temos que o Poder Público, atado que está ao princípio da legalidade, não pode atuar de forma diversa, sendo certo que a ré não pode extrapolar os limites de sua atuação." (Fls. 138/139 do proc. Cautelar).

Em decisão fundamentada (fls. 246/253), aquela ilustre magistrada declarou-se incompetente, para processar e julgar o feito, remetendo os autos à 3ª Vara deste Seção Judiciária do Distrito Federal.

Atendendo requerimento do digno Representante do Ministério Público Federal, o eminente Juiz Titular da 3ª Vara desta Seção Judiciária, através de decisão de fls. 460/463, ordenou a remessa dos autos ao Juízo desta Sexta Vara Federal, em face da conexão com o processo nº 97.36170-4, que, por aqui, tramita.

Aportando os autos, nesta Sexta Vara, o nobre Juiz Substituto, Dr. Antônio Oswaldo Scarpa proferiu a seguinte decisão:

"Em face das petições de fls. 144/152 e 220/221, defiro o ingresso na presente ação cautelar - e no feito principal, em apenso - da Associação Civil Greenpeace e da Monsanto do Brasil S.A., como assistentes do autor e rés, respectivamente. Justifica-se a admissão da primeira por ser autora na ação civil pública nº 97/36170-4, em curso nesta Vara, tendo objeto similar e que gerou a prevenção deste Juízo; e, da segunda (Monsanto), face o inegável interesse econômico na demanda. Procedam-se às devidas anotações.

Passo a analisar o requerimento feito pelo ilustre Representante do Ministério Público Federal às fls. 474/477.

De início, quanto ao pedido formulado no item "14-a" (fl. 476), no sentido de que a Monsanto comprove ser possuidora do registro do herbicida round up ready, penso não ter relação direta com a matéria, em debate. Ademais, se houver alguma irregularidade, no tocante à comercialização do aludido produto, caberá aos órgãos de fiscalização do Poder Executivo adotar as medidas cabíveis.

Igualmente não me parece justificável que se determine ao IBAMA a imediata realização de Estudo de Impacto Ambiental, porquanto estudo dessa natureza será objeto de perícia, no momento processual oportuno.

O pedido de expedição de ofícios a órgãos e entes públicos será apreciado na fase probatória.

Todavia, parece-me, de fato, razoável que se estabeleçam, desde logo, algumas medidas, afim de assegurar a eficácia da decisão que determinou a rotulagem de todos os produtos feitos à base de soja transgênica.

Assim, determino à Monsanto que: a) ao vender sementes e mudas da soja transgênica, colha do comprador compromisso de que em todas as etapas (plantio, armazenagem e transporte) o produto seja mantido segregado, de modo a não se misturar aos grãos de soja natural, possibilitando, assim, a rotulagem final; b) apresente relatório a este Juízo, trimestralmente - o primeiro em janeiro/99 - especificando a quantidade vendida, os compradores e os locais onde será cultivada a soja transgênica.

Publique-se. Intimem-se a União e o d. MPF. Intime-se o IBAMA, na pessoa de um de seus procuradores, para manifestar seu eventual interesse em integrar a lide." (Fls. 478/479).

O IDEC manifestou-se, com as razões de fls. 482/497 e a documentação de fls. 498/526, pedindo reconsideração da decisão supratranscrita, para que (a) seja suspensa a autorização concedida pelo CTNBio para o livre registro, uso, ensaios, testes, plantio, transporte, armazenamento, comercialização, consumo, importação, liberação e descarte da soja Round up Ready, bem como de seus germoplasmas, até que (1) a CTNBio elabore as normas a que está obrigada por lei; (2) seja determinada a realização do Estudo de Impacto Ambiental, cujo desenvolvimento poderá ser acompanhado por um expert designado por esse Juízo ; (b) não ocorra qualquer liberação comercial por parte da União Federal da soja Round up Ready ou de qualquer germoplasma a ela ligado, até o cumprimento dos itens citados; (c) o plantio da soja transgênica seja restrito ao necessário, para realização de testes e do próprio EIA/RIMA, em regime monitorado e em área de contenção, delimitada e demarcada, com a vedação de que sejam comercializados os frutos obtidos com os testes. (Fls. 496).

A petição de fls. 542 informa que o IDEC ajuizou agravo de instrumento contra a decisão em referência, perante o TRF/1ª Região.

A MONSANTO DO BRASIL LTDA apresentou a contestação de fls. 570/587, noticiando a interposição de agravo de instrumento contra a determinação judicial sobre a rotulagem final dos produtos transgênicos (fls. 589/597).

O INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA peticionou às fls. 658/663, requerendo seu ingresso na lide como assistente litisconsorcial do autor.

O IDEC manifestou-se às fls. 667/672, reiterando seu pedido de reconsideração, antes formulado, e requerendo a citação da MONSOY, como litisconsorte passiva.

Admiti, às fls. 676, o IBAMA, como litisconsorte ativo e as empresas MONSANTO e MONSOY, como litisconsortes passivas, ordenando, de logo, a citação desta última.

O IDEC replicou, com as razões de fls. 682/721 e as peças documentais de fls. 722/ 766, às contestações já apresentadas, nos autos, pela União Federal (fls. 319/330) e pela MONSANTO DO BRASIL LTDA (Fls. 570/587).

O IDEC peticionou, ainda, com as razões de fls. 770/776, reiterando seu pedido de reconsideração, ante a notícia de que o Ministério da Agricultura estaria autorizando pedido da MONSANTO para liberação e plantio de 5 (cinco) tipos de soja transgênica e, por isso pede que (a) sejam impedidos os órgãos governamentais de autorizarem o plantio de sementes geneticamente modificadas em escala comercial, sem os prévios Estudos de Impacto Ambiental e correspondente Relatório, revistos no art. 225, § 1º, II, da Constituição Federal e na Lei nº 8.974/85 - Lei da Biossegurança; (b) sejam intimados os Ministros da Agricultura, Ciência e Tecnologia, Meio Ambiente e Saúde, para que fiquem cientes da liminar deferida, eximindo-se de expedir autorização, antes que se proceda o Estudo de Impacto Ambiental e as normas regulamentares; (c) caso o Ministério da Agricultura já tenha autorizado o pedido da MONSANTO, que a autorização tenha seus efeitos suspensos, até julgamento final da Ação Civil Pública; (d) sejam intimadas a MONSANTO e MONSOY para se eximirem de, por si ou por outros subsidiárias, de descumprirem a ordem judicial, vendendo sementes ou plantando-as em escala comercial. (Fls. 775/776).

Com vistas dos autos, o douto Representante do Ministério Público Federal manifestou-se, com as razões de fls. 788/802, requerendo que este Juízo, com a máxima urgência, amplie a liminar anteriormente deferida e torne eficaz o objeto da presente ação civil pública, para que (a) seja exigido das rés MONSANTO e MONSOY a apresentação do Estudo Prévio de Impacto Ambiental, na forma do art. 225, inciso IV, da Constituição Federal, como condição indispensável para o plantio, em escala comercial da soja round up ready; (b) de igual modo, sejam impedidas as referidas empresas de comercializarem as sementes da soja geneticamente modificada, até que seja regulamentada e definida pelo poder público as normas de biossegurança e de rotulagem de organismos geneticamente modificados; (c) por fim, que não se autorize o cultivo, em escala comercial do referido produto, sem que sejam suficientemente esclarecidas, no curso da instrução processual, as questões técnicas suscitadas por pesquisadores de renome a respeito das falhas apresentadas pela CTNBio em relação ao exame do pedido de desregulamentação da soja round up ready.

A MONSANTO DO BRASIL LTDA manifestou-se, ainda, com as razões de fls. 887/924, em face do pronunciamento ministerial.

O Ministério Público Federal reiterou seu pronunciamento e requerimento já formulado (fls. 1.355/1.371).


II

(Lei nº 7.347/85, art. 4º) estão legitimadas a propô-la, em litisconsórcio, as Associações, que, aqui, figuram, como autoras (IDEC e GREENPEACE), bem assim, a Autarquia Federal (IBAMA), todas voltadas, em suas finalidades institucionais, à proteção ao meio ambiente e ao consumidor (Lei nº 7.347/85, art. 5º, caput, incisos I e II e respectivo parágrafo 2º).

Os poderes e prerrogativas do Ministério Público, na ação civil pública, resultam diretamente de sua função institucional, assegurada na Constituição da República, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (CF, art. 129, III), atuando, obrigatoriamente, como fiscal da lei, se não intervir, como parte , no processo, vindo de assumir a titularidade ativa, em caso de desistência ou abandono da ação por associação legitimada (Lei nº 7.347/85, art. 5º, §§ 2º e 3º), podendo, finalmente, instaurar, sob sua presidência, inquérito civil, ou requisitar, de qualquer organismo público ou particular, certidões, informações, exames ou perícias, no prazo que assinalar (Lei nº 7.347/85, art. 8º, § 1º).


III

, expõe, com o brilho e a cultura, que lhe são costumeiros, o seguinte:

"As preliminares de inclusão na lide foram acolhidas plenamente pelo Juiz. As partes já estão identificadas nos autos, restando uma rápida análise sobre as propostas de exclusão, solicitada pelo IDEC, em relação à MONSANTO e desta última, em relação à participação do Ministério Público Federal, como parte e a legitimidade do IDEC, por não fazer parte de suas atribuições defender processos biológicos ou o meio ambiente em caráter geral.

15. Nenhuma das propostas de exclusão merece acolhida. A MONSANTO tem interesse de agir porque teria, segundo ela diz, investido muito dinheiro na divulgação e comercialização dos seus produtos (soja RR), sendo que já obteve em seu favor Parecer Técnico da CTNBio, autorizando o plantio da soja transgênica, em escala comercial. Ademais, está sendo questionada nesta ação a regularidade dessa autorização pelos autores. Além disso, é fato incontestável que a empresa em destaque seria a principal prejudicada em caso de eventual procedência da ação.

16. Em relação à suposta intromissão indevida do Ministério Público Federal em ação de outros, é preciso lembrar à MONSANTO que o Ministério Público Federal oficia obrigatoriamente, em toda e qualquer ação civil pública, seja naquelas por ele diretamente propostas ou como custos legis naquelas por associações ou entidades civis representativas de determinado seguimento social (art. 5º, § 1º, da Lei nº 7347/95).

17. Além disso, o Ministério Público Federal, na qualidade de custos legis, poderá auxiliar na complementação das provas, suscitar questões preliminares como conexão, prevenção, competência, legitimidade, pode opinar favoravelmente ou não à concessão de liminares e também relatar ao Juiz fatos que ainda não foram levados ao seu conhecimento no curso da instrução processual. Não fosse bastante, o parquet instaurou inquérito civil público para apurar, em toda a sua extensão, as conseqüências do ingresso de organismo geneticamente modificado no país, tendo este órgão, em particular, evidente interesse no deslinde da questão.

18. A alegação de ilegitimidade do IDEC também não merece acolhida. Os ilustres advogados da Monsanto esqueceram que a questão ambiental não tem dono, não pode ser apropriada por este ou aquele grupo. O art. 225 da Constituição Federal não deixa margem á interpretação modesta de sua abrangência:

"Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações...

19. Portanto, esse direito pode ser, em princípio, defendido por todos. Isso quer dizer por qualquer cidadão ou pessoa sujeita de direitos, como as crianças ou mesmo os que ainda vão nascer, em razão de que esse direito difuso se estende às gerações futuras, sendo, portanto, impossível restringir a legitimidade para o processo da mais prestigiada associação de defesa dos consumidores do país em defesa do meio ambiente.

20. Além disso, a Monsanto não deu a devida importância ao fato de que a rotulagem de produtos para consumo humano ou animal é a última etapa de um processo, que se inicia com plantio da semente de soja, trigo, milho, arroz e termina com o produto beneficiado, pronto, embalado e rotulado nas prateleiras dos supermercados à espera do consumidor.

21. A rotulagem de alimentos transgênicos deve ser feita de modo que o consumidor saiba de todas as características e do processo que resultou aquele produto, para que se possa distinguir um alimento orgânico daquele geneticamente modificado. Para que isso ocorra é essencial que se saiba a origem do produto, de onde ele vem, como foi produzido e de que substâncias ele é composto.

22. Esse fato reconhecido por este juízo ao conceder, parcialmente, a liminar (fls. 478/9) assegura a legitimidade do IDEC para ajuizar a ação civil pública para exigir do poder público a realização do Estudo Prévio de Impacto Ambiental antes de se autorizar o plantio, em escala comercial, de qualquer produto geneticamente modificado.

23. No que diz respeito à obrigatoriedade do Estudo Prévio de Impacto Ambiental - EIA, o ingresso do IBAMA no polo ativo da ação traz um novo alento ao processo. Diga-se de passagem que ao IBAMA não havia outra atitude a tomar no caso, e por isso merece aplausos a atitude corajosa do IBAMA, de não aceitar a inovação feita pelo Decreto n. 1752/95, que facultou ao Presidente da CTNBio exigir o EIA apenas quando Sua Excelência entender conveniente.

24. O EIA não é uma formalidade de menos; uma faculdade, arbítrio ou capricho que possa ser dispensada no exame tão delicado das conseqüências do descarte de OGM no meio ambiente. A exigência constitucional não pode ser, evidentemente, limitada por um decreto regulamentador.

25. O art. 225, inciso IV, da Constituição Federal exige, na forma da lei, estudo prévio de impacto ambiental, para instalação de qualquer obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, incluindo-se nesse rol a liberação de organismo geneticamente modificado. Nos termos da Lei nº 6.938/81 e da Resolução nº 237, de 19/12/97, do Conselho nacional do Meio Ambiente (CONAMA), que expressamente exige a licença ambiental em casos de introdução de espécies geneticamente modificadas no meio ambiente;

25. Não se pode esquecer que o Estudo de Impacto Ambiental é de suma importância para a execução do princípio da precaução, de modo a tornar possível no mundo real a previsão de possíveis danos ambientais ocasionados pelo descarte de OGM no meio ambiente com todos os riscos já ditos aqui.

26. Além disso, o dispositivo previsto no art. 2º, inciso XIV do Decreto 1752/95, que torna facultativo o EIA, inicialmente previsto no art. 6º do projeto de lei aprovado na Câmara, foi vetado pelo Exmo. Sr. Presidente da República, sob a alegação de que a matéria deveria ser melhor examinada posteriormente, uma vez que a criação, estruturação e atribuições de órgãos públicos somente se realiza por meio de projetos de lei de iniciativa do Presidente.

27. Portanto, em razão de veto presidencial não constou da Lei 8.974/85 o dispositivo que tornou o EIA, uma formalidade burocrática que o ilustre Presidente da CTNBio pode ou não requerer. A barbaridade cometida pela assessoria jurídica do Gabinete Civil da Presidência da República deve ser fulminada pela Justiça, pois ela fez ressuscitar no Decreto aquilo que tinha sido afastado no veto presidencial por se tratar de matéria que deveria estar contida em outro projeto de lei, de iniciativa do Presidente da República.

28. Se a lei não poderia limitar o alcance da norma prevista no art. 225 da Constituição, muito menos poderia o Decreto, que criou a CTNBio, que sequer faz parte do ISNAMA - Sistema Nacional do Meio Ambiente; que não é órgão licenciado ambiental, dispensar a obrigatoriedade do EIA/RIMA.

28. Ressalte-se que a exigência do EIA para avaliar os riscos decorrentes do descarte de OGM no meio ambiente não retrata a opinião pessoal deste órgão. Esta é, em verdade, posição institucional do Ministério Público Federal compartilhada, aliás, pelos ilustres professores e doutrinadores do direito ambiental: Paulo Affonso Leme Machado, Edis Millaré, Antônio Hermann Benjamin e Paulo de Bessa Antunes.

29. Portanto, mais do que nunca o Ministério Público Federal manifesta a sua convicção de que é inconstitucional o art. 2º, inciso XIV, do Decreto nº 1752/95 que, ao regulamentar as atribuições e competência da CTNBio, dispensou aquele órgão da obrigação legal de exigir das empresas de biotecnologia o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e Relatório de Impacto Ambiental (RIMA), de projetos que envolvam a liberação de OGM (organismo geneticamente modificado) no meio ambiente, desobrigando a MONSANTO de apresentar o EIA referente ao cultivo da soja round up em território brasileiro;

30. A respeito dos aspectos relacionados à Biossegurança, ocasionados pela introdução no meio ambiente de sementes de soja transgênica Roundup Ready para o plantio, inclusive em escala comercial, no território brasileiro, a ilustre Drª. Eliana Fontes, juntamente com o Professor Edvaldo Vilela, redigiu um precioso Parecer sobre o assunto secundando algumas conclusões levantadas pela Drª Maria Conceição Gama.

"concordamos com a Dra. Conceição Gama em sua argumentação na consultoria que prestou no que diz respeito à ausência de informações relevantes relacionadas à interação planta/ambiente nas condições do Brasil. Especialmente, consideramos relevante que sejam fornecidas informações sobre o comportamento e características das cultivares de soja Roundup Ready plantadas no ambiente brasileiro, particularmente fatores que influenciam a sobrevivência e a mortalidade das plantas transgênicas, tais como ação de pragas e patógenos, e possível ocorrência de dormência induzida, como duração, término e intensidade, nas diferentes condições ambientais prevalentes no Brasil, considerando toda a área geográfica que, potencialmente, será cultivada com esta soja.

O dossiê apresentado pela proponente contêm apenas e tão somente informações sobre a soja em questão quando cultivada nos Estados Unidos. As experiências relatadas para o Brasil dizem respeito a testes de comprovação de eficiência das variedades visando o registro do herbicida Round Up neste país, tratando, basicamente, de questões agronômicas e não aquelas de segurança ambiental. Não abordam assim, aspectos relevantes para a biossegurança de linhagens transgênicas. Consideramos este nível de informação insuficiente para uma tomada de decisão para o que se pode chamar de desregulamentação deste produto no Brasil.

(Pareceres juntados aos autos às fls. 519/526).

31. Desse modo, os pesquisadores acima referidos, dentre as quais, a Drª Eliana Gouvêa, que já exerceu a função de secretária executiva da CTNBio e é co-autora do livro Biossegurança e Biodiversidade: Contexto Científico e Regulamentar, suscitam sérias dúvidas quanto à adequação dos estudos apresentados nos EUA perante as agências norte-americanas para respaldar a liberação, em escala comercial, da soja round up ready.

32. É muito preocupante saber que as variações climáticas brasileiras e as espécies aqui existentes, bastante diferenciadas daquelas existentes nos EUA, não foram levadas em consideração pela CNTBio que, em gesto no mínimo açodado, aprovou Parecer Técnico, sem que esses detalhes tivessem sido previamente examinados, como demonstra os Pareceres em anexo, juntados pelo IDEC, às fls. 519/526.

33. Dois fatos revelam o açodamento ou a incrível eficiência da análise procedida pela CTNBio. O primeiro refere-se à velocidade da aprovação do cultivo experimental por um ano, e logo a seguir, a apresentação do pedido de desregulamentação da soja round up ready, sem que fosse estudado, em todos os aspectos, os problemas decorrentes da introdução do referido OGM no Brasil.

34. O segundo fato, igualmente digno de nota, que atesta a falta de exame das condições brasileiras, como clima e espécies endêmicas diferenciadas, está no fato de que, na ação civil pública proposta em dezembro de 1997 pelo GREENPEACE, das 1220 páginas que atualmente compõe os autos, 537 são, em grande parte, estudos e análises do pedido formulado pela MONSANTO junto ao EPA (Environmental Protection Agency) e ao FDA (Food and Drugs Administration).

35. Não obstante esses fatos, por si só, suficientes à ampliação da liminar para obrigar as rés MONSANTO e MONSOY ao prévio Estudo de Impacto Ambiental, a Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul constatou as seguintes irregularidades na Notificação Administrativa que fez à MONSOY pela plantação, em volume comercial, de soja transgênica:

"4. O Departamento de Produção Vegetal desta Secretaria compareceu à sede da Empresa e à Fazenda Palmeirinha, comprovando a existência das culturas nas quantidades a seguir:

Varidade Área

M-SOY 6363 RR 300 hectares

M-SOY 6565 RR 135 hectares

Total 435 hectares

5. As lavouras acima foram formadas com semente de soja geneticamente modificada, trazida do Estado de Goiás, passando pelo Paraná, conforme documentos anexos.

6. É de se ressaltar que a área de 460 hectares de lavoura para sementes fica caracterizada como lavoura para produção comercial de sementes, já que produzirá a quantidade suficiente para o cultivo de 23.000 hectares de área na safra do ano agrícola de 1999/2000.

7. É certo que a Monsoy não possui área própria de 23.000 hectares de terra para plantar toda essa soja, devendo vendê-la para semente.

8. Assim, a lavoura vistoriada não se caracteriza como área de experimento, ensaio ou teste.

9. As culturas encontram-se nesta data, na fase de enchimento de grão, estando a colheita prevista para o mês de Abril-Maio/99.

10. As lavouras estão sendo cultivadas, mediante Contrato de Cooperação para Multiplicação de Semente Pré-Básica no seguinte endereço: Fazenda Palmeirinha, de propriedade de João Osório Dumoncel, RS 508, Km 35, Palmeira das Missões - RS.

11. Os responsáveis técnicos pelas lavouras são os seguintes profissionais:

- Engº Agrº Joacir Ernesto Zardo

- Engº Agrº Elton Salata.

12. Segundo informação verbal do responsável da Monsoy, Eng. Agr. Elton Salata, o cultivo da Soja Transgênica destina-se à produção de semente básica, para ser fornecida a todo o Brasil.

13. Também o cultivo das lavouras não obedece as normas de Biossegurança da CTNBio.

14. Em face da falta de Notificação ao Poder Executivo Estadual, da existência da lavoura, esta foi interditada pelo DPV, conforme anexo, com base no Decreto 39.314/99 e Lei Estadual 9.453/91.

15. Também há irregularidades relativas às normas de Biossegurança e relativas à perspectiva de comercialização da produção de semente pré-básica, atividade que não é permitida pela CTNBio.

