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A boa-fé: conceito, evolução e caracterização como princípio constitucional

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14/10/2007 às 00:00
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Resumo: Com o presente artigo, procura-se analisar o histórico da boa-fé, diferenciar os conceitos de boa-fé objetiva e subjetiva e delimitar os limites do instituto em sua acepção como princípio constitucional em nosso ordenamento jurídico atual.

Palavras-chave: Boa-fé objetiva. Boa-fé subjetiva. Princípios constitucionais implícitos e explícitos. O princípio constitucional da boa-fé.


Introdução. A evolução da boa-fé

Embora o campo de atuação da boa-fé seja vasto, é grande a dificuldade em sua conceituação, visto que comporta uma série de significados, conforme seja analisada sob os prismas subjetivo ou objetivo, como princípio ou cláusula geral.

Em linhas gerais, pode se afirmar que a origem da expressão remonta aos primórdios dos tempos romanos, em que já se vislumbrava uma nítida dualidade de conceitos, na caracterização simultânea da "bona fides" e da "fides bona". Se, por um lado, analisava-se a crença de um sujeito para avaliar se este procedia conforme os ditames legais, por outro, todas as relações eram fundadas na confiança e o juiz, dentro do processo formulário, era remetido a critérios de decisão éticos, sociais e de eqüidade.

Entretanto, quando da Idade Média, houve uma verdadeira diluição da boa-fé objetiva. Com o domínio então exercido pela Igreja Católica, a boa-fé começou a se traduzir como a ausência de pecado, dentro do contexto dos ideais cristãos. A boa-fé não mais era aplicada à posse ou às obrigações, mas apenas aos acordos meramente consensuais.

Mais adiante, continuou-se intensamente o processo de subjetivação. Na Idade Moderna, com a ascensão da burguesia e todos os valores a esta relacionados, o princípio da boa-fé foi inteiramente absorvido pelo dogma da autonomia da vontade. Os contratos faziam lei entre as partes e a vontade destas era a lei suprema, não devendo o Estado interferir de qualquer modo.

Conforme afirma Rosenvald (2005, p. 77), "do ideário clássico da Revolução Francesa, ‘liberdade, igualdade e fraternidade’, a burguesia se apossou dos dois primeiros valores e comodamente se esqueceu do dever de solidariedade".

Na época das codificações, o desenvolvimento da boa-fé objetiva continuou restrito, uma vez que esta pressupunha e existência de um sistema aberto, o que se contrapunha fatalmente com o absolutismo da lei.

Ou seja, em outras palavras, pode-se afirmar que a conjugação entre a redutibilidade positivista e os ideais da classe dominante, que ansiava apenas pela liberdade de contratar, acabaram por adiar o desenvolvimento da boa-fé objetiva, o que apenas se deu no direito germânico.

O § 242 do BGB marcou o início de uma nova época, sendo que, no pós 1ª Guerra Mundial, a doutrina e jurisprudência alemã se incumbiram de lograr concretude ao princípio da boa-fé.

No Brasil, pode-se considerar a Constituição Cidadã de 1988 como o primeiro grande passo para o reconhecimento da dualidade de conceitos em nossa legislação, haja vista que se utilizou de princípios como o da dignidade da pessoa humana e promoveu uma reinterpretação de todo o direito civil e processual civil.

Atualmente, a boa-fé é definitivamente encarada sob os seus diversos ângulos, sendo que, como princípio, atua, simultaneamente, como postulado ético inspirador da ordem jurídica e critério de aplicação das normas existentes.

Conforme o entendimento de Flávio Alves Martins (2000), tão grande é a importância deste instituto, que, embora não se possa afirmar que todas as normas jurídicas de um determinado ordenamento sejam derivadas de boa-fé, pode-se dizer que é um dos princípios que mais influencia o sistema, representando o reflexo da ética no fenômeno jurídico.


A discussão acerca da unidade ou dualidade de conceitos

A expressão "boa-fé" possui origem latina, em "fides", que, nos tempos romanos, significava honestidade, confiança, lealdade e sinceridade e sua existência decorre do primado da pessoa humana.

Uma corrente minoritária entende pela superação da distinção entre boa-fé objetiva e subjetiva, optando pela unidade de conceitos, como é o caso de Antônio Hérnandez Gil.

