Artigo Destaque dos editores

O direito do trabalhador a incorporar as vantagens e condições mais favoráveis constantes dos acordos e convenções coletivas

01/12/2000 às 00:00
Leia nesta página:

Os princípios de justiça integram a história do homem. No início a luta era desigual, imperava o instinto animalesco; aos poucos as normas de convivência foram sendo estabelecidas, embora primárias, mas a justiça, compreendida como norma de conduta, começava a ganhar corpo, estabeleceu-se o princípio do "olho por olho, dente por dente"; porém a necessidade social de acabar com a prática da "justiça com as próprias mãos", fez com o que o Estado viesse a suprimir essa prática social fratricida e assumisse a responsabilidade de resolver o conflito, estabelecendo a "tutela jurisdicional do estado", assegurando o direito de ação e colocando-se como mediador para solucionar os conflitos de interesses, de forma que nenhuma lesão de direito individual fique afastada da tutela jurisdicional do Estado, desde que para tanto invocada. Esse sistema está estruturado nos estados democráticos (CF, art. 5º, XXXV).

Nos países totalitários o Estado também assume a tutela jurisdicional, mas neles normalmente se admite juízos de exceção e os juízes não têm liberdade de decidir segundo a sua consciência, segundo seu livre convencimento racional, pois não há liberdade.

No Brasil, o legislador constituinte idealizando a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, estabeleceu princípios para atingir o desenvolvimento nacional, para conseguira erradicação da pobreza e a marginalização, para reduzir as desigualdades sociais e regionais, para promover o bem comum ¾ função primordial do Estado. E, para tanto, vinculou, a função social da propriedade ao desenvolvimento da ordem econômica (CF, art. 5º,XXIII e 170,III), valorizando o direito de cidadania, garantindo-se o direito ao salário e ao trabalho (CF, art. 1º, III e IV e art. 7º,IV, V, VI, VII, X).

De se salientar que o Direito do Trabalho nasceu da necessidade social de se buscar um mecanismo que servisse para intermediar os conflitos entre o capital e o trabalho, assegurando ao trabalhador ¾ a parte mais fraca da relação de emprego ¾ uma proteção capaz de equilibrar a sujeição ao poder total de submissão e domínio do dono do capital (patrão), Num universo de desemprego crescente, relevante é o papel da Justiça do Trabalho e inarredável a aplicação do princípio de proteção ao hipossuficiente. Organizados em sindicatos, os trabalhadores conquistaram importantes vantagens salariais, de forma a tornar menos amarga, menos sofrida, a luta pela subsistência, por exemplo: a jurisprudência dos tribunais trabalhistas passou a reconhecer como integrante do contrato de trabalho também os direitos decorrentes de Acordos, Convenções Coletivas e Decisões Normativas.

A evolução chegou a ser incorporada pela Constituição Federal ¾ art. 114, parte final do § 2º e inciso XXVI do art. 7º ¾ assegurando o respeito às "disposições convencionais e legais mínimas de proteção do trabalho", bem como o direito ao "reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho", sendo ainda de se acrescentar que o desrespeito contraria também o disposto no inciso XXXVI do art. 5º da CF que assegura a intangibilidade de situações definitivamente consolidadas, situação esta que veio inclusive a ser corroborada pela Lei 8542/92 que consolidou a nível infraconstitucional o entendimento jurisprudencial no sentido do reconhecimento do direito à incorporação de vantagens ao contrato de trabalho ao dispor que "as cláusulas dos acordos, convenções ou contratos coletivos de trabalho integram os contratos individuais de trabalho (...)".


Todavia, o governo federal, astuta e sutilmente, com intento claro de prejudicar a classe trabalhadora, cassou esses direitos no art. 19 da Medida Provisória 1060, de 10.06.98, confiando no apoio de sua dócil maioria parlamentar.

Indignada, a Confederação Nacional dos Trabalhadores Marítimos, Aéreos e Fluviais - CONTTMAF, representando milhares trabalhadores lesados, depositária do anseio e esperança de milhões de trabalhadores por ela não representados, buscando o restabelecimento do direito violado, ajuizou no SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 1849-0, de 23.06.98), demonstrando a violência da cassação dos direitos dos trabalhadores, reconhecidos pela Constituição e regulamentados pela Lei 8.542.92.