36. A Secretaria de Agricultura não aceitou as razões expostas pela MONSANTO nos termos do ofício nº 010/DPV/SAA/RS (documento em anexo),no trecho que merece transcrição:

De acordo com notificação administrativa da MONSOY Ltda., vimos por meio deste informar o seguinte:

Com relação ao atendimento do Decreto nº 39.314 de 03 de março de 1999, temos a informar que, mesmo a MONSOY Ltda apresentando notificação, esta não foi aceita por estar em desacordo com o Art. 2 do referido Decreto não atendendo aos quesitos exigidos, tais como:

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- Certificado de Qualidade em Biossegurança (CQB) por área individualizada concedido pela CTNBio;

- Estudo de Impacto Ambiental - EIA - e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA exigidos pelo referido decreto;

Em relação à instrução normativa nº

10 da CTNBio, a MONSOY apresenta apenas as informações do parecer técnico conclusivo da CTNBio, que não contemplam o exigido pela Decreto nº 39.314/99.

Neste sentido, não foi aceita a notificação, permanecendo a empresa sujeita às penalidades previstas na legislação.

37. Vale ressaltar que a própria Monsoy, em sua defesa administrativa, admitiu não ter realizado - e nem pretende, em tempo algum, apresentar - prévio Estudo de Impacto Ambiental - EIA, conforme se constata no trecho a seguir:

"3. Quanto à exigência prevista no item IV do §2º do artigo 1º do Decreto nº 39.314/99, vale dizer apresentação de "Estudo de Impacto Ambiental - EIA e Relatório de Impacto Ambiental - RIMA, relativo ás atividades desenvolvidas" pela Notificante, vimos informar que a Notificante não se encontra obrigada a apresentação do referido Estudo, e respectivo Relatório.

Tal inexigibilidade decorre do fato de ter sido, a realização do EIA/RIMA, dispensada pela CTNBio nos termos do que dispõe o artigo 2º, inciso XIV, do Decreto nº 1.752/95, quando da apreciação do pedido de registro da soja "Roundup Ready" e da emissão do parecer técnico conclusivo por aquele órgão.

4. Ademais, a exigência de EIA/RIMA foi expressamente considerada dispensável por força de decisão do juízo da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária de Brasília, em sede das ações judiciais intentadas pelo IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e Associação Civil Greenpeace contra a União Federal e outros."

38. Não fossem bastantes os argumentos ditos e repisados neste Parecer em prol da obrigatoriedade do EIA, a própria MONSOY traz uma interpretação equivocada e maliciosa a respeito da decisão tomada por este r. Juízo. Ao dizer que, expressamente, o ilustre Juiz Substituto desta 6ª Vara, Dr. Antônio Oswaldo Scarpa teria dispensado o EIA, confessando publicamente que não vem cumprindo a liminar deferida por este Juízo.

39. No despacho de fls. 478, o MM. Juiz Substituto da 6ª Vara Federal do Distrito Federal afirmou que:

"Igualmente não me parece justificável que se determine ao IBAMA a imediata realização do Estudo de impacto Ambiental, porquanto estudo dessa natureza será objeto de perícia, no momento processual oportuno..."

40. Apesar do equívoco cometido por Sua Excelência ao postergar a realização do prévio EIA (como o nome diz, tem de ser anterior a implantação do empreeendimento) para a fase da instrução processual, deve ser feita justiça. O ilustre magistrado não disse e muito menos teria expressamente dispensado a realização do EIA.

41. Este fato somente vem mostrar que a concessão parcial da liminar não foi suficientemente forte para conter os arroubos mercantis da empresa, que está tentando viabilizar por todos os meios, inclusive por alguns não muito recomendáveis, como esse de colocar no despacho do Juiz palavras que lá não foram escritas, falseando e mascarando a verdade para viabilizar a toque-de-caixa o seu empreendimento.

42. A prova da deslealdade da empresa para com este Juízo pode ser encontrada ao se confrontar a afirmação feita pela MONSANTO na petição de fls. 652/3 com os documentos que foram remetidos à Procuradoria Regional de Defesa do Cidadão/RS pela Secretaria de Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul.

43. Convém lembrar que, pelo despacho de fls. 478, foi determinado que a empresa MONSANTO do BRASIL S.A. apresentasse, trimestralmente, relatório a esse d. juízo, especificando a quantidade de soja vendida, o nome de seus respectivos compradores, bem como o local em que a mesma estaria sendo cultivada.

44. Pois bem, no item 2 da petição apresentada pela MONSANTO às fls. 652/3, expressamente foi dito que:

"Ocorre que, até o presente momento, não foram vendidos quaisquer grãos ou sementes da mencionada soja, estando a mesma em fase de multiplicação, ou seja, estão sendo cultivadas pela própria MONSANTO DO BRASIL S.A, em áreas reservadas para tal finalidade, com o fito de reproduzirem, e bem assim, tornar possível uma produção em escala comercial.

Assim, esclarece que, tão logo mencionada soja seja vendida, esse d. Juízo será imediatamente comunicado nos exatos termos determinados pelo despacho anteriormente mencionado, de maneira a elucidar o nome de seus compradores e o local onde os mesmo estarão cultivando referidos grãos.

45. Por outro lado, os documentos apresentados pela Secretaria de Agricultura confirmam o plantio, em escala comercial de soja geneticamente alterada, e que a empresa não cumpriu o que lhe foi determinado por Vossa Excelência, tanto que a Notificação de Infração expressamente menciona que:

6. É de se ressaltar que a área de 460 hectares de lavoura para sementes fica caracterizada como lavoura para produção comercial de sementes, já que produzirá a quantidade suficiente para o cultivo de 23.000 hectares de área na safra do ano agrícola de 1999/2000.

7. É certo que a Monsoy não possui área própria de 23.000 hectares de terra para plantar toda essa soja, devendo vendê-la para semente.

8. Assim, a lavoura vistoriada não se caracteriza como área de experimento, ensaio ou teste.

9. As culturas encontram-se nesta data, na fase de enchimento de grão, estando a colheita prevista para o mês de Abril-Maio/99.

10. As lavouras estão sendo cultivadas, mediante Contrato de Cooperação para Multiplicação de Semente Pré-Básica no seguinte endereço: Fazenda Palmeirinha, de propriedade de João Osório Dumoncel, RS 508, Km 35, Palmeira das Missões-RS.

46. Portanto, a própria defesa da MONSOY é uma confissão explícita de que tanto ela como a MONSANTO não estão cumprindo à risca o que foi determinado por este Juízo, impondo à casa da Justiça restaurar a sua dignidade, ofendida com palavras ditas e não cumpridas e com atitudes indesculpáveis, visando confundir as autoridades públicas em relação à sua indisfarçável intenção de comercializar, sem nenhum respeito à uma decisão judicial moderada que fixava critérios razoáveis para tanto, a soja transgênica sobre a qual ela requereu o direito de patente, e que pretende proceder a venda, em caráter exclusivo, em conjunto com o herbicida round up ready, que ainda não teve, até hoje, o seu registro especial temporário aprovado na Secretaria de Defesa Agropecuária." (Fls. 791/801).

Numa outra passagem do pronunciamento ministerial, destacam-se os tópicos seguintes:

"De tudo o que dissemos e continuamos a sustentar vêm a empresa, agora, de posse de dois Pareceres encomendados, argumentar, em síntese, que:

a) o princípio da precaução não é princípio geral de direito internacional, uma vez que a Declaração do Rio (l992) não é Convenção ou Tratado e não teria sido incorporado ao direito interno;

b) a lei 8.974/95 incorpora o princípio da precaução em matéria de biossegurança e, dada a sua condição de legislação posterior e específica sobre OGM, regularia, em alguns aspectos, de modo diferente da legislação geral sobre direito ambientar, excluindo a exigência de EIA/RIMA prevista na Lei nº 6.938/81 e a Resolução CONAMA nº 237/97 que seria incompatível com a lei especial que regula a autorização para cultivo de plantas transgênicas;

c) a CTNBio teria poder discricionário para decidir, livremente, sobre todos os aspectos referentes a introdução de OGM no país, sendo que o seu Parecer Técnico Conclusivo sobre a matéria vincularia toda a administração pública."

.........

O primeiro grande equívoco consiste em descaracterizar o princípio da precaução como princípio de direito internacional, insistindo em uma distinção formal entre declaração e convenção; entre princípios e normas internacionais vinculantes.

De início, vamos começar enfatizando a importância do princípio da precaução como regra fundamental de proteção ambiental no direito internacional. O próprio professor Toshio Mukai não nega esse caráter, em sua conhecida obra "Direito Ambiental Sistematizado ", ao concordar com o eminente professor português, Femando Alves Correia, que sobre o assunto ensina:

"seguindo de perto a doutrina alemã, poderemos dizer que o direito do ambiente é caracterizado por três princípios fundamentais: o princípio da prevenção (vorsorgeprinzip), o princípio do poluidor pagador ou da responsabilização (verursacherprinzip) e o princípio da cooperação ou da participação.

(.................................)

(Sobre o princípio da precaução) é o autor português quem nos oferece o seguinte significado deste princípio, com base em Schimisdt: pode ser visto como um quadro orientador de qualquer política moderna do meio ambiente. Significa que deve ser dada prioridade às medidas que evitem o nascimento de atentados ao meio ambiente. Utilizando os termos da alínea a do artigo 3º da Lei (portuguesa) de Bases do Ambiente, as atuações com efeitos imediatos ou a prazo no meio ambiente devem ser consideradas de forma antecipada, reduzindo ou eliminando as causas, prioritariamente à correção dos efeitos dessas ações ou atividades susceptíveis de alterarem a qualidade do ambiente".

Curiosamente, antes mesmo do advento da Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, onde foi gestada a Declaração do Rio, que contempla em seu Princípio nº 15, o princípio da precaução, o professor MUKAI já dizia que a Lei nº 6.938/81, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Politica Nacional do Meio Ambiente, teria contemplado, no Direito positivo brasileiro, o princípio da prevenção.

Entretanto, não é suficiente citar o autor MUKAI para refutar o parecerista , porque, entre nós, merece transcrição as preciosas lições sobre o principio da precaução no direito ambiental dadas pelo velho e bom Professor Paulo Affonso Leme Machado:

O posicionamento preventivo tem por fundamento a responsabilidade no causar perigo ao meio ambiente. E um aspecto da responsabilidade negligenciado por aqueles que se acostumaram a somente visualizar responsabilidade pelos danos causados Da responsabilidade de prevenir decorrem obrigações de fazer e não fazer.

(....................)

Não é preciso que se tenha prova científica absoluta de que ocorrerá dano ambiental, bastando o risco de que o dano seja irreversível ou grave para que não se deixe para depois as medidas efetivas de proteção ao ambiente. Existindo dúvida sobre a possibilidade futura de dano ao homem e ao ambiente a solução deve ser favorável ao ambiente e não a favor do lucro imediato - por mais atraente que seja para as gerações presentes.

Mas a principal crítica dos eméritos consultores da empresa MONSANTO refere-se ao fato de que a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento será uma soft law, uma declaração de princípios sem o poder de vincular ou obrigar qualquer país ao seu cumprimento.

Sobre este ponto, a divergência não está em identificar a natureza da Declaração do Rio como uma carta de princípios e compromissos que não tem por objetivo criar normas precisas, específicas, de cumprimento obrigatório ou mesmo estipular sanções aos países que venham a descumprir os seus mandamentos. Evidentemente, a Declaração do Rio estabelece princípios a serem seguidos pelos países signatários para alcançar as metas previstas para a proteção do meio ambiente e para o desenvolvimento sustentável do Planeta, como se lê do seu Preâmbulo.

Pois sim o que parece dividir a opinião dos doutrinadores internacionais dos pareceristas que auxiliam a empresa ré nesta empreitada jurídica seriam os efeitos no direito interno de uma declaração internacional assinada por apenas 174 países. Dizem eles que esses princípios não são princípios de direito internacional.

Phillipe Sands, emérito professor de direito internacional e uma das maiores autoridades no assunto, mata a charada esclarecendo que a Declaração do Rio, ao incorporar vinte e sete princípios de cooperação entre Estados e povos, tem a finalidade de estabelecer as bases para o direito internacional ao desenvolvimento sustentado.

"Apesar de não ser estritamente vinculante, muitas das regras (da Declaração do Rio) refletem princípios do direito costumeiro internacional, outras refletem princípios emergentes no direito internacional e, ainda, outras prevêem orientações a serem incorporadas nos sistemas normativos internos e internacionais. A Declaração do Rio é a mais importante referência para se avaliar os futuros desdobramentos do direito internacional ao prover as bases para a definição do desenvolvimento sustentável e sua aplicação no plano do direito interno".

Especificamente sobre o princípio da precaução, Sands não tem dúvida em afirmar que tal princípio, expresso na Declaração do Rio e devidamente incorporado nas Convenções Internacionais de Mudanças Climáticas e Conservação da Diversidade Biológica, faz parte do direito costumeiro internacional, sendo, portanto, uma regra de jus cogens que, em países como o Reino Unido, se incorpora automaticamente ao direito interno.

A propósito, a discussão sobre os efeitos vinculantes do princípio da precaução sugerida pela empresa não leva a lugar nenhum, à medida em que a Convenção da Diversidade Biológica, que é um tratado internacional, assinado, ratificado pelo Brasil e incorporado no direito interno, expressamente acolhe o princípio da precaução como meio de proteção da variedade biológica no planeta.

Depois, não pode haver dúvida de que o princípio da prevenção, ou da precaução, nada mais faz do que estabelecer o que o bom senso ou o senso comum há muito apregoam, como: é melhor prevenir, do que remediar; se não há certeza de que um determinado produto fará bem a você, e melhor não usá-lo. O princípio da precaução, intuitivamente, aplica-se às nossas vidas nas coisas mais banais e, no caso em exame, como explica Paulo Affonso Machado, se aplica, inteiramente, à introdução de OGM no país, in verbis:.

"o legislador é chamado a intervir nesse campo, porque não se pode negar a existência de riscos para os seres humanos, para os animais e para as plantas

ao ser realizada a manipulação genética. Mencionam-se como riscos: o aparecimento de traços patógenos para humanos, animais e plantas; perturbações para os ecossistemas; transferência de novos traços genéticos para outras espécies, com efeitos indesejáveis; dependência excessiva face às espécies (geneticamente modificadas), com ausência de variação genética.

(..........................)

A Lei 8.974/95 objetiva estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização no uso de técnicas de Engenharia Genética. Ao falar em normas de segurança implicitamente a lei abarca o conceito que a Engenharia Genética implica riscos, que necessitam ser geridos."

Ora a Lei de Biossegurança foi pensada para evitar e prevenir os efeitos não desejados que potencialmente podem ser produzidos pelas espécies geneticamente alteradas. Aliás, outra não foi a razão pela criação da Comissão Técnica de Biossegurança, com 18 (dezoito) componentes, que possui, dentre outras atribuições, estabelecer normas e regulamentos sobre biossegurança e classificar o OGM segundo o seu risco (art. 2º do Decreto nº 1520/95).

A propósito, a ilustre pesquisadora e membro integrante da CTNBio,- Eliana Gouveia Fontes, defende abertamente a aplicação do principio da precaução em relação aos novos produtos gerados pela biotecnologia. Ela afirma, corretamente ao nosso ver - em artigo publicado no Boletim Informativo nº O1 /CTNBio (órgão oficial de divulgação da CTNBio), que:

Toda nova tecnologia deve ser analisada previamente, afim de verificar se sua aplicação poderá ter qualquer impacto indesejável. Tomar conhecimento prévio é apenas uma questão de bom senso. Já aprendemos a nossa lição no passado com o que aconteceu com novas tecnologias e produtos, pesticidas sendo o caso em questão. Anteriormente novas tecnologias podiam ser introduzidas sem muito controle. Uma substância só era retirada do mercado quando o dano já havia ocorrido, em outras palavras quando já era muito tarde. Hoje, um novo químico somente pode ser introduzido no mercado se uma análise anterior indicar que efeitos danosos resultantes de seu uso não são esperados. Portanto, substâncias e produtos (inclusive organismos vivos), com características desconhecidas, ou com características maléficas conhecidas, são sujeitas a uma seleção cuidadosa antes de serem colocados no mercado. Este procedimento parece perfeitamente lógico, mas muito tempo se passou e dano ambiental considerável foi causado antes de se chegar a este estágio. Também na biotecnologia moderna nos encontramos frente à uma nova tecnologia, por ser ainda desconhecido, se, ou até que ponto, efeitos danosos poderiam resultar. Portanto, o principio da precaução deve ser aplicado igualmente com organismos, substâncias e produtos dela resultantes.

A falta de experiência com os organismos modificados geneticamente OGMs e o potencial destes organismos para causar certos efeitos adversos, como resultado dos genes altamente alienígenas inseridos em seus genomas, são a base das regulamentações de biossegurança. Apesar de que a capacidade de produzir alterações genéticas precisas aumente a confiança de que mudanças não intencionais no genoma não irão ocorrer, isto não assegura que todos os aspectos ecológicos importantes do fenótipo possam ser preditos (grifos nossos).

Portanto, é um completo disparate falar que o descarte de OGM não causa significativo impacto no meio ambiente, para efeito de se exigir Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA) nos termos do art. 225, inciso IV, da Constituição.

Outro absurdo que não pode ficar sem resposta é a idéia de que a CTNBio teria poder discricionário para solicitar, quando bem entendesse, o EIA e que, após emitido o Parecer Técnico Conclusivo, aprovando o plantio e a comercialização de uma planta geneticamente modificada, os outros órgãos estariam vinculados a tal decisão.

Não deixa de ser curioso o fato de que, segundo os pareceristas, a Lei nº 8974/95, por ser específica e posterior à Lei nº 6.938/81, teria regulamentado, por inteiro, o uso e a manipulação genética, estando facultado ao livre arbítrio da CTNBio decidir o modo e tempo que entender oportuno as hipóteses em que o órgão colegiado poderá autorizar a construção, o cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte de OGM. O mais incrível é que, na abalizada opinião dos seus consultores, após a super-comissão aprovar o Parecer Técnico Conclusivo, o ato administrativo aprovado passa a ser vinculado, obrigando aos Ministérios da Agricultura, Saúde e Meio Ambiente adotá-lo sem críticas ou reservas.

Mais uma vez, vamos nos socorrer das preciosas lições do mestre Paulo Affonso Leme Machado, que estudou a fundo a questão da competência da CTNBio, em especial a obrigação genérica dos Ministérios referidos no caput do art. 7º da Lei nº 8.974/95 de realizar a fiscalização e monitoramento de todas as atividades relacionadas com OGM. Diz ele:

As autorizações mencionadas só poderão ser expedidas após ter sido ouvida a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança, a qual deverá emitir Parecer Prévio Conclusivo. -Os Ministérios deverão levar em conta na motivação das autorizações o referido parecer, mas não estão vinculados ao mesmo. Para não seguir o Parecer da CTNBio, a Administração Federal deve apresentar razões fundamentadas no interesse da vida e da saúde do homem, dos animais, das plantas, bem como do meio ambiente (art. 1º da Lei nº 8.9 74/95).

(...........................)

O registro do produto contendo OGM ou os derivados de OGM para liberação no meio ambiente é uma fase preliminar que antecede à autorização. O simples registro não equivale a dizer que o produto pode ser descartado no meio ambiente.

(............................ )

Insistimos que não se pode afastar a decisão final da liberação de OGM do Grupo II dos Ministérios competentes a emissão de autorização jamais poderá se arbitrada. Necessita de motivação, isto é, a exteriorização dos fundamentos da concordância da Administração Pública. Esta age em nome dos interesses públicos e, no caso, interesses públicos indisponíveis, a 'proteção da saúde do homem, dos animais e das plantas, bem como do meio ambiente", como expressamente assinala o art. 1º da Lei de Engenharia Genética - a Lei 8.974/95. Portanto, os critérios utilizados pela Administração Pública, isto é, pelos órgãos dos Ministérios mencionados, para emitir quaisquer das autorizações podem e devem ser revistos pelo Poder Judiciário, através das ações judiciais apropriadas. Não constitui invasão das competências do Poder Executivo o reexame das autorizações não só para constatar-se desvio de poder, mas para averiguar se as finalidades de proteção constantes da lei foram efetivamente atendidas" (grifamos).

.......

Neste ponto, devemos fazer uma reflexão sobre essa incessante polêmica sobre a obrigatoriedade ou não do EIA como condição para autorização de plantio ou comercialização de OGM. Afirma a empresa na sua manifestação de fls. 887 e seguintes, que:

Na análise da composição da soja transgênica, a agência declarou que "a decisão da agência está fundamentada na análise dos dados fornecidos ao APHIS pela Monsanto, bem como outros dados científicos e comentários recebidos do público com relação ao potencial de ser a linhagem STG 403-2. a partir de nosso exame determinamos que a linhagem STG 40-3-2: (1) não mostra possuir quaisquer propriedades vegetais patógenas; (2) sua improbabilidade de se tornar uma planta daninha é igual à das variedades não modificadas com linhagem progenitora comum; (3) não aumentará o potencial de herbosidade de qualquer outra planta cultivada ou de quaisquer espécies nativas silvestres com as quais possa conseguir cruzar; (4) não causará danos aos produtos agrícolas processados; e (5) é improvável que prejudique quaisquer outros organismos, como as abelhas e minhocas, que são benéficos para a agricultura" (doc. nº 5, pág. 22).

Se tudo o que foi dito pela empresa em relação aos supostos danos ambientais que poderiam ser causados pela soja round up ready for de fato verdade, e vamos aqui admitir, em teoria, que a nova variedade seja mesmo inofensiva do ponto de vista ambiental, então, qual é a razão para não se apresentar o EIA, se se trata do primeiro caso de aprovação de OGM no país?

Ora, a simples realização do EIA demonstrando os acertos de suas premissas ambientais daria à MONSANTO e à CTNBio o argumento definitivo sobre o assunto, afastando qualquer dúvida sobre eventuais efeitos danosos decorrentes do descarte de OGM no meio ambiente. Os seus adversários perderiam o palanque político e a opinião pública seria agraciada com uma satisfação pública por parte da empresa quanto a um empreendimento ambientalmente correto. O princípio constitucional teria sido rigorosamente cumprido e o Ministério Público Federal daria, por finda, no caso específico, a sua jornada cívica em favor da análise de risco e de medidas de precaução ambiental; e esta incansável Vara Federal se livraria da pressão de ter que decidir rapidamente sobre a necessidade ou não do EIA." (Fls. 1358/1369).

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Sobre o autor
Antônio Souza Prudente

juiz do Tribunal Regional Federal da 1ª Região especialista em Direito Privado e Processo Civil pela USP e em Direito Processual Civil, pelo Conselho da Justiça Federal (CEJ/UnB), mestrando em Direito Público pela AEUDF/UFPE, Professor

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRUDENTE, Antônio Souza. Transgênicos:: liminar em cautelar impede cultivo e comércio. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 4, n. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16335. Acesso em: 28 mar. 2024.

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