O conceito unitário fundar-se-ia em dois pilares: primeiramente, pelo fato de a boa-fé atuar sempre como pauta de comportamento ditada pela moral social e também porque, tanto a boa-fé subjetiva como a objetiva conteriam uma normatividade, embora em graus distintos.

Entretanto, a maioria da doutrina e da jurisprudência, hoje, admite a existência de dois prismas da boa-fé: um subjetivo e um objetivo, num entendimento de que a unificação das vertentes acabaria por elevar ainda mais o nível de abstração dos conceitos.

Nos dizeres de Martins (2000, p. 16):

"A boa-fé guarda em si uma antiga e (hoje) notória distinção entre a chamada boa-fé subjetiva e a boa-fé objetiva. Aquela, considerada como a concepção na qual o sujeito ignora o caráter ilícito de seu ato, esta, um pouco mais exigente, considera-se como a que não protege o sujeito que opera em virtude de um erro ou de uma situação de ignorância o seu comportamento não é o mais adequado conforme a diligência socialmente exigível".

Em que pese os louváveis entendimentos contrários, todavia, no contexto atual, mormente com as disposições da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002, não há que se olvidar da existência da dualidade de conceitos, com a visível superação da ótica individualista e necessidade de atuação de todas as partes pautada na confiança e na solidariedade.

Num primeiro momento, poder-se-ia dispor que a boa-fé subjetiva se refere a dados psicológicos, elementos internos, os quais conduzem o sujeito a uma ignorância do caráter ilícito de suas condutas, relaciona-se com a idéia de crença errônea, enquanto que, a boa-fé objetiva, refere-se a elementos externos, normas de conduta, que determinam a forma de agir de um indivíduo, conforme os padrões de honestidade socialmente reconhecidos.

A boa-fé objetiva seria uma regra de conduta imposta, mas não definida em lei, remetendo a princípios e normas sociais.

A subjetiva se caracterizaria como um estado e a objetiva, uma regra de conduta.

Insta salientar, todavia, que os dois significados não são antagônicos e sim complementares e devem nortear todo o comportamento humano dentro do universo jurídico.

Neste sentido, de acordo com as ponderações de Godoy (Godoy apud Rosenvald, obra cit., p. 80), podemos concluir que:

"Alguém pode perfeitamente ignorar o indevido de sua conduta, portanto obrando de boa-fé (subjetiva) e, ainda assim, ostentar comportamento despido da boa-fé objetiva, que significa um padrão de conduta leal, pressuposto da tutela da legítima expectativa daquele que se contrata. Daí dizer-se que pode alguém estar agindo de boa-fé (subjetiva), mas não segundo a boa-fé (objetiva)".


A boa-fé subjetiva

A boa-fé subjetiva é também denominada de boa-fé crença, isto porque, conforme já fora afirmado, refere-se a elementos psicológicos, internos do sujeito.

Sob este prisma, há a valoração da conduta do agente, uma vez que agiu na crença, analisando-se a convicção na pessoa que se comporta conforme o direito. O manifestante da vontade crê que sua conduta é correta, tendo em vista o grau de conhecimento que possui de um ato ou fato jurídico. Há a denotação de ignorância, crença errônea, ainda que escusável.

Nas palavras de Martins-Costa (2000, p. 411):

"A expressão boa-fé subjetiva denota o estado de consciência ou convencimento individual de obrar (a parte) em conformidade ao direito (sendo) aplicável, ao campo dos direitos reais, especialmente em matéria possessória. Diz-se "subjetiva" justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito na relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar a outrem".

Na aplicação dessa boa-fé, o juiz deverá se pronunciar acerca do estado de ciência ou de ignorância do sujeito. Utilizando-se dos ensinamentos de Menezes Cordeiro (2001, p. 515- 516), podem ser corroboradas tais afirmações:

"Perante uma boa-fé puramente fática, o juiz, na sua aplicação, terá de se pronunciar sobre o estado de ciência ou de ignorância do sujeito. Trata-se de uma necessidade delicada, como todas aquelas que impliquem juízos de culpabilidade e, que, como sempre, requer a utilização de indícios externos. Porém, no binômio boa-má fé, o juiz tem, muitas vezes, de abdicar do elemento mais seguro para a determinação da própria conduta. (...) Na boa-fé psicológica, não há que se ajuizar da conduta: trata-se, apenas de decidir do conhecimento do sujeito. (...) O juiz só pode promanar, como qualquer pessoa, juízos em termos de normalidade. Fora a hipótese de haver um conhecimento directo da má-fé do sujeito – máxime por confissão – os indícios existentes apenas permitem constatar que, nas condições por ele representadas, uma pessoa, com o perfil do agente, se encontra, numa óptica de generalidade, em situação de ciência ou ignorância."

Diz-se, que na boa-fé subjetiva, o sujeito está "em" ou "de" boa-fé.

Esta modalidade de boa-fé, por assim dizer, contrapõe-se à má-fé, remonta raízes na "bona fides" da "usucapio" romana e já se encontrava positivada em diversos dispositivos esparsos do Código Civil de 1916, mormente quando se referia a questões possessórias e regime jurídico de benfeitorias.

Apenas no que se refere à boa-fé subjetiva é que pode se utilizar do consagrado brocado de Stoco (2002, p. 37) de que "a boa-fé constitui atributo natural do ser humano, sendo a má-fé o resultado de um desvio de personalidade".


A boa-fé objetiva

Por sua vez, a boa-fé objetiva, ou simplesmente, boa-fé lealdade, relaciona-se com a honestidade, lealdade e probidade com a qual a pessoa condiciona o seu comportamento.

Trata-se, por derradeiro, de uma regra ética, um dever de guardar fidelidade à palavra dada ou ao comportamento praticado, na idéia de não fraudar ou abusar da confiança alheia. Não se opõe à má-fé nem tampouco guarda qualquer relação no fato da ciência que o sujeito possui da realidade.

Entretanto, apesar de se relacionar com o campo ético-social, a este não se restringe, inserindo-se no jurídico, devendo o juiz tornar concreto o mandamento de respeito à recíproca confiança existente entre as pessoas, sejam elas partes de um contrato, litigantes ou participantes de qualquer relação jurídica.

Caracteriza-se como um dever de agir, um modo de ser pautado pela honradez, ligada a elementos externos, normas de conduta, padrões de honestidade socialmente estabelecidos e reconhecidos.

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Na verdade, trata-se de uma técnica que permite adaptar uma regra de direito ao comportamento médio em uso em uma dada sociedade num determinado momento. Parte-se de um padrão de conduta comum, do homem mediano, num determinado caso concreto, levando em consideração os aspectos e acontecimentos sociais envolvidos. Traduz o estabelecimento de verdadeiros padrões de comportamento no caso concreto. É a sinceridade que deve nortear todas as condutas humanas, negociais ou não negociais. Em outras palavras, o sujeito deve ajustar sua própria conduta ao arquétipo da conduta social reclamada pela idéia imperante.

Consoante a definição de Martins (2000, p. 73):

"A boa-fé, no sentido objetivo, é um dever das partes, dentro de uma relação jurídica, se comportar tomando por fundamento a confiança que deve existir, de maneira correta e leal; mais especificamente, caracteriza-se como retidão e honradez, dos sujeitos de direito que participam de um relação jurídica, pressupondo o fiel cumprimento do estabelecido".

E completa Negrão (2005, p. 85), que, "num primeiro passo, se refere à interpretação objetiva de qual comportamento seria o correto sem se avaliar a vontade das partes".

É uma norma cujo conteúdo não pode ser rigidamente fixado, dependendo sempre das concretas circunstâncias de determinado caso. Neste diapasão, cada ser humano deverá guardar fidelidade à palavra dada e não abusar da confiança alheia, sob pena de contrariar todo o ordenamento jurídico.

Conforme nos ensina Rosenvald (2005), esta modalidade de boa-fé encontra a sua justificação no interesse coletivo das pessoas pautarem seu agir na cooperação, garantindo a promoção do valor constitucional do solidarismo, incentivando o sentimento da justiça social e com repressão a todos a condutas que importem em desvio aos parâmetros sedimentados de honestidade e lisura.

Em nossa doutrina, o primeiro a estabelecer a distinção entre a boa-fé subjetiva e a objetiva, foi Alípio Silveira, utilizando-se de algumas características para identificar a boa-fé objetiva (Silveira, apud Martins, obra cit., p. 104):

"1) Em primeiro lugar, pressupõe que haja duas pessoas ligadas por uma relação jurídica, uma vinculação especial, que determine a confiança entre as partes; 2) Em segundo, que às partes seja exigível um comportamento de bom cidadão, diligente; 3) Em terceiro, considerando-se, ao mesmo tempo, a posição das partes envolvidas na relação jurídica, leva-se em conta que a parte deveria ter agido com lisura, como a outra parte, na medida em que tenha confiado no negócio que celebrara. (...) Na objetiva, à boa-fé não se contrapõe a má-fé ou o dolo, mas a ausência de boa-fé, que ocorrerá quando não se proceder em conformidade com os deveres de conduta, qualquer que seja o motivo da desconformidade".

Diz-se, na boa-fé objetiva, que o sujeito age "de acordo" com a boa-fé.

Esta boa-fé remonta origem na "fides bona" de Roma, ressalta o elemento confiança, e foi contemplada no novo Código Civil, com a admissão da existência dos deveres acessórios de conduta e a previsão como regra de interpretação e regra de contrato.

Por fim, não se pode deixar de se proceder a algumas observações deveras oportunas:

Há que se dispor que, apenas a boa-fé objetiva se relaciona ao princípio da boa-fé. Considerada como princípio, consoante ensina Célia Barbosa Abreu Slawinski (2002), será enquadrada dentre os princípios normativos, posto que serve de fundamento de efetivas soluções disciplinadoras.

Posteriormente, há que se considerar que um ponto muito mais tormentoso do que a admissão da unidade ou dualidade de conceito é a definição da natureza jurídica do prisma objetivo, quer como princípio, regra, standard jurídico ou cláusula geral.

E, por último, cabe salientar, ainda, que, a edição de conceitos como o da boa-fé, não repercute apenas no campo obrigacional, como muitos acreditam e que sim, atribui ao juiz um maior poder, cabendo-lhe adequar a aplicação judicial às modificações sociais, procedendo sempre a uma análise do caso concreto.

De acordo com a lição de Couto e Silva (1997; p. 42):

"O princípio da boa-fé endereça-se sobretudo ao juiz e o instiga a formar instituições para responder aos novos fatos, exercendo um controle corretivo do Direito estrito, ou enriquecedor do conteúdo da relação obrigacional, ou mesmo negativo em face do Direito postulado pela outra parte. A principal função é a individualizadora em que o juiz exerce atividade similar a do pretor romano, criando o "direito do caso". O aspecto capital para a criação judicial é o fato de a boa-fé possuir um valor autônomo, não relacionado com a vontade. (...)"


A necessária classificação dos ordenamentos jurídicos em fechado e aberto

Os ordenamentos jurídicos podem ser classificados em sistemas abertos e fechados.

Em linhas gerais, pode se dizer que um ordenamento jurídico fechado é aquele em que há apenas e exclusivamente regras codificadas, a supremacia absoluta e incontestável da lei, enquanto que um ordenamento jurídico aberto é fundado em regras, mas também em princípios, sendo, portanto, flexível e mais adaptável aos anseios da vida.

Atualmente, encontra-se superada a fase das grandes codificações, sendo que, a imensa maioria dos ordenamentos jurídicos (incluindo o brasileiro) se insere dentro de um sistema aberto, no qual, conforme afirmado, é possibilitada a coexistência de normas e princípios jurídicos.

À medida em que se desponta uma divergência evidente entre o direito constituído e a realidade social em permanente mutação, de acordo com as lições de Rosenvald (2005), não pode mais ser admitida a suficiência das leis.

Bobbio (1909) nos ensina que o jurista deve retirar as regras jurídicas da dinâmica das relações entre as variadas forças sociais e não de regras mortas dos códigos, uma vez que o direito enuncia um fenômeno social. E, pondera, ainda, que o positivismo deve ser abandonado em muitos aspectos. O sistema deve ser dinâmico e, conseqüentemente, mutável, posto que mutável é a sua base de sustentação, quais sejam, as relações sociais.

Pode-se afirmar, sem exagero, que, dentro deste contexto, o pós-positivismo promoveu o encontro da norma com a ética, com a introdução aos ordenamentos de ideais de justiça e valores sociais materializados sobre a forma de princípios. Acrescente-se a isso que, no pós 2ª Guerra Mundial, as Constituições passaram a emitir decisões políticas fundamentais, determinando-se as prioridades dos ordenamentos jurídicos.

Os princípios jurídicos, ao mesmo tempo em que representam valores sociais, dão unidade ao sistema jurídico e também condicionam toda a interpretação e aplicação deste.

A boa-fé objetiva se caracteriza, em uma de suas facetas, como um princípio jurídico, mais precisamente, um princípio constitucional. Por derradeiro, para a melhor compreensão desta sua face, mister o entendimento do que são princípios e qual suas funções em nosso sistema.


A boa-fé no ordenamento jurídico aberto

Num sistema jurídico em que o Código não visa a perfeição ou a plenitude, há um direito mais flexível, em que se busca uma nova adequação à vida, operando como um instrumento para o cumprimento da função social. O sistema se encontra constantemente em construção. O Estado não é considerado como fonte única de produção jurídica, e sim, são valorizados costumes e crenças populares, as quais são retrabalhadas tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência. Admitem-se fontes diversas, ainda que não sejam imediatamente legislativas.

Nas palavras de Negreiros (1998; p. 162-163):

"Sustentar a abertura do sistema jurídico significa admitir mudanças que venham de fora para dentro, ou, em termos técnicos, que provenham de fontes não imediatamente legislativas; significa, por outras palavras, admitir que o Direito, como dado cultural, não se traduz num sistema de "auto-referência absoluta"".

Completando, disse Couto e Silva (1997, p. 43):

"A concepção de sistema aberto permite que se componham valores opostos, vigorantes em campos próprios e adequados, embora dentro de uma mesma figura jurídica, de modo a chegar-se a uma solução que atenda a diversidade de interesses resultantes de determinada situação. (...) Somente o sistema aberto pode abranger todas as situações (...)".

Do sistema podem ser deduzidos princípios, os quais, em um momento posterior, servem de vetores do mesmo ordenamento jurídico. Há a concepção dos "princípios gerais do direito", recolhidos no código e com a função de suplementar as leis. Podem ser conciliados valores opostos. O juiz não é mero aplicador da lei, não devendo seguir um raciocínio lógico-dedutivo, próprio das ciências exatas, mas, pelo contrário, deve aplicar a lei após a realização de uma reflexão em sede do caso concreto, analisando a doutrina, a jurisprudência, os costumes, os princípios. Os doutrinadores ensinam o direito e não as leis, que podem ser eivadas de diversos vícios e incompletudes. Há maior abertura das decisões judiciais à doutrina. O legalismo não é predominante. É reduzida a importância do dogma da vontade. As regras não anseiam atingir o mais alto grau de exatidão, mas, pelo contrário, admitem ser complementadas.

De acordo com o entendimento de Martins-Costa (obra cit.), o sistema aberto possui uma espécie de "energia expansiva" capaz de exprimir ulteriores princípios e de preencher lacunas.

Ora, em razão dessas características, o raciocínio jurídico é diverso e a boa-fé pode se desenvolver. A boa-fé possui conteúdo próprio, não se encontra diluída ou subjetivada.

A Constituição e os princípios nesta embutidos condicionam a interpretação das demais normas e possibilitam o desenvolvimento de cláusulas gerais e outros princípios, como é o caso da boa-fé. A boa-fé pode ser encontrada como norma de conduta, como forma de preenchimento de lacunas na lei, como critério de interpretação de uma norma, etc.

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Sobre a autora
Mariana Pretel e Pretel

advogada, pós-graduada "lato sensu" em Direito Civil e Processual Civil pelas Faculdades Integradas Antônio Eufrásio de Toledo, de Presidente Prudente (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

PRETEL, Mariana. A boa-fé: conceito, evolução e caracterização como princípio constitucional. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1565, 14 out. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10519. Acesso em: 28 mar. 2024.

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