A ação (ADI) foi distribuída ao Ministro Marco Aurélio de Mello, que examinando a relevância da matéria concedeu a LIMINAR requerida, suspendeu os efeitos do art. 19 da da Medida Provisória 1060/98, restabelecendo os dispositivos legais então cassados, §§ 1º e 2º da Lei 8.542/92, voltando assim os trabalhadores a ter direito ao reconhecimento das condições e vantagens constantes das cláusulas dos acordos e ou convenções coletivas de trabalho, mesmo não renovados, como integrante do respectivo contrato de trabalho.


Em conclusão, fica assegurado o direito do trabalhador à integração das cláusulas dos acordos/convenções em seu contrato de trabalho, sendo que as alterações decorrentes de não renovação das cláusulas somente atingem os empregados novos, mantendo-se intacto o direito dos empregados antigos, como já vinha reconhecendo a jurisprudência predominante, que encontrava suporte inclusive no entendimento do STF no AI 73.169/78: "não ofende coisa julgada o acórdão que, em virtude de acordo coletivo anterior, reconhece que os empregados que já haviam preenchido os requisitos para, durante sua vigência, adquirir direito dele resultante, não perdem por não mais constar tal direito de Acordo Coletivo Posterior".

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Os direitos trabalhistas são de ordem pública, alimentares e indisponíveis, só podendo ser renunciáveis na presença do Juiz do Trabalho, como forma de evitar-se fraudes, como ressalva PINTO MARTINS: "(...) pois nesse caso não se pode dizer que o empregado esteja sendo forçado a fazê-lo" (MARTINS, Sérgio Pinto. Direito do Trabalho, 8ª edição, SP Edit. Atlas, 1999).

Ainda, sobre esta mesma questão, da indisponibilidade e da irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, citamos os sábios ensinamentos da emérita Professora Aldacy Rachid Coutinho da Universidade Federal do Paraná:

"No direito do trabalho, unânime a aceitação de que a regra é a inderrogabilidade relativa das regras jurídicas, máxime diante dos arts. 9º, 444 e 468, da Consolidação das Leis do Trabalho; as partes interessadas podem dispor, sim, desde que não contrariem os patamares mínimo e máximo estabelecido pelo ordenamento jurídico, quer em lei, quer em instrumento normativo da categoria, sob pena de nulidade (...). Os direitos dos trabalhadores, quer os previstos em lei, quer os negociados em acordos, convenções coletivas ou previstos em sentença normativa, assim como os abrangidos por normas emanadas de autoridades administrativas no exercício de sua competência legal, se inserem nos contratos individuais de trabalho, tornando irrenunciáveis as respectivas cláusulas". (A INDISPONIBILIDADE DE DIREITOS TRABALHISTAS, monografia publicada na Revista da Faculdade de Direito da UFPR Vol. 33 - 2000, pág. 09).

De se ressaltar ainda que a questão da incorporação ao patrimônio jurídico das vantagens convencionais e legais mínimas de proteção ao trabalho foram elevadas à categoria de direitos fundamentais (art. 114 parte final do § 2º, da CF).

Finalizando, de se ressaltar que, recentemente, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no exercício de sua competência plena e exclusiva de guardiã da Lex Legum (CF, art. 102, caput e inciso III "a"), decidiu que o direito de respeito ao negociado não pode violar os direitos legais irrenunciáveis dos trabalhadores:

"STF, Primeira Turma. Acordo Coletivo e Estabilidade de Gestante. Considerando que os acordos e convenções coletivas de trabalho não podem restringir direitos irrenunciáveis dos trabalhadores, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do TST que afastara o direito de empregada gestante à estabilidade provisória prevista no art. 10, II, b, do ADCT ("II – fica vedada a dispensa arbitrária ou sem justa causa:... b) da empregada gestante, desde a confirmação da gravidez até cinco meses após o parto."), em razão da existência, na espécie, de cláusula de acordo coletivo que condicionara o mencionado direito à necessidade de prévia comunicação da gravidez ao empregador. RE 234.186-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 5.6.2001.(RE-234186)

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Luiz Salvador

advogado trabalhista no Paraná, diretor para assuntos legislativos da ABRAT, integrante do corpo técnico do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (DIAP), colaborador de revistas especializadas em Direito do Trabalho (LTr, Síntese, Gênesis)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SALVADOR, Luiz. O direito do trabalhador a incorporar as vantagens e condições mais favoráveis constantes dos acordos e convenções coletivas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 48, 1 dez. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1167. Acesso em: 29 mar. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos